'Dois Papas': o que é realidade e ficção no filme
da Netflix ?
O longa dirigido pelo brasileiro
Fernando Meirelles (o que já gera suspeitas, pois não é especialista no assunto)
de Cidade de Deus e Ensaio Sobre a Cegueira, a partir do roteiro do neozelandês
Anthony McCarten, de A Hora Mais Escura e A Teoria de Tudo, gira em torno de uma
conversa fictícia entre o cardeal de Buenos Aires e o bispo de Roma
pouco antes da renúncia do segundo, em fevereiro de 2013.O foco é no confronto
de dois personagens interpretados por Anthony Hopkins (Bento 16) e Jonathan
Pryce, respectivamente, com diferentes
visões de mundo. E à medida que a trama avança, eles não apenas terão
empatia como também mudarão a visão um do outro e mostrarão uma nova concepção
do mundo. Dois Papas apresenta duas (supostas
pelo diretor) visões contrapostas de dogma (qual dogma? – Confunde-se dogma com ensino
tradicional) vida e fé que se cruzam
de forma quase arquetípica no anseio comum por um futuro melhor para a Igreja
Católica em crise.
Mas o que é de fato ficção e realidade nessa
obra "inspirada em fatos reais"?
A BBC Mundo (serviço da BBC em espanhol) se propôs a decifrar
algumas partes do filme:
1)- Conclave e eleição de Bento XVI
Um fato real dá
início à trama: é abril de 2005 e o papa João Paulo 2º morreu.Cardeais de todo
o mundo viajam para Roma a fim de eleger um novo pontífice em uma das
cerimônias mais secretas do catolicismo: o conclave.Nele, com dois terços dos
votos, os cardeais (também chamados de purpurados) com menos de 80 anos devem
eleger forma sigilosa quem será o "sucessor de São Pedro".O que se
passa dentro da Capela Sistina, de onde saem as famosas fumaças (preta indica
que não houve acordo, e branca, que se elegeu um novo papa), é um mistério.Em
2005, como narra o filme, o alemão Joseph Ratzinger, então prefeito da
Congregação para a Causa da Fé e mão direita de João Paulo 2º, era tido como o
sucessor natural do papa.
No entanto, não é claro se houve, como o filme sugere, o intenso lobby
de Ratzinger para ser eleito ou mesmo se ele tinha tamanhas ambições de poder.
De fato, diversos
vaticanistas afirmaram que, de fato, o antigo prelado alemão — um filósofo
erudito — buscava mais se aposentar para escrever do que para governar a Igreja
no momento complicadíssimo em que a instituição estava.Mas não se sabe que
outros candidatos estiveram na disputa papal: os cardeais fazem um voto de
segredo sobre o Evangelho antes de começarem as discussões. Por isso as informações sobre o conclave são extremamente
limitadas e provavelmente a grande maioria do que o filme mostra sobre esse
capítulo da história é ficcional.Mas alguns detalhes vieram à
luz nos últimos anos. Documentos vazados ao veículo italiano La Strada indicam
que durante o conclave de 2005 o nome do argentino ficou em segundo lugar na
votação na qual, como se esperava, Ratzinger foi eleito depois de quatro
fumaças pretas.
Não há nenhum indício conhecido de que Bergoglio lamentou a escolha do
alemão, como conta o filme, ou que o compromisso dos cardeais com um papa
"conservador" motivou sua renúncia posterior, como o longa sugere.
2)- A renúncia de Bergoglio e o encontro com o
papa no Castelo Gandolfo:
Na parte argentina de
Dois Papas, se vê o então cardeal Bergoglio esperando uma carta de Roma que
aprove sua renúncia, a fim de poder se afastar para uma pequena paróquia local.De
fato, ele conta a uma de suas assistentes que enviou por correio a carta ao
Vaticano e que espera por uma resposta.Na realidade, segundo o Direito
Canônico, todo bispo deve apresentar sua renúncia obrigatória quando faz 75
anos (Bergoglio tinha 76 quando foi eleito papa) e o pontífice pode aceitá-la
ou não.Como conta o filme, Bergoglio submeteu sua renúncia a Roma quando
atingiu a idade limite, mas os bispos não utilizam os serviços
postais para essa comunicação.Em geral, os trâmites se dão por meio das
nunciaturas apostólicas, embaixadas do Vaticano em outros países.
Tampouco há registro de que Bergoglio foi à Roma a fim de se encontrar
com Bento 16 ou que se encontraram e conversaram antes da eleição do argentino
como papa na residência de verão do Castelo Gandolfo. Ao menos não como o filme
retrata.Há registro de que ambos se encontraram nesse local, mas muito tempo
depois do que o filme mostra, quando os dois já eram pontífices.
3)- "Vatileaks", renúncia de Bento 16
e eleição de Bergoglio:
O filme, que descreve
em boa medida o caos da Igreja Católica, recria um dos maiores escândalos do
catolicismo em décadas: o chamado "Vatileaks".Uma série de documentos
secretos foram vazados para a imprensa em 2012 e traziam a público informações
sobre corrupção, chantagem e escândalos sexuis dentro da Igreja Católica e em
especial dentro do Banco do Vaticano.Como conta o filme, foi o próprio mordomo
de Bento 16, Paolo Gabriele, que vazou boa parte dos documentos. Esse episódio,
segundo alguns vaticanistas, pode ser uma das causas que levaram o papa a
repensar seu papel à frente da Santa Sé.
Oficialmente, Bento 16 alegou "falta de forças" para poder
fazer frente aos desafios da Igreja Católica, segundo disse em latim em seu
histórico anúncio de renúncia em fevereiro de 2013.
O filme sugere outros
elementos: culpa e uma suposta crise de fé por trás da resposta fraca aos
escândalos de abusos sexuais de menores de idade por membros da instituição,
especialmente o mexicano Marcial Maciel.
No entanto, não há informações públicas que indiquem que Ratzinger se
arrependeu de como gerenciou a crise dos abusos sexuais ou que tenha se reunido
na Capela Sistina com o cardeal argentino para compartilhar seu plano de
renunciar.Muito menos que tenha havido conversas entre ambos sobre crise da fé,
problemas para escutar a voz de Deus ou a farra regada a pizza e refrigerante
na Capela das Lágrimas (ainda que se saiba que o papa emérito é fanático por
suco artificial de laranja).
Fernando Meirelles,
por outro lado, afirmou que os diálogos do filme, ainda que se
tratem de ficção, estão baseados na realidade."Todos os
diálogos, tudo isso bebe de discursos, entrevistas e escritos (dos dois papas).
O que dizem no filme é algo que já disseram em algum momento de suas
vidas", disse o diretor ao jornal USA Today.
4)- O passado de Francisco
Ainda que se chame
Dois Papas, o filme é centrado em Bergoglio, sua vida e os momentos que marcaram sua ascensão ao
comando da Santa Sé.
No entanto, nessa reconstituição, realidade e ficção se
misturam novamente sem que fique muito claro o que é fato e o que não é no que
se conta em tom quase hagiográfico sobre o atual bispo de Roma.
Como descreve o
filme, durante a juventude e antes de se tornar seminarista na ordem dos
jesuítas, Bergoglio trabalhou como técnico nos laboratórios da Hickethier
Bachman, de Buenos Aires, onde tinha uma boa relação com sua chefe.Mas
não há registro de que ele tenha dado um anel ou se comprometido com qualquer
mulher.Na realidade, segundo conta o próprio papa argentina, ele tinha
12 anos quando escreveu uma carta de amor a uma jovem, Amalia Damonte, na qual
dizia que se não casasse com ela, se tornaria sacerdote.
Mais complexo é o
tema da suposta relação de Bergoglio com a ditadura militar da Argentina
(1976-83).No longa, Meirelles apresenta uma proximidade entre o então chefe dos
jesuítas e o regime do general Jorge Rafael Videla num "esforço para
proteger seus padres".As ações de Bergoglio à época continuam sendo uma
das páginas mais controversas de seu passado.Ele é questionado, entre outras
coisas, por supostamente ter removido a proteção eclesiástica de dois membros
de sua congregação jesuíta que seriam presos mais tarde e ficariam em cativeiro
por cinco meses na escola da Marinha, até serem libertados.As acusações contra
Bergoglio em torno do seu relacionamento com o governo militar vieram à tona em
2010, quando o jornal argentino Página 12 publicou uma reportagem em que ele é
acusado de ter colaborado com autoridades da época.
Em seu livro autobiográfico O Jesuíta, de 2010, Bergoglio rebateu as
acusações: "Fiz o que pude com a idade que tinha e com os poucos
relacionamentos que tive para defender as pessoas sequestradas".
5)- O papa "bom" e o papa
"mau"
Uma das críticas mais
recorrentes ao filme, inclusive da própria Igreja Católica, é a dicotomia entre
os dois personagens principais:
a)- um papa "bom": Francisco,
apresentado como um "revolucionário", humilde, advogado das causas
justas, amigo dos pobres e dos opimidos, conhecedor de ervas aromáticas e dos
sofrimentos dos mortais.
b)- um papa "mau", ou menos popular: Bento, retratado
como esquemático, conservador, alijado do mundo, vaidoso, amante do luxo,
intelectual, responsável pelo colapso que vive a Igreja.
Para o diácono católico Steven Greydanus, se trata de uma
visão distante dos verdadeiros papas:
"O molde esquemático do papa
Bento 16 como um reacionário rígido e o futuro papa Francisco como um
revolucionário tem
menos a ver com a realidade de ambos do que com a necessidade de conflito, e uma
preferência ideológica por uma narrativa (por parte da preferência do diretor) na qual a liberação
progressiva triunfa sobre o tradicionalismo oculto", escreve Greydanus.
A agência católica ACI Prensa afirma que o filme "não representa
Francisco e Bento 16".
Fernando Meirelles,
que não
nega sua simpatia por Francisco, acredita que seu retrato do papa
emérito é inclusive mais suave que a realidade. "Para ser sincero,
acredito que o papa Bento é melhor em nosso filme do que na vida real, é mais
carismático. Anthony Hopkins não pode evitar, ele é encantador", afirmou o
diretor ao USA Today (todas a confirmação de uma narrativa TENDENCIOSA é
expressa acima nas palavras do próprio diretor brasileiro).
Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-50924694
Breve análise sobre o
filme “Dois Papas” feita pelo conceituado Prof. Felipe Aquino, na
qual concordamos plenamente e fazemos de suas palavras as palavras do
Apostolado Berakash:
https://www.youtube.com/watch?v=udc8hFAtlGw
Apostolado Berakash (Janeiro
de 2019)
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