COMENTÁRIOS DO BLOG
BERAKASH: “Se Lutero dizia que a razão é a prostituta do diabo, a Igreja
Católica afirma que a fé a razão são as duas asas que Deus nos deu para
chegarmos até ele.” - Fideísmo (do latim
fides, fé) é uma doutrina religiosa que prega que as verdades metafísicas,
morais e religiosas, como a existência de Deus, a justiça divina após a morte e
a imortalidade, são inalcançáveis através da razão, e só serão compreendidas
por intermédio da fé. Foi condenado pela Igreja Católica, pelo seu líder à
época, o Papa Pio IX, no século XIX por meio do concílio Vaticano I.Os
fideístas procuram se esquivar de qualquer tipo de argumentação para que possam
apoiar sua fé em Deus sem qualquer tipo de racionalização. Porém, esta corrente
teológica é flagrada em aparente contradição quando utiliza a própria razão
para expor sua doutrina e depois negar seu emprego em questões de fé. A
principal critica ao fideísmo está relacionada a esta aparente contradição,
como diz Norman Geisler:“Se alguém não tem
razão para não usar a razão, então essa posição é indefensável. Não há razão
para que se aceite o fideísmo”.A ideia central do
fideísmo é que as questões religiosas não podem ser justificadas por meio de
argumentos ou provas, mas apenas pela fé. Os fideístas mais radicais, como o
filósofo dinamarquês Kierkegaard, defendem que justificar a nossa crença em
Deus é impossível, pois a natureza divina está além de nossa compreensão, e
também uma opção indesejável, pois ao fazê-la retiramos parte da essência da
fé, que seria acreditar mesmo sem provas. Este tipo de fideísmo é muitas vezes
qualificado como uma forma de irracionalismo (negação da razão). Por outro
lado, Blaise Pascal e Santo Agostinho defendem uma forma mais moderada de
fideísmo segundo a qual, apesar de a fé ter um estatuto privilegiado em
matérias religiosas, podemos apelar à razão para a fundamentá-la.A Igreja
Católica condenou o fideísmo porque dentro da crença católica defende-se a
existência de uma faculdade especial, partilhada por poucos e determinada pela
fé, destinada à interpretação dos mistérios.
Apresentamos
as palavras de Bento XVI durante a catequese realizada na tradicional Audiência
Geral na sala Paulo VI, no Vaticano:
Queridos irmãos e irmãs,
“Continuamos avançando neste Ano da Fé carregando no
coração a esperança de redescobrir a grande alegria que existe no ato de
acreditar, bem como a esperança de reencontrar o entusiasmo para comunicar a
todos as verdades da fé. Verdades que não são uma simples mensagem sobre Deus,
uma informação a seu respeito. Verdades que expressam o evento do encontro
de Deus com os homens, encontro salvífico e libertador, que realiza as
aspirações mais profundas do homem, o seu anseio de paz, fraternidade e amor.
A fé nos leva a descobrir que o encontro com Deus
melhora, aperfeiçoa e eleva o que há de verdadeiro, de bom e de belo no homem.
Acontece, portanto, que, enquanto Deus se revela e se deixa conhecer, o homem
vem a saber quem é Deus e, conhecendo-o, descobre a si mesmo, a sua origem, seu
destino, a grandeza e a dignidade da vida humana.
A fé permite um conhecimento autêntico de Deus, que
envolve toda a pessoa: é um saber no sentido latino de “sàpere” [degustar], um conhecimento que dá “sabor” à vida, um
novo sabor de existir, uma maneira alegre de estar no mundo. A fé se exprime no
dom de si mesmo aos outros, na fraternidade que nos torna solidários, capazes
de amar, vencedores da solidão que nos deixa tristes.
Esse conhecimento de Deus através da fé não é,
portanto, só intelectual, mas vital.É o conhecimento do Deus-Amor, graças ao
seu próprio amor. O amor de Deus nos mostra, nos abre os olhos, nos permite
conhecer toda a realidade, indo além das perspectivas estreitas do
individualismo e do subjetivismo, que desorientam as consciências. O
conhecimento de Deus é uma experiência de fé, que implica, ao mesmo tempo, um
caminho intelectual e moral: profundamente tocados pela presença do Espírito de
Jesus em nós, superamos os horizontes do nosso egoísmo e nos abrimos para os
verdadeiros valores da existência.Hoje, nesta catequese, quero focar na
razoabilidade da fé em Deus.
A
tradição católica, desde o início, rejeitou o assim chamado fideísmo, que é a
vontade de acreditar contra a razão. Credo quia absurdum (creio porque é absurdo) não é a fórmula que
interpreta a fé católica. Deus não é um absurdo: em todo caso, é um mistério. O mistério, por
sua vez, não é irracional: ele é um excesso de sentido, de significado, de
verdade. Se, ao olhar para o mistério, a razão vê o escuro, não é porque não
haja luz no mistério, mas sim porque há luz demais. Assim como, quando os olhos
de um homem se dirigem diretamente para o sol, eles veem apenas escuridão. Mas
quem diria que o sol não é brilhante? Quem diria que ele não é a fonte da luz?
A fé nos permite olhar para o “sol”, Deus, porque é o acolhimento da sua
revelação na história e, por assim dizer, recebe realmente todo o brilho do
mistério de Deus, reconhecendo o grande milagre: Deus veio até o homem, se
ofereceu ao seu conhecimento, condescendendo à limitação natural da razão
humana (cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Dei Verbum, 13).
Ao mesmo tempo, com a sua graça, Deus ilumina a
razão, lhe abre novos horizontes, imensuráveis e infinitos. A fé, por isto, é
um forte incentivo para buscarmos sempre, para nunca pararmos nem nos
acomodarmos na busca incansável da verdade e da realidade. É vão o preconceito
de alguns pensadores modernos, que afirmam que a razão humana seria bloqueada
pelos dogmas de fé. É exatamente o oposto, como os grandes mestres da tradição
católica mostraram.
Santo
Agostinho, antes da sua conversão, procura pela verdade com grande inquietação,
através de todas as filosofias disponíveis, achando todas insatisfatórias. Sua
meticulosa procura racional é para ele uma pedagogia significativa para o
encontro com a Verdade de Cristo. Quando ele diz “compreende para crer e crê
para compreender” (Discurso 43, 9: PL 38, 258), é como se estivesse contando a
sua própria experiência de vida. Intelecto e fé, diante da revelação divina,
não são estranhos nem antagonistas; são, ambos, condições para compreendermos o
seu significado, para recebermos a autêntica mensagem, aproximando-nos do
limiar do mistério.Santo Agostinho, junto com muitos outros autores cristãos, é
testemunha de uma fé que se exercita com a razão, que pensa e convida a pensar.
Neste caminho, Santo Anselmo dirá em seu Proslogion que a fé católica é fides quaerens intellectum, e que a busca da inteligência é um
ato interior do acreditar. Será especialmente São Tomás de Aquino quem lidará
com a razão dos filósofos, mostrando a força fecunda e nova da vitalidade
racional que inunda o pensamento humano a partir dos princípios e das verdades
da fé cristã.
A fé católica é razoável e tem confiança na razão
humana. O concílio Vaticano I, na constituição dogmática Dei Filius, disse que a razão é capaz
de conhecer com certeza a existência de Deus através da criação, e que apenas a
fé tem a oportunidade de conhecer “facilmente, com certeza absoluta e sem erro
“(DS 3005) as verdades sobre Deus, à luz da graça. O conhecimento da fé, ainda,
não é contrário à razão.
O
beato papa João Paulo II, na encíclica Fides et ratio, resume: “A razão humana não é anulada nem
humilhada quando presta assentimento aos conteúdos de fé, que são, em qualquer
caso, alcançados por livre e consciente escolha” (número 43).
No irresistível desejo da verdade, só a relação
harmoniosa entre a fé e a razão é o caminho certo que conduz a Deus e à
realização de si mesmo.Esta doutrina é facilmente reconhecível em todo o Novo
Testamento. São Paulo, escrevendo aos coríntios, sustenta: “Enquanto os judeus
pedem sinais e os gregos buscam a sabedoria, nós pregamos o Cristo crucificado,
escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Cor 1,22-23 ).
Deus, de fato, salvou o mundo não por um ato de
poder, mas através da humilhação do seu Filho único: de acordo com os padrões
humanos, o modo incomum escolhido por Deus contradiz as exigências da sabedoria
grega. No entanto, a cruz de Cristo tem sua razão, que São Paulo chama de logos tou staurou, a palavra da cruz
(1 Co 1,18). Aqui, o termo logos
indica tanto a palavra quanto a razão, e, se alude à palavra, é porque expressa
verbalmente processos que a razão elabora.
Paulo,
assim, vê na cruz não um evento irracional, mas um fato da salvação, que tem
uma racionalidade própria, reconhecível à luz da fé. Ao mesmo tempo, ele tem
tanta confiança na razão humana que se maravilha de que muitos, mesmo vendo as
obras realizadas por Deus, se obstinem em não acreditar nele. Diz ele em sua
carta aos romanos: “Os atributos invisíveis [de Deus], ou
seja, o seu eterno poder e a sua natureza divina, são
contemplados e compreendidos na criação do mundo através das
obras das suas mãos” (1,20).
Também São Pedro exorta os cristãos da diáspora para
adorarem “o Cristo Senhor em vossos corações, sempre prontos a responder a todo
aquele que vos pedir razões da esperança que habita em vós” (1 Pe 3,15). Em um
clima de perseguição e de forte necessidade de testemunhar a fé, os crentes são
convidados a justificar a sua adesão à palavra do evangelho, a dar razão da sua
esperança.
É nesse terreno, de ligação frutuosa entre o
compreender e o acreditar, que está enraizada ainda a relação virtuosa entre
ciência e fé. A pesquisa científica leva ao conhecimento de verdades sempre novas
sobre o homem e sobre o cosmos, conforme sabemos. O verdadeiro bem da
humanidade, que é acessível pela fé, abre o horizonte para a sua jornada de
descoberta. Devem ser incentivadas, portanto, as pesquisas a serviço da vida,
que visam erradicar a doença. Também são importantes as investigações sobre os
segredos do nosso planeta e do universo, na consciência de que o homem é a
coroa da criação, não com o fim de explorá-la insensatamente, mas de
preservá-la e torná-la habitável.Assim, vivida na verdade, a fé não entra em
conflito com a ciência, mas coopera com ela, oferecendo critérios básicos para
que ela promova o bem de todos, e lhe pede renunciar apenas às tentativas que,
em oposição ao plano original de Deus, podem produzir efeitos que se voltam
contra o próprio homem.
Por
isso mesmo, é razoável acreditar: se a ciência é uma aliada valiosa para a
compreensão do plano de Deus no universo, a fé permite que o progresso
científico aconteça sempre em prol do bem e da verdade do homem, permanecendo
fiel a esse mesmo plano.
É por isso que é crucial para as pessoas abrir-se à
fé e conhecer a Deus e o seu plano de salvaçãoem Jesus Cristo. O evangelho
inaugura um novo humanismo, uma autêntica “gramática” do homem e de toda a
realidade.
O
Catecismo da Igreja Católica afirma: “A verdade de Deus e a sua sabedoria
sustentam a ordem da criação e do governo do mundo. Deus, o único que “fez o
céu e a terra” (Sl 115,15), pode dar, somente ele, o verdadeiro conhecimento de
cada coisa criada na relação com ele” (número 216).
Esperamos, portanto, que o nosso compromisso na
evangelização ajude a dar nova centralidade ao evangelho na vida de muitos
homens e mulheres do nosso tempo. E oramos para que todos reencontrem em Cristo
o sentido da vida e o fundamento da verdadeira liberdade: sem Deus, o homem se
perde. Os testemunhos daqueles que vieram antes de nós e que dedicaram a vida
ao evangelho o confirma para sempre.
É
razoável acreditar, pois o que está em jogo é a nossa existência. Vale a pena
nos desgastarmos por Cristo. Só ele satisfaz os desejos de verdade e de bem
enraizados na alma de cada homem: agora, no tempo que passa, e no dia sem fim
da eternidade bem-aventurada.”
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