(Por Pedro Menezes)
Ao fim do último mês
de março, quando pesquisas de opinião apontavam que 3 dentre 4 brasileiros já
não confiavam na presidente Dilma, e a rejeição ao seu partido parecia difícil
de esconder, os diretórios estaduais do PT lançaram um manifesto oficial, onde
se lê: “Condenam-nos não por nossos erros, que certamente ocorrem numa
organização que reúne milhares de filiados. Perseguem-nos pelas nossas
virtudes. Não suportam que o PT, em tão pouco tempo, tenha retirado da miséria
extrema 36 milhões de brasileiros e brasileiras.” É importante notar
que não se diz que o partido contribuiu decisivamente para a
redução da miséria extrema no país, mas que foi o PT, enquanto organização,
quem diminuiu em 36 milhões o número de brasileiros miseráveis, sendo
o responsável único e exclusivo por este acontecimento. O mesmo
discurso é repetido com frequência por quase todas lideranças do partido ou
simpáticas a ele nas campanhas eleitorais de 2006, 2010 e 2014, e constituiu-se
como a principal força aglutinadora da militância partidária desde então.Quase
toda a metafísica que inspira corações e mentes petistas nos dias de hoje
passa, necessariamente, pela narrativa que dá ao PT o mérito por um combate à
miséria de sucesso extraordinário, inquestionável e “nunca antes visto na
história deste país”, como dizia o ex-presidente Lula. Como consequência lógica
deste discurso, tudo o que é externo ao petismo é imediatamente retratado como
favorecimento a elites que não suportam a ascensão social de quem ontem era pobre “e
hoje anda de avião”. - Digo isso, inclusive, com base na minha experiência pessoal: como filho
de um ex-petista outrora orgulhoso (e, por alguns anos, desgostoso pela minha
“conversão reacionária”), cresci nos mais diversos círculos militantes,
assistindo a comícios e comemorando apurações na rua, e até hoje tenho no
armário camisetas brancas com uma estrela vermelha no peito. Durante todos
esses anos, nenhum argumento foi mais importante para ratificar internamente o
meu petismo do que as estatísticas de redução da miséria e desigualdade durante
o governo Lula, assim como minha futura rejeição ao partido passou
necessariamente pela desmistificação deste discurso. Deixei de ser petista,
dentre outros motivos, justamente depois de me convencer sobre o que escrevo
neste artigo: o Partido dos Trabalhadores NÃO foi responsável, nem exclusivo e
nem majoritário, pelos 36 milhões de brasileiros e brasileiras que deixaram a
miséria extrema.
A
desigualdade começou a cair em 2001, antes da eleição de Lula!
Técnicos do governo federal lançaram o documento “Sobre o processo de
desenvolvimento inclusivo no Brasil da última década”. O mais famoso dos
autores é Ricardo Paes de Barros, um economista reconhecido por sua
contribuição para a criação do Programa Bolsa Família e que, durante o primeiro
mandato de Dilma, foi subsecretário de Ações Estratégicas da Presidência da
República. Para começar a desmascarar esta mentira, é preciso mensurar a evolução
da desigualdade de renda no Brasil desde 1976. A medida adotada é o Coeficiente
de GINI, tido como padrão internacional para mensurar a desigualdade de renda.
Um coeficiente de 0.5 significa que, naquele país, a distância média entre a
renda de duas pessoas de um país é igual a 50% da renda média da população. A
definição pode ser complicada para os não-iniciados em economês (ou mais
especificamente, em estatistiquês), mas o essencial é notar que, quanto menor o
Coeficiente de GINI, menor é a desigualdade de renda dentro de um país.O ano de referência é
2001, quando a desigualdade começa a cair no Brasil. E em 2001 e 2002, como se
sabe, Lula ainda não havia vencido as eleições para presidente do Brasil. Não
me parece que, fora do governo, Lula ou o PT tenham exercido alguma influência
mágica para reduzir a desigualdade por aqui. Além disso, a queda verificada nos
primeiros anos de governo dificilmente pode ser vista como mérito do
presidente, já que não faz sentido imaginar que as políticas de Lula tenham
surtido efeito imediato a partir do momento em que o ex-presidente chegou ao
poder.
Questão de educação
Mostrar que a redução
da desigualdade começou antes da chegada do PT ao poder, porém, não é
suficiente para explicar por que todo esse processo de inclusão social e
redução da miséria aconteceu no Brasil. A resposta a esta pergunta é aquela
que, com frequência, decepciona os discursos simplistas: Os pesquisadores que estudaram a questão quase sempre atribuem a uma
conjunção de fatores. Alguns têm relação com coisas que aconteceram dentro do
Brasil (ou seja, que podem ser influenciadas por um presidente) e outras entram
na conta dos acontecimentos internacionais, que não guardam a menor relação com
o fato de o PT ter chegado ao poder.Dentre os acontecimentos internos que foram
decisivos para este processo de redução da miséria e desigualdade, o próprio
Paes de Barros (que, repetindo, foi o assessor da Presidente Dilma sobre o
assunto) reconhece que o maior deles antecede e muito o ano de 2002. Ele
poderia atribuir tudo à expansão do Programa Bolsa Família (elogiado neste site
em diversas oportunidades), o que até lhe afagaria o ego, já que foi ele o
responsável técnico pelo programa em seu início, mas Paes de Barros considera
que o Bolsa Família funcionou “mais como aditivo, contudo, do que como causa
principal”. O Bolsa Família teria
sido responsável por entre 10 e 15% do processo de inclusão social. É natural:
o que aconteceu no Brasil foi profundamente estrutural – ou seja, mexeu com as
dinâmicas mais profundas da economia brasileira. Apesar de suas inegáveis
qualidades, a atuação do Bolsa Família é emergencial e pontual. Em uma analogia
simples, é como se o programa atuasse retirando as famílias que estão rodeadas
por um incêndio num barraco de madeira. O que aconteceu no Brasil, porém, é
muito maior: as famílias não apenas saíram do incêndio, mas passaram a ter uma
nova casa de material não-inflamável e instalaram alarmes para evitar que
desastres voltassem a acontecer no futuro.Estudos elaborado
pelo Centro de Políticas Públicas do Insper, ilustra aquela que, para Paes de
Barros, foi a mudança interna mais decisiva para a redução da miséria e
desigualdade no Brasil – e que, como a própria história do pais pode constatar,
o processo começou antes da eleição de Lula:O estudo mostra que,
durante os últimos 20 anos, cada vez mais crianças brasileiras passaram a ter
acesso à escola, fazendo crescer significativamente a escolaridade média da
população brasileira. Entre 1992 e 2013, o número de adultos brasileiros com 4
anos de estudo ou menos caiu pela metade, enquanto o grupo com mais de 9 anos
de estudo dobrou em tamanho. O estudo retrata a porcentagem de crianças e
jovens matriculados em algum curso regular, dividindo-os por idade e tipo de
curso. Em 1983, o gráfico se parece com uma montanha. Vemos que a educação
básica era um privilégio de poucas crianças com menos de 7 anos; o ensino
superior aparece também como privilégio. Ao longo do tempo, o pico da montanha
se alarga e vai para cima, mostrando que mais jovens passaram a ter acesso à
escola por um período maior. Em 2003, a situação já era muito melhor do que em
1983, aumenta consideravelmente; o acesso à pré-escola, abaixo dos 30% em 1983,
já chegava a 70% das crianças de 2003; o acesso ao ensino fundamental já era
realidade para quase todos os jovens brasileiros; entre as crianças de 7 e 13
anos, mais de 95% tinham acesso à escola em 2003. Uma melhora significativa e
histórica, mesmo quando consideramos a péssima qualidade da educação pública no
país. As crianças e jovens
que puderam estudar pela primeira vez não fazem parte da elite econômica do
país. Os filhos de famílias ricas sempre tiveram alguma escolaridade, assim
como seus pais. Quem sentiu a diferença neste processo foram os filhos de
famílias pobres. Em resumo, com o intenso aumento do acesso à escola no Brasil,
o que caiu foi a desigualdade de escolaridade – ou desigualdade educacional. O
abismo na formação dos filhos de famílias ricas e pobres diminuiu
consideravelmente. Ou, como fica claro em reportagem da revista piauí:“Entre 1996 e 2009, a escolaridade média de quem procurava emprego
passou de 5,4 anos de estudo para 7,3 – um aumento, em 13 anos, de 35% na
qualificação dos trabalhadores. Investimentos decorrentes de exigências da
Constituição de 88 e da ampliação de verbas para o ensino fundamental no
governo Fernando Henrique fizeram com que a desigualdade educacional, que antes
crescia, começasse afinal a cair, no início dos anos 2000.”Como todos sabem, as
mães estão certas quando dizem aos filhos que quem estuda terá um salário
melhor no futuro. Após algum tempo, quando os jovens e crianças envelhecem e
saem da escola rumo ao mercado de trabalho, era natural imaginar que a redução
na desigualdade educacional levaria a alguma redução da desigualdade de renda e
da miséria com o passar dos anos. Antes, o filho do pobre nem entrava na
escola, enquanto o filho do rico estudava nas melhores instituições de ensino
do país. Isso mudou – e não foi por causa do PT.
Crescimento econômico e cenário mundial favorável
Só há um jeito de
combater miséria e desigualdade: crescimento econômico. Para que as pessoas
melhorem de vida, e o abismo entre ricos e pobres diminua, a renda das famílias
mais pobres precisa crescer – e crescer mais do que a renda das famílias mais
ricas. Mas nada disso é possível se a economia brasileira não crescer como um
todo. O economista Ricardo Paes de Barros, já citado neste texto, afirma que o
crescimento econômico explica mais do que a metade deste processo de inclusão
social. E, de fato, durante o governo Lula a economia brasileira cresceu mais
do que antes de sua chegada ao poder. Mas por que? Antes de entrar no assunto, vale um parênteses: certamente não foi por
causa do petismo, enquanto conjunto de ideias econômicas. Como é de
conhecimento geral, Lula começou o seu governo admitindo que, no campo da
economia, ele se limitaria a fazer rodar o software econômico vindo do governo
anterior. Lula começou o governo indicando Henrique Meirelles para a presidência
do Banco Central, um ex-banqueiro que havia acabado de eleger-se deputado
federal pelo PSDB. Um tucano legítimo. Já no Ministério da Fazenda, o titular
era Antônio Palocci, conhecido dentro do PT como um rebelde quando o assunto é
economia, pois discordava de quase todos os seus colegas de partido e elogiava
abertamente a política econômica tucana, chegando a declarar publicamente que
“A mais importante reforma dessas quatro décadas foi a adoção do regime de
metas para inflação, quando aqui esteve Armínio Fraga e, na Fazenda, o colega
Pedro Malan”. Armínio Fraga, neste caso, é aquele mesmo que foi escolhido por
Aécio Neves como ministro da fazenda em um eventual governo. Quanto a isso, não
há prova maior do que o fato de Palocci ter escolhido Marcos Lisboa e Joaquim
Levy (ele mesmo), dois economistas ideologicamente distantes do partido, para
ocupar as duas das secretarias mais importantes do ministério, respectivamente
as secretarias de Política Econômica e do Tesouro. A política econômica do
governo Lula, ao menos até 2008, pode ser acusada de tudo, menos de petista.
Desta forma, o crescimento econômico no Brasil certamente não ocorreu pela
adoção de políticas inovadoras após 2003, mas justamente pela repetição do que
havia sido feito durante o governo FHC. Ainda assim, isso não
é suficiente para explicar por que o Brasil cresceu. Analisando
comparativamente, a situação dos dois governos é bem parecida: tanto com Lula
quanto com FHC, a economia brasileira cresceu pouco mais do que a média dos
vizinhos latinoamericanos. A diferença é que, durante o governo Lula, a taxa de
crescimento dos países da América Latina foi 72% maior do que durante o governo
tucano. Não é que Lula tenha inventado a roda com políticas públicas geniais
que beneficiaram os trabalhadores. O motivo é mais simples: no início da década
passada, o mundo se tornou um lugar muito mais agradável para países como o
Brasil.Um dos motivos
certamente foi a subida nos preços internacionais nas commodities, mercadorias
primárias como comida e minérios. Para um país como o Brasil, muito forte em
setores como a agricultura, isso basicamente significa que as coisas que são
produzidas aqui ficaram cada vez mais caras quando comparadas com o que é
produzido fora daqui. O cenário perfeito para uma economia que precisa crescer.Em
português, trata-se do preço internacional de tudo o que os brasileiros vendem
para outros países, dividido pelo preço internacional de tudo o que os
brasileiros compram de outros países (exportações/importações). Não é razoável
imaginar que Lula ou o PT tenham exercido qualquer influência nos preços
internacionais e os números são claros ao demonstrar que as condições externas
melhoraram muito durante o início do governo Lula.Os termos de troca internacionais da economia brasileira, que estavam
piorando consistentemente, começaram a melhorar no início do governo do PT, mas
como resultados do governo anterior. Para mostrar quão relevante foi a melhora,
basta dizer que, em 2011, os termos de troca do Brasil chegaram ao seu melhor
nível em mais de 50 anos.Além do crescimento
ter se acelerado de forma generalizada em toda a América Latina, desde a
Colômbia governada pela direita à Venezuela bolivariana, e dos termos de troca
terem melhorado consistentemente, há ainda um último fato que explica o
crescimento econômico e a redução da miséria e desigualdade no Brasil. De
acordo com os dados disponíveis, nunca antes na história humana tantas pessoas
saíram da pobreza em tão pouco tempo ao redor do mundo. Em 20 anos, 1 bilhão de
pessoas saíram da pobreza. No Brasil o mesmo aconteceu, mas não por
causa de uma mudança repentina nos governantes brasileiros, mas porque a
mesmíssima coisa aconteceu em todos os países emergentes do mundo. A revista
The Economist com dados do Banco Mundial mostra o que digo: apenas entre 2005 e
2008, 111 milhões de pessoas saíram da pobreza ao redor do globo:
A década perdida entre
2003 e 2012
O erro mais comum de
quem trata a inclusão econômica e social dos últimos anos como obra exclusiva
do PT é antigo. Trata-se de uma velha falácia lógica conhecida como post hoc ergo
propter hoc – em português, seria algo como “depois disso, logo, por causa disso”.
Quase todo o processo aconteceu depois da eleição de Lula, logo, simpatizantes
do ex-presidente tendem a deduzir que ela aconteceu por causa da eleição de
Lula.Como vimos, não foi
bem assim. Acontecimentos internacionais, que o ex-presidente não poderia
controlar, assim como dinâmicas internas anteriores à sua chegada ao poder
foram mais influentes do que qualquer medida tomada por ele durante a
presidência. Claro que há algum mérito a ser reconhecido. A expansão do Bolsa
Família, já citada, deve ser considerada. O estudo que citarei a seguir
reconhece ainda outras contribuições importantes do governo Lula, como as
reformas microeconômicas do primeiro mandato, em especial a Lei de Falências.
Ao reivindicar o mérito exclusivo por
tudo o que aconteceu no Brasil, Lula está agindo como qualquer outro político o
faria em seu lugar!
Quem deve estudar
economia são os economistas. Os políticos agem de outra forma, tentando
acumular poder a partir dos fatos do dia. E Lula, com sua habilidade política e
personalidade carismática, soube capitalizar como poucos a imagem de combatente
incansável contra a pobreza. Ninguém jamais chegará ao poder mostrando gráficos
complicados, discutindo dinâmicas que reduziram a desigualdade de escolaridade
ou explicando o que são termos de troca. A política já era assim antes de Lula
e continuará sendo assim depois dele.Existe, porém, uma forma mais sóbria de
avaliar o desempenho das políticas públicas do presidente: comparar, com os
melhores controles estatísticos possíveis, os avanços no Brasil com o que
aconteceu em países parecidos com o Brasil, durante o mesmo período. Foi o que
fizeram os economistas João Manoel Pinho de Mello (professor do Insper, Ph.D
pela Stanford University), Vinicius Carrasco (professor da PUC Rio e Ph.D pela
Stanford University) e Isabela Duarte (mestre pela PUC Rio) em um estudo
publicado recentemente.O método foi simples: para que a conclusão do estudo
fosse mais precisa, em cada quesito foi feita uma comparação entre o Brasil e o
que se chama de “grupo de controle sintético” – um grupo de países que pode ser
tomado como o melhor possível para uma comparação justa. A conclusão foi
assustadora: o Brasil “cresceu, investiu e poupou menos; recebeu menos
investimento estrangeiro direto e adicionou menos valor na indústria; teve mais
inflação; perdeu competitividade e produtividade, avançou menos em Pesquisa e
Desenvolvimento e piorou a qualidade regulatória; foi pior ou igual em quase
todos os setores importantes; a distribuição de renda, a fração de pobres, e a
subnutrição caíram em linha ou um pouco menos; a escolaridade avançou menos, a
despeito de maiores gastos; a saúde andou em linha, sem grandes diferenças”. O
único critério em que avançamos mais do que os países de comparação foi no
mercado de trabalho, mas mesmo nele os pesquisadores julgaram que apenas
“avançamos na margem mais fácil: colocar as pessoas para trabalhar”. Em tarefas
mais difíceis, como a já citada produtividade – que seria capaz de garantir
empregos de melhor qualidade e com salários maiores -, o Brasil foi pior.Há algo ainda mais grave: em muitos aspectos, o Brasil tinha uma tarefa
mais fácil do que os países comparados. Nossa sorte foi tamanha que, mesmo
dentre os emergentes, tivemos termos de troca muito mais favoráveis no período analisado
e mais disponibilidade para investir a renda externa. Ainda assim, nossos
resultados foram quase todos piores. Por isso, o estudo foi chamado de “A
década perdida: 2003-2012”. Os leitores mais curiosos (ou mesmo que duvidem da
conclusão, que é muito diferente do senso comum criado sobre o tema), podem
acessa-lo aqui e conferir com os próprios olhos. A linguagem, em geral, é
amigável para leigos em economia e estatística.É verdade: os
eleitores brasileiros demonstraram, desde 2006, sua satisfação com o governo do
PT, o que alguns enxergam (com boa dose de razão) como “retribuição” por todo
esse fantástico processo de redução da miséria. O que precisamos lembrar é que
eleitores não estão certos por definição. Na verdade, muitos economistas e
cientistas políticos dizem que, em democracias, temos ótimos incentivos para
não estudar a realidade antes de votar: ninguém jamais será capaz de distinguir
perfeitamente quem merece levar o capital (ou o ônus) político por um episódio
histórico e estudar o que os pesquisadores mais reputados dizem sobre o assunto
envolve um custo imenso sem benefício claro, já que dificilmente um eleitor
sozinho definirá as eleições, não importa quão consciente seja o seu voto.Uma pesquisa do
King’s College de Londres e da Royal Statistical Society é esclarecedora nesse
sentido: ela nos mostra que a população do Reino Unido está errada em quase
tudo o que diz. O povo britânico errou clamorosamente alguns fatos básicos em
perguntas sobre imigração, criminalidade, programas sociais e gravidez na
adolescência. Até mesmo num país onde o acesso a educação de qualidade e
informação é muito superior ao do Brasil, a opinião pública é formada através de
aparências e impressões gerais que podem estar simplesmente erradas. Por que
seria diferente no Brasil? Será que nós somos melhores e mais inteligentes do
que os britânicos? A mera sinceridade não é o critério da verdade, pois uma
pessoa pode estar sinceramente equivocada. Apoio popular e razão nem sempre andam juntos. A aprovação de Lula
durante o seu período na presidência é compreensível, assim como suas vitórias
eleitorais de 2002. Lula provavelmente seria igualmente popular em qualquer
outro país do mundo que passasse por tudo o que o Brasil nos últimos anos, mas
a voz do povo não é a voz de Deus. Dar ao povo a razão em tudo o que diz não é
nada inteligente, ainda mais num país como o Brasil, onde desde Floriano
Peixoto nada é impossível quando o assunto é populismo. Conceder tons divinos
ao voto popular é, também, conceder uma aura divina a nossa larga tradição de
políticos autoritários.
Esse é um artigo de
opinião, escrito para a internet, e deve ser lido como tal. Não há pretensão
científica, embora argumente através de publicações. Tento apenas argumentar
que diversos fatores externos ao PT confluíram para essa imensa redução da
miséria, a ponto de ser razoável afirmar que algo parecido muito provavelmente
com outro partido no poder. Não há muita controvérsia quanto a isso. Eu acho, e
meus argumentos estão escritos em diversos parágrafos aí em cima, que a redução
na miséria certamente não foi causada exclusivamente pelo partido, e mesmo sua
influência provavelmente não foi tão decisiva quanto a maioria das pessoas
acredita. Parte do que ocorreu pode ser creditada ao PT, é claro. Uma parte
consideravelmente menor são medidas que tiveram influência e podem ser
creditadas ao petismo, enquanto conjunto de ideias.Provavelmente esqueci de outros pontos importantes para essa questão.
Dei preferência às atitudes do PT que contrariam o petismo, o conjunto de
ideias. Há omissões no sentido inverso também: não citei fenômenos demográficos
que sofreram zero influência do PT – pobres passaram a ter menos filhos de
forma brusca com a urbanização e isso teve efeito especial nesse período, ao
diminuir a oferta de mão de obra barata. Este é um artigo de
opinião. Você pode discordar desta opinião – e deve discordar, desde que tenha
consciência dos motivos e argumentos. Eu sei que muitos dados vão ficar de
fora, muitas informações úteis não são citadas e eu ficaria feliz se as pessoas
fossem atrás de mais informação. Existem muitos dados e estudos públicos,
especialmente em sites do governo (IPEA, SAE, etc) e de instituições de ensino
e pesquisa. Aposto que dentro dos próximos 50 anos alguém vai publicar um livro
muito bom, uma espécie de tratado geral sobre a história econômica brasileira
nos últimos anos. Este não é o propósito do meu texto e a tarefa exigiria um
autor mais inteligente.
Fonte:http://mercadopopular.org/2015/06/nao-foi-o-pt-quem-tirou-36-milhoes-de-pessoas-da-miseria/
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