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Estado mínimo,máximo, ou eficientemente possível?

Written By Beraká - o blog da família on terça-feira, 14 de maio de 2024 | 17:43

 


 

Um Estado mínimo é aquele cujas funções são limitadas à proteção de seus cidadãos contra a violência, roubo, fraude, e ao cumprimento de contratos.A teoria política que defende tal forma de governo é denominada "minarquismo". História A concepção moderna do termo, popularizada na década de 70 por Robert Nozick no livro Anarchy, State, and Utopia (1974), remete ao conceito do liberalismo clássico de um governo limitado a funções protetivas.O governo do Reino Unido durante o século XIX foi descrito pelo historiador Charles Townshend como um exemplo de Estado mínimo.Nos Estados Unidos, essa forma de governo está associada ao libertarianismo e ao objetivismo. Em outros países, algumas formas de minarquismo também estão associadas a alguns socialistas libertários e a alguns libertários de esquerda. Etimologia Em inglês, o termo night-watchman state (Estado do vigia noturno) é utilizado de forma intercambiável com minimum state (Estado mínimo). O termo deriva da palavra alemã Nachtwächterstaat, que foi cunhada pelo socialista alemão Ferdinand Lassalle em um discurso de 1862 em Berlin onde criticava o governo limitado defendido pela burguesia liberal, comparando-o com um vigia noturno, cujo único trabalho é prevenir o roubo, e fazendo um trocadilho com o termo alemão Nachtwächter, que pode significar alguém incompetente ou estúpido. O termo ganhou popularidade rapidamente, sendo utilizado para descrever governos capitalistas. Já o termo minarquismo é uma aglutinação de "mínimo" e "arquia". Arche é uma palavra grega que pode significar "primeiro lugar, poder", "método de governo", "império, reino", "autoridades", ou "comando". O termo foi cunhado por Samuel Edward Konkin III em 1980, sendo comumente utilizado para descrever um Estado mínimo. (Wikipedia).


 

Por que um estado mínimo inevitavelmente leva a um estado máximo?



Por *Stefan Molyneux

 



A minarquia é possível?  Claro que é!  É duradoura? Não, e nem pode ser!  O maior problema da minarquia é que ela sempre acaba gerando o pior dos monstros: um estado poderoso e totalitário.

 



A pergunta do título não apenas pode ser explicada em bases teóricas como também pode ser comprovada pela simples empiria.




Comecemos pelo melhor e mais patente exemplo de todos: o caso americano!



O experimento americano no século XVIII - isto é, a Revolução Americana e o consequente estabelecimento de uma República Constitucional soberana e independente - foi feito com a clara intenção de criar e manter o menor governo da história mundial. Esse era o objetivo dos fundadores da república dos EUA.  George Washington, John Adams, Thomas Jefferson, James Madison, Alexander Hamilton, Benjamin Franklin e John Jay, sob as influências pós-iluministas e com as ideias de estado mínimo pregadas por Adam Smith, se propuseram o objetivo específico de criar o menor governo da história mundial. Muito bem.  Agora, suponha que eu diga que descobri a cura para a AIDS, e que basta tomar esse remédio por mim inventado e você estará imune à infecção.  Se todo mundo tomar do meu remédio e o resultado for a maior epidemia de infecção de HIV da história mundial, especificamente infligida sobre aqueles que tomaram meu remédio, então, nesse cenário, poderíamos dizer com certeza que meu remédio não apenas não está funcionando, mas está fazendo justamente o oposto: está infectando pessoas ao invés de curá-las.  Essa seria a conclusão lógica do meu experimento.  Meu remédio não é uma cura; ao contrário, ele produz a infecção. Da mesma forma, passemos a analisar qual foi o resultado do experimento governamental minarquista americano, com estados praticamente autônomos e com um governo federal mínimo.




Primeiro, não há dúvidas de que o sistema minarquista foi clara e objetivamente adotado: não havia impostos de renda, o governo federal era minúsculo, não havia impostos estaduais - apenas uma ou duas tarifas sobre bens de consumo -, não havia um exército permanente, o governo não controlava a oferta monetária e não havia dívida interna.  Havia uma Constituição que era tida como a lei suprema e havia um Congresso cuja única função era garantir que essa Constituição não fosse desrespeitada.




Sem dúvida alguma era um sistema maravilhosamente bem concebido.  Não creio que você e tampouco eu poderíamos fazer melhor - afinal, as pessoas que criaram esse sistema eram extremamente inteligentes, como podemos notar em suas escritas. Volto a enfatizar: o experimento americano foi especificamente concebido para criar o menor governo possível, sendo que havia várias ferramentas que possibilitavam manter um controle efetivo sobre o tamanho do governo.  O objetivo máximo do experimento era suprimir o poder do governo, impedindo que ele se agigantasse e se tornasse um mero substituto do Rei George III, de quem os colonos haviam se declarado independentes.




E qual foi o resultado desse experimento?



Bem, o resultado da tentativa de criar e manter o menor governo da história mundial foi a criação do maior e mais poderoso governo que o mundo jamais viu! Faça uma pausa agora para poder digerir por completo essa constatação, pois de fato é algo estarrecedor.  O objetivo do experimento americano era criar o menor e mais enxuto governo que o mundo já viu, e o resultado foi a criação do maior, mais intruso e mais poderoso governo que o mundo jamais viu, dotado de armas de destruição em massa, mais de 700 bases militares ao redor do planeta e com a capacidade de exterminar toda a vida da terra.  Trata-se de um governo que faria o Império Romano parecer uma agência local do DETRAN. E isso é perfeitamente explicável.  É algo tristemente natural e inevitável.  Pois quanto menor é o estado, quanto mais você o restringe, mais produtivo torna-se o mercado.  



Quanto mais produtivo é o mercado, mais rápido a economia cresce e mais riqueza ela gera.  E o livre mercado é tão produtivo que ele é capaz de aguentar por muito tempo um enorme crescimento da tributação e um grande agigantamento do poder estatal - até chegar a um ponto em que ele inevitavelmente irá ceder.  (E este é exatamente o momento que os EUA estão vivendo agora).




Portanto, o que acontece é que, quando você minimiza o governo, paradoxalmente você faz com que a lucratividade de se aumentar posteriormente o tamanho do governo seja muito maior, pois haverá muito mais riqueza para tributar e mais recursos para se controlar - ambas as coisas que mais seduzem qualquer governo. E como o governo adquire muito mais dinheiro e poder quando ele tributa uma economia que se desenvolveu e enriqueceu com um livre mercado, ele ganha a capacidade de fazer coisas terríveis, como desenvolver armas de destruição em massa, manter um incomparável estado belicista e assistencialista e comprar grandes seções da população, tornando-as permanentemente dependentes do estado. É como se você fosse um fazendeiro e descobrisse um modo de fazer com que suas vacas produzissem dez vezes mais leite que o normal.  Qual seria o resultado?  Você estaria fazendo com que suas vacas passassem a ser muito mais valiosas sob a ótica dos outros fazendeiros, que passariam a fazer de tudo para tê-la.  Da mesma forma, quando você tem um governo mínimo, cada indivíduo torna-se muito mais produtivo por causa da escassa interferência governamental.  Qual será a consequência?  Esse indivíduo tornar-se-á muito mais atraente para o estado, que sem dúvida irá querer comandá-lo no futuro.




Os menores governos sempre produzem os maiores governos.  É completamente impossível que não seja assim.  Nunca houve um contraexemplo na história e nem nunca haverá!



Peguemos a Inglaterra.  O governo que surgiu como resultado da separação entre Igreja e estado, bem como do subjugo da aristocracia no final do século XVIII e início do século XIX, era de longe o menor governo da Europa.  O que ele produziu?  Ora, produziu o Império Britânico! Os países escandinavos vivenciaram o mesmo processo.  Estados enxutos até o final da Segunda Guerra - da qual eles não participaram, o que ajudou a preservar sua riqueza - geraram estados agigantados que controlam o cidadão do berço até o túmulo.  O exemplo mais recente talvez seja o da Irlanda.  Um estado falido até o final dos anos 1980 encolheu e deu lugar a uma economia vibrante.  Qual a situação atual?  Um inchaço sem precedentes do setor público, um estado assistencialista como nunca visto na história do país, o empreendedorismo reprimido, um déficit gigante e um governo que passou a participar de setores-chave como transportes, mídia (rádio e televisão), e geração e transmissão de eletricidade.  A educação primária, secundária e universitária tornou-se "gratuita", a saúde é "pública" e a previdência é controlada pelo estado.  O orçamento do governo, obviamente, estourou. Como disse, tudo isso não só é previsível como também é inevitável.  Sempre que você minimiza o governo, você aumenta o valor de toda a economia - o que significa que o governo terá alimento para aumentar seu tamanho e poder para dimensões ainda maiores do que as atuais. Portanto, se você sonha em diminuir seu estado para algum limite constitucionalmente imposto - e suponhamos que você de fato consiga isso -, o que irá acontecer é que todo o processo de agigantamento irá inevitavelmente recomeçar após algum tempo.  Sim, você poderia desfrutar alguns anos de liberdade, mas sem dúvida seus filhos e netos seriam submetidos a um governo ainda mais totalitário do que aquele sob o qual você viveu. No início minarquista, rapidamente percebi que as teorias de estado mínimo são insustentáveis, para não dizer contraditórias.  Desde então concluí que, ou você aceita o estado como ele é, ou passa a defender isso.

 


*Stefan Molyneux - Já foi ator, estudante pós-graduado e empresário do ramo de software. Hoje ele se dedica inteiramente à filosofia. Já escreveu sete livros, todos disponíveis em seu website.

 

 

Fonte - https://mises.org.br/article/291/por-que-um-estado-minimo-inevitavelmente-leva-a-um-estado-maximo

 

 

Qual o tamanho ideal e a função adequada do estado?

 

 

Por *Detlev Schlichter









Trata-se de um tema muito grande e muito complexo, e provavelmente ambicioso demais para ser abordado em um único ensaio.  Embora o que virá a seguir possa ser um tanto longo, ainda assim não tem como ser uma abordagem completa.  Várias perguntas ficarão sem respostas e várias objeções - inclusive as várias que já posso antecipar - não serão discutidas.  Mas, ainda assim, espero que o leitor considere válido o esforço. Durante muito tempo me considerei um liberal clássico -- assim como Ludwig von Mises, que inspirou a maior parte do meu trabalho.  Mas hoje eu não mais considero que tal posição seja logicamente consistente.  A ideologia liberal clássica, embora defenda um estado muito menor do que aquele que o consenso político atual preconiza, ainda assim atribui poderes excessivos ao estado.  Não obstante, ela oferece um bom ponto de partida para a discussão.  Portanto, comecemos por ela.




Argumentos utilitaristas para o estado estritamente limitado




A posição liberal clássica acerca do papel do estado pode ser descrita aproximadamente da seguinte forma: o estado deve ficar completamente de fora da economia.  Não há funções para o estado exercer no setor industrial, no setor bancário ou no setor monetário.  O dinheiro é o ouro ou qualquer outra commodity livremente escolhida pelo público para efetuar suas trocas de mercado.  A oferta monetária está, portanto, totalmente fora do controle político, e o sistema bancário e financeiro são entidades que operam em um mercado totalmente livre e desimpedido, sem usufruir nenhum tipo de auxílio estatal, nenhuma garantia e nenhum amparo explícito ou implícito. Adicionalmente, todos os meios de produção são propriedade privada, e a maneira como eles são empregados é guiada pelo sistema de preços do mercado, sempre se buscando oportunidades de lucros e procurando se evitar prejuízos.  Lucros e prejuízos são os sinais essenciais por meio dos quais os consumidores direcionam as atividades das empresas privadas, de modo que elas sempre estejam se esforçando ao máximo para satisfazer os desejos do público consumidor. O estado não está envolvido na educação, na saúde, na previdência ou em quaisquer outros "serviços sociais".  Todas estas atividades são organizadas privadamente, pelo simples motivo de que todas elas requerem o uso de recursos escassos, inclusive mão-de-obra; e qualquer alocação racional de recursos escassos requer preços de livre mercado.  O planejamento econômico racional só é possível quando tem como base preços de mercado.  Somente preços de mercado transmitem a urgência que o público atribui aos vários e concorrentes fins para os quais os recursos escassos devem ser empregados. Porém, preços de mercado só podem ser determinados se os recursos forem propriedade privada e se eles puderem ser livremente comercializados no mercado.  A propriedade privada é, portanto, a ferramenta essencial para uma ampla cooperação social.  A propriedade privada permite o comércio e, consequentemente, a formação de preços de mercado.  Isto, por sua vez, permite que empreendedores empreguem estes recursos de maneira racional e eficiente.  Este processo é o único logicamente possível para se facilitar uma vasta divisão do trabalho e a constante acumulação do capital empregado em empresas privadas.  É a ampla divisão do trabalho e a constante acumulação de capital o que possibilitam que nosso padrão de vida cresça continuamente.




Um exemplo:Peguemos como exemplo um sistema de saúde estatal  





Não importa que seja de um país pobre ou de um país rico: ele jamais poderá realizar um serviço satisfatório.  E não é porque as pessoas que nele trabalham sejam incompetentes ou preguiçosas.  Elas podem muito bem ser as pessoas mais motivadas, dedicadas e bem intencionadas do planeta, e ainda assim irão entregar apenas resultados sub-ótimos, e a custos consideráveis.  Por quê?  Porque um sistema de saúde estatal tem de fornecer serviços de saúde para toda uma nação sem o auxílio de genuínos preços de mercado e, consequentemente, sem poder calcular corretamente seus lucros e prejuízos.  Gostem ou não, são estas as ferramentas capitalistas que permitem que o setor privado tome decisões corretas e fundamentadas sobre quais são os melhores recursos a serem utilizados -- 'corretas e fundamentadas' porque refletem as preferências e desejos dos clientes, os consumidores. Não obstante o poderoso apelo sentimental gerado por um sistema público de saúde e seu superficialmente atraente lema de fornecer serviços de saúde "gratuitos" (algo que obviamente não é verdade para a maioria dos cidadãos), as fundamentais deficiências de qualquer serviço organizado segundo moldes socialistas já deveriam estar patentemente óbvias para qualquer um: ao passo que o setor de telefonia celular -- empreendimento privado que, na maioria dos países, ainda é relativamente pouco regulado -- fornece as últimas novidades em tecnologia para todas as pessoas distribuídas ao longo de todo o espectro social a uma velocidade notável e a preços declinantes, a burocracia estatal dos serviços de saúde faz com que as pessoas tenham de esperar em longas filas até mesmo para procedimentos básicos e de rotina; e, pior ainda, fornecem tais serviços lastimáveis a custos espantosamente crescentes para os pagadores de impostos. Que serviços de saúde e de educação sejam considerados importantes demais para serem deixados a cargo do mercado privado é um clichê que inverte completamente a lógica econômica: é justamente por serem muito importantes é que deveriam ser entregues aos auspícios do mercado privado. Mas, e quanto àquelas pessoas que são pobres demais ou que por qualquer motivo são incapazes de obter a renda necessária para garantirem a si próprias até mesmo um mínimo destes serviços?  Não irei me esquivar desta pergunta.  Voltarei a ela daqui a pouco. 




Até agora, qual a implicação de toda esta argumentação para o tamanho e a função do estado?  




O estado seria, é claro, muito pequeno para os padrões de hoje.  Ele teria apenas uma função: proteger a propriedade privada, a qual inclui necessariamente a propriedade sobre nós mesmos.  O papel do estado seria o de proteger cada indivíduo e sua propriedade contra agressões, seja tal agressão originada dentro do país ou fora do país.  O estado seria reduzido àquilo que os social-democratas alemães do final do século XIX pejorativamente, mas ainda assim corretamente, chamavam de "estado vigia noturno".  O estado forneceria serviços de segurança, incluindo-se aí polícia, exército, tribunais e outros serviços relacionados.  Sua única função seria fornecer segurança e proteção.  Aqueles cidadãos que não violassem a propriedade ou a pessoa de outros indivíduos, ou que não fossem igualmente agredidos, muito dificilmente teriam qualquer contato com o estado e seus representantes.  Seria de fato um estado mínimo. Até aqui os argumentos foram feitos tendo por base considerações utilitaristas.  Uma sociedade próspera requer um alto grau de divisão do trabalho e um eficiente uso de recursos (naturalmente escassos), o que por sua vez requer preços de mercado, o que por sua vez requer propriedade privada.  Sob o utilitarismo, a propriedade privada é acima de tudo uma convenção social, um meio para se atingir um fim.  E a função do estado é assegurar este meio: a propriedade privada, a existência de um domínio privado inviolável para todo e qualquer indivíduo, é a base para a cooperação voluntária contratual e para o crescimento espontâneo da sociedade.




Argumentos éticos para o estado estritamente limitado



Este estado mínimo pode, no entanto, também ser erigido sobre bases éticas e seguindo considerações de justiça.  Todo estado é uma instituição que se baseia na compulsão e na coerção.  O estado pode ser visto como uma instituição que detém o monopólio legitimado, institucionalizado e regulado da violência ou da ameaça do uso da violência.  No entanto, qual tipo de violência é eticamente defensável e que, portanto, pode servir de fundamento aceitável para justificar a violência institucionalizada?  Apenas a violência defensiva satisfaz este requisito. Para responder a perguntas sobre ética é necessário começar considerando o indivíduo que age.  




Em uma sociedade normalmente pacífica e cooperativa, a partir de que ponto estaria eu justificado a utilizar de violência ou ameaçar utilizar de violência contra outras pessoas?  




Apenas se e quando estas pessoas ameaçassem minha vida, minha saúde ou minha propriedade.  Isto não significa que qualquer tipo de resposta violenta seria justificável em tais situações; porém, resta óbvio que, se a força e a violência podem ser justificadas, elas somente o serão em situações de autodefesa, as quais incluem a defesa da propriedade.  Se posso justificadamente me defender de um ataque, também tenho de poder defender aqueles bens materiais que adquiri por meio do meu trabalho honesto, no qual utilizei meu próprio corpo e minha própria mente.  Caso contrário, caso outros indivíduos tivessem a permissão de se servirem livremente dos frutos do meu trabalho, simplesmente tomando-os de mim quando quisessem, isso significaria que eles poderiam viver totalmente à custa do meu trabalho e, com isso, praticamente me escravizarem, o que seria o equivalente a um ataque à minha pessoa. Ao se transferir o direito individual à autoproteção e à autodefesa da vida e da propriedade a uma organização especializada com a missão de zelar igualitariamente por esses direitos de todos os membros da sociedade, nenhum novo direito foi criado.  Não se está dando ao estado nenhum direito ou poder que o próprio indivíduo já não possua.  Com efeito, a força legitimada do estado teria sua origem em um conceito de direitos naturais que se originam do indivíduo e os quais o indivíduo teria mesmo em uma sociedade sem estado (embora em tal sociedade ele teria de impingir estes direitos por conta própria ou por meio de uma cooperação voluntária com outros).  O estado talvez possa ser visto como um agrupamento destes direitos individuais com o intuito de gerar a mais organizada e padronizada -- e, portanto, mais previsível -- proteção.




O argumento utilitarista contra o estado assistencialista









Podemos agora abordar a questão da oferta de serviços para indivíduos pobres ou para aqueles que por algum motivo sejam incapazes de adequadamente se sustentarem.  Embora possam ser feitos bons argumentos afirmando que aqueles indivíduos mais abonados têm a obrigação moral de auxiliar os membros mais frágeis da sociedade, tal raciocínio deixa claro que o estado não deve forçar e impingir tais auxílios.  Repetindo: o estado é uma organização que opera por meio da compulsão e da coerção.  










Ao assumir responsabilidades 'sociais', o estado terá de redistribuir renda e propriedade de maneira contínua, sempre recorrendo à força ou à ameaça de força, desta forma incorrendo em permanente violação de sua missão original, a qual era proteger a propriedade honestamente adquirida contra qualquer interferência violenta.  Dado que a função do estado é justamente defender a instituição da propriedade privada -- a qual identificamos como sendo absolutamente essencial para qualquer sociedade civilizada --, uma função social, que exige redistribuição de renda e propriedade, estaria em flagrante contradição com sua missão precípua.  O estado não pode simplesmente acrescentar uma função redistributiva à sua função de proteção da propriedade -- a primeira sempre irá violar a última.  Ambas as função estão em conflito lógico.  Ou o estado é um protetor da propriedade ou ele é um redistribuidor e realocador de propriedade.  Ele não pode ser ambos ao mesmo tempo.









No conceito original do estado, em que sua função é atuar como força organizada para o fornecimento de segurança, um indivíduo que honestamente obteve sua propriedade por meio da produção ou de trocas voluntárias com outros membros da sociedade deveria poder confiar no estado para que este protegesse sua propriedade de qualquer violação perpetrada por terceiros.  Porém, no momento em que o estado assume a responsabilidade da 'justiça social' ou da 'justiça redistributiva', ele acabou de se tornar ele próprio um violador da propriedade privada, de modo que todo e qualquer indivíduo deve agora temer que partes da sua renda e da sua propriedade -- embora legalmente obtidas -- sejam confiscadas à força pelo estado e realocadas para outros membros da sociedade. Resta claro que, sob um estado que assume responsabilidades 'sociais', qualquer direito de propriedade se torna totalmente condicional.  Os direitos de propriedade serão protegidos pelo estado somente enquanto ele não considerar que há outras pessoas mais necessitadas e mais moralmente dignas de serem as proprietárias da propriedade em questão.  Cada fatia de propriedade em tal sociedade estará, portanto, sob uma nuvem de incerteza, e isso está em total contradição com a missão original do estado.  O elemento incerteza é amplificado pelo fato de que, embora seja possível especificar regras claras e universais sobre como a propriedade pode ser honesta e legalmente adquirida -- desta forma fornecendo a cada membro da sociedade regras claras, conhecidas antes do ato de produção e comércio, sobre o que constitui obtenção correta e o que constitui obtenção ilícita de propriedade --, qualquer noção explicitada após o ato de produção e comércio sobre o que constitui 'justiça distributiva' será necessariamente arbitrária e estará sujeita a consideráveis mudanças ao longo do tempo.Não é nada surpreendente que todos os estados tenham expandido enormemente a variedade e a amplitude de políticas redistributivas, legislações sociais e regulamentações ao longo das últimas décadas.  Uma vez que o estado se encarregou de buscar o logicamente indefinível objetivo da igualdade e da justiça social, ele passou a exigir poderes cada vez mais amplos.  A consequência é que a ideia de um estado mínimo já se tornou hoje completamente irrealista. Em contrapartida, qualquer redistribuição de propriedade ou de renda por meio de atos de caridade não apresenta conflito algum com a instituição da propriedade privada.  O doador e o recebedor da caridade sabem quem é o proprietário de direito da propriedade doada.  O recebedor está ciente de que ele está sendo sustentado pela generosidade de outros.  O doador também decide quem ele quer ajudar e até que ponto ele quer ajudar tal pessoa.  Tudo isso muda quando o estado, detendo o monopólio legal da coerção, se torna o intermediário.  O recebedor não mais se considera dependente do sucesso econômico e da caridade de outros.  Ao contrário: ele agora reivindica o 'direito' de ser sustentado pelo estado -- receber auxílios se torna um direito legalmente exigível pela pessoa.  Tendo agora pelo menos uma renda mínima garantida, os incentivos para que esta pessoa mude seu comportamento e readquira independência econômica são diluídos.  Enquanto isso, o proprietário original da propriedade não mais controla para onde seu dinheiro vai, e provavelmente irá perder qualquer interesse pela situação dolorosa daqueles que necessitam de auxílios.  Uma vez que ele já foi tributado pelo estado, ele considera que todos os seus deveres morais para com os membros mais fracos da sociedade já estão devidamente cumpridos.









Os defensores do estado assistencialista irão argumentar que é mais justo introduzir um elemento de incerteza nas vidas dos indivíduos economicamente independentes do que manter os membros mais frágeis da sociedade sujeitos à completa incerteza que a pobreza e a dependência da caridade inevitavelmente acarretam.  Embora este seja um argumento emocionalmente atraente -- e provavelmente seja um sentimento amplamente compartilhado --, ele não dispersa a questão do conflito fundamental entre a proteção da propriedade privada e a persistente redistribuição da propriedade privada. Um estado assistencialista é, fundamental e conceitualmente, uma ameaça persistente à noção de propriedade privada; e a propriedade privada é inegavelmente a fundação econômica de qualquer sociedade.  Adicionalmente, qualquer conceito de 'justiça social' é, por definição, arbitrário e será fonte de enormes conflitos sempre que for utilizado para nortear políticas práticas.  No que mais, um estado que se preocupe com a distribuição de renda e de propriedade entre seus cidadãos jamais será um estado pequeno, ou mesmo limitado.




O argumento ético contra o estado assistencialista




Até aqui, o argumento se baseou em considerações utilitaristas.  Mas podemos também baseá-lo em teorias sobre ética e justiça.  Já foi argumentado que um estado que se restringe à proteção da pessoa e da propriedade de seus cidadãos contra atos espontâneos de agressão baseia este seu direito à legítima força nos direitos que os membros individuais desta sociedade têm de utilizar esta mesma força.  O estado não assume nenhuma posição privilegiada; ele simplesmente exerce os direitos que cada cidadão individual já possui, mas que considera ser mais bem assegurado e exercido por uma organização estatal.  Esta visão, no entanto, deixa de ser defensável quando o estado implementa a redistribuição da renda e da propriedade.








Embora possamos dizer que, em termos de princípios de justiça, seja amplamente aceito que eu utilize de violência em medidas proporcionais para impedir que meu vizinho roube ou danifique minha propriedade, ou que ele inflija lesões a mim ou a qualquer membro da minha família, certamente será algo que estará fora das estabelecidas normas de justiça caso eu decida forçar meu vizinho a sustentar terceiros, escolhidos por mim, os quais eu julgo serem dignos da caridade deste meu vizinho.  Ao fazer da 'justiça social' o seu objetivo, o estado reivindica o direito ao uso de uma força que nenhum outro indivíduo possui.  O estado agora se tornou uma lei própria, uma entidade 'superior e suprema' cujos padrões de certo e errado não mais correspondem aos dos cidadãos da sociedade.  Qualquer noção de que o estado poderia simplesmente representar um agrupamento conveniente e eficiente dos direitos individuais dos cidadãos, com o único propósito de melhor organizar e padronizar sua proteção, se torna insustentável.  O estado pode fazer e faz o que ninguém mais fora do estado pode fazer.  O estado, enquanto estado, define suas próprias noções de moralidade e as impõe forçosamente sobre seus cidadãos. Até agora, explicamos por que um estado que assume responsabilidades maiores do que aquelas preconizadas por um estado mínimo -- a saber, articular, esclarecer e proteger os direitos de seus cidadãos à sua vida e propriedade -- incorre em inevitável violação do direito de seus cidadãos à vida e à propriedade, e não mais poderá justificar sua existência tomando por base qualquer tipo de 'contrato social', uma vez que tal contrato pode abranger somente aqueles direitos que os indivíduos já possuem, e os quais eles podem voluntariamente transferir para o estado caso tenham aceitado tal contrato.  Vimos também que um estado que se envolve na distribuição de renda e de propriedade entre seus cidadãos irá inevitavelmente solapar a instituição da propriedade privada, a qual é essencial para a cooperação humana em uma economia de mercado e é a base para qualquer sociedade próspera.




Do liberalismo clássico ao anarco-libertarianismo




Embora tal estado mínimo -- um puro protetor da vida e da propriedade de seus cidadãos, um executor das leis e um provedor de tribunais para facilitar a resolução de conflitos -- seja um melhor garantidor da liberdade individual e da cooperação pacífica do que o estado pesadamente intervencionista e crescentemente autoritário de hoje, e embora a maioria dos libertários ficasse feliz de ver um retorno a esta visão liberal clássica do estado mínimo, mesmo este conceito ainda continuará extremamente falho enquanto a organização que se autodenomina estado reivindicar o monopólio territorial do fornecimento de serviços de proteção e segurança e o monopólio da tomada suprema de decisões dentro deste território (esta é, na realidade, uma ótima definição do estado feita por Hans-Hermann Hoppe). Se o estado não apenas utiliza a violência legitimada para proteger a vida e a propriedade de seus cidadãos, mas também -- como presentemente o fazem todos os estados -- utiliza a força para impedir que os cidadãos abdiquem voluntariamente das estruturas do estado e estabeleçam ou se juntem a diferentes e concorrentes arranjos dentro deste mesmo território, então temos também de rejeitar este estado mínimo com base na análise acima. 




Primeiro, novamente, as considerações utilitaristas.  Fornecer serviços de segurança também requer o uso de recursos escassos.  Quantos recursos devem ser alocados para o fornecimento de segurança, quais recursos devem ser utilizados e em que grau, são questões essenciais.  Sem propriedade privada, preços de mercado e liberdade de entrada no mercado da oferta de segurança, os resultados serão, como explicado, longe do ótimo.  Mesmo na área da oferta de segurança, soluções de mercado são indubitavelmente superiores.  Este importante argumento foi inicialmente desenvolvido pelo economista belga do século XIX, Gustave de Molinari.




Segundo, temos considerações de ética e de justiça.  Se o estado alega que sua legitimidade do uso da força advém do direito do cidadão de utilizar a força para defender sua própria vida e propriedade, isto significa que os direitos do indivíduo são a origem dos direitos do estado, e que este último jamais pode substituir o primeiro.  Colocando de maneira diferente, um estado que reivindica o monopólio territorial da oferta de segurança e da resolução de conflitos tem de argumentar que o indivíduo que tinha o direito de utilizar de violência para defender a vida e a propriedade decidiu, ao entregar estes direitos a uma organização estatal, abrir mão destes direitos para sempre, e que ele não mais pode recuperar estes direitos e aplicá-los por meios alternativos.  Esta, logicamente, é uma posição insustentável.Parece correto assumir que as leis e a oferta de segurança têm muito em comum com o dinheiro no sentido de que elas, também, estão sujeitas a efeitos de rede.  Assim como a coexistência de várias moedas paralelas é algo sub-ótimo, a coexistência de várias estruturas legais e de vários arranjos de segurança também é ineficiente.  Porém, isso não significa que indivíduos não possuam o direito de criar arranjos alternativos caso julguem que os arranjos atuais sejam insuficientes ou até mesmo uma ameaça para suas próprias vidas e propriedades.  Podemos concluir que, no mínimo, o estado mínimo deve reconhecer o direito universal e inviolável de cada indivíduo ou grupo de indivíduos de se separar a qualquer momento do monopólio estatal.Muito do que argumentei acima pode parecer uma fútil teoria libertária com pouca relevância para a atual realidade política.  Porém, uma crise do atual sistema de papel-moeda fiduciário de curso forçado já se tornou inevitável.  Esta crise faz parte de uma crise mais ampla, que é a crise do estado de bem-estar social e, com efeito, da própria democracia.  À medida que estas crises vão se desdobrando, as pessoas irão novamente revisitar algumas questões fundamentais sobre o tamanho e o papel do estado e sua relação com o indivíduo.  Sob esta perspectiva, discussões como esta poderão se tornar de fato muito relevantes.  À medida que os estados ao redor do mundo forem quebrando, à medida que as promessas de assistencialismo estatal do berço ao túmulo forem sendo descumpridas, e à medida que os políticos forem perdendo o controle sobre seus impérios construídos com dinheiro de papel, os cidadãos irão considerar novas e mais adequadas alternativas aos atuais aparatos estatais.Finalizarei este ensaio com um pequeno excerto do sensacional panfleto No Treason, NO II, de Lysander Spooner, escrito em 1867, no qual ele faz uma fascinante interpretação da constituição americana e que é uma excelente apresentação dos pontos que tentei abordar ao final da análise acima.  Eis Spooner:




A Constituição americana diz:




"Nós, o povo dos Estados Unidos, com o intuito de formar uma união mais perfeita, estabelecer a justiça, garantir a tranquilidade doméstica, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e garantir as bênçãos da liberdade para nós mesmos e para nossa posteridade, ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América."




O significado disto é simplesmente: Nós, o povo, agindo livremente e voluntariamente como indivíduos, consentimos e concordamos que iremos cooperar mutuamente para sustentar o governo na forma como ele foi descrito nesta Constituição. A necessidade do consentimento do "povo" está implícita nesta declaração.  Toda a autoridade da Constituição depende disto.  Se o povo não consentir, ela não terá validade.  É claro que ela só teve validade entre aqueles que de fato consentiram com ela.  Nenhum consentimento poderia ser presumido para um indivíduo sem que ele de fato o expressasse, assim como ocorre com qualquer outro contrato que envolva o pagamento de dinheiro ou a prestação de algum serviço.  E para tornar a constituição vinculante sobre qualquer indivíduo, sua assinatura, ou outra evidência positiva de consentimento, era tão necessária quanto no caso de qualquer outro contrato.  Se o instrumento tinha a intenção de dizer que qualquer indivíduo que pertencesse ao "povo dos Estados Unidos" estaria vinculado a ele, sem ter seu consentimento, isto seria uma usurpação e uma mentira.  O máximo que pode ser inferido da frase "Nós, o povo" é que tal documento oferecia filiação para todo "o povo dos Estados Unidos", deixando para os indivíduos a opção de aceitar ou recusar, como bem entendessem.




O acordo é simples, como qualquer outro acordo.  É o mesmo que um acordo que diga: Nós, o povo da cidade X, concordamos em manter uma igreja, uma escola, um hospital, ou um teatro, para nós mesmos e para nossos filhos.





Tal acordo claramente só teria validade entre aqueles que de fato consentiram com ele.  Se apenas uma fatia do "povo da cidade X" consentisse com este contrato, e daí obrigassem aqueles indivíduos que não consentiram a contribuir com dinheiro ou com serviços, tais pessoas seriam meros assaltantes, e mereceriam ser tratadas como tal. Nem a conduta e nem os direitos destes signatários seriam aprimorados caso eles virassem para os dissidentes e dissessem: "Oferecemos a vocês direitos iguais aos nossos em relação aos benefícios da igreja, da escola, do hospital ou do teatro que propomos construir, e um igual poder de controle sobre tal instituição".  Seria uma resposta suficiente caso os outros dissessem: "Não queremos nenhuma participação nos benefícios, e nenhum controle sobre sua instituição; e não faremos nada para sustentá-la."

 




*Detlev Schlichter - É formado em administração e economia. Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio. Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia

 

 

Fonte: https://mises.org.br/artigos/1100/qual-o-tamanho-ideal-e-a-funcao-adequada-do-estado

 

 

Como funcionaria uma sociedade sem estado?


Por *Hans-Hermann Hoppe









Este artigo é a segunda e última parte da entrevista concedida por Hans-Hermann Hoppe à revista Wirtschaftswoche, o principal semanário da Alemanha sobre economia e negócios, e foi conduzida por Malte Fischer. A primeira parte, versou sobre economia global e secessão.




Independentemente do número de territórios soberanos, ainda resta a questão do tamanho do governo.  Os liberais clássicos sugerem que o estado seja um mero 'guarda noturno', o qual se limita a garantir a liberdade, a propriedade e a paz.  Mas o senhor não quer estado nenhum.  Por quê? Os liberais clássicos subestimam a inerente tendência de qualquer arranjo estatal ao inchaço.  Essa é uma propensão irreversível.  Quem determina quantos policiais, quantos juízes e quantos soldados -- todos eles financiados por impostos -- haverá em um estado mínimo voltado exclusivamente para a segurança e para os serviços judiciais?  No mercado, onde bens e serviços são demandados e pagos voluntariamente, a resposta é clara: bens e serviços serão produzidos na quantidade e aos preços que os consumidores estiverem dispostos a pagar.  Por outro lado, no que tange ao governo de qualquer país, a pergunta "quanto?" será sempre respondida da mesma maneira: quanto mais dinheiro você nos der, mais poderemos fazer por você.





Dado que o governo pode obrigar seus cidadãos a pagar impostos, o governo sempre irá exigir cada vez mais dinheiro e, em troca, ofertará serviços de qualidade cada vez pior, dado que o governo não opera em ambiente concorrencial (nem seus funcionários e servidores são avaliados pela população a que servem).  




A ideia de um estado mínimo, principalmente em uma democracia, é um projeto conceitualmente falho.  Estados mínimos jamais permanecem mínimos. Então não deveria haver estado nem sequer para proteger a propriedade, e para fornecer serviços de segurança e de justiça? Se o estado for proteger a propriedade utilizando uma polícia estatal, então ele terá de coercivamente coletar impostos.  No entanto, impostos são expropriação.  Desta maneira, o estado paradoxalmente se transforma em um expropriador protetor da propriedade.  Não faz sentido.  Ademais, um estado que quer manter a lei e a ordem, mas que pode ele próprio criar leis, será ao mesmo tempo um transgressor e um mantenedor da lei.




E isso tem de ficar claro: o estado não nos defende; ao contrário, o estado nos agride, confisca nossa propriedade e a utiliza para se defender a si próprio.  A definição padrão do estado é essa: o estado é uma agência caracterizada por duas feições exclusivas e logicamente conectadas entre si.  Primeiro, o estado é uma agência que exerce o monopólio compulsório da jurisdição de seu território; o estado é o tomador supremo de decisões.  Ou seja, o estado é o árbitro e juiz supremo de todos os casos de conflito, incluindo aqueles conflitos que envolvem ele próprio e seus funcionários.  




Não há qualquer possibilidade de apelação que esteja acima e além do estado.  Segundo, o estado é uma agência que exerce o monopólio territorial da tributação.  Ou seja, é uma agência que pode determinar unilateralmente o preço que seus súditos devem pagar pelos seus serviços de juiz supremo.  




Baseando-se nesse arranjo institucional, você pode seguramente prever quais serão as consequências:





a) em vez de impedir e solucionar conflitos, alguém que possua o monopólio da tomada suprema de decisões irá gerar e provocar conflitos com o intuito de resolvê-los em benefício próprio.  Isto é, o estado não reconhece e protege as leis existentes, mas as distorce e corrompe por meio da legislação.  Contradição número um: o estado é, como dito, um transgressor mantenedor das leis.




b) em vez de defender e proteger alguém ou alguma coisa, um monopolista da tributação irá invariavelmente se esforçar para maximizar seus gastos com proteção e ao mesmo tempo minimizar a real produção de proteção.  Quanto mais dinheiro o estado puder gastar e quanto menos ele tiver de trabalhar para obter esse dinheiro, melhor será a sua situação.  Contradição número dois: o estado é, como dito, um expropriador protetor da propriedade.




Então, para quem o senhor gostaria de transferir a tarefa de proteger direitos e propriedade?




Tais tarefas devem ser realizadas por aquelas empresas privadas que comprovadamente demonstrarem competência em um mercado livre e concorrencial -- exatamente como ocorre com os outros serviços. Em uma sociedade de leis privadas, a produção de lei e ordem -- de segurança -- seria feita por indivíduos e agências livremente financiados, concorrendo entre si por uma clientela disposta a pagar (ou a não pagar) voluntariamente por tais serviços -- exatamente como ocorre com a produção de todos os outros bens e serviços.  Como esse sistema funcionaria é algo que pode ser mais bem compreendido ao contrastarmos tal sistema com o funcionamento do nosso atual e totalmente conhecido sistema estatista. Se quisermos resumir em uma única palavra a diferença (e a vantagem) decisiva entre uma indústria de segurança operando em ambiente concorrencial e a atual prática estatista, essa palavra seria: contrato. O estado opera em um vácuo jurídico.  Não existe nenhum contrato entre o estado e seus cidadãos.  Não está determinado contratualmente o que de fato pertence a quem; consequentemente, não está determinado o que deve ser protegido.  Não está determinado qual serviço o estado deve fornecer, nem o que deve acontecer caso o estado falhe em cumprir seu dever, e nem qual preço o "consumidor" de tais "serviços" deve pagar.  Ao contrário: o estado determina unilateralmente as regras do jogo, podendo mudá-las, por mera legislação, durante o jogo. Obviamente, tal comportamento seria inconcebível para fornecedores de serviços de segurança financiados livremente.  Apenas imagine um fornecedor de serviços de segurança -- seja uma polícia, uma seguradora ou um tribunal de arbitragem -- cuja oferta consistisse em algo mais ou menos assim: "Eu não vou contratualmente garantir nada a você; não irei lhe dizer o que estou obrigado a fazer caso você não fique satisfeito com meus serviços.  Porém, mesmo assim, eu me reservo o direito de determinar unilateralmente o preço que você deve me pagar por tais serviços indefinidos." Qualquer fornecedor de serviços de segurança desse tipo iria imediatamente desaparecer do mercado em decorrência de uma total falta de clientes. Em vez de agir assim, cada produtor de serviços de segurança, sempre financiado livremente, teria de oferecer um contrato aos seus clientes em potencial.  E esses contratos -- a fim de serem considerados aceitáveis para consumidores que estão pagando voluntariamente por eles -- devem conter cláusulas e descrições totalmente claras, bem como serviços e obrigações mútuas claramente definidos.  Cada uma das partes do contrato, ao longo de sua duração e até o vencimento do contrato, estaria vinculada a ele de acordo com seus termos e condições; e qualquer mudança nos termos ou nas condições iria requerer o consentimento unânime de todos os lados envolvidos. Mais especificamente, para serem tidos como aceitáveis por seus potenciais compradores, esses contratos teriam de conter cláusulas especificando o que será feito no caso de um conflito ou desavença entre a agência de segurança (ou seguradora) e seus segurados, bem como no caso de um conflito entre diferentes agências de proteção e seus respectivos clientes.  E, nesses casos, apenas uma solução mutuamente acordada é possível: os lados em discórdia concordariam contratualmente em recorrer a um tribunal de arbitragem comandado por algum agente que seja independente e que goze da confiança mútua desses dois lados. E quanto a esse agente, ele também deve ser financiado no livre mercado, além de sofrer a concorrência de vários outros arbitradores e agências de arbitragem.  Seus clientes -- isto é, as seguradoras e os segurados -- esperam que ele dê um veredito que seja reconhecido por todos como sendo justo e imparcial.  Somente arbitradores capazes de dar vereditos justos e imparciais terão êxito no mercado de arbitramento.  Arbitradores incapazes disso, e consequentemente vistos como parciais ou tendenciosos, irão desaparecer do mercado.




E como seriam definidas as leis e como seria sua aplicação?




Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que, se não houvesse conflitos entre indivíduos e todos nós vivêssemos em perfeita harmonia, não haveria nenhuma necessidade de leis ou normas.  O propósito de leis ou normas é justamente o de ajudar a evitar conflitos que de outra forma seriam inevitáveis.  Somente as leis que atingem esse objetivo podem ser chamadas de leis boas.  Uma lei que gera conflitos em vez de ajudar a evitá-los é contrária ao propósito intrínseco de qualquer lei --ou seja, trata-se de uma lei ruim, disfuncional e corrupta.




Em segundo lugar, é preciso entender que toda e qualquer sociedade tem como característica intrínseca conflitos de propriedade sobre bens escassos.  Conflitos ocorrem porque vivemos em um mundo de escassez, onde os bens são escassos.  Afinal, se os bens são escassos, eles não podem ser de todos.  É necessário haver propriedade sobre eles.  As pessoas entram em choque porque querem utilizar exatamente o mesmo bem de maneiras distintas e incompatíveis.  Ou eu venço a briga e utilizo tal bem do meu jeito, ou você vence e utiliza tal bem do seu jeito.  É impossível que nós dois saiamos "ganhadores".  No caso de bens escassos, portanto, são necessárias regras ou leis que nos ajudem a solucionar reivindicações rivais e conflituosas.




Mas não é necessário que seja o estado quem irá resolver tais conflitos!





Logo, todos os conflitos relacionados ao uso de bens escassos, poderão ser evitados apenas se cada bem for propriedade privada, isto é, se cada bem escasso for exclusivamente controlado por um indivíduo (ou grupo de indivíduos) específico -- e não por vários indivíduos não-especificados --, e sempre for deixado claro qual bem é propriedade de quem, e qual não é.  E, para que os conflitos fossem evitados desde o início da humanidade, por assim dizer, seria necessário ter uma regra determinando que a primeira apropriação original de algum recurso escasso e até então sem dono configuraria propriedade privada.




Sendo assim, existem essencialmente três "leis boas" que podem garantir uma interação humana sem a ocorrência de conflitos (ou a "paz eterna"):




a) aquele que se apropria de algo até então sem dono torna-se o seu proprietário exclusivo (na condição de primeiro proprietário, ele logicamente não entrou em conflito com ninguém, dado que todas as outras pessoas apareceram em cena apenas mais tarde);




b) aquele que produz algo utilizando tanto o seu próprio corpo quanto os bens dos quais se apropriou originalmente torna-se o proprietário único e legítimo do produto de seu trabalho -- desde que ele, nesse processo, não danifique a integridade física da propriedade de terceiros; e




c) aquele que adquire um bem de algum proprietário por meio de uma troca voluntária -- isto é, uma troca considerada a priori como mutuamente benéfica -- torna-se o novo proprietário desse bem.




Portanto, tendo este pano de fundo, imagine agora uma sociedade sem estado.  Nesta ordem natural, cada indivíduo que for o primeiro a se apropriar de algo irá se tornar o proprietário original dos bens que ele controla.  Quem sugerir o contrário terá o ônus da prova.  Neste arranjo, conflitos serão resolvidos por uma autoridade natural.  Em vilarejos, esta autoridade natural são aquelas pessoas que forem respeitadas por todos; elas atuarão como juízes.  Se houver alguma contenda envolvendo pessoas pertencentes a comunidades distintas, e que recorrerem a juízes distintos, o conflito terá de ser arbitrado no nível superior mais próximo.  O que é importante é que nenhum juiz detenha o monopólio da aplicação de leis. O mesmo raciocínio se aplica a qualquer cidade, de qualquer tamanho, dado que toda e qualquer cidade está dividida em bairros, que funcionam como se fossem vilarejos integrados.





Isso soa muito irrealista...




Mas não é!  Apenas veja como as contendas transnacionais são resolvidas atualmente.  Em nível internacional, já existe uma espécie de anarquia jurídica, pois não há um governo mundial que a tudo regula.  Por exemplo, pense na cidade da Basileia.  Ela está localizada em uma tríplice fronteira entre Suíça, França e Alemanha.  O que seus cidadãos fazem quando há uma contenda entre eles?  Em primeiro lugar, eles irão contatar suas respectivas jurisdições.  Se não houver nenhum acordo, arbitradores independentes são convocados para resolver o caso.  Por acaso existem mais contendas entre os cidadãos desta região do que entre cidadãos de Dusseldorf e Colônia?  Nunca ouvi falar.  Isso mostra que é possível regular disputas interpessoais pacificamente, sem que haja um estado detentor do monopólio do justiça.




Um sistema jurídico sem estado provavelmente está muito além da imaginação das pessoas!




Por quê?  Basicamente, são ideias facilmente compreensíveis que, ao longo dos séculos, foram abolidas e extirpadas de nós por apologistas do poder estatal.  Foi um grande erro evolucionário substituir a liberdade de escolha das pessoas em termos legais por um monopólio estatal da legislação.  Este atual estado de coisas levou a um arranjo em que, nas eleições, uma horda ignara adquire cargos governamentais e utiliza seu poder legiferante para se enriquecer expropriando a propriedade daqueles que possuem mais riquezas do que eles próprios.  Já o chefe de um clã que seja voluntariamente escolhido como um arbitrador de disputas normalmente será um indivíduo já rico que não terá motivos para querer tomar para si a propriedade de terceiros.  Caso contrário, ele não seria escolhido voluntariamente como arbitrador.




Como, em um mundo sem a ordem do estado, poderíamos impedir a violação de direitos elementares à liberdade, como o direito à integridade física?




Contra-pergunta: por acaso tais violações são atualmente impedidas pela existência do estado?  Como está a violência em países que têm um estado grande e onipresente, como os da América Latina?





Enquanto os humanos forem humanos, sempre existirão áreas em que haverá homicídios e assaltos.  Os governos conseguiram melhorar esta situação?  Tenho minhas dúvidas.  Governos também são geridos por humanos.  Porém, ao contrário de uma sociedade sem estado, os líderes detêm um monopólio sobre sua posição de poder.




Isso por acaso não torna estas pessoas piores do que já são?  Humanos não são anjos; frequentemente fazem maldades e causam enormes estragos.  Por este motivo, a melhor defesa da liberdade e da propriedade é não permitir que ninguém crie um monopólio protegido por lei.  Tão logo exista um monopólio protegido por lei, não serão exatamente seres angelicais que surgirão dele.




Suponhamos que sigamos suas ideias e transfiramos as clássicas funções do estado, como a proteção da propriedade e da imposição da justiça, para organizações privadas.  Imediatamente teríamos de lidar com o problema de que, também nestas organizações, os homens maus podem assumir o comando e criar cartéis à custa dos cidadãos.




O risco de isso ocorrer é baixo.  Cartéis só conseguem sobreviver no longo prazo se o estado protegê-los!  




Isso ocorre hoje justamente em todos os setores da economia que são controlados por agências reguladoras, as quais existem para impedir que novas empresas entrem no mercado, façam concorrência e perturbem a tranquilidade das empresas já estabelecidas e que são as preferidas do estado. Cartéis nunca se sustentaram no livre mercado.  O que tradicionalmente sempre ocorreu foi o seguinte: as grandes empresas começaram a se unir para dividir o mercado exclusivamente entre elas; no entanto, tal arranjo, por elevar os preços e reduzir a qualidade dos serviços, acaba beneficiando os membros mais ineficientes deste cartel e prejudicando os mais eficientes.  Estes percebem que podem conquistar uma maior fatia de mercado fora do cartel.  Tão logo eles percebem isso, o cartel se esfacela.



Mas até que isso ocorra, os membros do cartel exploram os cidadãos!




Esse seu raciocínio é o que eu chamo de "se suicidar por medo de morrer".  Se você transfere tal tarefa ao estado, então você está dando a ele logo de partida um monopólio total.  E ele certamente irá abusar deste monopólio para restringir a liberdade dos cidadãos. Em uma sociedade sem estado e com leis privadas, como lidar com o problema das externalidades?  Por exemplo, quem iria fazer com que poluidores ambientais também tivessem de arcar com os custos? Esse problema é fácil de ser resolvido.  Basta você conferir à parte prejudicada o direito de tomar medidas judiciais contra o agressor.  Ato contínuo, ela poderá processar o causador do estrago, fazendo com que esta lhe dê um pagamento indenizatório.  No século XIX, era uma prática comum os cidadãos processarem empresas que danificassem sua propriedade em decorrência de poluição.  Com o tempo, o estado começou a limitar o direito de apelação, tudo com o intuito de proteger determinadas indústrias.Por isso, e como expliquei anteriormente, é crucial que os direitos de propriedade sejam claramente atribuídos.  O princípio básico tem de ser: quem for o primeiro a se apropriar de um local ainda inutilizado e sem dono, adquire os direitos de propriedade. Por exemplo, se uma indústria construir uma planta que apresente uma intensa emissão de poluentes nas vizinhanças de um determinado bairro residencial, então estes moradores -- que chegaram lá primeiro -- podem processar a empresa e pedir indenização.  Trata-se de um princípio simples que até mesmo crianças conseguem entender.  Nos EUA, durante a época da corrida do ouro, vários critérios foram estabelecidos sem a intromissão o estado.  E várias pessoas registraram suas queixas contra mineradores.  Isso mostra que questões de transgressão de propriedade podem ser resolvidas sem o estado.




E a questão das forças armadas?  Não dá para organizar a defesa nacional sem o estado, e ninguém pode ser excluído da segurança fornecida por um exército.  Logo, você precisa do estado para obrigar todos os cidadãos a pagarem impostos para financiar as forças armadas.




E quem disse que absolutamente todos os cidadãos querem ser defendidos por um exército?  De novo, vivemos em um mundo de escassez.  O dinheiro que for gasto com defesa não mais estará disponível para ser gasto em outros propósitos.  Algumas pessoas talvez não queiram ser defendidas e, em vez disso, preferem pagar por férias no Havaí.  No caso de um ataque externo, elas provavelmente iriam optar por deixar o país e, sendo assim, elas não precisam de defesa de nenhum exército.O estado não tem nenhum direito de obrigar estas pessoas a pagar impostos para financiar forças armadas.  Em uma sociedade sem estado, as pessoas podem, se assim o desejarem, criar pequenas unidades de segurança, como vigilâncias comunitárias.  Podem também se defender por conta própria por meio do uso de armas.  Ou podem ainda contratar segurança privada.  Elas teriam a liberdade de decidir livremente como iriam gastar seu próprio dinheiro.



*Hans-Hermann Hoppe é membro-sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics.

 



Fonte: https://mises.org.br//article/1795/como-funcionaria-uma-sociedade-sem-estado

 

 







“Sem o estado, quem cuidará dos pobres?”

 

 

Por *Leandro Roque




  






-Um leitor nos enviou a seguinte pergunta: "Concordo que o estado é ineficiente, propenso à corrupção e ao desperdício.  Concordo também que ele gera vários privilégios para quem está dentro da máquina pública.  Mas vocês ao menos concordariam que, se não fosse o estado, os pobres seriam ainda mais pobres, certo?"




-Outro leitor enviou um comentário no mesmo sentido da pergunta acima: "Dizem que não se deve dar o peixe ao povo, que deve ensiná-lo a pescar. Mas, se lhe tiramos o barco, os anzóis, a vara de pescar, temos que começar a lhe dar o peixe.  Sem o Bolsa-Família, o que seria dos pobres?"



-Outro leitor complementou: "O problema é que o estado só é mínimo na vida dos pobres."



-Na mesma linha, outro leitor concluiu: "Se não fosse o estado, o que seria das pessoas que vivem na extrema pobreza e com pouca expectativa de vida?"



-E outro, finalmente, arrematou (provavelmente parodiando Thomas Hobbes):"E como seria a vida dos pobres sem o estado? Inimaginável, sórdida, solitária, bestial e curta".




O que é interessante é que, por trás de todas as afirmações acima, há a ideia -- já dada como certa - de que o estado é o solucionador (ou, pior das hipóteses, o remediador) da pobreza!




Segundo os defensores do assistencialismo, o estado -- por mais defeitos que tenha -- é quem impede que os pobres sejam ainda mais pobres, que a miséria se torne mais profunda, e que a expectativa de vida decline ainda mais. Alguns -- como é o caso do primeiro leitor -- até conseguem ver o estado como uma máquina ineficiente que representa um grande entrave ao desenvolvimento.  No entanto, e curiosamente, quando se trata de amenizar e até mesmo acabar com a pobreza -- algo infinitamente mais complicado do que simplesmente atravancar o progresso --, aquela máquina ineficiente e corrupta miraculosamente se transforma na solução suprema e inquestionável.





Como o estado é capaz de operar essa transubstanciação? As perguntas que devem ser feitas




Eis uma pergunta raramente feita: por que as pessoas adoram debater sobre assistencialismo estatal (contra ou a favor), mas quase ninguém fala sobre as políticas governamentais que empurraram as pessoas para a pobreza? Eis outra pergunta raramente feita: por que o estado nunca é visto como o causador da pobreza que ele próprio se propõe remediar? Segundo os defensores do assistencialismo, o estado socorre os pobres, transfere-lhes poder de compra e lhes garante condições mínimas de vida. Beleza! Mas isso nos leva às seguintes perguntas:




1) Quem é que detém o monopólio da moeda e, consequentemente, adota políticas que destroem o poder de compra dessa moeda, perpetuando a pobreza dos mais pobres?



2) Quem é que, ao estimular o setor bancário a expandir o crédito -- e, com isso, fazer com que a inflação de preços se mantenha continuamente alta --, intensifica a redução do poder de compra dos mais pobres?



3) Quem é que, ao incorrer em déficits orçamentários e com isso desvalorizar a moeda e a taxa de câmbio, não apenas aniquila o poder de compra dos mais pobres, como também os impede de utilizar seu já escasso poder de compra para adquirir produtos importados, o que melhoraria bastante seu padrão de vida e bem-estar?



4) Quem é que, além de desvalorizar a moeda, a taxa de câmbio e gerar inflação de preços, ainda impõe tarifas protecionistas para proteger o grande baronato industrial -- e, com isso, impedir duplamente que os mais pobres possam adquirir produtos baratos do exterior?



5) Quem é que, ao estimular a expansão do crédito imobiliário via bancos estatais, encarece artificialmente os preços das moradias e joga os pobres para barracões, favelas e outras áreas com poucas expectativas de vida?



6) Quem é que impede que os moradores de favelas obtenham títulos de propriedade, os quais poderiam ser utilizados como garantia para a obtenção de crédito, com o qual poderiam abrir pequenas empresas, fornecer empregos e, de forma geral, se integrar ao sistema produtivo?



7) Quem é que tributa absolutamente tudo o que é vendido na economia, e com isso abocanha grande parte da renda dos pobres?



8) Quem é que, por meio de agências reguladoras, carteliza o mercado interno, protege grandes empresários contra a concorrência externa e, com isso, impede que haja preços baixos e produtos de qualidade no mercado, prejudicando principalmente os mais pobres?







9) Quem é que cria encargos sociais e trabalhistas que encarecem artificialmente e mão-de-obra e, com isso, gera desemprego, estimula a informalidade e impede que os salários sejam maiores?



10) Quem é que confisca uma fatia do salário do trabalhador apenas para que, no futuro, quando este trabalhador estiver em situação ruim, ele receba essa fatia que lhe foi roubada de volta (e totalmente desvalorizada pela inflação)?








Após responder a todas as perguntas acima (dica: a resposta é a mesma para todas elas), você verá o quão "sensata" é essa ideia de que é o estado quem salva os mais pobres.Após ter criado toda essa cornucópia de intervenções e com isso destruir o poder de compra dos mais pobres, o estado criou um esquema de assistencialismo para tentar mitigar os efeitos nefastos causados pelas intervenções acima descritas. Em vez de simplesmente abolir todas as causas da perpetuação da pobreza, a entidade que criou os problemas quer apenas remediá-los com novas intervenções. E ainda consegue a simpatia dos incautos e ingênuos. E também das vítimas.

 


*Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.



Fonte: Mises Brasil









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