Marxismo, populismo e classe operária
(Por Edilson Sales)
Em todos os lados, hoje, vemos o populismo avançar
e ganhar posições, tanto no plano político quanto principalmente no plano
ideológico, num terreno que deveria ser (e que deverá ser no futuro) ocupado
pelo marxismo revolucionário: o terreno da contestação da ordem de coisas
existente do ponto de vista dos setores mais explorados e oprimidos da
população.
Dedicaremos um próximo artigo à
crítica àqueles que aninham idéias populistas sob a roupagem de elementos
furtados ao marxismo. Aqui, tomaremos como adversário o populismo por assim
dizer mais “puro”. Buscaremos responder acerca dos motivos do atual “êxito” do
populismo (em última instância, os mesmos que determinarão infalivelmente sua
derrota posterior), assim como sobre seu conteúdo, seu significado histórico,
suas perspectivas ou, mais propriamente dito, sua ausência de perspectivas.
Devemos contudo, fazer ainda um esclarecimento
prévio, uma vez que a palavra populismo é muito utilizada em nosso país com um
significado muito diferente do que o que se consagrou na tradição do movimento
operário mundial.
O “populismo” , segundo o dicionário de classe da
burguesia brasileira
No Brasil, a burguesia utiliza as expressões
populismo e populista de uma maneira particular. São expressões em geral
utilizadas com um forte tom pejorativo, para caracterizar determinadas
lideranças políticas, porém com o objetivo claro de mascarar a realidade, de
distorcê-la com o objetivo fundamental de retirar das massas o protagonismo em
processos históricos chave.
Assim, a burguesia, através de seus intelectuais e
de sua mídia, chama de “populistas” os governantes que tentam se relacionar
mais diretamente com as massas, privilegiar o contato direto baseado no
“carisma” e em “grandes gestos” , em detrimento da política institucional
ordinária.
Na verdade, nesses casos quando se fala em
“populismo” , o que existe são governantes de traços mais ou menos
bonapartistas, ou seja, que buscam se elevar por sobre as classes e as frações
de classe, no intuito de controlar um processo de crise, de disputas entre os
diferentes setores da burguesia e, fundamentalmente, de ativação política das
massas, mesmo que apenas embrionária, contra a dominação de classe da
burguesia.
Nesses momentos históricos, tendem a surgir
lideranças burguesas que tentam se elevar por sobre essas lutas e disputas, e
garantir a continuidade da dominação burguesa através de uma combinação,
particular em cada caso, de concessões ao movimento de massas, repressão brutal
a seus setores mais radicalizados e em especial à sua vanguarda revolucionária,
e também de ataques a setores da própria classe dominante, seja para ajudar a
descarregar a crise existente, seja para ganhar legitimidade ou apoio entre as
massas para poder discipliná-las.
Quando frente a esse tipo
de situação histórica, a burguesia utiliza o termo “populista” , isso configura
uma manipulação ideológica no sentido de:
a) negar a crise existente, ou pelo menos sua
inteira profundidade;
b) negar a atividade excepcional das massas, bem
como o temor da burguesia diante dela, como um dos componentes centrais da
crise;
c) mascarar a verdade elementar de que, sob os
“gestos demagógicos” do líder populista, se concentram os interesses históricos
de toda a classe burguesa em seu conjunto, ainda que não imediatamente os de
todas as suas frações;
d) ligado ao anterior, identificar as concessões às
massas como pura “demagogia” pessoal do líder bonapartista (“populista” ), e
não como vitórias parciais do movimento de massas que avança cada vez mais
ameaçadoramente sobre o edifício apodrecido do regime burguês; e, finalmente,
e) preservar ao menos um setor, “democrático” ou “institucionalista” , da
própria burguesia, para o caso de que o “bonaparte” (o “salvador da pátria” da
ocasião) fracasse e de que seja necessário buscar outros mecanismos para
desviar o movimento de massas ascendente.
Como se vê, é uma terminologia completamente
mistificadora, e não podemos, portanto, mais do que lamentar o fato de que
setores da esquerda tenham adotado tal significado antimarxista, para essa que
foi e continua sendo uma categoria tão importante na delimitação política do
partido do proletariado revolucionário.
Populismo e marxismo:
Mas então, retornando ao tema principal:
Qual o significado da
categoria populismo para os marxistas? Em que consiste, e quais são seus traços
distintivos?
A palavra populismo surge no vocabulário dos
revolucionários a partir da realidade russa de fins do século dezenove, antes
do surgimento do bolchevismo, quando havia um movimento subversivo de caráter
terrorista contra o czarismo.
Os primeiros militantes desse movimento não
conheciam ou não aceitavam o marxismo como teoria e nem a classe operária como
classe revolucionária de vanguarda, e eram conhecidos como narodniki, que
significa “populistas” em russo.
Na Rússia daquela época, os populistas acreditavam
num desenvolvimento histórico russo em separado do capitalismo internacional, e
acreditavam que o terrorismo individual ou de pequenos grupos poderia substituir
a ação das massas na tarefa de derrubar o czarismo.
Paralelamente, afirmavam que o regime da pequena
propriedade rural típico da antiga aldeia russa iria se eternizar como a forma
acabada da “particularidade do comunismo russo” .
Apesar de sua bravura no combate contra a
autocracia czarista, devido aos seus pontos de vista fundamentalmente
equivocados, os populistas jamais poderiam cumprir um papel progressivo, e tão
logo o movimento operário russo começou a se organizar, passaram a cumprir um
papel claramente reacionário, combatendo a influência social e política da
classe operária entre as massas e em particular a influência política e
ideológica dos marxistas russos.
Mais tarde, no decorrer do século vinte, a história
do movimento operário de todos os países demonstrou que o populismo não era um
fenómeno apenas russo.
Ao contrário, em todas as partes, com
características peculiares em cada lugar, o populismo se mostrou uma
resistência pequeno-burguesa tanto ao desenvolvimento do capitalismo, por um lado,
como também (e daí seu caráter reacionário) ao crescimento da influência
política da classe operária e de sua vanguarda revolucionária.
Como se expressa então o populismo no Brasil? Quais
são as suas características principais?
Em primeiro lugar, o populismo se distingue pela
louvação da pobreza, da escassez material, do “povo” tomado como abstração.
Transforma todos os seus vícios em virtudes, toma as características que a
miséria capitalista imprime às massas como qualidades especiais dessas mesmas massas.
Isto está diretamente ligado ao fato de que, com as
diferenças de cada caso, o traço comum a todos os populistas é a negação do
desenvolvimento e do progresso, e a exaltação do atraso. Isso acarreta uma
série de conseqüências, e a partir desse traço comum são muitas as posições
divergentes.
Abordaremos aqui apenas as
principais, e mesmo assim de maneira ligeira e esquemática:
1)- Do ponto de vista político-ideológico, o
populismo é a negação do papel preponderante da classe operária como combatente
de vanguarda pela emancipação humana.
2)- Do ponto de vista da concepção da história, é a
negação do papel preponderante do desenvolvimento das forças produtivas na
evolução da sociedade humana. Como conseqüência, é também a negação do
comunismo, isto é, da possibilidade de uma sociedade em que o avanço das forças
produtivas do trabalho, do domínio social do homem sobre suas próprias
potências, em que o reconhecimento do caráter social de todas as capacidades e
de todas as realizações humanas constituirá o ponto de partida para toda a vida
social.
3)- Herdeira de uma certa concepção romântica e, em
última instância, irracionalista da história, a posição populista não pode
superar uma visão utópica, no máximo igualitarista e pequeno-burguesa, mas por
definição não proletária e comunista.
4)- Defende a utopia da extensão da pequena
propriedade para todos, e por isso é adversária tanto da concentração
monopolista do capital, quanto da socialização dos meios de produção e
planificação centralizada da economia.
5)- É a mentalidade do pequeno produtor agrícola,
do pequeno comerciante, do trabalhador de pequena empresa ou oficina que ainda
não se reconheceu enquanto classe, do profissional autónomo, do estudante e do
jovem que ainda não definiu seu lugar na produção.
6)- Por trás de todo populista e seu amor “à massa
do povo” , se esconde um pequeno individualista. O populista se choca
objetivamente a cada passo com o capitalismo, pois este esmaga dia a dia
impiedosamente seus sonhos idílicos de pequeno proprietário autónomo; porém o
verdadeiro ódio do populista vai dirigido contra os marxistas, que desmascaram
seus sonhos pueris, desvendam o estreito interesse pequeno-burguês por trás
desses sonhos, e ilustram as razões da derrota inexorável de seu “projeto” .
7)- O outro lado disso é a grande vulnerabilidade
do populista, sua propensão a ser cooptado ao menor sinal de concessão, por
menor que ela seja. É que, ao não ligar a luta do povo pobre à aliança com a
única classe capaz de dirigir o conjunto da população oprimida contra o poder
burguês, ao tentar manter essa luta à margem do movimento operário, são
obrigatoriamente empurrados para os braços de setores da própria classe
dominante, e passam a fazer girar seus movimentos em torno do atrelamento ao
Estado ou às empresas capitalistas pela via das ONGs.
8)- As palavras chave para identificar a tendência
populista no Brasil são: povo pobre, periferia, favela, e, mais do que qualquer
outra, “excluído” . Em sua ala direita, ela se aproxima da caridade cristã, e
prega a compaixão, o pacifismo e o voluntariado. É o populismo da solidariedade
entre as classes, do trabalho voluntário aos fins de semana, das doações por
boa vontade.
9)- Em sua ala esquerda, se aproxima mais da
perspectiva revolucionária, porém com uma visão ainda demasiado abstrata do
conteúdo e da dinâmica da revolução social. O que conta para o populista de
esquerda é muito mais a espontaneidade ruidosa, a explosividade superficial e
desorganizada, a revolta sem meta estabelecida, do que a eficiência
revolucionária, a clareza de objetivos, a perseverança disciplinada, a
preparação para a ação, a compreensão teórica da realidade e dos fundamentos da
práxis revolucionária. Por isso mesmo, nega decididamente a classe operária, a
necessidade da vanguarda, o partido revolucionário, a ditadura do proletariado
e, assim, toda a teoria marxista.
10)- Em sua ala direita, exalta os “excluídos” como
vítimas, e seu programa se resume à luta por migalhas que possam “incluí-los
novamente” no sistema. É o populismo das “políticas públicas” . Em sua ala
esquerda, procura nos “excluídos” , precisamente devido a sua marginalidade, a
capacidade de luta mais radical contra o capitalismo, e seu programa se resume
a inflamá-los para que sua explosão social possa derrubar o capitalismo, sem os
métodos e sem a organização operária, quase como num passe de mágica.
11)- As principais expressões políticas dessas
diferentes alas do populismo no Brasil são: o MST, a esquerda católica, a
Consulta Popular (ligada ao PT) e o MTL (corrente interna do PSOL), além de
grupos menores de inclinação maoísta ou semi-anarquista.
Recuperação proletária, fenómenos populistas e
consciência revolucionária:
Hoje as derrotas mais duras do proletariado
internacional já estão no passado, mas a consciência atual dos trabalhadores
(assim como da juventude que recém ingressa na vida política) continua vivendo
os ecos dessas derrotas; é como se, mesmo nas consciências de importantes
setores de vanguarda, essas derrotas tivessem uma sobrevida, e aquilo que
começa a ser superado na prática ainda é reafirmado no plano das idéias.
Por outro lado, o que prima ainda na realidade,
mesmo do ponto de vista objetivo, são os fenómenos populistas, das lutas
camponesas na América Latina até a resistência popular iraquiana. Essas são as
bases reais para a atual sobrevida da ideologia de “resistência” alimentada
pela esquerda durante os anos em que a classe operária retrocedia. No entanto,
em cada luta operária que avança hoje, em cada jovem que estende seu braço para
apoiar essa luta, cai por terra um pequeno pilar do populismo.
Por último. Uma coisa une todos os populistas: o
medo ou pelo menos a desconfiança diante do futuro, do progresso, do
desenvolvimento científico e tecnológico.
Esse típico traço psicológico nada mais é que fruto de sua
incapacidade de pensar o futuro como terreno da emancipação do homem, do pleno
domínio do homem sobre as potências naturais, das quais suas próprias potências
não são mais do que uma parte.
Também aqui, não poderiam estar mais distantes dos
marxistas revolucionários, da política operária e do comunismo.
GRIFO MEU: ( Autor do blog Beraka): "O Populismo não resolve os problemas de base, nem muito menos implementa as reformas de base necessárias para o desenvolvimento que são as: Reforma Tributária,Agrária,Educacional,Política, Jurídica, bem como a Previdenciária.Ficam a tratar do doente dando apenas AAS para a febre, sem dar o antibiótico para tratar a infecção. São paliativos para manter a popularidade em alta, mas que mascaram as reais condições necessárias paras as mudanças."
GRIFO MEU: ( Autor do blog Beraka): "O Populismo não resolve os problemas de base, nem muito menos implementa as reformas de base necessárias para o desenvolvimento que são as: Reforma Tributária,Agrária,Educacional,Política, Jurídica, bem como a Previdenciária.Ficam a tratar do doente dando apenas AAS para a febre, sem dar o antibiótico para tratar a infecção. São paliativos para manter a popularidade em alta, mas que mascaram as reais condições necessárias paras as mudanças."
Fonte: http://www.ler-qi.org/spip.php?article366
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