Já não sabemos mais morrer!
“A verdadeira grande epidemia
atual é o nosso medo selvagem e desesperado. Durante a peste de 1630, se sabia que a morte não é o fim de tudo.
Hoje, ao contrário, se usam tons pastel nos funerais, porque preto e roxo
causam terror. Estive há pouco tempo na Índia e alguns médicos locais
confirmaram que Madre Teresa estava certa: a diferença entre um oriental e um
ocidental é a atitude em relação à morte. Nós, ocidentais, somos terrorizados
pela morte, não sabemos mais morrer.”(Giacomo Galeazzi, jornalista e escritor italiano – Entrevista ao
Unisinos)
Uma pandemia tem o
poder de mudar a rotina imediata das religiões e alterar tradições centenárias:
o
cristianismo fechou igrejas e celebrou a Páscoa de 2020 em isolamento; o
islamismo teve que proibir peregrinações a lugares sagrados e incentivar um
Ramadã privado, sem orações coletivas; líderes do judaísmo promoveram em
fevereiro uma sessão de oração massiva no Muro das Lamentações pelo fim da
doença. Mesmo as igrejas inovadoras, acostumadas ao uso da tecnologia,
tiveram que improvisar. Sem dúvida, a crise do coronavírus tem sido um teste para as
religiões, e tem muita gente poderosa de olho nisto.Por definição,
uma pandemia tem o potencial de causar um estrago global e ninguém está imune.
Vírus não respeitam fronteiras nem credos. Mas, em longo prazo, qual seria o
impacto das pandemias na história dos movimentos religiosos? Especificamente,
será que as pragas tiveram influência positiva na trajetória do cristianismo?
AS PESTES E PANDEMIAS NOS PRIMEIROS SÉCULOS
No caso do
cristianismo, sua experiência com pandemias e pragas está na pré-história e na
pós-história do movimento. Para começar, a religião judaico-cristã teve origem
durante as pragas do Egito (Êx 5–12), episódio que deixou profundas marcas na narrativa
bíblica. O festival da Páscoa foi instituído para celebrar não só o fim da
escravidão, mas também o livramento da pandemia controlada e direcionada, numa
guerra de deuses (Êx 12,12) em que o monoteísmo venceu o politeísmo. Depois
da libertação das pragas, Yahweh Se apresentou como o Médico de Israel e
prometeu livrá-lo das doenças que tinha enviado sobre o Egito (Êx 15,26). Foi
nessa época também que Ele estabeleceu o princípio do isolamento social para
certas doenças (Lv 13).Então, no início do cristianismo, Jesus foi
apresentado como a nova Páscoa, morrendo e ressuscitando para garantir a vida
da humanidade.
Como que numa moldura, o último livro da Bíblia apresenta uma nova
sequência intensificada de pragas finais (as sete taças de Ap 15, 16),
prometendo livramento para os fiéis.
No 2º
século,
o Império Romano foi atingido pela chamada peste antonina (165-180), que tinha
taxa de mortalidade de cerca de 25% entre os doentes e matou mais de 5 milhões
de pessoas. Durante um novo surto da doença em 189, segundo o historiador Cássio
Dio, morriam 2 mil pessoas por dia na capital do império. Quando a peste atacou
Roma em 166, o grande médico Galeno se refugiou em sua casa na Ásia Menor, mas
voltou em 168, convocado pelos co-imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero. Aparentemente,
ao abandonar os pacientes, ele estava seguindo a ética médica da época. Em
tempos de pestilência, os médicos eram os primeiros a deixar a cidade, caso
achassem que não podiam fazer nada para resolver o problema. Embora haja um
debate sobre o tipo de pandemia que atingiu aquela população, pode ter sido uma
infecção viral violentíssima, causando medo e turbulência no império.
O fato é que a doença
ofereceu uma oportunidade para os cristãos praticarem seu discurso a respeito
da Caridade. Marco Aurélio convencido de que os deuses estavam enfurecidos porque os
cristãos se recusavam a honrá-los, moveu uma perseguição aos seguidores de
Cristo. Mesmo assim, eles assistiam os doentes. Enquanto os pagãos fugiam, eles ficavam e
ajudavam. Isso criou uma boa imagem do cristianismo. Além disso, a nova religião tinha uma excelente
teologia para tempos de pandemia, oferecendo esperança de rever os entes
queridos no futuro e conferindo sentido para a vida em meio à crise.
No 3º século (249-262 d.C.), uma nova e misteriosa
pandemia atingiu fortemente o Império Romano, matando até 5 mil pessoas por dia
na capital (Roma). A doença ficou conhecida como “peste de Cipriano” porque o líder
religioso de Cartago escreveu um sermão ou panfleto sobre a pandemia,
fortaleceu a fé dos cristãos e promoveu uma agenda positiva em meio ao caos. Em
“Sobre a Mortalidade” (De mortalitate), Cipriano se dirigiu aos que achavam que
a praga estivesse sendo democrática demais, sem fazer diferença entre pagãos e
cristãos, explicando que, enquanto os cristãos estiverem no mundo, estarão
sujeitos à mortalidade. Num estilo sereno, ele ofereceu o conforto da
verdade bíblica para fortalecer a atitude da igreja.
Os historiadores são quase unânimes em afirmar que essa pandemia, que
exerceu influência na queda de Roma, ajudou na expansão do cristianismo.
Os cristãos estavam
presentes na hora da ausência e foram a ajuda visível diante do inimigo
invisível. De acordo com Dionísio de Alexandria, ao menor sinal da doença, os
pagãos abandonavam os enfermos e fugiam de seus queridos, jogando-os nas ruas.
Já os cristãos, seguindo o exemplo de Cristo, mostravam grande amor e cuidado
pelos doentes.
“Muitos, ao cuidar dos outros e
curá-los, transferiam a morte para si mesmos e morriam em seu lugar” (Letters and Treatises [Macmillan, 1918],
p. 72).
Além de prover água,
alimentos e medicamentos para os doentes, os cristãos os limpavam e até
providenciavam um sepultamento digno. Para os que haviam perdido os parentes na
pandemia, eles ofereciam uma nova família.
“No calor da perseguição e da
praga, Cipriano apelou para que seu rebanho mostrasse amor ao inimigo”,
sublinhou o historiador Kyle Harper (The
Fate of Rome: Climate, Disease, and the End of an Empire [Princeton University
Press, 2017], p. 156).
Segundo ele, “depois
que o fogo da crise se apagou, suas cinzas deixaram um campo fértil para a
expansão do cristianismo.” Esse é um exemplo positivo para os cristãos
de hoje, que não devem ignorar o sofrimento alheio, mas mostrar solidariedade. Para
o sociólogo Rodney Stark, autor de The Triumph of Christianity (HarperOne,
2011), o serviço ao próximo foi um dos fatores decisivos para a expansão do
cristianismo nesse período.
“É bem plausível que o cuidado provido pelos cristãos tenha reduzido a
mortalidade em dois terços” (p. 117). Além do impacto do testemunho, o cuidado que os cristãos já mostravam
no dia a dia uns pelos outros ajudou no índice de sobrevivência deles,
colaborando também para o crescimento do cristianismo (p. 118).
Na antiguidade, o
cuidado da saúde estava principalmente nas mãos de sacerdotes e pessoas não
especializadas. Se os ricos conseguiam acesso aos melhores médicos, os
marginalizados tinham que se contentar com a “medicina” popular e a ajuda dos
deuses.
A partir do 2º século d.C., diz George Rosen no livro A History of
Public Health (Johns Hopkins University Press [2015], p. 15, 16), os romanos
estabeleceram o serviço médico público, inclusive com médicos municipais e
ligados às instituições.
Os romanos não deram
grande contribuição para a teoria nem para a prática da medicina, mas foram
eficientes na organização do serviço médico. A combinação entre cuidado
solidário dos doentes, ensino de um estilo de vida saudável, a crença em uma
metanarrativa inteligente e a pregação apocalíptica tem se mostrado o caminho
de crescimento da igreja em tempos de pandemia. Nesse contexto de
medicina ainda precária, os cristãos foram muito úteis, e sua religião levava
vantagem sobre as demais. Além disso, considerando que as doenças
infecciosas geralmente têm origem nos animais, mas sua transmissão depende do
fator humano, os cristãos e principalmente os Judeus com as purificações, talvez
tivessem mais conhecimento prático sobre higiene, alimentação e prevenção.
As leis bíblicas sobre alimentos “puros”, princípios de saúde e isolamento
social, quando seguidos, representavam um grande diferencial. O
cristianismo ajudou até mesmo na reconfiguração das ideias dos romanos, que na
era pré-cristã adoravam a deusa da febre (Dea Febris) na tentativa de manter a
malária sob controle! Isso não quer dizer que a teologia cristã da época fosse
livre de erros e superstições. Seja como for, a confiança em Jesus como Doador
da vida era enorme e teve impacto no pensamento popular.
O DILEMA NAS PANADEMIAS: FUGIR OU FICAR?
Em meados do século 14, a chamada peste
negra, aparentemente causada por uma pequena bactéria (Yersinia pestis),
devastou a Ásia e a Europa. O nome da doença, cujo pico de contágio ocorreu
entre 1347 e 1351, se deve ao escurecimento da pele dos mortos por causa de
hemorragia subcutânea. As estimativas de
morte variam de 25 a 75% da população desses continentes. Entre 75 e 200
milhões de pessoas perderam a vida. Quase 70% dos estudantes da Universidade de
Oxford sucumbiram. A população de
Paris foi reduzida em 42%. Veneza teve uma taxa de mortalidade de 60%. Em
Florença, a mortalidade chegou a 90%. Em média, as cidades levaram dois séculos
para recuperar sua população pré-epidemia.
As pragas desse
período, assim como em outros casos, tiveram um impacto monumental na economia,
nos padrões demográficos, na estrutura das cidades, no cenário internacional,
no avanço das civilizações e, naturalmente, na vida das pessoas. Por
exemplo, durante a peste que assolou a Inglaterra no século 17, tornou-se comum
transferir os doentes para hospitais isolados nos subúrbios (as pesthouses,
literalmente “casas da peste”), e muitos serviços públicos entraram em colapso.
O comércio virtualmente morreu. E o mundo religioso fazia parte do epicentro
conceitual da pandemia.
Entre outras coisas, a peste era atribuída “à ira de Deus, à punição
pelos pecados e a uma conjunção de estrelas e planetas”, registra a
Encyclopedia of Plague and Pestilence (Facts on File, 2007, p. 32). “Fanáticos
religiosos diziam que os pecados humanos haviam suscitado a pestilência
terrível. Eles vagavam de um lugar para outro flagelando-se em público. Em
certos lugares, a praga era atribuída aos deficientes físicos, nobres e judeus,
que eram acusados de envenenar as fontes de água e eram expulsos ou mortos pelo
fogo ou tortura. Havia pânico em toda parte, com homens e mulheres sem saber o
que fazer para cessar a praga, a não ser fugir dela.”
Para muitos estudiosos, a peste negra marcou o fim da
Idade Média e abriu o caminho para a Idade Moderna
Foi uma convulsão
política, social e religiosa descomunal. Isso obviamente teve impacto no
cristianismo. Muitos sacerdotes morreram. A igreja teve que baixar os critérios para
repor os religiosos. O próprio papa temia perder parte de seu poder. Se o
fanatismo floresceu, também surgiram novas maneiras de pensar a religião.
Como a peste teve muitos outros surtos, inclusive a grande praga de Londres em
1665, ela atravessou o período da Reforma Protestante.
No século 16, vários reformadores sentiram o impacto da
pandemia
O teólogo Andreas
Karlstadt (1486-1541), o pastor anabatista Conrad Grebel (1498-1526) e o pintor
Hans Holbein, o Jovem (1497-1543) morreram em consequência da praga. Em 2 de
agosto de 1527, a pandemia chegou a Wittenberg. Johann, Eleitor da Saxônia,
ordenou que Lutero fosse para Jena, local para onde a universidade havia se
mudado temporariamente. Ele se recusou a sair e ficou para cuidar dos doentes,
o que custou a vida de sua pequena filha Elizabeth. Sua casa se transformou em
um pequeno hospital. Consultado sobre a postura cristã adequada diante da
pandemia, ele escreveu o panfleto “Se Alguém Deve Fugir de uma Praga Mortal”. Embora
Lutero protegesse a santidade da vida e sugerisse evitar o risco desnecessário,
se a pessoa não tivesse uma função pública, a essência de sua resposta foi: devemos
morrer em nossos postos. O povo, por sua vez, recebeu a mensagem com
alegria, pois havia experimentado também o valor do evangelho, ao cuidar dos
moribundos.De modo semelhante, a grande praga de Londres em 1665 transformou a
mentalidade da época. “Os textos religiosos e médicos estavam entre os mais
procurados nos tempos da praga”, avalia Kathleen Miller em The Literary Culture
of Plague in Early Modern England (Palgrave Macmillan, 2016, p. 214),
referindo-se aos dois subgêneros literários que dialogavam entre si e passaram
por grandes transformações.
AS PESTES E PANDEMIAS NO VELHO E NO NOVO MUNDO
As pandemias, naturalmente,
não ficaram restritas ao Velho Mundo. Numa comparação entre o desenvolvimento do
cristianismo no Império Romano e no México colonial, Daniel T. Reff defendeu a
tese de que o processo de cristianização foi parecido na Europa e na América
Latina. Ambos os contextos foram marcados por epidemias e doenças
infecciosas que “solaparam a estrutura e o funcionamento das sociedades pagã e
indígena, respectivamente” (Plagues, Priests, and Demons [Cambridge University
Press, 2005], p. 1-2).
“Tanto os pagãos europeus quanto
os índios mexicanos foram atraídos por crenças e rituais cristãos porque eles
representavam um meio de compreender e lidar com as doenças epidêmicas e as
calamidades. As estratégias
organizacionais fundamentadas na caridade e na reciprocidade implementadas
pelos primeiros cristãos e mais tarde utilizadas por missionários no México
também foram especialmente atraentes num contexto de profunda turbulência
sociocultural.”
Ao longo do tempo, no
contexto de doenças, muitos milagres foram associados a intercessão de Santos Católicos. Raymond
Van Dam sugeriu que a cura miraculosa e as noções medievais de doença e
restauração ofereceram um “idioma” para que as pessoas pudessem conceituar Deus
e descrever sua própria identidade (Saints and Their Miracles in Late Antique
Gaul [Princeton University Press, 1993], p. 84, 91). O cuidado, o sistema de
crenças e os rituais do cristianismo eram mais eficazes para lidar com os
efeitos devastadores das pandemias.
Avançando no tempo, a década de 1840 foi de grandes
redefinições nas áreas científica, filosófica e religiosa
Os conceitos de saúde
e doença também estavam sendo revistos. Por exemplo, foi em 1849 que um médico
inglês chamado John Snow publicou um panfleto sobre o modo de transmissão do
cólera em que defendeu que esse “veneno” era transmitido pela água e
reproduzido no corpo. Na época, a teoria dominante dizia que a doença era
transmitida pela inalação de ar sujo. Ele se tornou o pai da moderna
epidemiologia. No entanto, a igreja não ficou apenas no nível teórico. No
início do século 20, a pandemia de influenza de 1918-1919, a chamada “gripe
espanhola”, que por sinal surgiu nos Estados Unidos, infectou cerca de 500
milhões de pessoas e matou de 50 a 75 milhões. Dentro de um ano a partir de sua
identificação, o vírus ganhou uma dimensão global. Ao contrário da pandemia
atual, ela vitimou muita gente jovem, às vezes causando a morte dentro de 24
horas depois da manifestação dos primeiros sintomas.
Os novos meios de transporte (como na propagação mundial da Covid 19), ajudaram
a espalhar a doença, assim como ocorre hoje, de modo mais acelerado, no mundo
globalizado.
A Igreja também foi
afetada pela crise e o isolamento, mas procurou responder com ajuda ao próximo,
inclusive por meio de sua rede hospitalar.
Curando corpos, salvando almas: a peste e a Igreja
*(Por: Rodrigo Coppe Caldeira)
As instituições
religiosas foram afetadas diretamente pela pandemia da Covid-19. A magnitude
desse impacto só pode ser comparada com aquele causado pela gripe espanhola no
início do século 20, além de evocar a memória da Peste Negra que arrasou a
Europa há setecentos anos. Igrejas, mesquitas, sinagogas e outros
centros religiosos foram fechados em diferentes partes do planeta. Milhões de
pessoas confinadas sem acesso aos cultos e serviços religiosos, a não ser
remotamente. As religiões já vinham sendo impactadas por mudanças nessa
esfera desde o surgimento da internet, que dá um passo para além do
televangelismo e aprofunda as experiências religiosas “a distância”, levantando
uma série de questões aos seus líderes.
Analisando o fato religioso por uma perspectiva
pragmática
Sabemos que as
religiões desempenham um papel social destacado no enfrentamento das
vicissitudes da vida. No campo psíquico, colabora fornecendo-nos modelos a
serem seguidos, que geralmente são experimentados no sofrimento e o sentido por
ele revelado. Elas nos ajudam a encarar nossas dores, a situá-las num arco
existencial mais amplo e profundo. Os mitos são verdadeiros porque funcionam.
Desempenham seus papéis desde a pré-história humana e continuam agindo em nosso
favor. Revivê-los nos faz experimentar a força dos seus significados, que
espelham por sua vez vidas exemplares e feitos fabulosos. Em linguagem moderna,
podemos afirmar que há aí um fator terapêutico. Não desejo encerrar o fato
religioso e reduzir sua compreensão apenas a este elemento. São várias as
teorias, de áreas diferentes das Humanidades, que buscam entendê-lo em suas
manifestações diversas.
Apenas na área da Psicologia podemos citar, entre outros, William James,
Viktor Frankl, Gordon Allport, Otto Rank, Carl G. Jung e Sigmund Freud.
O suporte psíquico
oferecido pelas religiões nos períodos atravessados por epidemias foi
acompanhado pela atuação direta de seus representantes no cuidado com os
doentes. No caso ocidental, a Igreja Católica foi um ator social recorrente nos
episódios em que as pestes surgiam e dizimavam as populações. Estudiosos que se
dedicam ao tema discutem como a instituição se envolveu na história da formação
dos hospitais como se conhecem hoje. Em Mending bodies, saving souls: a history
of hospitals - Oxford University Press, Guenter B. Risse afirma que:
No século IV a Igreja começou a
promover a criação em larga escala de hospitais para receber doentes, órfãos e
pobres, além de hospedar estrangeiros, objetivo principal desses espaços
naquele período. O espírito caritativo universalista, novidade do cristianismo,
era o elemento fundamental que embalava a criação destes lugares de
recolhimento. O autor lembra do papel desempenhado pelos monastérios nascentes
entre os séculos 5º e 10º, que se tornaram centros de estudo e transmissão de
textos médicos antigos, além das ordens militares estabelecidas no período das
Cruzadas que administravam hospitais no continente europeu, com destaque para
os Cavalieri di San Giovanni.
O turning point dessa
atuação ocorreu com a peste bubônica do século 14 que, segundo estimativas,
matou 30% a 60 % da população europeia. Os padres caminhavam
por todos os lados oferecendo esperança e conforto aos doentes. Arriscavam-se
e morriam pelo Cristo que encontravam nos acamados. Lois N. Magner afirma, em A
history of medicine (Taylor & Francis), que o efeito da praga na Igreja foi
profundo. A mortalidade entre os clérigos teria alcançado 50% entre
1348 e 1349. Em algumas áreas, monastérios, igrejas e vilas
inteiras foram abandonadas. O que
teria levado à ordenação de homens com menos qualificações e a posterior
desmoralização do clero.
De acordo com John
Kelly, em Great mortality. An intimate history of the Black Death, the most
devasting plague of all time, de maneira geral, a taxa de mortalidade dos padres
com a Peste Negra foi entre 42 a 45% mais alta do que as taxas da população em
geral que é tida pelos estudiosos entorno de 30%. Visitar os doentes a fim de
consolá-los frente ao desafio da doença e da morte os tornavam totalmente
vulneráveis. Com o crescimento vertiginoso da doença e poucos padres, o
papa Clemente 6º (1291-1352) declarou que os moribundos obteriam a remissão de
seus pecados mesmo se não conseguissem confessá-los a um sacerdote. Digno de
nota é a publicação pelo papa, em 1348, de duas bulas instruindo os cristãos a
não responsabilizarem os judeus pela praga que assolava a Europa. Clemente 6º
afirma que aqueles que os culpavam teriam sido “seduzidos por esse mentiroso, o
diabo”. O gesto papal não impediu porém os massacres, como o de Strasbourg em
1349, que matou centenas de judeus.
Na epidemia que devastou Milão no século 16, São Carlos Borromeu
(1538-1584) incentivava os padres a se envolverem diretamente com os doentes a
fim de colaborarem com a salvação de suas almas. O santo fazia uma relação
direta entre estar com os necessitados, colocando-se em risco ao entrar em
contato direto com os doentes, e o martírio cristão. Sua ideia ecoava o
ensinamento de Santo Tomás de Aquino, que afirmava ser necessário expor seus
corpos aos perigos em vistas de uma bem maior, a salvação.
No século seguinte, a
epidemia que deixou por volta de 1 milhão de mortos na Itália levou a uma
movimentação mais contundente da Igreja em vistas de contê-la. Com a larga
experiência pregressa, o papa Urbano 8º (1568-1644) criou a Congregação
Sanitária na Cúria Romana em 1630 com intuito de prevenir e limitar o contágio
de possíveis doenças, que teve papel de destaque na epidemia de 1659 e que
havia tocado Roma de maneira mais violenta.
Combinando sua autoridade religiosa e política, o papa Alexandre 7º
(1599-1667) colocou em marcha uma complexa burocracia, o que levou à conhecida
quarentena da região de Trastevere. Além disso, de acordo com Guenter B. Risse,
foram canceladas procissões e outras cerimônias religiosas e solicitado aos
fiéis que rezassem pelos doentes e mortos na privacidade de suas casas.
Nos dias em que a
pandemia ainda se alastrava, às 2 horas da manhã tocavam os sinos das
principais igrejas de Roma, convocando os fiéis às suas sessões de oração com a
promessa de uma indulgência para aqueles que rezavam três Pais-Nossos e três
Ave-Marias. Mesmo fora dos estados papais, buscou-se conter a expansão
da doença, oferecendo igrejas e conventos como instalações improvisadas de
isolamento e envio de padres para confortarem com seus sacramentos os doentes.
A pandemia de gripe
espanhola, séculos depois, também nos rememora algumas histórias sobre a
atuação da Igreja que precisou se organizar em vistas de ajudar no estancamento
do contágio. Nos EUA, uma história comovente sobre a atuação de freiras naquele
período veio à tona em março lembrada por Kiley Bense e publicada no The New
York Times. Ao realizar uma pesquisa na American Catholic Historical Society of
Philadelphia, a escritora encontrou um documento com o título “Work of the
Sisters During the Epidemic of Influenza, October 1918”. Avisados pela Cruz Vermelha que a
Filadélfia não tinha quantidade suficiente de enfermeiros para tratar os
infectados pela influenza, em rápido crescimento, o arcebispo da cidade apelou
para que as freiras da diocese deixassem os conventos e se juntassem às equipes
médicas. Sem qualquer experiência na área e pouco contato com o mundo
externo, 2.000 irmãs responderam à solicitação do arcebispo e se arriscaram no
combate à doença. Responsabilizaram-se por uma região da cidade, cuidando de
imigrantes provenientes da Itália, Ucrânia, Polônia e China.
Segundo Bense, no final da epidemia, 23 irmãs haviam morrido da gripe e
o reconhecimento dos trabalhos prestados chegou pela voz do prefeito da cidade:
“Nunca vi uma demonstração maior de caridade ou auto-sacrifício real”, disse
ele, “independentemente do credo ou da cor das vítimas, para onde as freiras
eram enviadas”.
A história das
epidemias no Ocidente entrelaça-se com a história da Igreja Católica e com a de
centenas de homens e mulheres que se doaram com o objetivo de levar cura e
conforto para os que sofriam. Além de nos lembrar da precariedade que atravessa
a experiência humana sem distinção, ela nos lança novamente a questão sobre o
papel das religiões no espaço público contemporâneo.
*Rodrigo Coppe
Caldeira,
é Historiador e Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É líder do Laboratório de
Estudos em Religião, Modernidade e Tradição (LeRMOT) da PUC Minas.
Fonte: Estado da Arte
CONCLUSÃO:
As pandemias do
passado “são lembretes de que esses surtos periódicos de doenças terríveis são
como se a natureza estivesse segurando uma espada sobre a cabeça da humanidade,
sugerindo uma metáfora de batalha ou guerra”, comparou Michael C. LeMay (Global
Pandemic Threats [ABC-CLIO, 2016], p. 6). Independentemente da
metáfora, esses lembretes costumam ficar gravados na memória coletiva por muito
tempo, como mostra o evento das pragas no Egito e do êxodo.Com isso, os menos
informados pode imaginar o Todo-poderoso em Seu palácio celestial, imune ao
sofrimento do mundo, talvez até com um sorriso sádico dizendo: “Eu não avisei?”
Mas esse não é o quadro pintado na Bíblia. O Deus bíblico sofre com o mundo sofredor.
Em Gênesis, Ele sofreu quando a violência dominou a Terra. No fim de Seu
ministério, Jesus chorou quando pensou no destino de Jerusalém. Em Romanos 8, o
Espírito geme pelas dores da natureza. No Apocalipse, Deus envia aviso
após aviso para tentar livrar a humanidade das pragas finais.Infelizmente,
devido à condição danificada do mundo, grandes pandemias têm ocorrido e
continuarão ocorrendo. O lado positivo, se é que existe, é a busca
maior por Deus nesses momentos. O judaísmo nasceu num contexto de pragas. O
cristianismo se expandiu num mundo de pandemias. A reforma protestante também, nasceu e cresceu num
ambiente de epidemias. O reino de Deus será estabelecido após a vitória
final sobre as pragas.Ao longo da história, portanto, a combinação entre
cuidado solidário dos doentes, ensino de um estilo de vida saudável, a crença
numa metanarrativa inteligente e a pregação apocalíptica tem se mostrado o
caminho do crescimento da igreja em tempos de pandemia.
Com certeza, no passado a Igreja não combateu as pandemias como vem fazendo a maioria (sem generalizar para não ser injusto, pois temos algumas raras e exemplares exceções de bons pastores), destes atuais bispos sem autoridade, e estes padrecos midiáticos, mais preocupados com sua própria imagem, (o tempo todo com câmeras, tirando fotos, selfs, Botox e Photoshop pra apresentar aquelas caras lambidas com o sorriso falso, praticando a caridade de holofotes), do que com a salvação das almas a eles confiadas em sua diocese ou paróquias.
Uns frouxos e covardes, com uma "fé" sem verdade, e sem o exercício das nobres virtudes, sem nervos, uns geleias amantegados e maricas frutos do liberalismo iluminista e esquerdopata, e quando não, são os “coluna do meio” (isentões do tipo não sou contra e nem a favor, muito pelo contrário). Pregoeiros da Igreja que tolera tudo, menos a sã doutrina da salvação, abrindo espaço para tudo, parecendo mais a casa da mãe Joana, uma verdadeira torre de Babel, onde as ovelhas ficam perdidas e desgarradas, completamente desorientadas. Ela é o contrário da única Igreja de Cristo, a Igreja Católica Apostólica Romana, que não é uma igreja que tolera tudo, uma igreja indiferente ao erro e ao mal. Nesse falso hospital, tolerante de todas as enfermidades sem oferecer o remédio da verdade, irão morrer todo mundo.
Esse pseudo-hospital, aliado de todas as doenças, seria um traidor da saúde. Um hospital traidor da vida em nome de uma pseudo ciência, pois é mais ideológica que científica.Uma Igreja que não tem amor nenhum à verdade, porque não tem nenhum ódio ao erro.Uma Igreja que não tem nenhum amor à virtude, que nem odeia e nem condena o vício, muito pelo contrário, se delicia com ele.
Este projeto de igrejola existe sim: no inferno! Ela é a
igreja que satanás quer implantar no mundo no lugar da Igreja Católica, mestra
da Verdade e Mãe de todas as virtudes. É infernal, pois é o diabo que tolera
todos os erros e pecados e odeia toda a verdade e todo o bem, uma igreja sem
muros. Porque quem tolera a mentira, não ama a verdade. Quem não condena o
vício, odeia a virtude.Enfim, uma igreja que já não segue o ensino básico de
Cristo:
“Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a
sua vida, por amor de mim, acha-la-á” (Mateus 16,25)
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