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Por que a jurisdição brasileira ainda não encarnou o conceito universal de que "Justiça não é vingança”?

Written By Beraká - o blog da família on sábado, 24 de dezembro de 2022 | 12:57

 

 


 

 

A ideia de justiça está presente no preâmbulo da Constituição Federal brasileira (1988), que diz:

 

 

 

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil"

 

 

 

 

 


 

 

 

Quando a sociedade decide pela "vingança-morte", dá a si mesma um atestado de incapacidade de recuperação daqueles que ela mesma gerou para o crime, sejam pobres ou ricos. No Estado democrático, a pena deve atender a "uma finalidade produtiva, como meio de reinserção social", ou como medida de proteção de direitos fundamentais. Jamais poderá ter o sentido de "vingança social". Esta ideia de vingança é tipicamente de regimes autoritários, que pouco se importam com as pessoas humanas, mas, sim, apenas com seus projetos políticos de manutenção de poder. Além disso, a pena deve ser tomada como último recurso, ou seja, só deve ser imposta quando não haja outro meio capaz de proteger os interesses fundamentais da pessoa.

 

 

 

Conceito de justiça:

 

 

-Sófocles viveu em 497-406 a. C. - Foi um dramaturgo grego que escreveu tragédias como “Antígona”. O senso de justiça de Antígona faz dela uma pessoa insubmissa às leis humanas por estarem, na concepção dela, indo de encontro às leis divinas. (SÓFOCLES, 1999). Antígona é filha de Édipo. Tem dois irmãos, Etéocles e Polinice. Os dois disputam o trono de Tebas até as últimas consequências. Uma disputa fratricida. Ambos morrem. Nesse momento da disputa ocupava o poder o tio Creonte. Este decide que Etéocles receberia todo o cerimonial devido aos mortos e aos deuses. Já Polinice, por ter sido ajudado por forças inimigas de Tebas, teria seu corpo largado a esmo, sem direito de ser sepultado e deixado para que os animais o dilacerassem. Antígona solicita uma sepultura para o irmão e Creonte não a atende. Ela então argumenta que a decisão de Creonte pode ser revestida de legalidade, mas é injusta. E, fundada na justiça que não é da cidade, ela sepulta o irmão. Por isso é condenada à morte e enterrada viva. Pode-se incorporar nessa tragédia redigida por Sófocles um único desejo: prover um fim justo ao irmão.

 

 

 

 


 

 

 

-Outro enfoque sobre justiça se extrai do Livro II da obra “A República”, de Platão. É Glauco, irmão de Platão, e também discípulo de Sócrates quem fala. Glauco discute com seu mestre sobre o real sentido do que seria a justiça, e para defender sua tese, relata a lenda de Giges, o pastor, figura dos homens honestos. Giges, segundo a lenda, depois de uma chuva abundante e um tremor de terra, sai com seu rebanho e se depara com uma fenda aberta pelas águas. Desce ao abismo e lá embaixo encontra um cadáver em decomposição com um anel de ouro na mão. Toma posse do anel e volta à superfície. Dias depois, Giges comparece com o anel a uma convenção de pastores junto ao rei. Giges descobre que, girando o anel para si, ele se tornava invisível e, girando novamente, passava a ser visto pelas pessoas. Quando se deu conta que o anel o fazia invisível e visível conforme seu controle, invadiu o palácio, seduziu a rainha, matou o rei e usurpou o poder. A proposta de Glauco é que ninguém praticaria a justiça se fosse como Giges, invisível, isto é, se não estivesse submetido à vigilância das leis. Para Glauco, todos os homens são profundamente injustos e só praticam atos de justiça por temerem serem eles mesmos vítimas da injustiça. Glauco conclui que se o homem tiver a certeza da impunidade, certamente fará de tudo para que suas pretensões sejam satisfeitas sem nenhuma medida. (PLATÃO, 1999).Glauco é porta-voz do entendimento de que a justiça é uma convenção social, tem perspectiva coercitiva e desperta medo naqueles que cogitam transgredi-la. Portanto, para ele, a justiça é um conjunto de disposições que cada sociedade convencionou como justas. (PLATÃO, 2013).

 

 

 

-Contrapondo-se à ideia de Glauco de que a justiça é pura convenção, Cícero, tribuno e jurista romano, que viveu um século antes de Cristo, no Livro III da obra “Das Leis”, diz: “[...] o que há de mais insensato é acreditar que tudo o que é regulamentado pelas instituições ou pelas leis dos povos seja justo”. (BARROS FILHO; POMPEU, 2013, p. 185).Cícero argumenta que, se a justiça for fundada sobre uma convenção de interesses e estes forem diferentes – pois os interesses dos homens podem ser discrepantes e conflitantes – triunfarão nessa convenção as forças dominantes e, em consequência, as decisões só serão justas quando os interesses e as forças dominantes permanecerem como tal. No momento em que o forte se tornar fraco e vice-versa, o que era justo torna-se injusto e o injusto torna-se justo. Para Cícero, a justiça não pode estar à mercê das forças dominantes, não pode ser correlatamente uma questão de utilidade. Uma disposição, diz ele, jamais será justa por ser útil. Entende-se “ser útil” como atender aos interesses/desejos de alguém. Se esse alguém perde seus interesses ou não mais for parte dominante, a justiça, fundada nesses interesses, deixará de ser útil e se tornará instável. (BARROS FILHO; POMPEU, 2013). Outro argumento de Cícero, segundo Barros Filho e Pompeu (2013), é que se o justo e o injusto forem resultados de uma convenção significará dizer que a verdade se define por decreto. Para o autor da obra “Das Leis”, a verdade não se decreta, não se combina, não se acorda nem pela maioria, nem pela unanimidade. Se não existisse justiça fora das leis, das convenções, dos pactos e acordos, não seria possível julgá-los. E pode-se julgar o acordo porque a justiça está fora dele. Por exemplo, mesmo que uma cidade inteira concorde que as crianças mulheres devam ter seus clitóris extirpados para não sentirem prazer, mesmo com o consentimento das próprias mulheres, tal ato poderia ser julgado. Sinal de que existe uma justiça para além da lei, uma dualidade entre justiça convencional e a que transcende a convenção. (BARROS FILHO; POMPEU, 2013).

 

 

 

No “Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”, Thomas Hobbes aponta para dois momentos da história da humanidade:

 

 

 

 

1º)- Estado de Natureza – em que as pessoas buscam a satisfação de seus apetites sem regras anteriores que a regulamente.

 

 

 

2º)-    Estado de Civilização ou Sociedade – em que as pessoas abrem mão de uma série de prerrogativas, porque existem regras que regulamentam a satisfação de seus apetites. O homem opta pela privação de prerrogativas por segurança, pelo medo da morte violenta. (HOBBES, 2002).

 



conceito de vingança

 

 

 

 


 

 

 

Quando se considera a punição em termos retributivos, ou seja, quando se retribui ao malfeitor um dano em troca do dano causado por ele, torna-se difícil definir claramente se ela visa à justiça ou à vingança. Nesse sentido, considerando-se a punição em termos retributivos, Misse (2011) analisa a justiça e a vingança fazendo uma diferenciação, a princípio, na relação entre criminoso e vítima, entre agente e paciente. Nesse primeiro ponto, considera que a vingança é a punição pelas próprias mãos, enquanto a justiça é a punição executada por intermédio de uma instituição responsável: o tribunal de Justiça, por exemplo, no caso do crime; a professora ou direção da escola, no caso de um comportamento inadequado de um estudante; os pais, no caso de um mau comportamento de um filho.

 

 

 

 


 

 

Na sociedade moderna, a mediação da punição deveria ser uma condição necessária para se garantir a justiça. Entretanto, o indivíduo e a sociedade lesados, que se veem constantemente em situações de medo e violência, se sentem impotentes por não acreditarem nas formas legais de coerção e segurança oferecidas na “justa” medida da punição aos seus agressores e malfeitores. (MISSE, 2011). Esse sentimento de impotência tende a gerar no indivíduo e em grupos a irresponsabilidade generalizada perante tudo o que não diga respeito diretamente aos seus interesses próprios. Passa-se a arbitrar o que é justo ou injusto, segundo decisões privadas dissociadas de princípios éticos válidos para todos. Cria-se, assim, a imoralidade de uma cultura de violência, que conduz à disseminação de sistemas morais particularizados e irredutíveis a ideais comuns, condição prévia para que qualquer atitude criminosa, inclusive a vingança, possa ser justificada e legítima. (COSTA, 1993).É muito comum se ouvir pessoas afirmarem que o criminoso não deve ser tratado como um cidadão. Palomba (2003) sustenta que o desejo de vingança pode levar uma pessoa a matar. O psiquiatra forense aponta que a necessidade de “dar o troco” é a grande motivação dos homicídios no Brasil. Essa conclusão foi baseada em sua atuação durante mais de três décadas nos manicômios e tribunais judiciários do país. Segundo ele, é possível afirmar que, no Brasil, todos os dias há um crime provocado por vingança.O episódio dos moradores que amarraram um adolescente infrator e o espancaram com consentimento uníssono daqueles presentes, exemplifica um retrocesso à Idade Média, quando se associava vingança à justiça. Esta era alcançada por meio de uma punição equivalente ao crime ou dano causado em concordância com a vontade da vítima e com o merecimento do criminoso. 

 

 

 

 

 


 

 

 

Tal proporcionalidade da punição já estava presente na lei de talião, cujas primeiras referências escritas remontam ao Código de Hamurabi, em 1780 a. C. Um princípio de justiça destinado a regulamentar o equilíbrio, a equivalência entre o crime e a punição e acabar com a arbitrariedade na hora de punir. O que hoje nos soa bárbaro e cruel pagar um olho com um olho e um dente com um dente  tornou-se uma prática comum no cotidiano do brasileiro, haja vista o grande número de mortes com feições vingativas todos os dias divulgadas pela mídia. Bem como punições e multas desproporcionais e inexequíveis aplicadas à revelia, com critérios espúrios, por uma justiça parcial a quem não é amigo do rei. 

 

 

 


 

 

 

Dissemina-se uma crença, largamente difundida, que faz a sociedade afirmar que inimigos e adversários merecem o sofrimento agudo, humilhante e implacável, que vai até a privação da sua sobrevivência e de seus familiares (incluindo menores) privando-os dos rendimentos para socorrer-se em suas necessidades básicas (bloqueando contas que impedem até o pagamento de funcionários sob sua responsabilidade). Personifica-se, assim, uma sociedade que ainda clama pela punição-espetáculo, como a Lei de talião (“talião” derivada do latim “talio” e significa “tal” ou “idêntico” – Código de Hamurabi - 1780 a. C.). Exibem os réus como troféu, confundindo vingança com justiça. Penas racionais e exequíveis passam a ser sinônimo de impunidade. Percebe-se que, no decorrer da história, o homem sempre busca qualificar e quantificar o crime e a punição para se chegar à justiça. Agir justamente requer, segundo Hegel (2010), agir de acordo com as exigências da razão. E esta deve estar em constante processo de determinação, modificando-se de acordo com o tempo e a cultura. Porque só a razão, como diz Hegel, mostrará a necessidade de se criar valores a fim de se encontrar a justiça distanciando-se sempre mais da vingança.Na obra de Hobbes [1651], quando o homem vive no estado de natureza e é regido pelos apetites, não existe nesse momento nenhuma justiça. Quando o leopardo devora a rês, ele devora por natureza, não é injusto nem justo. Quando o vento, com sua força natural de um furacão passa por algum lugar, nele também não há injustiça, mesmo que destrua uma cidade inteira. A justiça surge, de acordo com Hobbes, quando o homem estabelece o contrato social, define certo número de regras e normas, o que pode e o que não pode ser feito. Assim, a justiça passa a ser o resultado de um contrato entre pessoas para diminuir os riscos de sua irracionalidade natural.É na hora em que se pretende mudar a natureza e criar novos mecanismos de vida que surge a possibilidade do comportamento justo e do injusto. Este desalinhado com a convenção, aquele alinhado com a convenção. (BARROS FILHO; POMPEU, 2013).Na ideia hobbesiana, é a partir da lei que o homem convenciona o que é justo ou injusto. A lei é o espelho e materialização do entendimento de justiça. O justo e o legal se confundem. A justiça é a própria regulamentação. No “Leviatã”, o homem deixa seu estado de natureza, em que era cheio de prerrogativas, em que podia buscar qualquer apetite, e opta por se privar de quase tudo, pelo medo da morte violenta. (AZAMBUJA, 1988, p. 57-59).E é desse sentimento da imprevisibilidade, da incerteza de saber o que o outro fará para buscar seus apetites, da desconfiança de um em relação aos outros, que Hobbes utilizaria como base para construção do Estado. É o medo da morte violenta que faz o homem transferir para uma força soberana o poder de decidir o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto.A noção de justiça, portanto, deve ser trabalhada a partir de um contexto histórico e sociológico. Ao traçar um paralelo pelos conceitos de justiça dos pensadores aqui citados, constata-se que o “medo da violência” ou da “morte violenta”, mais evidenciado na obra hobbesiana, ou o temor de serem vítimas de injustiças caso ajam conforme suas pulsões violentas e agressivas (de vida ou de morte), ou talvez pela incerteza da impunidade, é que impulsionam os homens, individuais e sociais, a se submeterem a um juízo de uma prescrição soberana. 

 

 

 

 


 

 

Nos últimos tempos temos visto, com maior freqüência, fatos que muitos acreditavam jamais vir a contar aos netos. São as prisões de envolvidos nos chamados “crimes de colarinho branco” e outros que tipificam as estripulias da elite com dinheiro ou interesse publico.

 

 

 

 


 

 

 

Um aqui, outro ali, e de repente não é mais tão incomum assistir a descida dos poderosos ao inferno antes só reservado aos pobres (naturalmente, há infernos e infernos). Não chegamos ainda ao estagio do tratamento igualitário à aqueles que tem as ditas contas a pagar com a sociedade. A começar da penca de advogados disponíveis para um caso e não para outro. Além disso, para cada colarinho branco pego pela Justiça, deve haver uma fila praticando, incólume, falcatruas semelhantes ou até piores.Ha vários motivos para a nova experiência nacional, de ver a justiça chegar aos andares de cima. Um é o surgimento, na área da Justiça, de uma geração de homens e mulheres "dispostos a colar seu nome a valores e não a interesses, querendo ser lembrados como instrumentos da aplicação efetiva da justiça e não da perpetuação da impunidade com base em critérios de classe social".Um risco, nessa situação, é interpretar justiça como vingança. Seria ate compreensível um sentimento generalizado de revanche, de satisfação diante de ícones do poder econômico ou político humilhados, algemados, enfrentando vaias, empurrões. Mas é preciso não confundir justiça com catarse coletiva de um ódio meio indefinido por tudo que e injusto no pais, para que não se acabe por deturpar a ideia fundante de que aquele que comete um crime, de que natureza for, deve pagar segundo determinam as leis vigentes. E só!

 

 

 


 

 

 

 

Ainda que a realidade seja rica em exemplos revoltantes de como essa ideia e deixada de lado, para a desgraça do pobre e o alivio do rico, é importante salvaguardá-la como principio do qual devemos nos aproximar cada vez mais. O desejo de vingança via instrumentos de justiça cria área de risco de violência subjetiva nos assuntos coletivos que se espalha como erva daninha. Ela pode sufocar a crença nas vias institucionais e estimular moral publica persecutória que potencialmente atinge a todos e acrescenta ingrediente sempre assustador as relações sociais: a realimentação continua do ódio e a incapacidade de ater-se a regras universais. Sempre se demanda um pouco mais e esse “pouco” e, em geral, algum tipo de violência.

 

 

 


 

 

 

Tomemos o caso especifico dos políticos. O Congresso é uma espécie de tribunal polêmico que muitas vezes revolta a população dado o seu corporativismo. Preocupa quando parece ser atalho para fugir da Justiça comum, por meio da perversão da imunidade parlamentar, que passa a ser vista como esconderijo eficaz para quem atentou contra interesses sociais ou cometeu crimes na esfera privada. Também são desalentadoras as manobras partidárias para proteger seus membros, livrando-os de prestar contas de seus atos e criando um vácuo de aplicação da justiça que gera justa indignação. Mas o histórico do Congresso mostra também ações exemplares para investigar e punir no plano político. Ainda é pouco, mas indica que há uma representação legitima que ganha terreno contra a impunidade, num jogo as vezes difícil de ser entendido devido a polarização partidária e ideológica.

 

 

 

 

 


 

 

 

Maiores avanços serão diretamente proporcionais a capacidade da sociedade capitalizar cada episódio – tanto os positivos quanto os decepcionantes – na forma de pressão para aperfeiçoar os instrumentos de investigação e punição de políticos com passivo anti-social. E preciso pressão por visibilidade, para que todas as votações que envolvam cassação de mandato ou licença para processo sejam nominais, jamais secretas. E preciso punição eleitoral da população a partidos que dificultam o acesso da Justiça a seus membros. É preciso resposta rápida, de manifestação de desagrado e reprovação, quando o Congresso da espetáculos lamentáveis de corporativismo. E é preciso, também, apoio e reforço quando age corretamente.Essa seria, como se costuma dizer hoje, a agenda positiva da cidadania no campo da justiça política. A negativa seria, como falávamos, exaurir as chances de avanço em demandas de ódio e vingança, que costumam gastar todas as energias em casos isolados e esquecer a fase de construção de mecanismos universais de julgamento e punição mais rigorosos, mais incontornáveis, mas impessoais. Deve-se levar em conta, ainda, que a passionalidade do ódio tem outra face, que e a vitimização do criminoso, levando a uma segunda confusão, que é a do perdão pessoal e espiritual com o julgamento pela lei. Não existe perdão para crimes para os quais a sociedade institui formas e meios legítimos de punição. Não há como advogar ausência ou alivio da pena social com base no sentido do perdão espiritual. Mas há como lutar para que a lei seja aplicada com justiça e equidade.Afinal, uma sociedade efetivamente democrática e justa é o maior castigo que se poderia aplicar as bandas podres que, talvez cinicamente, achem que ainda é mais vantagem enfrentar o ódio e o desprezo da população, tentando uma chantagem emocional, do que a aplicação pura e simples da justiça.

 

 

 


 

 

 

Na tragédia Electra, Eurípedes faz Clitemnestra justificar o assassínio de Agamenon, por ter sacrificado Efigênia aos deuses: “foi pelo bem da nação grega que ele matou minha filha, eu sei disso, mas não justifica que ele tenha assassinado a própria filha e, nesse sentido, eu como mãe podia e até devia me vingar”. Quanto mais o ser humano é capaz de ternura dentro do seu grupo, tanto mais é indiferente quanto aos grupos vizinhos. Donde um sentimento de (quase) “igualdade” em força para dentro e de “desigualdade” para fora. Todo sistema repousa nessa “igualdade aproximativa”: o espaço do outro. É o que propõe Hobbes: a igualdade natural engendra o combate, este engendra o medo, o medo engendra o contrato, o contrato engendra o mundo do Leviathan: da igualdade inicial à equidade final, o equilíbrio precário e perigoso é substituído pelo equilíbrio mais estável e mais seguro.Nesse modelo, a clivagem das grandes dicotomias, o penal e o civil, o público e o privado, o “mistério” da punição versus a “racionalidade” da indenização. De um lado, satisfazer uma ofensa, donde corrigir, emendar, dissuadir os imitadores, reeducar, purificar; de outro, a pecúnia, a mensuração, a razoabilidade: multa civil e multa penal, por que a distinção? O mundo grego conhecia um duplo sistema de nomoi: a justiça intrafamiliar (Themis) e a justiça interfamiliar (Diké). O mundo de Themis era o mundo familiar, lugar privilegiado do terror ético cujo centro de referência é o círculo da família e nele, a figura do pai, com a forte presença de uma agregação natural marcada pela desigualdade, donde a punição maior a rejeição, o abandono, o banimento. As grandes infrações a Themis são marcadas pelo medo difuso – angústia -, pela violação dos laços de sangue, particularmente percebida no assassinato de um parente (parricídio, matricídio, fratricídio, infanticídio), na transgressão sexual (incesto, estupro, adultério), em que presentes as angústias edipianas. Em tudo, a marca do discrimen (no sentido de separar, separação) e a proibição de sua violação, em que o fulcro de uma infração está em tocar (com a mão) o que é proibido.

 

 

 

JUSTIÇA E VINGANÇA

 

 

 

O sangue derramado estimula a reação contra uma proximidade proibida. O assassino é desprezado, ninguém o acolhe, donde, até hoje, a aceitação desconfiada de direitos do preso. A vingança tem a ver, assim, com uma expectativa de destruição total, condenar o maldito a errar nas trevas do remorso.Nas suas origens míticas, a vingança não é bem uma punição, cujo sentido ficou obscurecido pela proximidade com as punições executadas por ordem soberana. É uma reação a uma mancha intolerável que cobre todo o grupo. Donde a exaltação heroica do que mata em nome da sociedade, uma reação não necessariamente pública, como se vê pela morte em nome da honra (legítima defesa da honra).Na vingança, o ofensor ocupa um papel secundário: o papel primário cabe ao ofendido. É o ofendido que, na estrutura da vingança, tem necessidade de uma reparação (como no duelo, por exemplo). Ou seja, o “beneficiário” da “compensação” é a vítima, não se tratando de uma relação de retribuição do tipo crime/castigo. Nessa estrutura, não importa, afinal, o que fez o ofensor, que pode ter agido até honradamente (legítima defesa). A carga da vingança repousa no ofendido. Por isso o vingador evoca solidariedade. De se lembrar que mesmo a palavra vindex, que vem de vindicare (vingar e vindicar), palavra que, em latim, substituiu ultor, de origem desconhecida, que designava, primitivamente, aquele que que vem em proteção de um devedor e que restou na expressão insultus – in – sem – ultor- defensor, donde, insultar, podendo-se imaginar que o vindex tivesse algo a ver com a solidariedade familiar mais do que alguém que pune no sentido objetivo de impor uma pena. Esse é um dado que ficou também obscurecido no curso da história com o aparecimento do Estado e o monopólio da força, fazendo da vingança algo “inútil”. O que, curiosamente, mascara essa sensação de que o Estado pareça frágil ou inexistente, quando não cumpre o papel do ofendido na estrutura vingativa (donde, o linchamento ou as propostas de armar o cidadão…). Mas que desponta no asilo político, quando um Estado se põe a defender o banido contra os seus próprios.Apesar da aproximação com condutas “naturalmente” violentas, a vingança não deixa de ser um fato da cultura, uma verdadeira instituição, com suas crenças, seus valores, seus ritos. Posto de lado o caso em que a vingança derrapa na direção do puro sadismo (vingança sem medidas), ela guarda, como instituição social, algum “regramento”, pois ela serve, como se diz, para “acertar as contas com alguém”. Não há dúvida de que a ilimitação da vingança está presente em várias situações em que ela é exercida contra quem contesta a majestade do pai, da nação. Daí o treinamento diferente que se dá ao soldado, para a guerra, e para o policial, na contenda interna, e a punição do crime de traição à pátria, em que se clama por uma nulificação total do outro (pena de morte). A vingança “repercute”, tende a se amplificar a cada ato, como numa vertigem sem qualquer limitação ou medida.Mesmo assim, na linguagem homérica, a vingança não deixa de ser uma APOTISIS, um pay back. E é por essa razão que a vingança se introduz nas estruturas da justiça, trazendo certa ambiguidade para os procedimentos vindicatórios e para as obrigações ex delicto. 

 

 

 

A QUEM CABE O DIREITO? AO AGRESSOR DE MATAR SUAS VÍTIMAS POR SATISFAÇÃO, PRIVANDO-AS DE DEFESA E REAÇÃO? OU A VÍTIMA DE MATAR PARA DEFENDER-SE?

 

 

 

De uma parte, mesmo modernamente, o ponto está na ideia de que a reparação contém sempre uma lesão de interesse não patrimonial (problema do dano moral). De outra parte, de se ver como, na evolução de um falso capitalismo inescrupuloso, onde dinheiro aparece como um equalizador neutro capaz de criar uma ficção necessária para substituir as incertezas da vingança privada.

 

 

 

 


 

 

 

De todo modo é preciso ressaltar que um esquema estático, de equilíbrio de pratos (Diké), não é inteiramente adequado à vingança (Themis). É sabido que em sociedades em que a vingança atua como um “pedir satisfação” não se trata de um restabelecimento do status quo ante, mas de um processo dinâmico, de criação de novas amarguras e exigência de novas vinganças. Na verdade, mesmo quando a vingança tende a uma espécie de “contabilidade”, isso não significa que as partes façam suas “contas” da mesma maneira (talis, talis, lei de talião). O que significa, afinal, que o esquema estático (da balança da justiça – Diké) mais pareça uma aspiração ideal de equilíbrio que se frustra na realidade dos fatos. Daí, de um lado (justiça), a ideia que decisões (jurídicas) não terminam conflitos, solucionando-os (solvendo, dissolvendo), mas pondo-lhes um fim (proibição de continuar: coisa julgada, prescrição, decadência); de outro (vingança), que mesmo obtendo uma decisão favorável, à parte sempre resta um sentimento de que poderia ter sido mais…De um ângulo ético-cosmológico pode-se dizer, pois, que o esquema estático (Diké) leva à justiça em termos jurídicos (regras, controles, medidas), enquanto a vingança é expressão de um esquema dinâmico (Themis) sem medida e, pois, sem fim, donde os ressentimentos e as sublimações como soluções diabólicas.De todo modo, o que está aqui presente é o tremendum, o sagrado como portador da perdição para aqueles que se aproximam: o mundo humano habitado por uma ameaça absoluta. Donde a estranha figura do acusador como aquele que participa da majestade do sagrado e na qual o conteúdo da acusação também é indesvendável.O culpado é um maldito, que não tem mais nenhum direito a justiça, mas somente a vingança? Daí a lapidação, forma de punição que evita o contato com o maldito. Mas também a necessidade de um terceiro para acusar (o promotor público) e punir (o carrasco). Donde o juiz não ser nunca uma simples máquina de fazer silogismos (subsunção). Do nascimento à morte, o homem reedita a maldição do maldito, hora oferecendo a justiça, hora oferecendo apenas a vingança.

 

 

 

 


 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

 

-https://www.editorajc.com.br/justica-nao-e-vinganca/

 

 

-http://genjuridico.com.br/2019/08/13/justica-e-vinganca/

 

 

-https://avlanz.jusbrasil.com.br/artigos/125585160/justica-x-vinganca

 

 

 

 

 

 

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