G. K. Chesterton,
Santo Tomás de Aquino:
“É pena que a palavra
antropologia se tenha degenerado até ao ponto de só estudar os antropoides (simbolizada
na figura acima). E agora está irremediavelmente ligada a disputas sem
interesse, entre professores de pré-história (em mais de um sentido), para que
se saiba se uma lasca de pedra é dente de homem ou de macaco, questão que por
vezes vem a ser resolvida como naquele famoso caso em que se viu tratar-se do
dente de um porco. Está perfeitamente certo que haja uma ciência puramente
física de tais coisas, mas o nome empregado em geral poderia muito bem, por
analogia, ter sido aplicado a coisas não só mais vastas e mais profundas mas
também mais apropriadas.
Assim como na América os novos
humanistas acusaram os velhos humanistas de o seu humanitarismo ter se
concentrado, em grande parte, em coisas que não são especialmente humanas, como
condições físicas, apetites, necessidades econômicas, ambiente etc., assim , na prática, os que se chamam
antropólogos têm de limitar o seu espírito às coisas materiais que não são
notavelmente antropológicas. Têm de pesquisar através da história e da
pré-história, em busca de algo que não é certamente o homo sapiens, mas é
sempre, de fato, considerado simius insipens. O homo sapiens só pode
considerar-se em relação com a sapientia, e só um livro como o de Santo Tomás
é, em verdade, dedicado à idéia intrínseca de sapientia. Em uma palavra, devia
haver um estudo real chamado antropologia que correspondesse à teologia. Neste
sentido, Santo Tomás de Aquino é, talvez mais que qualquer outra coisa, um
grande antropólogo.
A todos esses
excelentes e eminentes homens de ciência que andam empenhados no estudo real da
humanidade, na sua relação com a biologia, peço desculpa pelas palavras de
abertura deste capítulo. Imagino todavia que eles hão de ser os primeiros a
reconhecer que houve um desejo muito desproporcionado, na ciência dos
vulgarizadores, em converter o estudo de seres humanos em estudo de selvagens. A
selvageria não é história; é o começo ou o fim da história.Desconfio
que os maiores cientistas haveriam de concordar que muitos professores se perderam
assim no deserto ou nos matagais, e que, querendo estudar a antropologia, nada
mais conseguiram que a antropofagia. Não obstante, tenho razões particulares para
fazer preceder esta sugestão de uma antropologia mais elevada, por um pedido de
desculpa a certos biólogos genuínos, que parecem estar incluídos, mas com
certeza não estão, num protesto contra a ciência popular barata. Porque a
primeira coisa que se deve dizer de Santo Tomás como antropólogo é que ele é,
em verdade, notavelmente semelhante à melhor espécie dos antropólogos
biológicos modernos, a espécie dos que se consideram a si mesmos agnósticos.
Este ponto é um fato histórico tão importante e decisivo na história, que
precisa realmente ser recordado e fixado.
Santo Tomás de Aquino
assemelha-se, muito, ao grande professor Huxley, o agnóstico inventor da
palavra agnosticismo. Assemelha-se na sua maneira de iniciar o argumento, e é
diferente de todos os demais antecessores e sucessores, até à época huxleiana. Ele
adota quase literalmente a definição do método agnóstico de Huxley: “seguir a
razão até onde ela for”. Mas aonde ela vai? Eis a questão. É ele que nos lega
esta afirmação quase surpreendentemente moderna ou materialista: “tudo o que
está na inteligência passou pelos sentidos”. Foi por aqui que ele
começou, como qualquer cientista moderno, ou antes, como qualquer materialista
dos nossos dias, que mal pode chamar-se agora homem de ciência; exatamente o
extremo oposto ao do simples místico. Os platônicos, ou
pelo menos os neoplatônicos, tendiam todos à opinião de que o espírito se
iluminava inteiramente de dentro; Santo Tomás insistiu em que ele era iluminado
por cinco janelas, as que chamamos as janelas dos sentidos. Mas
queria que a luz exterior fosse iluminar a que já estava dentro. Queria estudar
a natureza do homem, e não meramente a dos musgos e cogumelos que podia ver da
janela, e que apreciava apenas como primeira experiência esclarecedora do
homem. E, partindo deste ponto, continua a escalar a casa do homem, degrau por
degrau, andar por andar, até chegar à torre mais elevada, e descobrir a mais
vasta visão.
Em outras palavras, Santo Tomás é um antropólogo, com uma
teoria completa do homem, certa ou errônea, mas uma teoria. Ora, os
antropólogos modernos, que se consideram a si mesmos agnósticos, falharam
inteiramente como antropólogos. Dadas as suas limitações, não puderam
alcançar uma visão completa do homem nem, muito menos, uma visão completa da
natureza. Começaram por pôr de lado o
que chamaram o incognoscível. Se pudéssemos, em verdade, tomar o incognoscível
no sentido de perfeição última, quase se compreenderia ainda essa
incompreensibilidade. Mas logo se verificou que todas as coisas que se tornaram
incognoscíveis eram exatamente as que o homem tinha mais necessidade de
conhecer. É preciso saber se o homem é responsável ou
irresponsável, perfeito ou imperfeito, perfectível ou imperfectível, mortal ou
imortal, escravo ou livre, não para compreendermos a Deus, mas para
compreendermos o homem. Nenhum sistema que deixe estas coisas sob a nuvem da dúvida religiosa pode pretender-se
uma ciência do homem, pois encontrar-se-ia tão longe da teologia como da
antropologia:
-Tem o homem livre-arbítrio, ou a sua certeza de que pode escolher é uma
ilusão?
-Possui ele uma consciência?
-Tem ela alguma autoridade, ou é somente o preconceito do passado
tribal?
-Há alguma esperança real de se chegar a resolver estas coisas por meio
da razão humana, e terá ela alguma autoridade?
-Deve-se considerar a morte o fim de tudo, e o auxílio milagroso como
possível?
Ora, é inteiramente
disparatado dizer que estas coisas são remotamente incognoscíveis, como a
distinção entre os Querubins e os Serafins ou a processão do Espírito Santo. Talvez os escolásticos tenham ido demasiado longe, além dos
justos limites, na tentativa de aprofundar o estudo acerca dos Querubins e
Serafins. Mas, quando perguntavam
se um homem pode escolher, ou se terá de morrer, faziam perguntas naturais de
história natural, precisamente como a de se um gato pode arranhar, ou a de se
um cão pode farejar.Nada do que se chame a si mesmo ciência completa do homem
pode evitá-las. E os grandes agnósticos as evitaram.”
G. K. Chesterton,
Santo Tomás de Aquino
Emerge da
soteriologia cristã, a doutrina da salvação, o problema da unidade do ser
humano, uma vez que não se trata da salvação da alma humana, mas do ser humano
em sua totalidade, enquanto alma e corpo num todo substancial e não um desses
fatores constituintes tomados isoladamente. Além disso há outros pontos
relativos à antropologia cristã que podemos destacar para a defesa dessa
unidade, sendo eles a constituição do ser humano enquanto imagem de Deus e,
também, como ser-para-Deus.
Nesse sentido, podemos recorrer à Tomás de Aquino, uma vez que no
interior de sua filosofia há a defesa de uma unidade substancial que inclui
dois elementos que a constitui, um atual (a alma enquanto forma do corpo) e
outro potencial (o corpo, matéria), o que exige a consideração de alguns
aspectos como a unicidade da alma, a caracterização da separabilidade que se
atribui a uma de suas faculdades, assim como sua incorruptibilidade e o
conceito de ato de ser (esse).
Em relação à
soteriologia, devemos ainda explicitar a fundamentação de Tomás em relação à
unidade corpo e alma, indicando, ainda, sua concordância com a imortalidade da
alma. Esse ponto exige a consideração de alguns aspectos para compreendermos
o modo como a alma pode perpetuar-se para além do composto hilemórfico, a
unidade substancial; esse ponto leva-nos a consideração sobre a separabilidade
do intelecto, destacando a mútua separação entre as faculdades de uma alma una,
e, também, que tal separação está ligada à operação própria do intelecto. O
que, por sua vez, implica na subsistência por si. Deve-se também salientar a
incorruptibilidade da alma e a explicação do ato de ser. Deve-se
analisar a fundamentação da unidade substancial do ser humano, o que inclui, na
definição de sua essência, corpo e alma, isto é, o ser humano concreto, ao qual
pode-se atribuir a matéria como o princípio de individuação da forma.
É preciso também apontar que a matéria encontra-se em potência para a
forma segundo certo ordem, de acordo com a qual o ser é o primeiro entre os
atos, que vem à matéria pela alma enquanto forma substancial, evidenciando,
também, a impossibilidade da preexistência de qualquer disposição acidental na
matéria (ST, q. 76, a. 6).
O que deve ser
considerado devido ao caráter imprescindível da unidade do ser humano no
cristianismo, ao lado da necessidade de sustentar a imortalidade da alma,
exigindo, para isso, a argumentação à respeito da separabilidade do intelecto e
a ligação entre operação própria e subsistência por si; o que não é o
suficiente, remetendo-nos, ainda, para a incorruptibilidade da alma e o
problema do ato de ser, segundo o qual pode-se afirmar que, no caso dos entes
criados, há uma composição entre essência e existência (o ato pelo qual uma
essência vem a ter uma existência atual) e a não identidade entre esses dois
elementos caracterizando a finitude. Além disso, abordar o ser humano em sua
totalidade envolve considera-lo enquanto pessoa humana como a realização da
totalidade de sua natureza.
A ANTROPOLOGIA PRESENTE NA OBRA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO
Tomás nasceu em
Roccasecce em 1221. Apesar da hostilidade da família, entrou no rodem dos
dominicanos, e de 1248 a 1252 foi discípulo de Alberto Magno. A seguir ensinou
em Paris e depois nas principais universidades europeias (Colônia, Bolonha,
Roma, Nápoles), conforme era costume dos dominicanos. Morreu em 1274 no
mosteiro de Fossanova. Desde o nascimento da filosofia um dos temas mais
discutido entre os filósofos é o problema do homem:
1)- De onde ele vem?
2)- O que é ser
homem?
3)- Quais as suas
características que define ele como um ser?
São perguntas das
quais os gregos se atearam para tentar entender esse ser.Com Tomas de Aquino
não foi diferente. Ele também, depois de um longo estudo, deu a sua definição
do que seria o homem. Para isso ele se baseou no pensamento de Aristóteles, um
dos mais conceituados filosofo da Grécia antiga.
Segundo Aristóteles, o homem é constituído de matéria e forma como todos
os seres que tem matéria, só que no caso do homem a matéria vai ser o corpo e a
formar a alma. Com isso, o Estarigita supera o dualismo de Platão. Essa é a
linha que Tomás de Aquino seguiu, claro que, por ele ser cristão, ele dá um
novo sentido a esse pensamento. Foram muitas os aspectos pelos quais Tomás
estudo o homem, aqui vamos nos aprofundar só em alguns no qual merecem
particular atenção.
A unidade do ser humano
Para Tomás, como
também foi para Aristóteles, o homem é constituído de corpo e alma,
transformando-se assim em uma única substancia que não pode ser separada, onde
para ele a alma é a forma do corpo no qual constitui o homem, sem a
interposição de qualquer outra forma. Embora a alma tenha operação
exclusivamente sua, na qual o corpo não entre, operações esta que é a
intelecção, há outras operações que são comuns a ela e ao corpo, como temer,
irar-se, sentir e semelhantes; elas se realizam com certa mudança em alguma
parte do corpo, do que se vê que são operações da alma e do corpo. É
necessário, pois, que a alma e o corpo constituam uma só coisa e que não sejam
diversos quanto ao ser (TOMÁS DE AQUINO apud MONDIN, 1981, p. 193). Esta
concepção filosófica de Tomás contribuiu, por sua vez, para a superação do
modelo helênico.
Os helenísticos acreditavam em um
dualismo existente no homem, o corpo e a alma como sendo distintos. Da mesma forma, Tomás também, supera os
franciscanos que ensinavam que no homem há várias formas, uma para o corpo e
outra para a alma e várias almas. Ora, se admitimos que a alma está unida ao
corpo, como forma, é absolutamente impossível existirem, no mesmo corpo, várias
almas essencialmente diferentes; de fato, o animal (o homem) com três almas não
seria absolutamente uno. Portanto, nenhum ser é pura simplesmente uno, se não
pela forma uma, pela qual as coisas existem; porque é em virtude do mesmo
princípio que uma coisa existe e é uma.(TOMÁS DE AQUINO apud MONDIN, 1981, p.
193-194)
A Imortalidade da alma
Outra coisa que
perturbava a mente dos filosofo antigos era a questão da imortalidade da alma:
“Ela seria mortal ou imortal? Teria seu fim juntamente com o corpo ou
depois que o corpo cessasse ela continuaria existindo?”
Para Platão, o homem
é essencialmente alma. Quando o homem era expulso do mundo das ideias ele era
mandado para o mundo sensível onde ficaria preso em um corpo para ser
purificado e poder voltar ao mundo inteligível. Assim sendo, quando esse corpo
perecesse a alma continuaria a existir e se estivesse pronta voltaria para o
mundo das ideias, se não, continuaria na terra encarnando-se em outro corpo.
Tomás de Aquino abandonou o platonismo, especialmente no que se refere a
esta antropologia, fazendo seu ponto de vista no aristotelismo.
Olhando para Averróis
temos a interpretação do pensamento do Estoicismo. Segundo a exegese
averroísta, não existe imortalidade pessoal.Com um estudo bem detalhado do
pensamento de Aristóteles, mas se afastando um pouco dos conceitos e dando os
seus próprios, Tomás afirma que a alma é imortal. Mas por que ele
conclui assim? Porque ele diz que a alma tem ser próprio, ser que ela não
recebe nem do corpo nem da união com o corpo. Este fato distingue a alma do
corpo e das outras formas corpóreas, é o suficiente, por si mesmo, para
explicar a sua imortalidade.
A Liberdade em Tomás de Aquino
Antes de Tomás,
Agostinho já tinha falado sobre questão da liberdade do homem ou
livre-arbítrio:
“Ele disse que o homem foi criado por Deus e, no momento da criação Deus
o constituiu como o ser livre dotado de inteligência. E esse livre-arbítrio tem
a sua ação, podemos dizer assim, na vontade da qual o homem iria se utilizar”.
Para Tomás de Aquino:
“O homem é “natureza racional”,
isto é, um ser capaz de conhecer. Ele
tem a capacidade de conhecer o fim ao qual cada coisa tende por natureza, e
conhece uma ordem das coisas no cume da qual está Deus como Bem supremo. Na
vida terrena, o intelecto só conhece o bem e o mal das coisas que não são de
Deus. Portanto, o homem tem a vontade livre para escolhê-la ou não”.
E é exatamente no livre-arbítrio que Tomás vê a raiz do
mal da mesma forma que Agostinho fez:
“Por sua própria natureza, o homem tem o livre-arbítrio: ele não dirige
para o fim, mas sim dirige livremente para o fim”. (TOMÁS DE AQUINO apud
PHILOTHEUS, ETIENNE, 1970, p. 478)
Com isso, Tomás ver que é por ser livre que o homem peca,
afastando-se livremente das leis universais e das lei de Deus:
A vontade pode querer, não só o
que conduz de fato ao fim último, como ainda o que conduz apenas aparentemente
a ele; esta possibilidade provém do fato de a vontade poder escolher entre os
meios, ou, ainda, de poder formar uma opinião errônea acerca dos meios. Assim
como o intelecto pode errar ao deduzir com aparente consequência lógica uma
conclusão falsa de premissas verdadeiras, assim a vontade, que de per si aspira
unicamente à sua felicidade, pode tender a uma beatitude aparente, que a razão
ilusoriamente lhe propõe.É só neste sentido que a vontade pode tender ao mal.
(TOMÁS DE AQUINO apud PHILOTHEUS, ETIENNE, 1970, p. 478)
O conhecimento humano em Tomás de Aquino
Na questão do
conhecimento, Tomás afirma que o homem por si só tem capacidade de ter conhecimento
sem precisar da intervenção extraordinária de Deus. Com isso, São Tomás
descarta alguns aspectos da iluminação defendida por Santo Agostinho. Ele diz que o homem não precisa ser iluminado por Deus para abstrair as
ideias nem para a formação do juízo, por que o homem tem um
intelecto agente da qual é sua faculdade mais própria. Com isso, Tomás protege Deus dos juízos errôneos dos homens,
sem o comprometer.
BIBLIOGARFIA:
-PASNAU, R. Thomas
Aquinas on Human Nature: a philosophical study of Summa theologiae Ia, 75-89.
1ª ed. United Kingdom: Cambridge University Press, 2002.
-TOMÁS DE AQUINO. Suma
de Teología. 4ª ed. Trad. José Martorell (e outros). Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 2001.
-TOMÁS DE AQUINO apud
PHILOTHEUS, ETIENNE, 1970.
Apostolado Berakash
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