A polêmica entrevista
concedida a Vittorio Messori por um dos maiores teólogos do nosso tempo. Pouco
se fala dela. Desaparecida há trinta anos, praticamente banida, mas republicada
em 23/05/2014, pelo site PapalePapale.com, essa entrevista preciosa continua
atualíssima! - “Eu
peço que não faça de mim uma estrela. Disse ao se despedir depois de uma longa
conversa. O que importa são os problemas, não a minha pessoa. Realizamos mais
do que o esperado. E com um toque que revela a sua atenção para com os outros,
quer saber onde vamos almoçar, a fim de nos dar algumas indicações concretas: Sugiro
o restaurante da estação: tem bom preço e a comida não é ruim.”
UMA TEOLOGIA DE JOELHOS
Alto, magro,
austeramente trajado de preto, muito lúcido: aos 80 anos, o “grande homem da
Basileia! O homem mais culto do século”, o autor de quase setenta livros que
marcaram a fundo o nosso tempo (o recente Prêmio Paulo VI só o fez confirmar),
Hans Urs von Balthasar, está mais ativo e presente do que nunca!
Para muitos, esse
homem parece representar a síntese viva do que deveria ser um teólogo segundo o
espírito do Vaticano II. Ainda assim, ele foi excluído dos trabalhos
daquele Concílio para o qual havia contribuído profundamente, na construção de
um clima favorável. Mesmo na Roma do Papa João, desconfiavam dele,
da sua abertura ao mundo e da atenção que dava aos sonhos do seu tempo. Somente
em 1969 terminou o seu longo exílio “oficial” com a convocação — feita a ele
por Paulo VI — para fazer parte da Comissão Teológica Internacional, que dava
suporte à Congregação para a Doutrina da Fé. Pensador entre os mais modernos, inabalavelmente
enraizado na grande tradição da Igreja, o destino de von Balthasar estava associado,
em termos de odor “progressista”, a de outros grandes da teologia católica, de
Maritain até seu amigo e mestre De Lubac, pelo menos até o Vaticano II.
Mas, foi acusado de ter se tornado “moderado” depois do Concílio, conforme o grupo de interesse que
estava a controlar e manipular as informações dentro da Igreja. No entanto,
ninguém, nem antes nem depois, questionou sua estatura teológica e, sobretudo,
espiritual, extraordinárias. Glória, sua obra principal, já está entre os
clássicos, mas também é bem conhecido o seu envolvimento com a mística
teórica e prática, na qual ele enxerga o cume da experiência religiosa.
Seu escritório é
dominado por uma grande escultura em madeira da Virgem, e, logo acima da porta,
foi colocada a trágica Crucificação de Grünewald, diante da qual Dostoiévski caiu em
delírio epiléptico, talvez a imagem pictórica mais adequada para ilustrar o
“Jesus estará em agonia até o fim do mundo” de que fala outro grande, Blaise
Pascal, querido por von Balthasar. Juntamente com a Trindade, Maria e a
Igreja, no centro de sua reflexão está sempre o “sério caso” da Cruz, cujo otimismo
humano faz com que seja considerada de modo demasiado fácil e superficial. Sobre
a escrivaninha, embaixo de uma pequena foto do Papa João Paulo II, está aberto
o Basel Zeitung, um dos muitos jornais do mundo que publicaram o último furioso
ataque de Hans Küng ao Papa e a seus colaboradores diretos.Iniciando a
entrevista, era natural lhe perguntar se tinha lido o texto daquele seu colega e
conterrâneo — como ele, da região de Lucerna. Balança a cabeça como se
estivesse triste e diz em voz baixa, olhando diretamente nos meus olhos:
"Küng deixou de ser um cristão há um bom tempo! Faz pelo menos dez anos que este homem repete sempre as mesmas coisas. O único fato novo é o crescente tom polêmico. Na verdade, desde o tempo de seu livro Ser Cristão, Hans Küng não é mais cristão".
-Ou seja, ele
não é mais católico?
Não, ele não é mais cristão! Basta ler seus livros mais recentes, até
mesmo o último sobre as outras religiões: Küng já não é cristão! Para ele,
Jesus não é nada mais do que um profeta; o problema, portanto, se reduz a uma
discussão sobre se era ou não um profeta maior do que Buda, Confúcio ou Maomé.
Não por acaso foi ao Irã, convidado por Khomeini, para uma conferência, na qual ressaltou que há um só Deus e
muitos profetas. Agora, ele diz claramente em seu livro, ainda não
traduzido para o italiano, que o cristianismo é uma “via de salvação para muitos”.
-Se é assim,
é inútil insistir naquele “diálogo” que reivindica continuamente perante a
hierarquia católica?
Por sua própria escolha, Küng se pôs fora da Igreja, portanto, não tem nada
a dizer aos bispos! Na verdade, não tem nada a dizer nem aos protestantes.
Considerando que o seu Instituto de
Teologia Ecumênica não é reconhecido como católico, Küng representa apenas a si
mesmo! Por causa disso, talvez, ele
tenha mudado o discurso do ecumenismo entre os cristãos para o de ecumenismo
com as religiões não-cristãs.
-Ainda assim,
tem-se a impressão de que ele continua a exercer uma notável influência: todos
os principais jornais do mundo têm dedicado páginas e mais páginas às suas
acusações contra Ratzinger e ao Papa João Paulo II.
O setor que ele representa é o de
uma certa intelligentsia, mas sempre de menor peso: na Alemanha perdeu influência e raramente é convidado para
conferências, especialmente em universidades. Por isso, viaja ao exterior: é
conhecido como um bom orador e, acima de tudo, como um inimigo de Roma! E
isso lhe atrai muita simpatia em certos ambientes.
-A virulência
do ataque ao atual Prefeito da Congregação para a Fé tem surpreendido até mesmo
aqueles que sabiam das relações tensas entre ele e o professor Ratzinger,
quando ambos ensinavam em Tübingen.
Creio que a situação foi agravada
pela perda progressiva da audição. Entre
outras coisas, é mentira a acusação de que Ratzinger tenha mudado para “fazer
carreira”, como ele diz. Eu conheço Ratzinger há muito tempo e sempre foi
assim, sempre pensou assim. De qualquer modo, não é Ratzinger mas Küng quem
ataca o Vaticano II, julgando-o “clerical”, estreito, insuficiente, para
pedir, em seguida, um Vaticano III. Ratzinger é fiel ao Concílio e o seu livro
A fé em crise? é a prova disso! Ratzinger
estava certo em tudo!
-A edição
alemã foi lançada há algumas semanas. Já o leu?
Claro que o li! E o que eu penso? Há pouco a dizer:
Ratzinger tem toda razão! Alguns chamam de pessimismo o que não passa de
simples realismo: quem tem a coragem da verdade deve reconhecê-lo. Ninguém
fala desta imensa, assustadora, deserção de padres e freiras: eles se foram, e
continuam a sair aos milhares.
-Assim, o
senhor se reconhece na leitura feita por Ratzinger dos últimos vinte anos?
Pode-se perguntar se a culpa pelo
que aconteceu é do Concílio (Ratzinger o isenta) ou se antes já existiam as
condições que causaram a eclosão da crise. O
certo é que João XXIII (o verdadeiro, não o mito criado após sua morte) não
esperava que as coisas fossem seguir do modo que seguiram.
-No entanto,
o senhor está entre aqueles que prepararam o clima que levaria ao Concílio. Seu
livro Derrubando as Muralhas, de 1952, causou-lhe grandes problemas com Roma.
Houve um mal-entendido sobre esse
livro. Eu queria que “derrubassem as
muralhas” não para que fugissem da Igreja, mas para permitir que a Igreja fosse
sempre mais missionária, para anunciar com mais eficácia o Evangelho!
-Embora a
intenção primordial dos Padres conciliares fosse missionária, tem-se a
impressão que, ao invés de projetar-se ad extra, a Igreja tem se voltado ad
intra, numa interminável discussão de cunho interno.
Sim, todos esses documentos que
ninguém lê, esses papéis que eu mesmo sou obrigado a jogar fora todos os dias,
todas essas estruturas, esses escritórios de nossas Conferências Episcopais e
de nossas dioceses! As mesmas pessoas
que exigiam a racionalização da Cúria Romana têm ajudado a criar uma miríade de
mini-cúrias, nos arredores da Igreja.
A burocracia clerical que sufoca a missão cristã!
-Então, o
senhor também está de acordo com as queixas sobre o perigo que representam as
estruturas clericais hipertróficas para a Igreja, transformando-a em uma enorme
burocracia com o fim em si mesma?
Claro. Devemos reler o Evangelho: Jesus sempre designa um serviço às pessoas,
nunca às instituições. Da estrutura fundamental da Igreja fazem parte o
povo e o seu bispo, e não os escritórios burocráticos. Nada poderia ser mais grotesco do que pensar em um Cristo que queria
montar comissões! Devemos redescobrir uma verdade católica: na Igreja, tudo é pessoal,
nada deve ser anônimo! No entanto, é atrás dessa estrutura anônima que se
escondem agora tantos bispos. Comissões, subcomissões, grupos e escritórios de
todos os tipos… Lamenta-se a falta de sacerdotes, e é verdade; mas milhares
de padres estão ligados à burocracia clerical. Documentos, papéis que não são
lidos, e que, em qualquer caso, não têm importância para a Igreja viva. A fé é muito mais simples do que tudo isso!
-Mas por que,
em sua opinião, isso acontece?
Talvez, tenham a impressão que
assim enfrentam a crise, fazem alguma coisa. Estamos em um mundo tecnológico e
agora operamos o computador. Em nossas dioceses, chegou a tecnologia. Veio
despejar estatísticas de participação na missa, comunhões distribuídas… O que,
aliás, não tem qualquer relevância. Este tipo de conta pode e deve fazê-lo
somente Deus! Para quem uma comunhão
verdadeira vale mais que mil comunhões superficiais registradas no computador!
-De acordo
com muitos, o problema mais urgente hoje é definir o autêntico conceito
católico de Igreja. Dizem que deveria ser discutido no Sínodo?
Talvez. O Vaticano II demorou muito para se manifestar sobre a estrutura da
Igreja. A “lumen gentium” mencionada na constituição conciliar homônima não é a
Igreja, é Cristo. É certo que, numa leitura superficial do Vaticano II, a
Igreja torna-se mais um grupo social do que místico, sacramental. Vemos que desde o
início a comunidade cristã tem uma estrutura, uma hierarquia, desejada por
Cristo e fundamentada no colégio apostólico.
Claro, o que as pessoas procuram
hoje é o Cristo, não a Igreja! Que em sua face visível não parece digna de
credibilidade para muitos que estão lá fora! Em nossa pregação, mais do que nunca,
precisamos colocar em relevo a singularidade de Jesus, sua pessoa: é Ele quem
atrai os homens de todos os tempos. Mas,
como o Concílio Vaticano II sublinha,
com razão, não devemos esquecer que não há Cristo sem Igreja, e por isso
cabe a nós mostrar a sua absoluta necessidade.
-Além da
questão da eclesiologia, que outros temas gostaria que fossem discutidos no
próximo Sínodo extraordinário?
Talvez
você se lembre da advertência do meu amigo Karl Barth, grande teólogo
protestante, em seus últimos anos, numa conferência transmitida pelo rádio: "Católicos,
não façam as bobagens, os absurdos, que nós protestantes temos feito desde o
século passado!"
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(Teólogo protestante Karl Barth e Hans Urs von Balthazar)
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-Na visão do
senhor, dentre esses absurdos, qual é o mais urgente e que primeiro deve
receber a atenção do Sínodo?
Talvez seja o problema que foi amplamente discutido na recente conferência em Roma
sobre a vida de Adrienne von Speyr: o estudo da Bíblia, a exegese chamada
‘científica’. Os especialistas têm trabalhado muito, mas é um trabalho que
não nutre a fé dos crentes! Devemos redescobrir a leitura simples das
Escrituras, para por em equilíbrio a exegese ‘científica’ com a ‘espiritual’,
não técnica, da grande tradição patrística. Eu não acho que o Sínodo poderia
resolver este problema, no entanto, poderia dar uma contribuição.
Refazendo o catecismo
-Não se pode,
no entanto, impedir por decreto o trabalho dos exegetas!
Na verdade, não é isso que
proponho. Há sim um drama que envolve esses especialistas, muitas vezes bons e
piedosos cristãos, mas eles devem fazer um trabalho do nível das universidades
em que estão inseridos. E isso nem sempre é fácil. De fato, os estudiosos têm o
direito de examinarem as Escrituras como um livro antigo entre muitos e, a
partir daí, estudá-las com as mesmas técnicas usadas para os outros textos. Mas o que conta para a fé não é esta
Escritura. O que importa é a Bíblia vista como o lugar onde o Espírito Santo
fala de Cristo, de uma maneira nova, a cada geração.
(Hans Urs von Balthazar)
-A abordagem
“científica” das Escrituras parece ter um fall-out, um impacto desconcertante
na pastoral quotidiana.
Na verdade, as hipóteses dos especialistas chegam diluídas, se não, deformadas, aos
sacerdotes e leigos, o que faz com que ocorram falhas. Eu ouvi recentemente
uma homilia em que o pároco explicava o encontro dos discípulos com Cristo na
estrada de Emaús, sentindo-se obrigado a
avisar aos seus ouvintes que este episódio não foi ‘histórico’. E esta dúvida compromete a realidade, a
materialidade da raiz da própria fé, ou seja, a historicidade da Ressurreição.
-Talvez essa
confusão entre as pessoas comuns é agravada pelo fato de que muitos não foram
alcançados pela catequese! Professores relatam que os leigos se aglomeram em
seus cursos de teologia sem conhecer a base, ou seja, o catecismo!
Sim! tem que se retornar ao catecismo sério, autêntico! Mesmo aqui
Ratzinger tem razão. Devemos redescobrir a estrutura imprescindível de toda verdadeira
catequese: o Credo, o Pai Nosso, os Sacramentos, o Deus Criador, o Deus
Redentor, o Espírito Santo que vive na Igreja. Não é mais aceitável que se façam textos ao gosto de cada um. Da
nossa parte, na língua alemã, eles circulam na casa das centenas. Muitas vezes, nem sequer são referendados
pelos bispos.
Teólogos da libertação: "Jesus para esses não é mais do que um profeta falido"
-Mas há
catecismos oficiais (como o Pierres Vivantes na França) que foram aprovados
integralmente pelas conferências episcopais nacionais. No entanto, receberam
críticas de Roma e tiveram que ser revisados.
Retornando às estruturas anônimas: muitas vezes é da anonimidade dos
escritórios e das comissões — mas não dos bispos com nome e sobrenome — que
surgem essas aprovações. E eu receio que alguns bispos sintam medo de certas minorias agressivas. Diz-se que
quatro ou cinco pessoas dominaram conferências episcopais inteiras, e isso,
dentre as mais importantes e numerosas.
-Deve-se
reconhecer que os problemas com os quais se deparam certas conferências são
espinhosos, de modo que é difícil chegar a uma unanimidade. A Conferência
Episcopal do Brasil, por exemplo, tem de lidar com um caso complicado como o de
Leonardo Boff.
Leonardo
Boff, como Hans Küng, já não é mais um cristão!
-O que o
senhor diz é grave!
Não sou eu quem diz, é ele! Em seu livro, "Paixão de Cristo, Paixão do
Mundo", Boff admite que não acredita na divindade de Jesus! Sustenta o
que já sustentava, no início do século, Albert Schweitzer. Como ele, Boff assumiu
que a deificação de Jesus foi feita pelos discípulos depois da Paixão.
Portanto, Jesus nada mais era que um profeta que pregava um Reino iminente. O Reino não veio, o fracasso foi total.
Isso explicaria o grito na cruz: “Meu Deus, por que me abandonaste?’...(segundo eles), exprime o
desespero de um homem que falhou.” (não entendeu que é o grito de desespero daqueles que estavam na mansão dos mortos e sem esperança).
-Este
ressurgimento de velhas teses liberais da "Belle Époque" europeia poderia
confirmar a suspeita de que certas teologias da libertação foram produtos de
exportação para países do Terceiro Mundo, depois que ficaram fora de moda entre
os intelectuais ocidentais?
É verdade! O cerne das teologias da libertação vem da Europa, mas certa elaboração
de sentido violento é depois concebida no próprio local. Um dos pais da
teologia da libertação, o alemão J. B. Metz, fez conferências pela América
Latina, mas, para muitos por lá, parecia abstrato demais: queriam transformar
suas teorias em revolução armada! Creio que o documento da Congregação para
a Doutrina da Fé tinha razão: não
podemos nos servir da análise marxista como uma espécie de ‘ferramenta
técnica’.
-Discute-se a
verdadeira influência sobre o povo de certas teologias da libertação: alguns
afirmam que se trata de um fenômeno de uma elite!
Muitos pensavam que a revolução marxista seria realizada em poucos anos. Isso
não aconteceu, mas agora se doutrina o povo, ‘conscientizando-o’ com
publicações em que o centro é um ‘Cristo libertador’, o ‘Nazareno subversivo’.
Ratzinger deu prioridade a esse fenômeno, porque ele toca nos pontos decisivos
para a fé. É urgente que se faça algo por lá. Os teólogos não têm mais que se travestirem de sociólogos ou
economistas. Parece-me que todas as teologias da libertação se esquecem de que
a essência do Novo Testamento é a caridade: não precisa de mais nada, apenas
vivê-la.
-Mas muitos
argumentam que a caridade é ajudar os pobres a fazer sua própria revolução.
Até mesmo o Papa disse que é
necessário privilegiar os pobres (essa mensagem é evangélica), em Puebla também afirmou claramente que
o cristão deve evitar a violência, que
o clero não deve de forma alguma se misturar com a política partidária. Os
‘pobres de Javé’ da Bíblia não são de modo nenhum o proletariado de Marx!
-Os problemas
são tais e tantos que alguns, com base também no que vem acontecendo nos
últimos meses, temem que, de Roma, a Igreja torne-se ingovernável.
O Vaticano II utiliza o termo ‘comunhão hierárquica’ para indicar a
comunhão de todos os bispos com Roma, o símbolo visível da unidade. Deve-se
perguntar se alguns episcopados ainda têm aquela ‘comunhão de amor’ com o Papa,
de que fala, por exemplo, São Cipriano.
Lefebvre e os seus "não são os verdadeiros católicos”
-Seu
discurso, então, retorna às Conferências Episcopais?
Para elas, o Concílio dedica uma
frase curta. No entanto, alguns as transformaram no centro de tudo! Quando a estrutura torna-se demasiado
pesada, o bispo acaba sendo paralisado.
-Qual é a sua
opinião sobre o estado atual da liturgia?
Posso falar apenas pelo germânico.
Tenho a impressão de que aqui ela é sóbria! Se for bem executada, ou seja, de forma verdadeiramente respeitosa em
relação ao sagrado, é bem aceita pela maioria daqueles que ainda vão à igreja.
-Uma resposta
reconfortante porque contesta certos círculos fundamentalistas que fizeram da
reforma litúrgica o seu cavalo de batalha! E o centro do movimento lefebvriano
está bem aqui na Suíça. Esquecemos muitas vezes dos ataques duríssimos ao Papa
e a Ratzinger que continuam vindo daquela direção!
Monsenhor Lefebvre e os seus não
são os verdadeiros católicos! O
fundamentalismo de direita parece-me ainda mais incorrigível do que o
liberalismo de esquerda. Eles pensam que sabem de tudo, eles não têm nada a
aprender. Por outro lado, é
contraditória a sua lealdade manifesta aos Papas, uma vez que dirigida apenas
àqueles que lhes derem razão! Mas este ataque em pinça, de duas frentes, é
típico das fases pós-conciliares.
A Igreja é feminina (não feminista) - Maria vem antes de Pedro!
|
(Maria de Todos os Povos - Holanda) |
-Girando pela
Europa e América do Norte, ficamos com a impressão de que as freiras — talvez
quem mais sofre diante dessa crise — estão um tanto confusas!?
Para se dar uma resposta adequada ao problema da mulher na Igreja, é necessário
que a mariologia, sóbria e boa, volte ao lugar que merece! Devemos lembrar
a todos os católicos — a começar pelas mulheres — que, na Igreja, Maria ocupa um lugar mais elevado do que Pedro. A Igreja
é uma realidade feminina e foi posta à frente de homens, os sucessores dos
apóstolos. Maria, ou seja, o princípio
feminino, é mais importante do que a própria hierarquia, que foi concedida ao
componente masculino. Algumas
freiras se deixam levar por certa teologia, feita por homens, e não
percebem que muitos padres pensam na
ordenação sacerdotal como uma forma de alcançar o poder temporal na Igreja. Mas
isso é clericalismo. Maria — e não se trata de fazer sentimentalismo — é o
coração da Igreja. Um coração feminino, que precisa ser revalorizado como
merece, em equilíbrio com o serviço de Pedro. Isso não é devocionismo: é a
teologia da grande tradição católica.
-Portanto, a
devoção mariana de João Paulo II, tão singular, também tem um significado
teológico preciso?
Sem dúvida! O Papa João Paul II sabe que o fundamento escondido da Igreja não é ele, mas
Maria; não é por acaso que ele quis ‘Totus Tuus’ como lema de seu pontificado.
Não há necessidade, talvez, de proclamar novos dogmas marianos, mas devemos redescobrir a riqueza dos que já
existem e que são essenciais para o equilíbrio da fé autêntica.
Retornar o modelo Tridentino de Seminário
-As freiras
estão especialmente em crise, mas o desconforto dos sacerdotes também é
significativo. Quais são as principais causas?
Muitas vezes é muito difícil ser enviado a paróquias descristianizadas onde o padre
não tem mais importância. Antes ele era o centro de tudo, agora ele tem de
correr atrás dos fiéis para tentar mantê-los! Mas, para enfrentar e suportar esta situação, os sacerdotes devem ter outra
formação.
-O que quer
dizer?
Precisamos voltar ao modelo tradicional de seminário, eu diria ‘tridentino’, mas
prudentemente atualizado. Eu não
permitiria que a maioria dos jovens seminaristas fossem enviados para estudar
em universidades, como é feito atualmente. Eles têm que estudar em seminários
autênticos, que sejam sérios, ‘clericais’. Eles são formados para o clero,
preparam-se para um ofício que é cada vez mais difícil. Universidades externas não conseguem fazer esse serviço. O bispo deve
ter a oportunidade de recriar os seminários de acordo com as indicações dadas
por Roma e nomear professores de sua confiança! Mas, muitas vezes, mesmo que ele queira, ele é impedido por
todas as estruturas que foram criadas ao redor.
-O seu
balanço pós-conciliar parece um pouco pessimista. Há áreas de luz e de sombra.
Afinal, na sua opinião, qual é o balanço?
Há
caos depois de qualquer Concílio! E também temos que considerar coisas novas, que são como plantinhas,
pequenas mas vigorosas, cujas sementes foram lançadas pelo Vaticano II. Hoje, as cátedras de teologia são ocupadas
por uma geração que tinha 18-20 anos em 1968, e que muitas vezes carrega no seu
ensinamento um espírito liberal, de contestação. Enquanto isso, os grandes
teólogos do passado foram esquecidos. Mas
também há uma nova geração que está sendo formada, alguns jovens que se
rebelaram contra o conformismo. Eles tem a intenção de fazer uma teologia que
seja aberta às Escrituras e à grande tradição católica. Mesmo entre os
teólogos que já estão na cátedra, há
pessoas de muito fundamento que estão repensando a fé de um modo novo. Um
bom trabalho nesse sentido foi feito pelo teólogo Ratzinger. Deixemos que o Espírito trabalhe: são
os brotos espichando, estão nascendo e certamente não são contra o autêntico
Concílio. Ao contrário, eles nasceram a partir dele.
Não é necessário pensar muito sobre a Igreja, mas vivê-la!
-Entre os
sinais de esperança, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé também
coloca os "novos movimentos eclesiais"!
E está certo! Entre outras coisas,
eles são a possibilidade de a Igreja fazer uma teologia viva. Mas, em alguns
deles, há uma explosão magnífica seguida por uma tentação de fechamento! O perigo, para esses, é o de se tornarem
quase como seitas, de se fecharem sobre si mesmos, justamente quando
precisamos, mais do que nunca, ‘derrubar os bastiões’, ou seja, projetar-nos em
missão para o mundo.
-Não seria "um
fechamento instintivo para tentar salvaguardar uma identidade católica" que
sentem ameaçada?
Eu estou tentando construir um instituto secular no qual tenho a intenção
de comunicar um espírito muito católico, uma identidade precisa de Igreja.
Mas eu gostaria que fosse o mais aberto possível, a todos. A casa deve ser
monitorada e mantida em ordem, mas as
portas devem permanecer abertas para quem quiser entrar!
-O senhor
formou-se e trabalhou por muitas décadas na Igreja pré- conciliar. Viveu,
então, sempre como um teólogo, os vinte anos de período pós-concílio. Quais as
diferenças entre as duas fases?
Está certo meu amigo e professor De
Lubac e tem razão Ratzinger quando se
recusam a falar da Igreja ‘pré’ ou ‘pós’ conciliar. Há apenas uma Igreja.
Eu vejo os prós e contras de antes e depois, mas o que sempre importa para mim
é viver no coração da Igreja: esta não
muda e nunca vai mudar! Não devemos pensar muito sobre a Igreja: é necessário
antes de tudo vivenciá-la. Embora consciente de que sempre foi — e sempre será — um pequeno rebanho!
-Em sua mesa
há uma imagem do Papa. Isso confirma para mim, pois já era bem conhecida, a sua
amizade, o seu profundo respeito por João Paulo II. E nós sabemos que esse
sentimento é recíproco!
Sim, eu amo muito este Papa! Mas, basicamente, não é isso que importa.
Importante para toda a Igreja é o fato de que este homem vive de oração.
Quando ele retorna de suas viagens massacrantes, quem o acompanha — desde
prelados até jornalistas — fica atordoado com o esforço. Ele não. Está radiante. É a oração que o alimenta! Quando ele veio
aqui na Suíça, alguém em Einsiedeln o insultou.
Ele ficou em silêncio e então, não se sabe como, a pessoa desapareceu. Pouco
depois, encontrei o Papa: foi a uma capela, prostrar-se diante do tabernáculo.
Em seu retorno a Roma, eu o vi mais bem disposto do que nunca, descansado.
‘Santidade’ — perguntei-lhe — ‘Como pode, nunca se cansa?’ Rindo, ele
respondeu: ‘Esta viagem para a Suíça foi apenas um treino para me preparar para
a visita à Holanda’ (onde, de fato, a
contestação clerical-progressista chegou ao paradoxo dos dominicanos atirarem
pedras contra o Papa). Seu segredo é a oração, na qual está continuamente
imerso!
O cristianismo "não é *anônimo" como gostaria Rahner!
*(Nos mesmos anos em que Karl Rahner
escrevia os primeiros ensaios para sua obra Investigações teológicas na
Alemanha, um confrade seu jesuíta chamado Leonard Feeney enfrentava sérios
problemas com a Santa Sé em Boston. Os dois filhos de Santo Inácio de Loyola
trilhavam direções opostas em teologia. Rahner propunha a abertura da Igreja
Católica ao mundo moderno, com uma conceituação mais ampla de graça, afirmando
que também não-católicos e até mesmo não-cristãos podem alcançar a salvação e
podem ser considerados “cristãos anônimos” , ou seja, aqueles(as) que não pertencem ao corpo visível da
igreja, mas a sua alma).
-Entre as
coisas que mais parecem preocupar o Papa em suas viagens fora da Europa, está a
queda do zelo missionário para com os não-cristãos.
Sim. E também é responsável por esta queda uma determinada versão, diluída
— e, talvez, mal digerida — da teologia de Karl Rahner, a sua teoria do
‘Cristianismo Anônimo’ (Na obra Cristianismo e religiões não cristãs, Hahner defende a
tese que afirma que “todo homem é alcançado pela graça de Deus, e, por isso
todo homem é um cristão anônimo obrigado, porém a se tornar cristão explícito”. Acrescenta ainda que a Igreja
não deve ser considerada a comunidade exclusiva daqueles que têm o direito à
salvação, e sim a vanguarda, socialmente relevante, a explicação em termos
históricos e sociais daquilo que o cristão espera ser realidade escondida
também fora da visibilidade da Igreja).Rahner, talvez, tenha proporcionado a oportunidade
de alguns teólogos expressarem o que já estava prestes a eclodir. Segundo eles,
em cada homem, qualquer que seja a sua crença (ou a sua não-crença) já está a
graça. A tarefa cristã seria apenas
fortalecê-los em suas convicções. Em seguida, foi dada uma atenção
exclusiva, e excessiva, para com a promoção do desenvolvimento sócio-econômico:
é o Evangelho, de fato, a primeira
riqueza que devemos dar aos pobres. Você
não pode adiar o anúncio do Cristo morto e ressuscitado para quando os
problemas econômicos estiverem resolvidos!
O diálogo, sem ilusões (e falso irenismo)!
-Como suíço
de língua alemã, o senhor sempre foi muito atento aos problemas das relações
entre as várias denominações cristãs. Qual é a sua opinião sobre o atual
momento ecumênico?
Infelizmente, o diálogo revelou-se
ilusório, uma quimera! Não é possível se
comunicar com igrejas que não tenham esse centro visível de unidade, concreta,
como é o Papado. As igrejas protestantes estão dilaceradas em tantas
denominações, e tantas divisões internas, que podemos nos entender com uma
pessoa, um teólogo por exemplo; mas tudo pára por aí, porque, certamente, virão
outros que dirão que não pensam do mesmo modo. Eu tive uma experiência
pessoal com Karl Barth: após uma série de reuniões, de muito trabalho, parecia
que tínhamos chegado a uma possível base para acordo. Mas quando tornamos isso público, eis que surgiu imediatamente outro
professor de teologia de Zurique, e depois outro e outro, também protestantes,
mas em completo desacordo com o que disse Barth. E isso vale para todo o
mundo que surgiu da Reforma; ninguém poderá fazer do anglicanismo, por exemplo,
uma igreja, porque tem muitas divisões internas.
-Uma situação
decepcionante. Espero que esse não seja o caso das Igrejas Ortodoxas do
Oriente?
Infelizmente também, se aplica a
elas! Houve o abraço com Atenágoras, mas
sempre haverá um outro metropolita, outro arquimandrita, um outro bispo que não
estará de acordo. Mesmo no discurso ecumênico, portanto, é necessário realismo: a situação (como vimos
recentemente com o documento de Lima sobre o Batismo, a Eucaristia e o
Matrimônio, que custou muito trabalho e foi rejeitado por muitas igrejas) não se permite qualquer ilusão!
Lumen ad Viam – “Só quem procura a Verdade encontra a
Verdade”
Fonte:https://medium.com/igreja-hoje/hans-urs-von-balthazar-1905-1988-a1bb91a87412
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