É sempre oportuno
pensarmos sobre o seu legado. O que Freud nos teria deixado? Digamos
que Freud reabriu a ferida que a ânsia progressista e tecnológica, apoiada na
promessa da felicidade, química sempre insistiu em nos ofertar. O seu
legado foi ter-nos reenviado ao mal-estar inerente ao homem e continuamente
negado pelo avanço cultural. Disso decorrem as reações ao próprio material
dessa herança, o texto freudiano. Este gerou mal-entendidos, desmentidos,
resistências e oposições. Na primeira da suas "conferências
introdutórias", ao falar para os próprios interessados em psicanálise
sobre as dificuldades de sua transmissão, Freud discorre sobre as resistências
com as quais a psicanálise se depara. Segundo ele, duas das assertivas psicanalíticas
básicas revelaram-se como um insulto ao mundo inteiro, despertando profunda
antipatia.
O
legado de Sigmund Freud para a neurociência é agora mais válido do que nunca. O
famoso psicanalista de Viena foi pioneiro em muitos aspectos, sendo o mais
notável em demonstrar que uma grande parte dos nossos processos mentais é
inconsciente. Ele não precisou de ressonância magnética para nos fazer ver que
a nossa mente tem um potencial imenso e quase desconhecido.
Hoje vivemos em um
contexto que muitos cientistas querem batizar como “neurocultura”. O termo
“neuro” já precede um grande número de campos de estudo que emergem quase como
que por magia. Temos:
-O neuromarketing,
-A neuroeducação,
-A neurocriatividade.
-A neuroeconomia.
A maioria das ciências
já entendeu que ‘tudo o que é e faz o ser humano’ é iniciativa desse órgão
sensacional. Conhecê-lo, saber como ele trabalha, como ele processa as informações e
responde ao que nos rodeia nos ajudará a entender melhor o nosso comportamento.
Nas palavras de Fernando Vidal, professor de sociologia da Universidade de
Barcelona: as pessoas não têm cérebro, as pessoas “existem” a partir do cérebro. Isso
faz com que, hoje, neurologistas como David Eagleman agradeçam as bases que
Sigmund Freud estabeleceu em sua época com as suas teorias, estudos e ensaios.
O seu legado está mais vivo do que nunca.
“A
mente é como um iceberg, flutua com uma sétima parte do seu volume na água”. (Sigmund
Freud – O inconsciente)
Acalmar a mente sem a necessidade de medicamentos
Quando Sigmund Freud
colocava os seus pacientes deitados em um sofá tentando descobrir os seus
problemas de infância, estava descobrindo a estrutura da mente.
Ele
também tinha outro objetivo: “acalmá-las e trata-las”
Patrícia Churchland, psicóloga da Universidade da Califórnia e Daniel Dennett, da Universidade de Massachusetts, ressaltam que o legado de Freud para a neurociência é imenso por várias razões. Ele não prescrevia medicamentos, usava a terapia da fala. A psicanálise levava tempo, no qual o terapeuta cavava pouco a pouco os labirintos frondosos da psique humana:
Identificar
mecanismos de defesa, impulsos, traumas, necessidades ocultas, falhas e medos
limitantes. Tirar todo o limo das profundezas mentais conscientes gerava alívio
e liberação. Nem sempre os medicamentos eram necessários como primeira, e ou,
única opção.
Para concluir, a
ciência do cérebro é, sem dúvida, uma das áreas mais relevantes atualmente. Portanto,
devemos aceitar o legado de Sigmund Freud para a neurociência. Foi a primeira
faísca que nos permitiu acender o combustível para uma jornada que acaba de
começar. Ele foi um pioneiro neste caminho para entender o que somos.
Dessa forma, nos mostrou o enorme potencial que temos à nossa disposição graças
a esse órgão sensacional.
Das patologias histéricas às narcísicas: o legado de Freud para o mundo contemporâneo
Uma das maiores
especialistas no mundo em história da psicanálise, Elisabeth Roudinesco veio ao
Brasil, a convite do Fronteiras do Pensamento, para participar do projeto e
lançar seu livro Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. Esta biografia do
pai da psicanálise, lançada por aqui pela Zahar, é considerada a obra
definitiva sobre a vida e o trabalho do austríaco. Para compor o livro, a
historiadora francesa se debruçou sobre milhares de arquivos ligados a Freud e
às relações que ele manteve com seus mestres e discípulos, familiares e amigos,
além dos pacientes. Estes documentos foram abertos ao público pela Biblioteca
do Congresso dos EUA em fevereiro de 2017.
Em
entrevista ao programa Diálogos com Mario Sergio Conti, Roudinesco defende a
tese de que as ideias de Freud estão vivas, mas precisam ser entendidas dentro
do contexto em que foram criadas: a sociedade europeia do final do século 19 e
início do século 20.
Confira abaixo a transcrição:
-Por que uma nova biografia de Freud, depois dos
livros de Ernest Jones e de Peter Gay 25 anos atrás?
Senti que era necessário. Para mim,
em primeiro lugar, porque eu já havia escrito sobre a minha especialidade, a
França e seus ensaios. E sempre queremos voltar aos fundadores. Então, eu
queria falar de Freud de uma forma diferente. Além do mais, a última biografia
foi publicada há 25 anos. Peter Gay foi o primeiro a ter acesso a quase todos
os arquivos abertos da Biblioteca do Congresso dos EUA. Eu queria abordar Freud
de outra forma. Freud é diferente para mim. Ele é muito mais vienense, muito mais enraizado na sua época. Temos
todos os documentos sobre a família dele. Eu queria mostrar a vida privada dele
de forma mais completa.
-Você classifica o livro como uma psicobiografia,
uma síntese, como você classifica a obra?
É um livro de História.
-Mas também de uma analista...
Justamente. Por isso mesmo eu não
quis diferenciar Freud de outros pensadores. Escrevi como se ele não fosse
especificamente um psicanalista. Por isso eu não quis aplicar nada da
psicanálise para mostrar que ele era, bem, era o fundador da psicanálise e é
claro que ela estará presente. Mas sim como um objeto histórico. Nesse sentido,
eu me encaixo mais na linha de Peter Gay que não era psicanalista e fez uma
biografia clássica. Mas, meu verdadeiro modelo foi o historiador Jacques Le
Goff. Ele me serviu de apoio. Sua biografia de São Luís é realmente
extraordinária, pois ele mostra diversas facetas e momentos. Eu fiz a mesma
coisa, porque há tantos livros sobre Freud, que eu precisava fazer escolhas. Havia
a juventude, Freud e as mulheres, Freud e a política, Freud e a morte, Freud e
sua família etc. Não dava para fazer três volumes, então, tivemos que escolher.
-Você trata Freud como um pensador, um líder da
psicanálise, um homem de seu tempo, um intelectual, o que ele é para você?
Eu o vejo ao mesmo tempo como um
sábio e como um homem de espírito guerreiro. Isto é, ele estava convencido, com
razão, aliás, de que havia realizado uma revolução simbólica. Ele abriu caminho para o conhecimento do
inconsciente. O inconsciente já existia, já havia sido explorado. Mas ele sabia
da importância de seu novo método de conhecer a si mesmo. Ele se
autoproclamava um grande pensador. Mas, ele não era megalomaníaco. Ele não era
louco. Ele tem esse lado de líder guerreiro porque ele cria um movimento com
discípulos, tudo isso na fronteira entre os séculos 19 e 20. E ele é
contemporâneo do socialismo, do sionismo, do feminismo. Ele é contemporâneo dos
movimentos de emancipação. Isso é significativo. Ele não tinha necessariamente consciência disso, mas
ele é contemporâneo dos que sonhavam com outra vida, que buscavam a abordagem
de outros aspectos da vida.
-Paradoxalmente, ele era um conservador...
Insisto que ele era um conservador esclarecido, não um
reacionário. Um conservador esclarecido como Stefan Zweig. Como muitos
vienenses. É paradoxal. Freud trabalhou com social-democratas em Viena. Ele
apoiava a emancipação das mulheres, o progresso, a despenalização da
homossexualidade, era contra a pena de morte. Mas, ao mesmo tempo, ele não era favorável à
revolução comunista. Ele achava isso
uma ilusão. Seu regime favorito era a
Monarquia Constitucional, o que é normal, afinal, ele nasceu no Império
Austro-Húngaro. Ele era um homem do século 19. Eu diria que a
característica dessa revolução simbólica foi buscar na Antiguidade
greco-romana, nos mitos... Ele se reapropriou dos mitos em um mundo que não queria mais
saber deles. Em outras palavras, ele
reativou os velhos mitos das tragédias de Shakespeare, as tragédias de
Sófocles, do mundo grego. E havia uma coisa muito vienense: a ideia do tempo
imóvel. Ele vai buscar nesse tempo
imemorial, que é o inconsciente, os meios de compreender o sujeito na vida
moderna.
-Você chegou a descobrir novidades sobre a vida
de Freud? Eu detectei algumas no livro. Ele não disse que trazia a peste nos
EUA, ele leu Proust... O que seu livro traz de novo?
Com relação a isso, eu acabei com
todos os boatos. Ele nunca falou da peste, nunca recomendou a Gestapo, e isso
já era um pouco conhecido. O que me interessava menos, porque, agora que os
arquivos estão abertos, quase todas as cartas foram publicadas. Faltam muitas
coisas, mas eu me interessei muito pelos detalhes. Ou seja, pelas cartas,
depoimentos da época que foram encontrados pelo arquivista Kurt Eissler, que
teve a ideia de criar os arquivos de Freud, porque os judeus vienenses que
emigraram sabiam que os nazistas estavam destruindo o velho mundo. Era preciso salvar a memória freudiana que
é também dos judeus. São os judeus vienenses. Há muitos detalhes interessantes
ali sobre os gostos de Freud. Há muitas entrevistas com gente que o
conheceu. É uma mina de ouro. Há entrevistas com Jung que duram horas. Com
Jung, com Reich e muitas outras. Há entrevistas com desconhecidos. Há cartas da
família de Freud...
-Até das paixões dele...?
Também tem todas as paixões, mas
esses arquivos não foram abertos. Um próximo estudo poderá analisar os amores
de Freud, pois vários vestígios serão encontrados aos poucos. Eu já tinha os
arquivos de Marie Bonaparte, obtidos com a biógrafa dela.
Mas será que vai surgir alguma novidade
bombástica, alguma coisa que mude radicalmente a visão de Freud?
Acho que não, mas detalhes podem
ser esclarecidos. Também há muita coisa sobre o câncer dele, sobre o
tratamento. Não é nem uma novidade nem um detalhe, mas é importante e o livro
fala disso. A relação dele com o
nazismo, a chegada de Hitler, ele não entendeu o que era o fascismo alemão. Ele
chegou a se negar a fugir de Viena. E depois as irmãs dele morreram no
campo de concentração.
-Como você explica isso? Um homem tão
inteligente...
Eu acho que ele tinha entendido que
o nazismo representava a pior destruição possível. Ele entendeu isso em 1933.
-Quando os livros dele foram queimados?
Sim, ele vê isso na Alemanha. A
Alemanha era o maior polo da psicanálise na Europa. O grande erro dele foi
estar convencido de que os austríacos resistiriam ao Anschluss [anexação
político-militar da Áustria por parte da Alemanha em 1938]. Ele estava
convencido. Ele viu a destruição da Alemanha, mas achava que a Áustria
resistiria. Eu interpreto isso como uma espécie de negação. Ele não queria. Era
doloroso demais para ele ver a destruição de seu movimento. Por outro lado, Freud era antiamericano até
os ossos. Ele achava, erroneamente, que, no fundo, o novo mundo não
respeitava sua teoria da maneira que ele queria. É verdade que os
norte-americanos adaptaram a psicanálise de forma pragmática.
-Com a psiquiatria...
Isso mesmo. Mas, ele apostava muito
na Inglaterra, que era um pouco diferente. Porém, a ideia da destruição da
cultura alemã era insuportável para ele. Ele verdadeiramente achava que Viena
resistiria.
-Ele acreditava na cultura alemã. Talvez, ele
desejasse que a civilização de Goethe resistisse ao nazismo. Não é isso?
Sim. Com certeza. Para ele, era uma
tragédia a destruição da tradição da cultura alemã. Daí sua resistência. Acho
que isso também explica porque ele
aceitou, na Alemanha, que seu discípulo Ernest Jones colaborasse com o regime
nazista supostamente para salvar a psicanálise. Mas, depois da Anschluss, ele
viu que era o fim. Não era possível continuar. Foi aí que ele aceitou partir.
Outra coisa é que Freud estava gravemente doente. Ele passou a ser devorado
pelo câncer no maxilar a partir de 1923. Ele convivia com a ideia da morte.
-Ele estava cansado, velho...
Acho que era mais do que isso. Eu
me pergunto se ele não queria morrer junto com a psicanálise em seu país. Mas, é claro, quando ele viu a Gestapo
prender sua filha e que tudo estava em perigo, ele aceitou partir. Quanto
às suas quatro irmãs, elas não obtiveram o visto. Ele não as abandonou. Elas
não obtiveram o visto. Era algo muito difícil.
-Ele deixou muito dinheiro para elas, mas...
Sim, era uma família muito unida. A
ideia era que as irmãs partissem um pouco depois, quando fosse possível. Ele jamais imaginou que, em 1938, a Solução
Final aconteceria. E não foi a única família. Os Wittgenstein e vários
judeus de Viena foram exterminados porque não puderam emigrar. Eles não tiveram
escolha.
-Qual é o
legado de Freud? O verdadeiro legado de Freud...? Qual é o lugar dele neste
mundo perturbador?
Eu vejo que, no mundo inteiro,
quanto mais a psicanálise se enraizou, no mundo ocidental pelo menos, mais ela está em recessão. Ela está
voltando a ser um assunto privado. Porque a psicanálise foi incorporada pela
psiquiatria. Ou seja, para as massas e para os doentes mentais. E também pela
ação social, pela atuação da chamada “Psicologia da Criança". A
psicanálise ficou mais aberta a outras áreas.
-E com a medicalização...
Compreensivelmente, ela colaborou
para isso. Ou seja, a partir do
surgimento dos antipsicóticos, houve uma ligação útil entre a terapia
psicanalítica e o uso dos medicamentos para doentes mentais até 1960.Nos
últimos 40 anos, os medicamentos invadiram tudo, até o campo das neuroses. Até os problemas
cotidianos. Há um excesso de medicamentos. A
psicanálise está em recessão porque não é mais usada pela psiquiatria, que é
totalmente biológica, e também está em recessão noutro sentido. A psicanálise é
uma prática privada, uma terapia de grandes burgueses, que precisam explorar a
si mesmos, de intelectuais.
-Gente com tempo e com dinheiro.
Sim e isso vai permanecer. As pessoas vão ao analista por conta
própria. São os neuróticos.
-Mas mesmo a doença mudou, porque, na época de
Freud, era a histeria. Agora, é a depressão.
Exatamente!
-Há uma epidemia de depressão. Por que isso?
Bom, porque não vivemos mais numa sociedade que saiba lidar com a frustração.
A histeria era a doença das mulheres frustradas, no início do século 20. Mulheres
maltratadas, sem liberdade sexual etc. A revolução freudiana também contribuiu
para libertar a sexualidade. Isso aconteceria mesmo sem Freud, mas enfim. A partir dos anos 1960, as patologias
mudaram. Surgiram as neuroses narcísicas e não mais as histéricas. E isso está
ligado à depressão. Ou seja, em sociedades em que se tem acesso ao direito à
liberdade, à segurança etc, surgiu a depressão, o mal-estar da vida, o fastio
consigo mesmo e as patologias narcísicas. O que continua igual são as perversões sexuais e as
psicoses. Então, é preciso ter cuidado quando se fala em epidemia de depressão.
Estão contidas, na palavra “depressão", as neuroses histéricas e outras. A
terminologia mudou e as paixões também são diferentes. Ainda há muitos
neuróticos que precisam de análise, mas, de maneira geral, eles preferem
terapias mais curtas, com resultados rápidos e medicamentos. Eu sempre disse que a psicanálise deve se
adaptar à sua época. Em outras palavras, a psicanálise pode fazer o que esses
terapeutas fazem. Freud também fazia terapias curtas. Elas duravam seis meses e
eram realizadas pessoalmente. Acho que uma das causas dessa retração é que a
psicanálise não soube se adaptar a essas mudanças. Muitos psicanalistas
continuaram dogmáticos. Muitos foram
reacionários com relação à família, sem aceitar as mudanças da ideia de
família, o casamento homossexual e as novas formas de família. Mas, isso vai
mudar. Por outro lado, acho que a psicanálise clássica, aquela de antes da
Primeira Guerra, ela ainda existe, mas muito pouco. O que me interessa é a
implantação futura da psicanálise em países onde ela nunca existiu.
-Por que a psicanálise é tão repudiada em certos
lugares como no oriente, nos países islâmicos e em ditaduras como na China...
Até mesmo na França, onde ela é atacada toda semana...
Temos que separar os países
democráticos onde a luta contra ou a favor de Freud existe, e é ótimo que
exista, pois nos permite dizer o porquê
de defendê-lo, são os países com liberdade de expressão. A psicanálise só se
desenvolveu em países democráticos e potencialmente democráticos. Na
América Latina, a psicanálise se desenvolveu apesar das ditaduras, mas foi
atacada pelas ditaduras. Só que as ditaduras latino-americanas não eliminaram
completamente a liberdade de associação. Já o regime stalinista acabou com ela.
Os nazistas também, é claro. E, nos
países islâmicos, Freud é visto como o diabo, ele é pior do que a Igreja
Católica. Não apenas ele é judeu, mas também estuda a sexualidade feminina.
Então, torna-se impossível desenvolver a psicanálise. Na Rússia, ela se
desenvolveu com a perestroika. Os russos voltaram a praticar a psicanálise, já
que antes de 1930 havia um movimento psicanalítico, mas ela se desenvolve ao
mesmo tempo que as outras terapias. Na China, não. Ainda é um país totalitário.
-A psicanálise é proibida por lá...
Não é proibida, mas não é
permitida. Não existe uma verdadeira liberdade de associação na qual alguém
pode se dizer psicanalista se for psiquiatra. Se for psicólogo, pode fazer o
que quiser. Mas não há liberdade de associação. Eu demonstrei que, para que possamos falar livremente do nosso
inconsciente, o Estado de Direito é necessário. Ou seja, para que um sujeito
possa falar sobre si mesmo, ele precisa ter o direito de falar. Nos países
totalitários, não existe liberdade. Isso influencia a interiorização.
-E por que a hostilidade na França? Por que a
psicanálise não está na moda?
Uma vez, fiz um seminário sobre o
ódio a Freud. Ele é recorrente. Eu diria que, na primeira metade do século, a
religião era o principal foco de hostilidade.
-Por causa da sexualidade...
Exatamente. Agora, na segunda
metade do século, há um debate ridículo. A
psicanálise é acusada de não ser uma ciência. De não ser eficaz. Pergunto se as
outras terapias são eficazes...? Digo que ninguém é eficaz e todos são
eficazes. Então, não se consegue provar a eficácia real de nenhum tipo de
terapia. Por exemplo, os psicotrópicos são extremamente eficazes. Eles permitiram que os doentes mentais saíssem dos hospícios,
mas não curaram a loucura. Eles são eficazes contra a depressão, mas não a
curaram. A psicanálise cura as neuroses. É por isso que alguém disse
que ela era feita para as pessoas sãs. Não é mentira. Mas, hoje em dia,
consideramos a neurose uma doença. Neurose não é doença, é quase a norma. Então,
a psicanálise é formidavelmente eficaz, e estou medindo bem as palavras, em
pessoas que querem compreender a si mesmas e sem pressa. Ela é eficaz contra as neuroses do fracasso, contra problemas sexuais,
mas nada é eficaz contra a loucura. A psicanálise é
muito eficaz com as crianças, porque não podemos dar muitos remédios a uma criança.
Ela é útil nesses casos. Acho que o ideal seria uma abordagem de três
causalidades: a química é uma delas; a ambiental, as causas sociais; e as
causas psíquicas. Mas isso é muito caro. Se você quiser tratar alguém que
está mal e que precisa de uma terapia pela palavra, medicamentos e assistência
social, fica muito difícil. A abordagem tripla é difícil. Então, nós oscilamos
entre o excesso do social, com a assistência social, e agora com o excesso do
aspecto biológico. É um problema verdadeiro. Entretanto, a crítica à psicanálise nos levou a um
resultado inesperado mas muito real: as pessoas estão procurando gurus, seitas,
terapias mágicas, tratamentos alternativos e
a religião.
Fonte:Fronteiras.com/entrevistas/das-patologias-histericas-as-narcisicas-o-legado-de-freud-para-o-mundo-contemporaneo
Psicanálise: entenda o pensamento de Freud
(Por: Pedro Menezes -
Professor de Filosofia)
A psicanálise é um
método de investigação da mente humana e dos seus processos, que eleva a mente
para além das suas relações biológicas e fisiológicas. Para tanto, ela toma
como objeto os processos mentais (emoções, sentimentos, impulsos e pensamentos)
que determinam os indivíduos.A história da psicanálise está relacionada com a
figura de seu precursor, Sigmund Freud (1856-1939). Ao longo de seus estudos,
Freud elaborou toda uma teoria psicanalítica que formou as bases para uma nova
ciência, dotada de métodos próprios para a investigação dos processos da mente
humana. Freud revolucionou o modo de compreensão do ser humano. Se opôs à
tradição da modernidade, onde havia o apelo da razão como uma faculdade
plenamente livre e consciente de suas escolhas e atos.
O Inconsciente e a Psicanálise
A psicanálise traz a
ideia do inconsciente como a parte mais significativa dos processos mentais,
influenciando todo o modo de viver dos sujeitos. Para Freud, o inconsciente é
constituído de desejos e pulsões, que reprimidos podem gerar efeitos nocivos à
saúde psíquica do sujeito (neuroses). Ele desenvolveu a análise como um
método de cura dessas neuroses. Através da fala, em uma relação entre o
analisando (sujeito que se submete à análise) e analista (psicanalista)
busca-se a origem dos problemas de ordem psíquica. Freud afirmava que dar
voz ao inconsciente era a forma mais eficaz para a superação de traumas e a
cura das desordens nos processos mentais.
Id, Ego e Superego
O sujeito em Freud é composto por:
a)-Duas partes
inconscientes: id e superego - O id representa o lugar das pulsões. As pulsões são
impulsos orgânicos e desejos inconscientes, que visam ao prazer e a satisfação
imediata do indivíduo. Está relacionado com o prazer sexual, a libido. O
Superego é a outra parte inconsciente relacionada com a censura das pulsões realizadas
pela sociedade através da moral, da educação recebida pelos pais e os
ensinamentos de como se deve agir ou se comportar. Essa estrutura cria uma
representação do "eu ideal", o superego ("super eu") impõe
suas repressões ao id.
b)-E uma consciente: o
ego - O Ego,"eu", é a consciência. Desenvolve-se após o
id, realiza uma espécie de mediação entre as pulsões do id e sua adequação com
a realidade. Cabe ao ego encontrar um equilíbrio entre o id e a terceira parte
da mente, o superego.
A Infância na Teoria Freudiana
A pulsão pelo prazer é
presente nos indivíduos desde muito cedo, e ao longo da infância vai se
transformando.
Freud constatou três fases da formação da sexualidade,
chamadas de:
1ª)-Fase oral: prazer pela boca, leite materno, mamadeira,
chupeta e objetos.
2ª)-Fase anal: prazer pelo ânus, fezes, excreções, massas e
produtos gelatinosos, se sujar, etc.;
3ª)-Fase fálica ou genital: o prazer se estabelece
nos órgãos genitais e zonas que os estimulam.
Nesse período, desenvolve-se o chamado complexo de Édipo:
O sujeito, como na
tragédia grega de Édipo, deseja matar o pai e assumir seu lugar junto à mãe. Dentro
desse processo o id desenvolve desejos incestuosos sobre o pai ou a mãe,
gerando um conflito com a outra figura paterna ou materna. Segundo Freud, independente
da forma como o complexo de édipo é superado, esse período vai orientar todo o
desenvolvimento psíquico do sujeito.É absolutamente normal e inevitável que a
criança faça dos pais o objeto da primeira escolha amorosa. Porém a libido não
permanece fixa nesse primeiro objeto: posteriormente o tomará apenas como
modelo, passando dele para pessoas estranhas, na ocasião da escolha definitiva.
Durante o desenvolvimento do superego (aproximadamente dos seis anos até o
início da adolescência), o indivíduo deixa de
lado o prazer genital e passa a se adequar à sociedade. É chamado de período de
latência. As repressões do
superego moldam o indivíduo e orientam suas ações.
Com a adolescência, o prazer genital retoma sua relevância,
mas submetido às repressões do superego
O ego encontra-se em
meio às pressões da sociedade, a busca pelo prazer do id e a repressão do
superego. A busca pelo equilíbrio dessas forças é o que torna o período da
adolescência tão conflituoso e instável. Após a adolescência, o
conflito entre essas forças se mantém, mas de maneira mais equilibrada.
A Psicanálise e os Transtornos Mentais
A psicanálise freudiana
tem como base a relação do "eu consciente" e do "eu
inconsciente". Os diversos tipos de transtornos mentais decorrem de questões relacionadas
ao inconsciente, possuindo algum tipo de manifestação. Em uma mente
equilibrada o ego recalca os impulsos do id ao mesmo tempo que impõe limites ao
poder do superego. O desequilíbrio dessa função é a origem dos principais
transtornos mentais. Dentre eles, a neurose e a psicose. Sobre a relação do
"eu consciente" com as forças inconscientes que atuam sobre ele,
Freud afirmou:
“O
ego não é o mestre em sua própria casa”
-A neurose é uma forma que o
inconsciente encontra para lidar com traumas e conflitos. A partir da impossibilidade de
lidar com esses eventos a mente produz efeitos observáveis que
influenciam em maior ou menor grau a vida dos indivíduos.
-A psicose, por sua vez,
distingue-se da neurose pela incapacidade do indivíduo perceber o que é e o que
não é real.
Desse modo, a
psicanálise busca acionar, por meio da fala, as causas desses traumas e
conflitos inconscientes através da interpretação. Para Freud, o inconsciente
jamais se tornará consciente, mas alguns pontos podem ser interpretados através
das técnicas da psicanálise. Por exemplo: a interpretação dos sonhos e a livre
associação de palavras.
O Legado de Freud:
Ao longo dos anos, a
revolução gerada pelo pensamento freudiano influenciou todas as áreas das
ciências humanas. Isso levou os autores a desenvolver suas ideias, tomando o
pensamento de Freud ora como base, ora como alvo para contestações e melhorias.Numa
comparação, Freud está para a psicanálise assim como Sócrates está para a
filosofia.
“Não
desejo suscitar convicções, o que desejo é estimular o pensamento e derrubar
preconceitos” (Freud, 1917)
Outros autores importantes no desenvolvimento da
psicanálise:
-Carl Jung
-Karl Abraham
-Wilhelm Reich
-Anna Freud
-Melanie Klein
-Margaret Mahler
-Heinz Kohut
-Donald Winnicott
-Jacques Lacan
-Wilfred Bion
Fonte: Todamateria.com.br/psicanalise/
As Sete Escolas de Psicanálise
1ª)Freud - A Escola Freudiana foi iniciada por Freud e os
pioneiros, seguidores imediatos. Após a morte de Freud, ficou centrada em Anna
Freud (filha). Seu enfoque principal reside na existência das pulsões de vida e
morte, conflitos edípicos e as respectivas defesas do ego.
2ª)-Melanie Klein - A Escola Kleiniana,
cabe mencionar as seguintes contribuições:
– Técnica própria de
psicanálise com crianças;
– Existência de um ego
rudimentar;
– Pulsão de morte desde
o início da vida;
– Primitivos mecanismos
de defesa;
– Fantasias infantis;
– Posição
Esquizo-Paranóide;
– Posição Depressiva.
3ª)-Heinz Hartmann: Escola do Ego (EUA). Os
psicólogos do ego deram consistência ao estudo, conhecimento e descrição ao
conceito de self. A contribuição mais importante foi a de que o analista
deveria valorizar e trabalhar com as funções conscientes do ego, como percepção,
pensamento, memória, juízo crítico etc.
4ª)-Heins Kohut: Psicologia do Self
(EUA). Pode-se resumir os seguintes pontos essenciais:
– A importância da
empatia;
– Retirada da hegemonia
do complexo de Édipo;
– Nova visão ao
problema do narcisismo, valorizando-o como uma importante etapa do
desenvolvimento.
5ª)-Jacques Lacan: Escola Francesa.
Jacques Lacan é conhecido pelo seu famoso retorno a Freud, principalmente pelas
acusações que fez à Escola do Ego. Teve quatro principais fontes de influência:
-Psicanálise
-Linguística
-Antropologia
-Filosofia.
Entre as inúmeras
concepções originais estão o estágio do espelho, significantes e significados,
objeto a etc.
6ª)-Winnicott - No início de sua
ativida como psicanalista, Winnicott pertenceu à Escola Kleiniana.Deixou uma
obra longa, densa e original. Vale destacar:
– Objeto e fenômenos
transicionais;
– Verdadeiro e falso
self;
– O papel de espelho
que a mãe representa para o filho.
7ª)-Bion - Wilfred Bion é considerado como sendo um dos
poucos gênios da psicanálise. Foi analisando e discípulo de Klein. Criou tantas
concepções originais e consistentes que teve um crescente contingente de
seguidores. Entre tantas contribuições, destaca-se a dinâmica do campo
analítico, onde existe uma mútua influência entre analisando e analista e
vice-versa, enfoque nos vínculos.
(Fonte: Zimermmann,
Psicanálise em Perguntas e Respostas)
Bibliografia
-FREUD, S. Introdução. In: ___. Conferências introdutórias sobre
psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição Standard Brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, 15).
-FREUD, S. Uma dificuldade no caminho da psicanálise. In:___. Uma
neurose infantil e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição Standard
Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 17).
-FREUD, S. As resistências à psicanálise. In:___. O ego e o id e
outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição Standard Brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19).
-LACAN, J. A coisa freudiana. In:___. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.
-LACAN, J. A psicanálise e seu ensino. In:___. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. Posição do inconsciente. In:___. Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
Talvitie, Vesa (2009) Neurociencia cognitiva e inconsciente freudiana: de
las fantasías inconscientes a los algoritmos neuronales. Routledge
-Luiz Alfredo
Garcia-Roza -Introdução à
Metapsicologia Freudiana
-Sergio Pedro
Pisandelli - As Sete Escolas da
Psicanálise
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