Por : Irmã Clarissa Ribeiro de Sena, EP
Os dogmas são verdades de Fé proclamadas pelo Magistério em sua missão de custodiar e expor a Revelação, os dogmas marianos constituem um autêntico sinal da divina vitalidade da Igreja. Após a Ascensão do Senhor aos Céus, coube aos Apóstolos, já transformados pelas
graças de Pentecostes, a missão de instruir os homens na Boa Nova. Assim o fez
Filipe, por exemplo, quando, impelido pelo Espírito, se aproximou do
estrangeiro que lia um trecho de Isaías e lhe perguntou: "Tu compreendes o
que estás lendo" ? Ao que este respondeu: "Como posso se não há quem
mo explique?" (At 8, 31). Então Filipe, "principiando por essa
passagem da Escritura, anunciou-lhe Jesus" (At 8, 35).Com
efeito, sendo a Palavra de Deus expressa com as limitações próprias à linguagem
humana, e estando as nossas mentes sempre sujeitas a enganos, era inevitável
surgirem dúvidas e dificuldades na compreensão do sagrado depósito da Fé, dando
origem às mais variadas interpretações. Inclusive porque na Sagrada Escritura,
conforme escreve São Pedro a propósito das cartas paulinas, "há algumas
partes difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco
fortalecidos deturpam, para sua própria ruína" (II Pd 3, 16).Jesus,
portanto, quis instituir um Magistério vivo, confiado ao Papa e aos bispos,
sucessores dos Apóstolos, a fim de que "permanecesse íntegro e fosse
transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de
todos os povos"1, possibilitando-lhe praticar a Fé autêntica sem erro.2 - A este Magistério vivo, e
somente a ele, cabe "o encargo de interpretar autenticamente a palavra de
Deus escrita ou contida na Tradição"; 3 e seu caráter infalível se
verifica ao definir, por singular assistência do Espírito Santo, doutrinas em
matéria de Fé e moral, seja através do Papa, pronunciando-se ex cathedra, ou do
Colégio Episcopal "quando este exerce o supremo Magistério em união com o
sucessor de Pedro".4É nesse
contexto que se inserem as definições dogmáticas nas quais "o Magistério
da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo"5 e propõe
ao povo cristão uma verdade a ser aceita com adesão irrevogável de Fé. Longe de serem imposições arbitrárias, "os dogmas são luzes no caminho
de nossa Fé que o iluminam e tornam seguro".6
Os sucessores dos Apóstolos não são apenas mestres, mas também
pastores; seus ensinamentos visam, pois, intervir na ordem concreta dos fatos.
Por isso, "insistem mais num ponto ou noutro, desenvolvem mais uma
matéria, enriquecem de preferência outra, com novos ensinamentos e novas leis,
tudo ao influxo do que lhe vai pedindo a solicitude pastoral à vista das
diversas vicissitudes pelas quais vai passando o gênero humano ao longo da
História".7
Nesse sentido, ensina Santo Agostinho:
"Referentes à Fé católica,
há muitos pontos que, ao serem postos no tapete da discussão pela astuta
inquietude dos hereges, para podermos fazer- lhes frente, devem ser
considerados com mais cuidado, entendidos com mais clareza e pregados com mais
insistência. E, assim, a questão suscitada pelo adversário oferece oportunidade
para aprender".8
Há,
entretanto, um motor ainda mais dinâmico do que as heresias no desenvolvimento
da Fé: é o amor do povo fiel que, inspirado pelo Espírito Santo, impulsiona os
seus Pastores a tornarem explícitos certos aspectos da Revelação. Assim, as
novas definições dogmáticas não nascem de frias considerações doutrinais, mas
provêm das legítimas necessidades e apetências do povo de Deus.As
proclamações dos dogmas marianos são belos testemunhos dessa imbricação entre o
Magistério vivo e o fervor dos fiéis, desde os primeiros séculos do
Cristianismo. O surgimento das primeiras heresias e o surto de amor à verdade
que se insurgiu contra elas vai dar uma oportunidade única ao desenvolvimento
da Doutrina Cristã, fomentando a reflexão teológica e propiciando as
intervenções do Magistério da Igreja, vigilante salvaguarda da Fé. A história da
definição da maternidade divina e da virgindade perpétua de Maria Santíssima
como verdades de Fé são dois magníficos exemplos desta realidade.
1º DOGMA MARIANO: “A
Maternidade divina”
Fundamentação bíblica:
“Quando
porém chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu filho nascido de mulher,
nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que
recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4-5).
"Mas
qual o motivo destra graça maravilhosa, que venha me visitar a Mãe do Meu Senhor?' (Tradução do Novo
Testamento Evangélico King James) Lucas 1,43
Entre as
inúmeras lições outorgadas aos homens pela História, há uma de capital
importância: a forma mais eficaz de combater uma verdade nem sempre consiste em
propagar o erro oposto, mas em exagerar algum de seus aspectos. Constata-se
isso ao analisar o movimento pendular das heresias dos primeiros séculos, as
quais, sob as aparências de zelo e pia defesa da ortodoxia, sucederam-se nos
mais heterodoxos extremismos, igualmente distantes do equilíbrio da Fé. Foi o
sucedido, por exemplo, com a heresia que ocasionou a definição do primeiro
dogma mariano. Grassava no século
IV um terrível erro cristológico difundido por Apolinário, Bispo antiariano de
Laodiceia, o qual, alegando a necessidade de salvaguardar a unidade de Cristo
com Deus, terminou por amputar-Lhe a natureza de homem, negando a existência da
alma humana no Verbo Encarnado. Contra os
apolinaristas - como ficaram conhecidos os seguidores do heresiarca -,
levantou-se Nestório, Patriarca de Constantinopla, defendendo a integridade
tanto da natureza humana como da divina, mas afirmando um erro oposto:“Ambas eram tão completas que formavam duas hipóstases independentes,
duas pessoas unidas de maneira extrínseca e acidental. Assim, Cristo seria Deus
e homem, não no sentido católico da união hipostática do Verbo com a
humanidade, mas formando um composto de duas pessoas distintas, havendo entre
elas apenas uma união moral.9 Essa
doutrina comportava um importante corolário: Maria não era Mãe da pessoa
divina, mas apenas da natureza humana de Cristo. Portanto, deveria ser chamada
Khristotókos (Mãe de Cristo), e não Theotókos (Mãe de Deus).” - Tal
afirmação contundia tanto o ensinamento dos Padres, quanto a piedade dos fiéis,
cuja indignação diante das proposições de Nestório não foi pequena. Com efeito, claros precedentes da doutrina
estabelecida pelo dogma aparecem desde os primeiros tempos da literatura
cristã. Já nos escritos de Santo Inácio de Antioquia, que foi discípulo do
Apóstolo João, encontramos expressões como estas:"De fato, o Nosso Deus Jesus Cristo, segundo a economia
de Deus, foi levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito
Santo"10; "Constatei que sois perfeitos na Fé imutável. [...] Estais
plenamente convencidos de que Nosso Senhor é verdadeiramente da descendência de
Davi segundo a carne, Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus,
nascido verdadeiramente da Virgem".11 - Em sentido
análogo se pronuncia Santo Irineu, no segundo século, quando atribui à mesma
Pessoa a geração eterna e a temporal, acentuando a unidade pessoal de Cristo,
Verbo de Deus e Filho de Maria: "É, portanto, o Filho de Deus nosso
Senhor, Verbo do Pai e, ao mesmo tempo, Filho do homem, que de Maria, nascida
de criaturas humanas e Ela própria criatura humana, teve nascimento humano,
tornando-Se Filho do homem".12 - A devoção
dos fiéis pela "Sancta Dei Genitrix (Santa Mãe de Deus)" vem
demonstrada, pelo menos desde o século III, pela prece Sub tuum præsidium, a
mais antiga oração dirigida a Maria da qual se tem conhecimento, no qual Ela é
assim invocada. 13 Segundo afirma Gabriel Roschini, "no século IV, mesmo
antes do Concílio de Éfeso, a expressão Mãe de Deus se tornara tão comum entre
os fiéis que dava nos nervos do Imperador Juliano, o Apóstata".14 - Empolgantes
são as páginas deste capítulo da História da Igreja em que, tendo à frente o
grande São Cirilo de Alexandria, o Concílio de Éfeso definiu no ano 431 a
verdade destinada a brilhar para sempre no firmamento da teologia:"Se alguém não confessar
que o Emanuel é Deus no sentido verdadeiro e que, portanto, a santa Virgem é
deípara (pois gerou segundo a carne o Verbo que é Deus e veio a ser carne),
seja anátema".15É digno de
nota o entrelaçamento havido entre a fé popular e a reação doutrinária contra a
heresia, como fator decisivo para a proclamação deste primeiro dogma mariano. A
par das questões teológicas, faz-se presente em quase todas as obras que tratam
sobre o Concílio de Éfeso, a constituição de uma como que "torcida"
dos fiéis pela proclamação do dogma, manifestada, sobretudo, na narrativa do júbilo popular após o encerramento da sessão que consagrou a Theotókos:
provida de tochas acesas, a multidão devota acompanhou os Padres conciliares
até suas moradas, aclamando-os pelas ruas da cidade.Estavam
abertas, assim, as portas para as definições formais da Santa Igreja sobre as
realidades teológicas que dizem respeito à Santíssima Virgem. A segunda delas,
sobre a sua virgindade perpétua, viria duzentos anos mais tarde, novamente em
defesa da verdade na luta contra a falsa doutrina.
2º DOGMA MARIANO: “Virgindade
perpétua” (antes, durante e após o parto)
FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA:
Eze 44,2:“E disse-me o Senhor: Esta porta permanecerá fechada, não se abrirá; ninguém entrará por ela, porque o Senhor, o Deus de Israel passou por ela; por isso permanecerá fechada.”
Cântico 4,12:“Você é um jardim fechado, minha irmã, minha noiva; você é uma nascente fechada, uma fonte selada.”
A virgindade de Maria é defendida pela quase totalidade dos
apócrifos. Segundo essa tradição, ela era virgem antes, durante e depois do
parto.A pureza de Maria é demonstrada pela sua vida de virgem prudente consagrada no templo de Jerusalém (Conf. Mateus 25,1-13). Ela está sempre em contato com o sagrado. Quando Jesus nasce, a virgindade de
Maria é mantida. A parteira Salomé ousou testar a
sua virgindade colocando o seu dedo na “natureza de Maria”, dizem os apócrifos
que suas mãos pegaram fogo. Assim, o teste corporal feito por Salomé comprovou
a virgindade de Maria.Mais tarde, quando a gravidez de Maria é denunciada aos
sacerdotes, dizem os apócrifos que esses confirmam a sua virgindade com outro
teste comum entre os judeus, o da água amarga (Nm 5,11-31). Maria não foi
culpada de adultério pelos sacerdotes, mas foi inocentada pelo teste. José
tinha certeza que não teve nenhum relacionamento sexual com ela, portanto, ela
continuava virgem, pois era comum esta prática com os Judeus mesmo casados,
quando suas esposas estavam sob votos antes de coabitarem (Conforme:Num 30,4-17).A virgindade perpétua da Mãe de Deus é sintetizada
nesta fórmula:“Maria foi virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Estes
três elementos do dogma afirmam a concepção virginal de Jesus, pois Maria foi
mãe por virtude divina, sem concurso humano; o nascimento milagroso de Jesus,
"o qual não só não lesou a integridade de sua Mãe, mas também a consagrou"16; e a integridade de Maria Santíssima depois do nascimento de seu Divino
Filho.Já os
livros do Antigo Testamento trazem imagens e profecias sobre a virgindade de
Maria como comenta São Bernardo: "Que prefigurava em seu dia aquela sarça
ardendo sem consumir-se? A Maria dando a luz sem dor alguma. E a vara de Aarão,
que floresce misteriosamente, sem havê-la plantado? À Virgem,
que concebeu sem concurso de varão. E será Isaías quem melhor nos formule o
maior mistério deste prodigioso milagre. ‘Germinará uma vara do tronco de
Jessé, e de sua raiz brotará uma flor', assim deixa representada a Virgem na
vara, e seu parto na flor".17 - E prototípica é a profecia de Isaías, recolhida por São Mateus:"Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou
pelo profeta: ‘Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho que se chamará
Emanuel' (Is 7, 14), que significa: ‘Deus conosco'" (Mt 1, 22-23).No Novo
Testamento, a concepção virginal é atestada por São Lucas e São Mateus, ao
afirmarem que Jesus foi gerado pelo Espírito Santo: "O Espírito Santo
descerá sobre Ti, e a força do Altíssimo Te envolverá com a sua sombra. Por
isso o ente santo que nascer de Ti será chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35);
"José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que n'Ela
foi concebido vem do Espírito Santo" (Mt 1, 20).Apesar
desses indícios escriturísticos, a maternidade virginal de Maria foi alvo dos
ataques de várias heresias nos primeiros séculos, como a corrente dos
ebionitas, a qual negava a divindade de Jesus.Contudo, a
concepção virginal era já considerada pela Igreja como indiscutível patrimônio
doutrinário18, e foi posta a serviço da defesa da divindade do Redentor. É
neste período que, com São Justino, a expressão "a Virgem" começa a
se tornar característica para designar Maria Santíssima.19No século IV, houve
uma ampla explicitação deste dogma, como reação aos erros então propagados.
Defenderam a virgindade perpétua de Maria grandes escritores como Santo
Epifânio, São Jerônimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho.Belas são
as páginas dedicadas pelo Bispo de Hipona ao louvor deste privilégio mariano,
como nos mostra o seguinte trecho:"Maria permanece virgem ao conceber seu Filho, virgem como
gestante, virgem ao dá-Lo à luz, virgem ao alimentá-Lo em seu seio, sempre
virgem. Por que te admiras disso, ó homem? Uma vez que Deus Se dignou fazer-Se
homem, convinha que nascesse desse modo".20 - Não tardou
que ao aprofundamento teológico se acrescentasse o reconhecimento do
Magistério.
Coube ao Sínodo de Latrão de 649, convocado pelo Papa São Martinho
I, a proclamação do dogma.Após as grandes
controvérsias cristológicas de seus primórdios, a Igreja esperaria doze séculos
para uma nova definição dogmática solene sobre os atributos da Mãe de Deus.Desta vez,
não será ela impelida pela necessidade de combater heresias, mas por outro
possante fator de desenvolvimento dogmático: o sensus fidei.
3º DOGMA MARIANO: “A Imaculada
Conceição”: Triunfo da piedade Cristã!
FUNDAMENTAÇÃO
BÍBLICA:
Cantares 4,7: “Toda bela é minha companheira, em ti não há mácula”
Livro de Jó 14,4:"Pode o puro[Jesus]Vir dum ser impuro? Jamais!"
Somente em Maria a Nova Eva, se cumpre plenamente
esta profecia em virtude da missão de ser a Mãe de Jesus nosso Salvador: "Como também nos elegeu nele antes da
fundação do mundo, para que fôssemos santos e imaculados diante dele em amor."
(Efésios 1,4)
A
definição do dogma da Imaculada Conceição é um exemplo paradigmático da Fé
eclesial que, por especial assistência do Espírito Santo, cresce e se aprofunda
na compreensão das verdades reveladas. Neste caso, o povo cristão, "que
não sabe teologia, mas tem o ‘instinto da fé', que provém do mesmo Espírito
Santo e lhe faz pressentir a verdade, ainda que não saiba demonstrá-la"21,
antecipou-se aos doutos e sábios crendo na Imaculada Conceição de Maria.Estimulados
pela fé instintiva dos fiéis, os teólogos buscaram fundamentá-la com argumentos
plausíveis e harmonizá-la com o conjunto da Revelação. E foi neste ponto que a
tese da Imaculada Conceição se viu incompreendida até por grandes e piedosos
doutores, como São Bernardo, Santo Anselmo, São Boaventura, Santo Alberto Magno
e São Tomás de Aquino, os quais não ousavam defender a proclamação deste dogma
por não conseguirem conciliá-lo com a doutrina acerca da transmissão do pecado
original e da redenção universal operada por Cristo. Uma reação
à altura em favor do dogma apareceria anos mais tarde, com o Beato João Duns
Escoto, o qual "depois de bem fixar os verdadeiros termos da questão,
estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para desvanecer as
dificuldades que os contrários opunham à singular prerrogativa mariana".22
Tais fundamentos consistiram, sobretudo, na elaboração do conceito de redenção
preventiva, argumento decisivo da doutrina sobre a Imaculada. Argumentam
os teólogos que há duas formas de libertar um cativo:
1)-Pagando o preço de seu resgate para tirá-lo do
cativeiro em que já está (situação análoga à redenção liberativa, na qual,
pelos méritos de Cristo, somos limpos da culpa original herdada de nossos
primeiros pais);
2)-Ou pagando antecipadamente,
impedindo a pessoa de cair em cativeiro (redenção preventiva). Esta última é
uma verdadeira e própria redenção, mais autêntica e profunda que a primeira, e
é a que se aplicou à Santíssima Virgem, preservada imune de qualquer mancha de
pecado, desde o primeiro instante de sua concepção.23
O
entusiasmo do bom povo de Deus do mundo inteiro - e especialmente da Espanha -
fazia-se sentir até no Vaticano. Entretanto foi preciso esperar até 8 de
dezembro de 1854 para a declaração do dogma. Então, como afirma Pio IX,
"teria chegado o tempo oportuno para definir a Imaculada Conceição da
Virgem Mãe de Deus, que a Sagrada Escritura, a veneranda tradição, a constante
percepção da Igreja, o singular consenso dos Bispos católicos e dos fiéis, os atos
memoráveis e as constituições dos nossos predecessores ilustram e explicam
admiravelmente".24A solene
definição teve lugar na Basílica Vaticana com a presença de numerosas
autoridades eclesiásticas e de uma multidão de devotos. Observou uma testemunha
ocular desse memorável dia: "É hoje em Roma, como outrora em Éfeso: as
celebrações de Maria são, em toda a parte, populares. Os romanos se aprestam a
receber a definição da Imaculada Conceição, como os efésios acolheram a da
Maternidade Divina de Maria: com cânticos de júbilo e manifestações do mais
vivo entusiasmo".25 Estava consagrada para sempre a fórmula encontrada
pelos fiéis espanhóis, que tão grande papel tiveram na difusão desta verdade,
para expressar seu amor pela Imaculada: "Ave Maria Puríssima, sem pecado
concebida!".
4º DOGMA MARIANO: “Maria
assunta ao Céu” (em corpo e alma)
FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA:
Mateus 16,28: “Alguns não passarão pela morte até que o Sr
venha...”
Salmo 44,10: “À vossa direita
se encontra a rainha, Com veste esplendente de ouro de Ofir”
Apocalipse 12,1-2: "Viu-se
grande sinal NO CÉU, a saber, uma mulher vestida do sol com a lua debaixo dos
pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça...”
Apoc. 12,13-14: “E, quando o dragão
viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem.E foram
dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao
seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora
da vista da serpente.”
Se Henoc, Elias e Moisés, foram agradáveis a Deus,e por isto
foram arrebatados em corpo e alma aos Céus (Conforme: Gen 5,24; IIReis 2,11;
Judas 9; Heb 11,5),imagine aquela que encontrou GRAÇA diante de Deus (Conforme
Lucas 1,30) ?
A
proclamação dogma da Assunção, definido por Pio XII quase um século depois, é
outro belo exemplo de maturação da Fé eclesial.A devoção popular pela Assunção de Maria em corpo e alma aos Céus
encontrou suas primeiras manifestações numa antiquíssima celebração litúrgica
no Oriente. Prévias a essa celebração são as primeiras referências da Tradição
sobre o destino final da Santíssima Virgem, que aparecem entre os séculos IV e
V, destacando-se as asserções de Santo Efrém e Santo Epifânio. Os testemunhos
dos Padres tornaram-se mais numerosos a partir do século seguinte, e de grande
importância são as homilias de Santo André de Creta e, sobretudo, de São João
Damasceno que "entre todos se distingue como pregoeiro desta tradição".26Seguindo os Padres da Igreja, os teólogos escolásticos
expuseram com grande clareza o significado da Assunção e sua profunda conexão
com as demais verdades reveladas, muito contribuindo na progressiva divulgação
deste privilégio da Mãe de Deus. Pode-se dizer que, em linhas gerais, a partir
do século XV os teólogos já eram unânimes em afirmá-lo.A esses testemunhos litúrgicos, patrísticos e
teológicos cabe acrescentar numerosas expressões da piedade popular, entre elas
a dedicação de um dos mistérios do Rosário a essa verdade.Tal consenso eclesial é apontado por Pio XII como
argumento fundamental para a proclamação dogmática da Assunção, pois mostra
"a doutrina concorde do Magistério ordinário da Igreja, e a Fé igualmente
concorde do povo cristão - que aquele Magistério sustenta e dirige - e, por
isso mesmo, manifesta, de modo certo e imune de erro, que tal privilégio é
verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus Cristo confiou
a sua esposa para o guardar fielmente e infalivelmente o declarar".27
Apoiada nesses pressupostos, a definição solene realizou-se em 1950.O ambiente
que emoldurou a declaração dogmática da Assunção foi, sem dúvida,
impressionante, como puderam registrar as câmeras fotográficas da época.
Numerosos Cardeais, Bispos, sacerdotes e religiosos, além da grande multidão de
fiéis, acorreram à Praça de São Pedro, sem contar todos os que, espalhados pelo
mundo, acompanharam a transmissão por rádio e televisão.Era o orbe católico unido em
"um só coração e uma só alma" (At 4, 32), assistindo à solene
proclamação da Fé que em uníssono professava.Assim rezam as palavras definitórias:
"Para glória de Deus onipotente que à virgem Maria concedeu a sua
especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e
triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta Mãe, e
para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus
Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos São Pedro e São Paulo e com a nossa,
pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem
Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à
glória celestial".28
Sinal de crescimento e fortalecimento!
Nas poucas narrações da infância de Jesus
registradas nos Evangelhos, figura uma admirável - mas, hélas, quão sucinta! -
síntese dos primeiros anos do Verbo de Deus feito carne: "O Menino ia
crescendo e Se fortificava: estava cheio de sabedoria, e a graça de Deus
repousava n'Ele" (Lc 2, 40).Tais palavras relativas a Cristo bem podem ser aplicadas a seu Corpo
Místico, o qual cresce e se fortalece continuamente, animado pelo Espírito
Santo que o vivifica.Ora, ao
término desta reflexão, é reconfortante observar o quanto as definições dogmáticas
constituem uma das mais belas manifestações desse crescimento. Pois, como
ensina o padre Garrigou-Lagrange, a solene declaração das verdades de Fé e sua
penetração cada vez mais profunda no povo cristão apresentam como principal
corolário o conduzir à compreensão - tanto quanto seja possível nesta Terra -
d'Aquele que "nos ama além do que podemos conceber e desejar, até querer
associar-nos à sua vida íntima, levar-nos pouco a pouco a vê-Lo como Ele Se vê,
e amá-Lo como Ele Se ama".29Portanto, se a solene declaração
de uma verdade de Fé tem por principal finalidade conduzir ao conhecimento de
Deus e das realidades a Ele concernentes, a mais relevante implicação teológica
dos dogmas marianos não poderia ser outra senão a de proporcionar, a partir da
explicitação do conteúdo da Revelação, uma maior ciência acerca d'Aquela que
Deus escolheu por Mãe e uniu a Si e a toda Igreja de forma singularíssima.Assim o
entendeu a Igreja que, a partir da exegese das Escrituras, da ausculta da
Tradição, do labor teológico e da fidelidade à ação do Espírito Paráclito nas
almas, descortinou amplos panoramas na compreensão da Santíssima Virgem e de
seu Divino Filho. Nos
primeiros séculos, a tenra Igreja recém-nascida vê-se convulsionada por
diversas heresias. Grande perigo? Sem dúvida. Mas também excelente oportunidade
para a consolidação doutrinária, esforço que talvez não se tivesse efetuado se
não fosse a necessidade apologética.Bem o
demonstram a solene declaração da Maternidade Divina e a virgindade perpétua,
dogmas que alargaram os horizontes da Doutrina Católica, conferindo a Nossa
Senhora um destaque único.Estavam
lançados os fundamentos da Mariologia, abertas as portas para o florescimento
das festividades em honra à Mãe de Deus e estabelecidas sólidas bases para a
devoção mariana dos fiéis.Passam-se os séculos, e a robustez doutrinária já
alcançada permite que se verifique outra forma de desenvolvimento da piedade,
desta vez a partir do senso sobrenatural da Fé.As verdades reveladas já definidas, seus corolários doutrinários e suas
manifestações litúrgicas são base para a profícua ação do Espírito Santo, que
inspira nos fiéis novos aprofundamentos.Estes serão colhidos pelo Magistério da Igreja e, quais novos rebentos
inseridos no rol das verdades de Fé, são proclamados os dogmas da Imaculada
Conceição e da Assunção de Maria.Organismo
vivo e - ao contrário das leis naturais - em contínuo rejuvenescimento, a Igreja
pode ainda ver florescer em seu regaço novos dogmas marianos, como, por
exemplo, o da mediação universal e o da corredenção da Santíssima Virgem, se a
isto a conduzir o cumprimento de sua missão.Sem jamais
constituir entraves coercitivos e obsoletos, farão ressoar novamente o grande
conselho cristocêntrico de Maria:
"Fazei tudo o que Ele vos
disser" (Jo 2, 5), convidando-nos a uma adesão amorosa ao Magistério da
Igreja, "coluna e sustentáculo da verdade" (I Tm 3, 15).
“Doravante todas as gerações me
proclamarão bem-aventurada...” (Lucas 1,48b)
REFERÊNCIAS:
1 CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum, n.7.
2 CIC, 890.
3 CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum, n.10.
4 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.25.
5 CIC 88.
6 Idem, 89.
7 CORRÊA DE OLIVEIRA Plinio. A Igreja e a História. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano V. N.46 (Jan., 2002); p.20.
8 SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus, l.XVI, c.2, 1.
9 Cf. ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p.76-77.
10 SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos efésios, 18,2.
11 Idem, Carta aos esmirniotas, 1,1.
12 SANTO IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias, l.3, c.19, 3.
13 ROSCHINI, Gabriel. Instruções marianas. São Paulo: Paulinas, 1960, p.44.
14 Idem, ibidem.
15 Dz 252.
16 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.57.
17 SÃO BERNARDO DE CLARAVAL. Laudibus Virginis Matris, II, 5.
18 Em sua Apologia, São Justino apresenta a concepção virginal de Maria como uma verdade fundamental da religião cristã (I, 33); de igual modo, Santo Irineu (Adv. Haer. 3,19ss) afirma que esta verdade é uma das contidas na "regra de Fé" que todos devem crer.
19 Cf. ALDAMA, José Antonio de. María en la patrística de los siglos I y II. Madrid: BAC, 1970, p.83.
20 SANTO AGOSTINHO. Sermão 186,1.
21 ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen María: teología y espiritualidad marianas. 2.ed. Madrid: BAC, 1997, p.75.
22 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Pequeno ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997, p.496.
23 Cf. ROYO MARÍN, op. cit., p.75.
24 PIO IX. Ineffabilis Deus, n.22.
25 CHANTREL, Joseph. Histoire populaire des papes, apud CLÁ DIAS, op. cit., p.501.
26 PIO XII. Munificentissimus Deus, n.21.
27 Idem, n.12.
28 Idem, n.44.
29 GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. El sentido común: la filosofía del ser y las fórmulas dogmáticas. Buenos Aires: Desclée
de Brouwer, 1945, p.240.
Revista Arautos do Evangelho, Maio/2011, n. 113, p. 18 à 25
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