Procurado
pela polícia e hospedado de favor na casa de fãs, o compositor de clássicos
como “Divina comédia humana” protagoniza uma história de amor e decadência!
Divina Comédia Humana
*(Belchior)
“Estava mais angustiado que um
goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim como
um Sol no quintal
Aí um analista amigo meu disse
que desse jeito
Não vou ser feliz direito
Porque o amor é uma coisa mais
profunda que um encontro casual
Deixando a profundidade de lado
Eu quero é ficar colado à pele
dela noite e dia
Fazendo tudo e de novo dizendo
sim à paixão, morando na filosofia
Eu quero gozar no seu céu, pode
ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana
onde nada é eterno
Ora direis, ouvir estrelas,
certo perdeste o senso
Eu vos direi no entanto
Enquanto houver espaço, corpo, tempo
e algum modo de dizer não...Eu canto!
Capítulo 1 - “No trevo, a 100 por hora”
Paralelas
(Belchior)
Dentro do carro, sobre o trevo
a 100 por hora
Oh, meu amor!
Só tens agora os carinhos do
motor
E no escritório em que eu
trabalho e fico rico
Quanto mais eu multiplico,
diminui o meu amor
Em cada luz de mercúrio vejo a
luz do teu olhar
Passas praças, viaduto, nem te
lembras de voltar
De voltar, de voltar
No Corcovado quem abre os
braços sou eu
Copacabana, esta semana o mar
sou eu
Como é perversa a juventude do
meu coração
Que só entende o que é cruel, o
que é paixão
E as paralelas dos pneus nq
água das ruas
São duas estradas nuas em que
foges do que é teu
No apartamento, oitavo andar,
abro a vidraça e grito
Grito quando o carro passa: teu
infinito sou eu...
Edna Prometheu é o pseudônimo da produtora cultural Edna Assunção de Araújo, de 46 anos. Morena, de cabelos encaracolados e baixa estatura, não é uma mulher de beleza estonteante.Militante de organizações de extrema-esquerda, é definida por seus amigos como “idealista utópica”.No começo de 2005, ela estava em São Paulo, no ateliê do artista plástico cearense Aldemir Martins, já morto, quando entrou pela porta o músico Belchior. O cantor de “Paralelas” também pinta quadros e frequenta o ambiente artístico. Edna queria organizar uma exposição de Aldemir no Ceará. Belchior disse que tinha amigos por lá, poderia ajudar. Trocaram telefones.Os dois acabaram organizando juntos a exposição em Fortaleza, naquele mesmo ano. Na volta, Edna ligou para um amigo e contou a novidade: “Estamos namorando”. A partir daí, a vida plácida de Belchior derrapou no trevo a 100 por hora, como diz a letra de “Paralelas”. Para ficar com Edna, ele abandonou a então mulher, Ângela, com quem estava casado havia 35 anos, mãe de dois dos quatro filhos que tem. Afastou-se dos amigos e foi gradativamente deixando de fazer shows, até sumir sem dar explicações, em 2009. “Essa figura nefasta está fazendo uma lavagem cerebral nele”, afirma Jackson Martins, ex-empresário de Belchior. “Depois dela, sua vida só andou para trás”, diz o artista plástico cearense Tota, amigo de Belchior.
“A FELICIDADE
É UMA ARMA QUENTE”
Comentários a Respeito de John
(Belchior)
Saia
do meu caminho
Eu
prefiro andar sozinho
Deixem
que eu decida a minha vida
Não
preciso que me digam
De
que lado nasce o Sol
Porque
bate lá meu coração
Sonho
e escrevo em letras grandes de novo
Pelos
muros do país
João,
o tempo andou mexendo com a gente, sim
John,
eu não esqueço
A
felicidade é uma arma quente
Sob
a luz do teu cigarro na cama
Teu
rosto rouge, teu batom me diz
João,
o tempo andou mexendo com a gente, sim
John,
eu não esqueço
A
felicidade é uma arma quente!
O sucesso no mundo virtual não trouxe nenhum benefício para o Belchior de carne e osso. Aos 67 anos, ele vive escondido com Edna em Porto Alegre. Não pode sair em público, pois é procurado pela polícia!
Capítulo 2: “Onde nada é eterno”
Depois que conheceu Edna, Belchior percorreu uma trajetória descendente em que, aos poucos, se despojou de todos os bens e obrigações. No final de 2006, ainda com a carreira aquecida, pediu que o empresário Jackson Martins parasse de agendar novos shows. Pretendia passar um tempo se dedicando à pintura e à tradução do poema Divina comédia, de Dante Alighieri, para uma linguagem popular. No início do ano seguinte, deixou o apartamento em que vivia com Ângela, mas continuou morando em São Paulo com Edna, num flat alugado. Desde então, a família diz não ter mais notícias dele. Belchior não era um marido muito presente, ficava até dois meses sem aparecer em casa. Teve duas filhas fora do casamento. Uma delas com uma fã que morava em São Carlos, no interior de São Paulo, com quem saiu uma única vez. A outra era fruto de um caso com uma estudante de psicologia no Ceará. Belchior pagava pensão alimentícia para a primeira. A família da segunda menina, hoje com 16 anos, não o acionou na Justiça.As complicações começaram a aparecer em 2008:Ângela cobrava na Justiça uma pensão mensal de R$ 7 mil. Belchior se recusou a pagar. Na época, deixou de pagar também a outra pensão. Seus amigos notaram uma diferença de comportamento. “Ele parecia estranho. Me ligou perguntando sobre amigos que não vemos há 30 anos, num tom de voz que não era o seu”, diz Jorge Mello. Em outubro daquele ano, abandonou um carro no estacionamento do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Belchior continuou em São Paulo até março de 2009, quando deixou o flat sem quitar os últimos meses de aluguel. Na garagem, ele largou um segundo carro, e em seu apartamento ficaram roupas, rascunhos de música, cartões de crédito e o passaporte. Belchior também abandonou tudo na casa alugada onde funcionava seu escritório: coleção de quadros, discos, documentos e o computador onde estava parte da tradução da Divina comédia, projeto que lhe consumira três anos. Seu secretário, Célio Silva, continuou abrindo o escritório, na esperança de que retornasse.
RASTROS...
Capítulo 3: “Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no
banco...”
Apenas Um Rapaz Latino Americano
(Belchior)
Eu sou apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco sem parentes importantes
E vindo do interior
Mas trago de cabeça uma canção do rádio
Em que um antigo compositor baiano me dizia
Tudo é divino tudo é maravilhoso!
Tenho ouvido muitos discos conversado com
pessoas
Caminhado meu caminho
Papo, som, dentro da noite
E não tenho um amigo sequer
Que ainda acredite nisso não
Tudo muda
E com toda razão
Mas sei que tudo é proibido
Aliás, eu queria dizer
Que tudo é permitido até beijar você no escuro
do cinema
Quando ninguém nos vê
Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer
Ao vivo é muito pior
Por favor não saque a arma no "saloon"
Eu sou apenas o cantor
Mas se depois de cantar
Você ainda quiser me atirar
Mate-me logo à tarde, às três
Que à noite tenho um compromisso e não posso
faltar
Por causa de vocês
Mas sei que nada é divino
Nada, nada é maravilhoso
Nada, nada é secreto
Nada, nada é misterioso, não...
Nos últimos anos, Belchior se manteve à distância de qualquer atividade remunerada. Em 2009, quando o desaparecimento ganhou repercussão nacional, a montadora General Motors ofereceu um cachê milionário para ele aparecer num comercial. Belchior deveria dizer que, com o novo carro da GM, até ele voltava.Belchior recusou o convite e ficou bastante chateado com o teor da proposta. O empresário Jackson Martins diz que recebe constantes pedidos para shows, mas não consegue localizá-lo desde 2007.“Pago as dívidas dele se ele voltar”, diz.Outro empresário que trabalhou com Belchior por quase 30 anos, Hélio Rodrigues, diz que o desaparecimento fez aumentar o interesse do público.“Depois do escândalo, ele consegue lotar qualquer casa de espetáculo. Com dois shows em São Paulo, eliminaria as dívidas”, diz.Hoje, a maior pendência de Belchior é o processo trabalhista ganho pelo secretário Célio, no valor de R$ 1 milhão. A causa está julgada. Um apartamento de propriedade do músico em São Paulo está em execução. A dívida da pensão para a ex-mulher Ângela soma cerca de R$ 300 mil. Mas cresce a cada dia, já que Belchior continua obrigado a pagar R$ 7 mil por mês. “O sumiço só agravou a situação dele. Se não tem dinheiro, deveria enfrentar juridicamente o processo, argumentando que não pode pagar”, diz Paulo Sato, advogado de Ângela.A pensão atrasada da filha que mora em São Carlos gira em torno de R$ 90 mil. As dívidas com hotéis cobradas na Justiça somam R$ 47 mil. Não são impagáveis, desde que Belchior volte a se apresentar.A derradeira fonte de renda de Belchior eram os direitos autorais de suas músicas. Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), nos últimos cinco anos foram depositados R$ 367 mil referentes à execução pública de suas obras.Parte do dinheiro ficou retida quando as contas bancárias foram bloqueadas. Desde então, Belchior não contou com nenhum outro tipo de renda.
Capítulo 4: “Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho...”
Em janeiro deste ano, Edna e Belchior procuraram a Defensoria Pública em Porto Alegre. A história ganhou ingredientes ainda mais estranhos. Os dois alegavam que o bloqueio das contas e os mandados de prisão impediam que ele trabalhasse e voltasse a ganhar dinheiro para pagar as dívidas. Belchior aparentemente estava disposto a voltar. Mas o comportamento do casal era confuso. Edna falava desbragadamente, enquanto Belchior ficava quase sempre calado. “Durante um mês, me informei sobre os processos que tramitam em São Paulo. Fizemos um pedido judicial para a suspensão da execução, até que ele conseguisse se restabelecer. Nesse meio-tempo, Belchior sumiu”, diz a defensora pública Luciana Kern, que o atendeu.Nesse mesmo período, Edna ligou para o jornalista gaúcho Juremir Machado, que não conhecia. Disse que Belchior estava escondido na cidade e precisava de ajuda. Ela queria que Juremir os levasse à sede regional da TV Record para fazer uma denúncia delirante. Juremir notou algo de incomum no casal. Eles se escondiam atrás de pilastras e ficavam olhando a movimentação nas ruas antes de entrar em algum lugar, como se fossem seguidos.Na retransmissora da TV, Edna afirmou ter um dossiê contra a TV Globo. O programa Fantástico noticiara o desaparecimento de Belchior em 2009 e a fuga do hotel uruguaio, em 2012. “Ela dizia que Belchior era difamado pela Globo e queria justiça. Falou até que havia uma tentativa de matá-lo”, diz a jornalista Vânia Lain, que recebeu os dois. Eles disseram que voltariam na semana seguinte trazendo os documentos, mas desapareceram.
CANTOR EM FUGA
Velha Roupa Colorida
(Belchior)
Você
não sente nem vê
Mas
eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que
uma nova mudança em breve vai acontecer
E
o que há algum tempo era jovem novo
Hoje
é antigo, e precisamos todos rejuvenescer
Nunca
mais meu pai falou "she's leaving home"
E
meteu o pé na estrada, like a Rolling Stone
Nunca
mais eu convidei minha menina
Para
correr no meu carro (loucura, chiclete e som)
Nunca
mais você saiu à rua em grupo reunido
O
dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, vejo cartaz
No
presente a mente, o corpo é diferente
E
o passado é uma roupa que não nos serve mais
No
presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais
Você
não sente nem vê
Mas
eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que
uma nova mudança em breve vai acontecer
E
o que há algum tempo era jovem novo
Hoje
é antigo, e precisamos todos rejuvenescer
Como
põe, poeta louco americano
Eu
pergunto ao passarinho
Pássaro
preto, black bird
Pássaro
preto o que se faz?
Heaven
never
Pássaro
preto, black bird
Pássaro
preto, me responde
Tudo
já ficou atrás
Heaven
never
Pássaro
preto, black bird
Pássaro
preto, me responde
O
passado nunca mais
Você
não sente não vê
Mas
eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que
uma nova mudança em breve vai acontecer
E
o que há algum tempo era jovem novo
Hoje
é antigo
E
precisamos todos rejuvenescer...
*Antônio Carlos Gomes
Belchior Fontenelle Fernandes, mais conhecido como Belchior (Sobral-CE. 26 de
outubro de 1946 — Falecido em Santa Cruz do Sul-RS, em 30 de abril de 2017, aos 70 anos). Sua ex-mulher diz que artista teve um
infarto; o corpo foi levado à cidade de Sobral, onde foi enterrado. Ícone enigmático, o músico compôs clássicos como 'Velha roupa
colorida' e 'Como nossos pais'. A polícia informou que o artista morreu
de causas naturais. Foi um dos ícones mais enigmáticos
da música popular no Brasil, com quase 40 anos de carreira. Teve o primeiro sucesso nos anos 70 ao lado
do também cearense Fagner, com a faixa "Mucuripe". Com o disco "Alucinação"
(1976), lançou clássicos como as faixas "Apenas um rapaz
latino-americano", "Velha roupa colorida" e "Como nossos
pais", essa última que se tornou conhecida na voz da cantora Elis Regina. Segundo
o colunista do G1, Mauro Ferreira, o cantor não tinha paradeiro certo desde
2008.
Confira as 11 melhores músicas da carreira
de Belchior
Por Renata Arruda
Após abandonar a carreira em 2008 e desaparecer dos
holofotes, Belchior conquistou os corações
de uma nova geração de admiradores, que
devolveu ao cantor o reconhecimento que ele merecia!
As 11 melhores músicas de Belchior
1)-Alucinação
"Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Em nenhuma fantasia, nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos, sonhos matinais
Eu não estou interessado em nenhuma teoria,
Nem nessas coisas do oriente, romances astrais
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais..."
Alucinação reflete a visão de uma pessoa vinda de fora, que observa a rotina caótica de uma capital como São Paulo, onde Belchior escreveu a canção: pessoas marginalizadas, solidão, violência, tráfego, a efervescência da juventude. Presente no álbum de mesmo nome, a canção traz o célebre verso "Amar e mudar as coisas me interessa mais".
2)-Sujeito de Sorte
"Tenho sangrado demais
Tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri
Mas esse ano eu não morro"
Mais uma faixa do álbum Alucinação! Sujeito de Sorte não foi um grande sucesso na época do seu lançamento. Ainda assim, ela foi ressignificada pelas redes sociais, e a frase "Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro" foi transformada em um slogan de esperança e de resistência. O rapper Emicida, por exemplo, incluiu um sample da música na forte AmarElo. O que muita gente não sabe é que esses versos foram escritos pelo repentista paraibano Zé Limeira, conhecido como o "poeta do absurdo".
3)-Tudo Outra Vez
"Minha rede branca
Meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde
Que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo saudade
Como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar"
Presente no álbum "Era Uma Vez Um Homem e
Seu Tempo", Tudo Outra Vez foi lançada em 1979, mesmo ano em que foi promulgada
a Lei da Anistia. Por isso, foi adotada como uma expressão do "sentimento dos
exilados" pela ditadura.
4)-Apenas Um Rapaz Latino-Americano
"Eu sou apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco sem parentes importantes
E vindo do interior
Mas trago de cabeça uma canção do rádio
Em que um antigo compositor baiano me dizia
Tudo é divino tudo é maravilhoso!"
Apenas Um Rapaz Latino-Americano é o maior
sucesso de Belchior! Composta durante a ditadura, a faixa faz um contraponto à
canção Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, para criticar o
autoritarismo do regime militar.
"Mas não se preocupe, meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isto é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer, ao vivo é muito pior"
5)-Coração Selvagem
Meu bem, vem viver comigo,
Vem correr
perigo, vem morrer comigo...
Quem resiste a um verso assim? Lançada no
álbum homônimo, Coração Selvagem é uma intensa música de amor.
6)-Comentários a Respeito de John (Saia do Meu Caminho)
"Saia do meu caminho
Eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam
De que lado nasce o Sol
Porque bate lá meu coração"
Popularmente "conhecida como Saia do Meu Caminho", Comentários a Respeito de John é uma parceria entre o compositor José Luiz Penna e Belchior, que reformou a letra original. Segundo declaração do cantor, a música é um comentário a respeito de John Lennon e a ideia de felicidade presente na canção "Happiness Is a Warm Gun", dos Beatles.
7)-Divina Comédia Humana
"Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
Eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não
Eu canto..."
Com citação do poema "Ouvir Estrelas", de
Olavo Bilac, e referência ao livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Divina
Comédia Humana é uma música que fala sobre o amor sensual, que pode levar a
gente tanto ao céu quanto ao inferno.
8)-A Palo Seco
"Tenho vinte e cinco anos
De sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Ah você sabe e eu tambem sei
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues"
"Cante a palo seco" é um termo espanhol para se referir a um "tipo de flamenco cantado a capella, sem acompanhamento de música".Foi utilizado por João Cabral de Melo Neto em seu poema A Palo Seco e acredita-se que esta tenha sido a inspiração de Belchior. Assim, A Palo Seco já avisa logo no título a que veio: uma música que fala do desespero de uma juventude oprimida pelo regime militar e que ainda procura exaltar a cultura latino-americana, tema sempre presente na obra de Belchior.
9)-Medo de Avião
"Foi por medo de avião
Que eu segurei pela primeira vez a tua mão
Agora ficou fácil, todo mundo compreende
Aquele toque Beatle, I wanna hold your hand"
Quando se pensa em medo de voar, Medo de Avião é uma música que logo vem à cabeça. No entanto, Belchior declarou que nunca teve medo de avião na vida! Em uma entrevista, o músico declarou que fez a canção simplesmente porque via vários artistas sofrerem com este problema, como Vinícius de Moraes, que gritava nomes de santos desconhecidos ao pisar em uma aeronave.
10)- Velha Roupa Colorida
"Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer"
Velha Roupa Colorida trata da "necessidade de se deixar o passado para trás e abrir espaço para o novo": no caso, a superação dos ideais do movimento hippie. Aqui Belchior faz inúmeras referências a ícones estrangeiros, como os Beatles, os Rolling Stones e o poeta Edgar Allan Poe, como exemplos de uma cultura importada que deveria ser superada.
11)- Como Nossos Pais
"Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar!
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa"
Um grande clássico da música brasileira, Como Nossos Pais está presente no álbum Alucinação, mas ficou famosa mesmo na voz de Elis Regina. Como outras canções do disco, a letra foi composta durante o regime militar e fala sobre o conservadorismo e a desilusão da juventude. Foi considerada pela revista Rolling Stone Brasil como uma das 100 Maiores Músicas Brasileiras de todos os tempos. A música Como Nossos Pais, que fala sobre o conflito de gerações acentuado pela repressão da ditadura militar, foi composta na década de 70 por Belchior e imortalizada na voz da musa Elis Regina. A canção foi lançada no álbum Alucinação, tornou-se um dos maiores clássicos da música popular brasileira e aparece na revista Rolling Stone entre as 100 melhores músicas brasileiras da história. Recentemente, Como Nossos Pais voltou a chamar a atenção do público ao ser utilizada na campanha publicitária que celebra os 70 anos da Volkswagen. Nela, foram utilizados recursos de inteligência artificial para recriar Elis Regina, que aparece cantando a canção com sua filha, Maria Rita: A música foi escrita num período conturbado da história brasileira, bem no meio da ditadura civil-militar, e isso influenciou bastante na composição de Belchior, assim como em várias outras canções da época.
Entenda o verdadeiro significado de cada verso de Como Nossos Pais
Como dissemos, Como Nossos Pais fala sobre um problema muito comum em qualquer época da história: o conflito de gerações. Só que, com toda a repressão na ditadura, esse conflito foi acentuado e gerou um incômodo muito maior. É justamente essa a palavra que Belchior usou para descrever a sensação trazida pela canção: incômodo. Ele descrevia Como Nossos Pais como uma música amarga, que questiona a acomodação. Confira a seguir a análise verso por verso e entenda direitinho o significado de Como Nossos Pais:
Primeira parte: conselhos
Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Belchior começa a música nos dizendo que quer contar algo com base em sua experiência pessoal, e não no que estudou. Sabemos que, às vezes, valorizamos muito mais o conhecimento escrito do que o oral, e talvez o autor tenha tentado fazer uma crítica a isso.A música tem um tom de conselho: a princípio, é como se alguém mais velho — talvez um pai — falasse com alguém mais jovem.
Viver é melhor que sonhar!
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Aqui temos dois conselhos de Belchior que
podemos adotar pra vida: apesar de tudo, viver a realidade é melhor do que
fantasiar, e o amor é, sim, uma coisa boa.
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
No entanto, o compositor também lembra poeticamente, que
qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa. Não sabemos se esse
canto se refere à música ou a um lugar, mas o significado é o mesmo:
independente do que seja, a vida das pessoas importa mais.
Por isso, cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Aqui temos uma referência à violência na
época da ditadura: se a vida vale mais que o canto, é preciso ter cautela para
preservá-la, porque o perigo está por todos os lados.
Parte 2: crítica à juventude
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens
Afinal, quem são “eles”? Pode ser uma
referência aos militares...Algo aconteceu e
fechou a porta para a juventude. É aqui que entendemos que, na verdade, se
trata de um jovem falando para outros da mesma geração.
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz
Falando sobre Como Nossos Pais, Belchior comentou que a música é uma crítica à inércia da juventude, que se acomodou quando não devia e parou de questionar.Esse trecho da letra pode ser percebido como uma provocação, tentando instigar o ouvinte a ir atrás do que é dele por direito. Ao mesmo tempo, pode ser entendido como uma crítica à censura das coisas mais banais, como as reuniões na rua.
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração
Belchior nasceu em Sobral, no Ceará, e se mudou para o sudeste em busca de melhores oportunidades de carreira. Sabemos que a repressão durante a ditadura era mais forte nas grandes cidades, e talvez alguns considerassem uma boa ideia voltar para o interior. No entanto, Belchior, que era amante da arte e estava sempre trabalhando em algo novo, mostra na música sua crença na mudança e esperança por dias melhores.
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais
Voltamos ao questionamento com a juventude:
resumindo em poucas palavras, o cantor nos diz que faz muito tempo que ninguém
faz nada, que todos estão acomodados e que lembrar dos tempos em que a
juventude se reunia é o que mais dói nele.
Parte 3: repetição do comportamento dos “pais”
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Aqui chegamos à conclusão da música. Depois de tudo o que já foi dito e questionado, ele conclui que a juventude se tornou justamente aquilo que criticava. Esse parágrafo precisa do anterior para ser entendido: os jovens se reuniam, lutavam nas ruas, mas hoje já não lutam mais. Depois de tudo o que fizeram, acabaram se acomodando e cedendo ao conformismo da geração anterior.
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Apesar de os jovens afirmarem que algo
mudou, na verdade são só as mesmas coisas que aparecem disfarçadas de novidade.
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
Mais uma vez o tom de conselho fica claro.
O compositor reforça suas ideias, contra-argumenta e ressalta a necessidade de
esperança.
Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal
Quem quer que seja que inspirou a consciência crítica no autor, hoje está parado em casa, talvez tenha se conformado com a situação atual ou até aprendido a gostar dela. Vil metal é uma forma poética de se referir ao dinheiro. De certa forma, a música é um pedido para que a juventude dê continuidade a seu papel de contestar e buscar renovação, seguindo a consciência que foi despertada e não se deixando levar pelo comodismo de se contentar com o que foi feito e estabelecido pela geração passada.
Fonte:
https://www.letras.mus.br/blog/as-melhores-de-belchior/
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