"Como
Maria a irmã de Marta, eles escolheram a melhor parte, que não lhes será retirada!" (Lucas 10,42)
Há alguns anos o filme “O Grande Silêncio” causou
grande impacto no público. Revelou um pouco sobre a vida dos cartuxos, mas só
um pouco, porque a mudez do filme deixou os espectadores com muitas perguntas
no ar. Quem são esses monges vestidos com grosseiros
hábitos brancos? Que sentido tem essa vida retirada e silenciosa, tão diferente
da vida dos sacerdotes e religiosos dedicados à vida pastoral, ao ensino, às
missões, inseridos no mundo? Os cartuxos defendem com
firmeza o seu silêncio e retiro do mundo para poder viver seu carisma próprio e
especial, por isso fogem da publicidade e raramente concedem entrevistas aos
meios de comunicação. Não é de se adimirar que sejam tão pouco conhecidos. Apesar de tudo, a vida solitária dos cartuxos
sempre atraiu homens famintos do Infinito, desejosos de viver ocultos aos olhos
do mundo, consagrando a sua existência totalmente a Deus no silêncio e na
solidão de um ermo. Santos como Inácio de Loyola, João da Cruz e
outros, sentiram o desejo de ingresar em uma cartuxa. E a Cartuja continua despertando interesse em não
poucas pessoas de fé que se sentem atraídos por uma vida de fé singela,
centrada no essencial. Recolhemos aqui as perguntas que há alguns anos o
Pe. Rosendo Roig, jesuíta, planejou para os cartuxos de Miraflores (Burgos,
Espanha). Também, aproveitamos para adicionar outras perguntas que os aspirantes
costumam nos fazer em suas cartas e em seus retiros vocacionais. Esperamos que
estes simples diálogos sirvam de orientação aos jovens desejosos de saber mais
sobre o carisma e a vida diária dos cartuxos.
- Quando um jovem aspira ingressar na Cartuxa...
- Normalmente nos escreve.
- A quem se dirige?
- Normalmente ao Pe. Prior.
- E quem lhe responde?
- O Pe. Mestre de noviços lhe manda uma carta
incluindo um opúsculo informativo que dá uma ideia geral sobre as observâncias
e exigências da vocação cartusiana. Hoje a maior parte dos aspirantes se dirige
a nós por e-mail.
- E depois?
- Se responde e persiste em seu propósito, depois
de recebermos informações favoráveis da parte de algum sacerdote que o conheça,
o aspirante é convidado a passar uns dias de experiência na Cartuxa.
- Como passará esses dias?
- Para que a experiência seja mais proveitosa, ele
vive em uma cela do claustro e segue os mesmos horários da Comunidade.
- Essa experiência esclarece alguma coisa?
- Depois de vários dias o aspirante terá uma ideia
bastante aproximativa da vida que deseja abraçar.
- Quem se ocupa dele durante esses dias?
- O Pe. Mestre de noviços o visita com frequência,
e com ele o aspirante fala amistosamente sobre a vocação e tudo o que está
relacionado a esta.
- Qual é precisamente a finalidade desse diálogo?
- Aprofundar a espiritualidade cartusiana para
ajudar o aspirante a descernir a sua vocação.
- Que motivações não seriam válidas para ser monge
cartuxo?
- As desilusões da vida, o desejo de uma vida
tranquila, sem problemas, em geral qualquer motivo egoístico. O único motivo
válido é a busca dos valores que não passam, a busca mais ou menos claramente
percebida (ou ao menos pressentida) de Deus. Procuramos analisar a vocação com
o máximo de discrição e paciência.
- Com que idade se pode entrar na Cartuxa?
- Tende-se a desaconselhar cada vez mais o ingresso antes dos 21 anos.
- Dos 21 até que idade?
- Sem a autorização especial do Capítulo Geral ou
do Reverendo Padre, que é o Superior Geral da Ordem, não se pode receber
ninguém que já tenha 45 anos.
- E a autorização é concedida?
- Se a idade não supera muito os 45 anos pode ser
concedida, mas só depois de ter feito uma experiência especial de três ou
quatro meses antes de ser admitido como aspirante.
- Por que essa experiência?
- Porque nessa idade a adaptação às observâncias da
Cartuxa é mais difícil e é preciso ver claramente se o candidato é capaz de
adaptar-se antes de ser admitido como aspirante.
- E quanto à saúde, o que exige a Cartuxa?
- Antes da admisão, nossos Estatutos aconselham
“consultar médicos prudentes que conheçam bem o nosso gênero de vida”. Pequenos
desequilíbrios psíquicos que em outro lugar passariam quase despercebidos
encontram na solidão da Cartuxa uma caixa de resonância que, aqui, impediriam
de viver uma vida normal. Hoje os exames médicos são obrigatórios antes do
Noviciado e da Profissão.
- Quanto ao caráter, o que exige?
- A vocação à solidão da Cartuxa exige uma vontade
determinada e um juízo equilibrado.
- Então os caráteres tranquilos levam vantagem
sobre os temperamentos nervosos?
- Nem sempre. Os temperamentos nervosos também
podem se adaptar bem à Cartuxa.
- Sintetizando, qual é a qualidade essencial que se
requer para ingressar na Cartuxa?
- Como a vida do cartuxo é uma vida de oração,
dificilmente se admite a quem não sinta atração pelo recolhimento e pela
oração. Na vida contemplativa nenhuma qualidade, por excelente que seja, pode
suprir o espírito de piedade.
- Qual é especificamente a missão do Pe. Mestre de
noviços?
- Dirigir a formação dos noviços, ajudá-los em suas
dificuldades e nas “tentações que costumam insiditar os discípulos de Cristo no
deserto”.
- Na Cartuxa se segue algum método específico de
oração?
- Normalmente o noviço cartuxo começa sua
aprendizagem nos caminhos da oração através da “lectio divina”. Este método de
oração tradicional na vida monástica, sintetizado por Guigo II, o Cartuxo,
consiste em ler pausadamente uma passagem da Sagrada Escritura e “ruminá-lo”
lentamente. Depois, em silêncio, pode-se servir de sentimentos de
agradecimento, de louvor, de contrição, que tal texto fez surgir dentro de nós
para transformá-lo numa oração ao Senhor. Quando esse texto já não nos diz nada
de especial, ou quando sobrevêm as distrações, volta-se a ler uma outra
passagem, deixando-a descer ao coração. Este método de oração é muito simples e
reduz notavelmente as distrações. Todo o ambiente da Cartuxa faz com que o
monge se deixe possuir pela oração.
- Vocês dão muita importância à formação na vida de
oração?
- Não poderia ser diferente. É importante que a
oração do noviço tenda a simplificar-se, transformando-se num olhar singelo e
amoroso ao Senhor, ainda que se trate apenas dos primeiros graus dessa oração
de “simples olhar” ou de “quietude”, é conveniente que o noviço chegue a
saborear a oração contemplativa. O mestre de noviços deve educá-lo com muita
prudência à contemplação, consciente de que esta é a meta da oração.
- Não é exigir demais de um simples noviço?
- Normalmente se um noviço recebe a graça da experiência
contemplativa de Deus, por mais simples e curta que seja, já estará preparado
para superar os momentos de desânimo ou aridez e as crises que não costumam
faltar, principalmente no tempo de noviciado. Viver habitualmente na presença
de Deus, em relação continua e orante com a Sua Palavra no Ofício Divino, a
liturgia das Horas, e nos momentos dedicados à “lectio divina”, vão arrancando
o “homem velho” que dorme no fundo de cada um. O jovem monge vai se livrando da
tirania dos sentidos e das paixões, do forte reclame do mundo sensível, do qual
sinceramente se despediu ao entrar na Cartuxa, mas que continua alí, agarrado
em seu interior. Vai superando assim a dispersão dos sentidos, a
superficialidade, a inconstância, e toda a sua vida vai sendo penetrada quase
imperceptivelmente da proximidade de Deus. Então, no recolhimento e no silêncio
interior que invadem seu espírito, lhe são quase conaturais os sentimentos de
adoração, de gratidão e de alegria espiritual. Se faltasse esse pilar da oração
contemplativa, a vocação estaria sempre exposta ao desânimo, aos vaivéns dos
sentimentos mutáveis, ao cansaço, à aridez e falta de gosto pelas coisas
espirituais: muitas vezes são essas as causas que estão na raiz da maioria dos
casos de abandono da vida monástica.
AS
ETAPAS DO CAMINHO: MONGES DO CLAUSTRO?
1.
O Postulantado
- Suponhamos que um aspirante a monge cartuxo tenha
dado sinais de verdadeira vocação, no parecer dos Superiores da Cartuxa. O que
se faz?
- Recebe-se o jovem como postulante.
- O que é Postulantado?
- É o período de prova que prepara para o
Noviciado.
- Quanto tempo dura?
- De seis meses a um ano.
- Que tipo de vida leva o postulante?
- Uma vida muito parecida com a dos monges.
- Exatamente igual?
- São-lhe concedidas certas dispensas com o
objetivo de que sua adaptação à nova vida seja gradual.
- Como se veste?
- Como secular, mas nos atos comunitários usa um
manto preto.
- No que o postulante ocupa o tempo?
- Nos momentos não consagrados à oração, se dedica
a formar-se no espírito da Cartuxa, aprende as cerimônias litúrgicas e estuda
latim.
- Latim?
- É, latim.
- Demora muito para aprender o latim?
- Normalmente, depois de alguns meses de esforço, o
postulante consegue adquirir modestos conhecimentos que lhe permitem entender
os livros litúrgicos.
2.
O Noviciado
- Suponhamos que, concluídos os meses de
postulantado, a conduta do candidato tenha sido adequada...
- Se a Comunidade lhe dá voto favorável, é admitido
para o Noviciado.
- Quanto dura o Noviciado?
- Dois anos.
- O que faz o noviço durante o primeiro ano?
- Ele se forma na vida espiritual, aplicando-se ao
estudo da liturgia e das observâncias cartusianas.
- E no segundo ano?
- Começa os estudos que o preparam para o
Sacerdócio: dois anos e meio de Filosofia e três anos e meio de Teologia.
- E onde cursa esses estudos?
- Devido à vocação eremítica da Cartuxa, esses
estudos têm lugar na solidão da cela.
- Mas como?
- Duas vezes por semana os estudantes vão à cela de
um cartuxo conhecedor das matérias estudadas. Alí prestam contas de seus
estudos e pedem as explicações necessárias. O cartuxo professor resolve as
dificuldades que eles possam ter encontrado. Também, é comum recorrer a
professores de fora para assegurar melhor a formação teológica dos alunos.
- Como os noviços se vestem?
- Portam um hábito igual ao dos monges que já
fizeram profissão, mas a cógula é curta e sem as faixas laterais.
- O que são as faixas laterais?
- São duas tiras de tecido que unem a parte da
frente e a parte de trás da cógula. Os noviços continuam a usar o manto preto
nos atos comunitários.
3.
A Profissão temporal
- Passados os dois anos, a Comunidade deu seu voto
favorável. O que acontece com o noviço?
- Ele chega à Profissão temporal.
- Por que “temporal”?
- Porque ele emite os votos de estabilidade,
obediência e conversão de costumes por três anos somente.
- Quais são os efeitos da Profissão temporal?
- Por ela, o “jovem professo” é definitivamente
inscrito nos registros da Cartuxa onde emitiu os votos. Os anos de antiguidade
na Ordem passam a contar a partir dessa primeira Profissão.
- E o Noviciado acabou?
- O jovem professo continua a ser membro do
Noviciado como um noviço. O Pe. Mestre de noviços dirige a sua formação
espiritual. Mas, no curso desses três anos, continua seus estudos eclesiásticos
e aprofunda mais a formação espiritual iniciada no Noviciado.
- E passados os três anos?
- O jovem professo renova os votos por mais dois
anos. A diferença é que nesses dois anos viverá com os professos de votos
solenes, experimentando assim plenamente a vida que pensa em abraçar para o
resto da vida.
- Continua estudando?
- No último ano habitualmente interrompe os estudos
para dedicar-se mais plenamente à oração e à solidão da cela.
4.
A Profissão solene
- Já se passaram sete anos e enfim chegou a tão
desejada hora da consagração definitiva! Dia importante para um cartuxo?
- É o maior acontecimento na vida de um cartuxo
juntamente com a Ordenação ao Sacerdócio.
- A que ele se compromete?
- A viver para sempre e exclusivamente para o
louvor de Deus! A Profissão solene é fruto de uma longa corrente de graças às
quais o candidato correspondeu generosamente com a sua fidelidade diária.
- O que acontece depois da Profissão solene?
- Sob certos aspectos esta é mais um começo! O
monge cartuxo em um ato sublime se consagrou a Deus. Agora tem de viver essa
consagração dia a dia. O Sacerdócio conferido ao terminar os estudos coroa a
Profissão.
- Que sentimentos preenchem a alma do cartuxo no
dia de sua Profissão solene?
- Acho que os mesmos que, com acento lírico,
expressou nosso Pai São Bruno na carta aos Irmãos de Chartreuse: “Alegrai-vos, pois, meus caríssimos irmãos, por
vossa feliz sorte e pela abundância de graças que Deus derramou sobre vós.
Alegrai-vos por terdes escapado dos muitos perigos e naufrágios do tempestuoso
mar do mundo. Alegrai-vos por terdes alcançado o refúgio tranquilo e seguro do
porto mais escondido. Muitos gostariam de alcançá-lo, muitos até se esforçam
para chegar até ele, sem o conseguir. E muitos outros, depois de tê-lo
alcançado, dele são excluídos, porque a nenhum deles se lhes havia concedido do
alto. Portanto, meus irmãos, tende por certo que quem
quer que tenha desfrutado de tão grande bem, e por um motivo ou outro o perde,
lastimar-se-á por toda a vida”.
OS IRMÃOS CARTUXOS
- Sempre houve Irmãos na Cartuxa?
- Quando São Bruno se retirou ao deserto de
Chartreuse, dois de seus companheiros eram leigos: Andrés e Guérin. Foram eles
os primeiros Irmãos da Ordem. Sim, sempre houve Irmãos na Cartuxa. Com pequenas
variações, o número de Irmãos na Ordem Cartusiana permaneceu durante séculos
como na atualidade: sete ou oito Irmãos para cada dez Padres.Os Monges do Claustro e os Irmãos são duas formas
distintas de conjugar uma mesma vocação. Uns e outros compartilham sob formas
complementares a responsabilidade da missão que incumbe às comunidades
cartusianas: fazer com que exista no seio da Igreja uma família de solitários.
- Explique...
- Os monges do claustro vivem em suas celas a maior
parte do dia.
- E os Irmãos?
- Mesmo participando da mesma vocação solitária que
os Padres, eles a realizam de uma forma distinta.
- Como?
- Os Irmãos empregam certo tempo ao trabalho manual
fora de suas celas assumindo as tarefas materiais do mosteiro.
- Fale-me mais sobre os Irmãos.
- Os Irmãos cartuxos, desde o começo até hoje, têm
impressionado por sua estabilidade e seu elevado nível espiritual. Têm na
Cartuxa um lugar próprio perfeitamente definido.
- E a que se deve isso?
- À vigilância dos Capítulos Gerais, à proximidade
do Prior e do Procurador – que é o monge encarregado dos assuntos materiais do
mosteiro –, mas sobretudo ao clima espiritual de silêncio e solidão do qual os
Padres e os Irmãos participam igualmente, ainda que segundo modalidades distintas.
- Qual é a formação de um Irmão cartuxo?
- É um caminho parecido ao dos monges do claustro.A duração do Postulantado varia e depende em boa parte da formação espiritual
do candidato: pode durar de seis meses a um ano. Se a conduta do postulante
deixa entrever uma vocação autêntica, após a votação da Comunidade ele é
admitido ao Noviciado de Converso. Sua duração é de dois anos.
- Quem é o Pe. Mestre dos Irmãos?
- Tradicionalmente seria o Pe. Procurador, mas
ultimamente é comum que seja o mesmo dos monges do claustro. O Pe. Mestre os
dirige na formação e os ajuda a superar as provas e dificuldades que encontram
no caminho.
- Quando termina satisfatoriamente o Noviciado, o
que faz?
- O Irmão faz sua primeira Profissão por três anos.
A partir desse momento, ele fica constituído como membro da Ordem. No final
desses três anos, o converso temporal renova seu compromisso por mais dois
anos. Durante todo esse tempo continua sob a direção do Padre Mestre.
- Então, para chegar a ser Irmão cartuxo são
necessários sete anos de formação.
- Isso! E terminados os sete anos de formação chega
o momento tão desejado de consagrar-se definitivamente a Deus através dos votos
solenes. A cerimônia da Profissão acontece assim: durante a Missa conventual
ele lê a fórmula da Profissão. Depois a deposita sobre o altar como símbolo de
sua entrega a Deus.
- Os Irmãos recebem uma formação especial?
- A formação é sólida, adaptada ao seu estado. A
Ordem dispôs para eles o que hoje chamamos “formação permanente”. Quer dizer,
durante os primeiros 7 anos de suas vidas como cartuxos, orientados pelo Pe.
Mestre, dedicam um tempo todos os dias ao estudo da Bíblia, de Teologia,
Liturgia, Espiritualidade... Esta formação se adapta a cada Irmão. Ao longo de
suas vidas podem continuar estudando.
- O que os Irmãos lêem?
- Eles têm à sua disposição a Biblioteca da Casa.
As seções de Espiritualidade e Vidas de santos são as que mais frequentam.
- Quantas horas por dia trabalha um Irmão?
- Normalmente cinco, distribuídas entre a manhã e a
tarde, mas durante o período de formação são reduzidas para que possam dedicar
mais tempo à própria formação.
- Em que consiste o trabalho na Cartuxa?
- Antes de tudo é bom sublinhar que o trabalho dos
Irmãos é um trabalho monástico. Eles não são empregados cuja principal razão de
ser é a de fazer funcionar o mosteiro. Quando dizemos que o seu trabalho é um
trabalho monástico queremos dizer que se trata de um ato religioso que os ajuda
a progredir na prática das virtudes e que os aproxima de Deus.
- Como conseguem em pleno trabalho conservar o
espírito de oração e de solidão?
- Os Estatutos da Ordem aconselham a recorrer,
durante o trabalho, a breves impulsos em direção a Deus (chamados “orações
jaculatórias”). Pode-se também interromper o trabalho para um breve momento de
oração.
- Os cartuxos trabalham em grupo?
- Procura-se, na medida do possível, que cada um
trabalhe individualmente na obediência que lhe foi confiada.
- É importante o silêncio?
- Sim, é muito importante o silêncio durante o
trabalho. Nossos Estatutos dizem: «Só o recolhimento durante o trabalho
conduzirá o Irmão à contemplação».
- Tanta concentração espiritual não atrapalha a
eficácia do trabalho?
- Normalmente não. Em seu espaço de trabalho, o Irmão
tem liberdade e iniciativa. E a dedicação e o interesse por seu trabalho
costumam transformar os Irmãos Cartuxos em verdadeiros especialistas.
- E a oração “oficial”, a oração litúrgica, como é
regulada para eles?
- É como a dos monges do claustro, através da
oração das Horas canônicas, ainda que um pouco reduzida.
- Os Irmãos suprem as Horas canônicas com alguma
coisa?
- Frequentemente os Irmãos preferem rezar
determinado número de Pai-Nossos e Ave-Marias por cada Hora do Ofício Divino.
Assim era antigamente.
- Quando eles participam da Missa?
- Podem participar da Missa celebrada pelo Pe.
Procurador, bem cedo. E, se preferem, podem assistir à Missa conventual com os
Padres.
- Como vocês não tomam café da manhã, o que fazem e
onde ficam os Irmãos entre a Missa e a hora do trabalho?
- Em suas celas, dedicados à oração e à leitura
espiritual.
- E quando acaba o trabalho?
- Ao meio-dia, antes do almoço, fazem uma visita de
quinze minutos ao Santíssimo.
- E à tarde?
- Frequentemente interrompem o trabalho para ir à
igreja celebrar as Vésperas com os Padres, mesmo não sendo obrigados.
- A que horas acaba o dia de trabalho?
- Às seis e meia. Antes de jantar, alguns
aproveitam para fazer outra visita de quinze minutos ao Santíssimo.
- E depois do jantar?
- Fazem as orações que fecham o dia cartusiano e
vão dormir.
- A que horas?
- Até as oito da noite.
- E a que horas se levantam?
- À meia-noite, para celebrar as Matinas com os
Padres.
- E voltam a dormir?
- Sim, até as duas da manhã, antes dos Padres, pois
não são obrigados a assistir às Laudes, salvo em dias festivos.
- E ao chegar na cela, o Irmão volta a dormir?
- Não imediatamente. Ao chegar na cela, dedica
quinze minutos à chamada “oração materna”, que o faz tomar consciência de seu
papel de intercessor. Prostrado no chão, expõe lentamente ao Senhor as
necessidades da Igreja e do mundo. Ninguém fica excluso das intenções dessa
oração: desde o Papa até o último pecador oculto na noite enquanto descansam
seus irmãos, os homens.
OS ASPECTOS MAIS CARACTERÍSTICOS DA ESPIRITUALIDADE CARTUSIANA?
Deus só!
- Diferentemente das ordens religiosas de vida
apostólica, que se dedicam à pregação, ao ensino, ao cuidado dos enfermos etc.,
a que se dedica a Ordem Cartuxa?
- Nossa missão na Igreja é o que tradicionalmente
se chama de “vida contemplativa”.
- O que é, então, a vida contemplativa para um
cartuxo?
- Um mistério que se aproxima do mistério de Deus,
de cuja grandeza e incompreensibilidade ela participa de certa forma. Mais além
do cuidado pelas coisas do mundo; mais além, inclusive, de todo ideal humano e
da própria perfeição, o monge cartuxo busca a Deus. Ele vive só para Deus,
dedicado de corpo e alma a louvar a Deus. Este é o segredo da vida puramente
contemplativa: viver só para Deus, não desejar mais que a Deus, não querer
saber de outra coisa senão de Deus e não possuir mais que a Deus. Aquele que
reconhece a Deus como o Bem supremo, compreederá o valor dessa vida de
consagração radical que é a vida do cartuxo.
- É um lindo ideal.
- É, mas esse lindo ideal exige um clima adequado
para acontecer.
- E qual é o clima adequado?
- As nossas usanças e observâncias criam esse clima
e revelam assim o seu sentido. Consideradas isoladamente, sem relação com o seu
fim, seriam incompreensíveis e não passariam de um monte de práticas estranhas.
- Vejamos...
A solidão e o silêncio
- Qual é a palavra que mais se repete na Cartuxa?
- Se alguém se desse ao trabalho de buscar o
vocábulo mais repetido nas páginas de nossos Estatutos, seriam certamente as
palavras “solidão” e “silêncio”.
- Sua espiritualidade têm algum slogan?
- A espiritualidade cartusiana é a espiritualidade
do deserto.
- É uma tradição?
- Assim afirmam nossos Estatutos quando dizem: “Os
fundadores de nossa Ordem seguiam uma luz vinda do Oriente, a dos antigos
monjes que, consagrados à solidão e à pobreza de espírito, povoaram os desertos
numa época em que a lembrança ainda viva do sangue derramado pelo Senhor ainda
ardia em seus corações”.
- Essa espiritualidade lhes é própria, ou tem
fundamentos em outro lugar?
- A Sagrada Escritura e a tradição da Igreja
oferecem argumentos para colocar a vida solitária acima de qualquer outra
vocação.
- Apesar de reconhecer que a solidão é somente um
meio, vocês lhe tributam um verdadeiro culto. Por quê?
- Porque, como dizem muito bem os nossos Estatutos,
citando Dom Guigo, quarto sucessor de são Bruno no eremitério Chartreuse, a
solidão é o meio mais apto para a união com Deus: “o gosto pela salmodia, a
aplicação à leitura, o fervor da oração, a profundidade da meditação, a
elevação da contemplação e o dom das lágrimas, não podem encontrar ajuda mais
poderosa que a solidão”.
- Então essa importância que a Cartuxa dá à solidão
tem alguma repercussão na estrutura jurídica da Ordem?
- Toda a legislação da Cartuxa tende a conservar e
favorecer essa solidão e esse silêncio, que são os traços mais marcantes da
espiritualidade do deserto e da espiritualidade cartusiana.
- Pode me indicar alguns aspectos de seus Estatutos
sobre a vida de solidão do cartuxo?
- Os Estatutos proibem ao cartuxo, por exemplo,
pregar, confessar e fazer acompanhamento espiritual, coisas em si excelentes,
mas que não estão na linha da vocação eremítica.
- Tanta rigidez não poderia assustar a Igreja
Católica contemporânea?
- Ao contrário, isto é precisamente o que a Igreja
pede hoje ao cartuxo. O Concílio Vaticano II disse claramente que o dever dos
contemplativos é “ocupar-se só de Deus na solidão e no silêncio... por mais
urgente que seja a necesidade de apostolado ativo” (Perfectae Caritatis, 7).
Talvez seja “silêncio” a palavra de que mais necessita o mundo hoje.
- Vocês, os cartuxos, defendem sua vocação
contemplativa com a solidão, mas como conseguem se livrar da invasão dos meios
de comunicação social?
- Para evitar esse perigo, na Cartuxa não há rádio,
nem televisão, e os Estatutos recomendam prudência com as leituras profanas.
- Então vocês vivem alheios ao mundo de hoje?
- Nossos Estatutos nos falam da necessidade de
“viver alheios aos barulhos do século”, como algo fundamental para a vida
solitária. Mas cabe ao Pe. Prior o cuidado de transmitir aos monges as notícias
que não seria bom que ignorassem, para que a comunidade possa apresentar ao
Senhor as necessidades de todos os homens.
- Essa observância dura e peremptória não corre o
risco de materializar a vida da Cartuxa?
- Toda a nossa legislação sobre o silêncio e a
solidão constitue a letra de nossas observâncias. Nelas o monge vê refletido o
clima propício para a nossa vocação eremítica, mas sabemos muito bem que isso
não é tudo e nem o principal.
- Em uma palavra, o que é necessário para um
cartuxo?
- Que se enamore da solidão para vivê-la em
intimidade com o Senhor.
- O cartuxo que é fiel a esses princípios é feliz?
- Sim, porque o monge que é fiel à sua vocação
comrpreende que Deus o chama a uma solidão e a um silêncio de espírito cada vez
mais profundos.
O repouso espiritual
- Solidão e silêncio cada vez mais profundos?
- Sim, a solidão exterior cria o ambiente propício,
necessário para que se possa desenvolver uma solidão mais perfeita, a solidão
interior.
- Em que consiste a solidão interior?
- Em um processo espiritual pelo qual a memória, o
entendimento e a vondade vão perdendo o interesse e o gosto pelas coisas
passageiras. Por sua vez, Deus começa a ser percebido como o único que pode
saciar as profundas aspirações do espírito. Só quando o cartuxo descobre,
admirado, que enfim é só Deus que o preenche, começa a ser um autêntico “monge”
contemplativo. Esta descoberta produz uma sensação de libertade e gozo interior
que é difícil expresar com palavras.
- Esta experiência é algo típico e exclusivo da
Cartuxa?
- Se trata de um processo espiritual já descrito na
espiritualidade dos antigos monges do deserto, tal como Antão, Pacômio,
Evágrio, e em geral nos místicos cristãos de todos os tempos.
- Como vocês, cartuxos, o concretizam?
- Acho que todo esse processo espiritual poderia
ser resumido em uma palavra muito cara a nosso pai São Bruno e aos primeiros
cartuxos: ”quies”, isto é, o repouso espiritual.
- Se entendo bem, isso significa que todo o
ambiente da Cartuxa tende a isso?
- A um clima de solidão e silêncio que elimina o
barulho perturbador dos desejos e imagens terrenos. Se trata de uma atenção
tranquila e sossegada da mente em Deus, favorecida pela oração e pela leitura
pausada. Chega-se assim a essa “quies”, ou “repouso” da alma em Deus. Esse
repouso divinizado, simples e gozoso faz com que o monge toque de alguma forma
a beleza da vida eterna.
- Que grau de contemplação é esse?
- Digamos que a “quies”, é a meta do cartuxo, é
onde anela chegar.
Fidelidade à Cruz
- Vocês têm a fama de serem muito penitentes!?
- Sobre o tema das penitências da Cartuxa, como
sobre tantos outros, existem as ideias mais estranhas. Para nós as penitências
são simples “meios para aliviar o peso da carne para poder seguir o Senhor mais
prontamente”, como dizem os nossos Estatutos.
- Mas você sabe que hoje em dia a penitência
individual não é considerada um meio infalível... Vivemos em um tempo de compreensão e diálogo.
- É, nos dias de hoje, a penitência e, em geral,
tudo o que supõe sacrifício e abnegação, é malvisto; costuma-se falar disso com
notável inconsciência. Todo o mundo acha razoável que um esportista se prive de
muitas coisas boas e submeta o seu corpo a duros treinamentos.
- Vocês, monges cartuxos, desejam viver segundo o
“homem novo” da Sagrada Escritura. Pode me dizer precisamente quais são as
penitências básicas?
- A separação do mundo, a ausência de notícias e de
passatempos... São privações que talvez custem mais aos noviços. Tem também o
sono dividido em dois tempos, a simplicidade no vestir, a frugalidade na
alimentação...
- O que vocês comem?
- Ao meio-dia almoçamos à base de hortaliças, peixe
ou ovos e fruta.
- Quando não fazem jejum, o que jantam?
- Nos dias em que não jejuamos, o jantar consiste
em dois ovos, ou o seu equivalente em peixe, e fruta.
- Quando fazem jejum?
- Os jejuns começam no dia 15 de setembro, um dia
depois da Exaltação da Cruz, e duram até a Páscoa, isto é, uns sete meses.
- Em que consiste o jejum?
- Em uma só refeição ao meio-dia. À tarde se faz um
lanche, geralmente pão e uma bebida.
- Na sexta-feira vocês têm um regime especial?
- Todas as semanas fazemos uma abstinência, em que
tomamos apenas pão e água. Geralmente é feita na sexta-feira, em memória da
Paixão do Senhor, mas se na semana ocorre alguma festa, essa abstinência é
feita nas vésperas da festa.
- Vocês comem carne?
- Tradicionalmente, desde os tempos de São Bruno,
jamais se come carne, nem se serve carne a ninguém nas Casas da Ordem.
- Os aspirantes e os noviços também são obrigados a
seguir todas essas práticas de jejum?
- A adaptação ao nosso gênero de vida requer tempo
e prudência. Por isso, os aspirantes e os noviços se iniciam progressivamente
em nossos usos e costumes, sob a vigilância do Pe. Mestre de noviços, que os
aconselha.
- E os doentes?
- Os nossos Estatutos dizem: “Se em alguma
circunstância ou com o passar do tempo um monge percebesse que alguma de nossas
observâncias supera as suas forças e, em vez de impulsioná-lo, o atrapalha na
sequela de Cristo, então, com confiança filial, trate do assunto com o seu
prior e com ele decida a medida oportuna para si, ao menos temporariamente”.
- É permitido fumar?
- O tabaco é proibido “por motivos de abnegação e
pobreza”.
- Resumindo...
- São esses os aspectos mais marcantes da ascese
cartusiana. A Ordem os julga suficientes e, com um grande senso de prudência,
ordena formalmente que “ninguém se entregue a práticas de penitência fora dos
indicados nos Estatutos sem o conhecimento e a aprovação da parte de seu
Prior”. A Cartuxa herdou de São Bruno sua moderação e seu equilíbrio. Em sua
carta ao amigo Raul, ele descreve com entusiasmo a amenidade das paisagens da
Calábria e, se seu amigo se admirara dessas expansões menos espirituais,
explica: “a nossa frágil mente, fatigada por uma austera disciplina e pela
aplicação às coisas espirituais, muitas vezes com essas coisas encontra alívio
e readquire vigor. Na verdade, o arco sempre tenso perde a força e torna-se
menos apto para o seu ofício”.
- Para concluir este tema, quais são os principais
traços do espírito cartusiano?
- A união com Deus, tender à oração contínua na
solidão e no silêncio, a “quies” (repouso contemplativo), a simplicidade de
vida, a austeridade: estes são os traços principais do espírito cartusiano, que
coincidem com as linhas mestras da espiritualidade do deserto.
AS PECULIARIDADES DA
CARTUXA?
1.
O monge "cartuxo é um eremita integrado em uma família" monástica!
- De tudo o que falamos até agora, posso perceber
que o que é mais característico na vida do cartuxo é viver na solidão e no
silêncio. Eu li em algum lugar que dentre todas as Ordens monásticas, pelo
menos no Ocidente, vocês são a que vive mais a vida eremítica mais puramente!?
- É provável. Já lhe disse que o cartuxo é antes de
mais nada um eremita que passa quase o dia todo em sua cela ou ermo. Esse é o
traço marcante da nossa identidade e o nosso carisma específico!
- Mas esse carisma de solidão da Cartuxa não corre
o risco de talvez obscurecer aspectos importantes e evangélicos como o amor e o
serviço ao próximo? Acho que foi Santo Agostinho que disse: “Como posso lavar
os pés dos meus irmãos se vivo trancado em um ermo?”.
- Essa frase é de São Basílio, pai do monaquismo
oriental! Mas não podemos esquecer que, na Igreja, como dizia São Paulo, os
membros não têm todos a mesma função! “A vida dos cartuxos é consagrada ao
louvor de Deus e à oração de intercessão por todos os homens”.
- E daí?
- Daí que, embora o nosso carisma específico não
preveja a assistência dos enfermos, nem a pregação, nem o ensino dos jovens, a
Cartuxa não é uma instituição puramente eremítica; a vida solitária é
equilibrada por uma parte importante de vida comunitária que também é parte
essencial do nosso carisma.
- Ah, é?
- É, e isso desde o começo da Ordem. Apesar da
forte atração que São Bruno tinha pelo deserto, é certo que ele não foi um
solitário do estilo tradicional, como os eremitas Paulo, Antão e Bento o foram:
estes iniciaram a vida monástica vivendo completamente sozinhos no deserto. E
São Bruno? Nunca esteve sozinho, pois o acompanhava sempre um grupo de amigos
que compartilhavam o seu ideal.
- Esse é um detalhe interessante!
- Para nós é importante viver como eremitas em
nossas celas, mas formando ao mesmo tempo uma família unida no interior do
mosteiro. No passado se usava o termo “família” para designar as comunidades
cartusianas, por causa do número reduzido de seus membros. Hoje os nossos
Estatutos fazem o mesmo.
- Como esse aspecto “familiar” é vivido na prática?
- Por exemplo: somos nós mesmo que cuidamos de
nossos enfermos e idosos em tudo, acompanhando-os sempre quando necessário,
ainda que para isso tenhamos que sair da cela. E o fazemos com carinho,
convencidos de que o amor fraterno está sobre qualquer outra consideração e
valor espiritual.
- Começo a entender. E percebo até que suas
recreações e passeios comunitários têm também algo a ver com isso da vida em
família!
- Acertou em cheio. A recreação do domingo e o
Passeio semanal dão à vida eremítica da Cartuja um ambiente familiar, humano e
evangélico que nos ajuda a conservar um saudável equilíbrio.
2.
A cela
- Você citou várias vezes a “cela” como se fosse
uma coisa especificamente cartusiana. Como é a cela do cartuxo?
- De todas as dependências do mosteiro, as celas do
grande claustro são a coisa mais característica da Cartuxa. Basicamente, as
celas de todas as cartuxas são compostas dos mesmos elementos, mas a disposição
interna pode variar.
- Pode me descrever brevemente as celas?
- As celas são interligadas pelo grande claustro,
que é um longo corredor, geralmente em forma de quadrilátero. A palavra “cela”,
que os cartuxos usam desde a origem da Ordem para designar seus ermos, evoca
espontaneamente a ideia de um único cômodo. Na verdade, a cela do cartuxo é uma
pequena casa de um ou dois pavimentos, em cujo espaço há lugar para uma sala de
estudos, um oratório, uma pequena oficina de carpintaria e até para uma horta
ou jardim. Sua relativa amplitude se explica pelo gênero de vida especialmente
eremítico da Ordem: o cartuxo passa a maior parte de sua vida na cela. Nossos
Estatutos dizem que a cela é para o cartuxo como a água para o peixe e o
aprisco para as ovelhas.Uma letra do alfabeto talhada em madera e pregada
em cada porta distingue umas celas das outras. O primeiro cômodo da cela é um
amplo saguão presidido por um crucifixo e uma imagem de Nossa Senhora. A seus
pés, de joelhos, o cartuxo reza uma Ave Maria sempre que entra na cela. Por
isso, esse cômodo se chama “Ave Maria”. Perto da porta há um armário-mesa com
os utensílios necessários para as refeições. Em um canto pode-se ver uma
portinha, um guichê numa parede, no qual o Irmão despenseiro deposita a comida
que o monge retirará no momento de tomar sua refeição. O cartuxo come em sua
cela; somente nos domingos e solenidades almoça com a Comunidade, no
refeitório.Da “Ave Maria” se passa a um cômodo bem iluminado
que serve de oficina de carpintaria. Para trabalhar a madeira, dispõe de um
torno a pedal, de um banco de carpintaria e das ferramentas mais comuns. Em um
extremo da oficina, uma porta nos conduz à horta/jardim, que cada um cultiva
segundo os póprios gostos. O cuidado do jardim serve tanto como exercício
físico, como uma agradável recreação e distensão espiritual. Voltando à “Ave Maria”, uma escadaria nos conduz ao
cômodo principal, de uns seis metros por cinco. É iluminada por uma grande
janela que se abre para o jardim. Eis a mobília: uma mesa e uma cadeira de
madeira; uma estante de livros; ao fundo, presidindo a habitação, um pequeno
oratório com um reclinatório para as orações; ao lado do oratório, uma humilde
cama; e junto à porta de entrada, outra porta que dá para o banheiro. Essa é a
cela do cartuxo. Alí ele passa os seus dias, os seus anos, em silêncio, a sós com
Deus.
- A cela é um céu ou um purgatório?
- O primeiro, para quem recebeu o dom precioso
dessa vocação que é viver só, para Deus. Os monges de todas as épocas
experimentaram e cantaram a beleza da vida solitária na cela, onde passam seus
dias na intimidade do Senhor. Os nossos Estatutos se unem a essa longa tradição
monástica dizendo: “Alí Deus e seu servo se entretêm em frequentes conversas,
como fazem os amigos. Alí, a alma fiel se une ao Verbo de Deus, a esposa ao
Esposo, a terra ao céu, o humano ao divino”.
- Ok, mas devido ao ambiente cheio de barulho, de
imagens e distrações característico da nossa sociedade, não fica difícil para
os jovens adaptar-se a uma vida de silêncio e de solidão tão estrita como a que
se vive na Cartuxa?
- Normalmente a cela exige para o noviço um
processo mais ou menos longo e custoso de adaptação – ou melhor, eu diria de
desintoxicação – para fazer silêncio em seu interior, acalmar a fantasia, os
afetos, os sentidos, até acalmar o espírito, concentrar-se no essencial, nos valores
transcendentes que, em definitiva, são os únicos que podem saciar os desejos
mais profundos da alma.
- Que conselhos daria a um jovem que chega do mundo
e começa a viver a sua nova vida na cela, uma vida tão diferente da que viveu
até então?
- O Pe. Mestre de noviços lhe indicará
prudentemente os horários precisos para ocupar seus dias de forma organizada e
útil na leitura, na escritura, na salmodia, na oração, na meditação, na
contemplação e no trabalho. Ensinar-lhe-á também a lutar contra as tentações de
desânimo, a habituar-se pouco a pouco a uma tranquila escuta do coração e a
deixar que Deus entre em seu íntimo. Acima de tudo, aconselhar-lhe-á a confiar
no Senhor: Ele lhe deu essa vocação de predileção e lhe dará também as graças
necessárias para levá-la a bom termo.
3.
Os horários da Cartuxa: Matinas e Laudes
- Os horários da Cartuxa são um pouco estranhos,
não?
- É, são um tanto originais.
- A que horas vocês vão dormir?
- Às 19h30min ou 20h. No verão, a essa hora, o sol
ainda está acima do horizonte.
- Deitar para dormir às 19h30min ou 20h! E a que
horas se levantam?
- Às 23h30min da noite. A essa hora o sino da
igreja chama para a oração.
- Então o dia do cartuxo começa às 23h30min da
noite?
- Isso!
- E o que fazem os cartuxos a essa hora?
- Iniciam a sua missão de louvor rezando as Matinas
do Ofício da Bem-Aventurada Virgem Maria.
- Já começam bem o dia!
- À meia-noite e quinze o sino toca de novo.
- Pra quê?
- Para que a comunidade se dirija à igreja. Então
vão todos caminhando pelos claustros solitários e pouco iluminados.
- E chegados à igreja?
- Colocam-se os livros de coro sobre as estantes,
apagam-se as luzes e entra-se em um profundo silêncio. Ao sinal do Prior,
inicia-se o canto das Matinas.
- O que são as “Matinas”?
- As Matinas são compostas por duas partes chamadas
“noturnos”, com seis salmos cada um. Nos dias festivos há um terceiro noturno
de três cânticos. A salmodia é grave, quase lenta. Ao final de cada noturno há
leituras da Sagrada Escritura ou dos Padres da Igreja, e a cada leitura segue o
canto de um responsório. Nos domingos e em dias de festas importantes, as
leituras e seus respectivos responsórios são doze; nos dias de semana há só uma
leitura (no verão europeu) ou três (no inverno europeu). O canto Te Deum e a
leitura do Evangelho do dia concluem as Matinas de doze leituras; os dias
feriais terminam com as preces de intercessão pelas necessidades da Igreja e do
mundo. Ao final das Matinas se guardam alguns minutos oração silenciosa e então
inicia-se o Ofício das Laudes. Depois, em suas celas, os Padres rezam as Laudes
do Ofício da Bem-Aventurada Virgem Maria e se deitam sem demora.
- A que horas?
- Isso depende da duração os Ofícios.
Frequentemente às 3h da manhã.
- E por que tudo isso?
- Porque o cartuxo tem uma predileção por essas
horas de louvor noturno! quando o silêncio da noite convida a uma oração mais
fervorosa!
As manhãs
- E a que horas vocês acordam de novo?
- Às 6h45min. Os Irmãos que não participam das
Laudes se levantam uma hora antes. Às 7h os Padres rezam a Hora Prima, seguida
de um momento de meditação.
- E a Missa?
- Às 8h nos reunimos na igreja para a celebração da
Missa conventual. Essa Missa é sempre cantada, e dura aproximadamente uma hora.
Nos domingos e nas solenidades, a Hora Terça precede a Missa, que nos dias
festivos costuma ser concelebrada.
- E quando acaba a Missa conventual?
- Os Irmãos, em suas celas, fazem quinze minutos de
ação de graças pela Missa, e depois trabalham até a Hora Sexta. Os Padres
costumam celebrar a Missa recitada em umas capelas destinadas a esse fim. De
volta à cela, rezam Terça e reservam boa parte do tempo à leitura espiritual.
- Mas vocês não tomam café da manhã? O que fazem
até a hora do almoço?
- Os monges em formação estudam e se exercitam em
algum trabalho manual: carpintaria, encadernação, pintura, cuidado do pequeno
jardim/horta de sua cela...
- A que horas almoçam?
- Às 11h30min ou ao meio-dia, depois de rezar a
Hora Sexta. Almoça-se solitariamente na cela, exceto nos domingos e nas
solenidades. Normalmente o almoço é depois da oração do Angelus.
- E depois do almoço?
- Até às 13h, o cartuxo costuma se distrair um
pouco no jardim, fazendo algum trabalho, caminhando...
- E depois disso?
- Os monges rezam a Hora Nona e o tempo até às
Vésperas é dedicado ao trabalho manual, à leitura, ao estudo e à oração. Os
Irmãos voltam a seus trabalhos em suas respectivas “obediências” ou oficinas da
cartuxa: a cozinha, a alfaiataria, a despensa, o campo, a marcenaria, obras...
- Esses horários não mudam nunca?
- Nos domingos e solenidades a Hora Nona é cantada
na igreja e logo após os monges se reúnem na sala capitular, onde escutam uma
leitura do Evangelho ou dos Estatutos. De lá vão à horta, ou, se o tempo não o
permite, ao claustro, onde têm um encontro fraterno.
A tarde
- Como vocês passam a tarde?
- Todos os dias às 16h se cantam as Vésperas na
Igreja. O Ofício das Vésperas dura meia hora e é composto por um hino, quatro
salmos com suas respectivas antífonas, uma leitura breve, um responsório, o
Magnificat, e termina com as preces de intercessão e o canto da Salve Regina,
cujos texto e melodia são ligeiramente diferentes dos do rito romano. Depois
das Vésperas o tempo é consagrado aos exercícios espirituais.
- A que horas vocês jantam?
- O jantar, ou, nos dias de jejum, o “lanche”, é
geralmente às 17h45min.
- E o que fazem depois do jantar?
- Nesse momento sobra um tempo livre para a
distensão, seja no jardim, seja pela cela.
- Quando e como acaba o dia do cartuxo?
- Às 19h o sino toca o Angelus da tarde. Os monges
podem prolongar a oração ou a leitura espiritual ainda por uma hora, mas é
aconselhável não demorar para deitar-se. O dia acaba com a oração de
“Completas”, Hora do Ofício na qual se agradece a Deus por todas as graças
recebidas durante o dia e se lhe suplica proteção para a noite que está
chegando. Assim termina, entre as 19h30min e as 20h, o dia do monge cartuxo.
Horários em função da vida
litúrgica!
- Suponho que os seus horários sejam estabelecidos
em função da vida litúrgica. Certo?
- Isso mesmo! As Matinas no coração da noite, a
Missa conventual de manhã cedo e as Vésperas à tarde são os momentos fortes do
dia, nos quais os monges deixam as suas celas para ir à igreja.
- Que lugar ocupa a liturgia na vida do cartuxo?
- A nossa vocação é ser com o Cristo e no Cristo um
louvor a Deus Pai, através do nosso ministério de louvor e de intercessão! A
Eucaristia, celebrada e cantada em melodias gregorianas a cada manhã em
comunidade, é, segundo os nossos Estatutos, “o centro e o cume da nossa vida”!
- E o Ofício Divino?
- O cartuxo reza boa parte do Ofício divino sozinho
na cela, mas sabe bem que a sua voz não é uma voz individual, isolada, perdida
na imensidão do mundo, mas que é a mesma oração de Cristo e de toda a Igreja! Na liturgia, o Cristo, na qualidade de nossa Cabeça, reza em nós, de modo que
nele nós podemos reconhecer a nossa voz, e em nós a sua!
As
origens da Ordem Cartuxa
- Antes de terminar, faço-lhe uma pergunta
elementar: o que é a Cartuxa?
- É uma Ordem monástica nascida no final do século
XI, um caminho evangélico que percorreu mais de nove séculos.
- Quem é o fundador?
- Mais que um “fundador”, eu diria o “iniciador” deste
gênero de vida foi São Bruno, nascido em Colônia, Alemanha, por volta do ano
1030. Foi estudante, depois cônego e reitor da famosa escola catedralícia de
Reims, França. Com seis companheiros, retirou-se em um lugar solitário e
escondido nos Alpes do Delfinado, o maciço de Chartreuse (Cartuxa), a uns
trinta quilômetros de Grenoble. A casa geral da Ordem se encontra ainda hoje
naquele lugar!
- Porque vocês dizem que São Bruno não foi o
fundador da Ordem, mas o seu iniciador?
- Porque, na verdade, ele não escreveu nenhuma
regra monástica, nem sequer permaneceu por muito tempo no eremitério de
Chartreuse. Solicitado pelo Papa Urbano II, que havia sido seu discípulo em
Reims, teve de ir a Roma e acompanhar o Papa em seus deslocamentos pela Itália
meridional. Urbano II compreendeu o carisma de São Bruno, que era profundamente
atraído pela vida eremítica, e autorizou que se retirasse novamente em um lugar
solitário da Calábria, em Santa Maria da Torre. Lá fundou com outros
companheiros um eremitério similar ao de Chartreuse. Alí morreu em 1101, e alí
repousam seus restos mortais. Mas foi a primeira fundação da Cartuxa, nos Alpes
franceses, que conservou o seu espírito e, com o passar dos anos, se converteu
na Ordem monástica dos Cartuxos.
FONTE:http://www.vocatiochartreux.org/A_ALEGRIA_DE_SER_CARTUXO.html
------------------------------------------------------
APOSTOLADO BERAKASH: Como você pode ver, ao contrário de outros meios midiáticos, decidimos por manter a nossa página livre de anúncios, porque geralmente, estes querem determinar os conteúdos a serem publicados. Infelizmente, os algoritmos definem quem vai ler o quê. Não buscamos aplausos, queremos é que nossos leitores estejam bem informados, vendo sempre os TRÊS LADOS da moeda para emitir seu juízo. Acreditamos que cada um de nós no Brasil, e nos demais países que nos leem, merece o acesso a conteúdo verdadeiro e com profundidade. É o que praticamos desde o início deste blog a mais de 20 anos atrás. Isso nos dá essa credibilidade que orgulhosamente a preservamos, inclusive nestes tempos tumultuados, de narrativas polarizadas e de muita Fake News. O apoio e a propaganda de vocês nossos leitores é o que garante nossa linha de conduta. A mera veiculação, ou reprodução de matérias e entrevistas deste blog não significa, necessariamente, adesão às ideias neles contidas. Tal material deve ser considerado à luz do objetivo informativo deste blog. Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica desnecessária será prontamente banida. Todos as postagens e comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente, a posição do blog. A edição deste blog se reserva o direito de excluir qualquer artigo ou comentário que julgar oportuno, sem demais explicações. Todo material produzido por este blog é de livre difusão, contanto que se remeta nossa fonte. Não somos bancados por nenhum tipo de recurso ou patrocinadores internos, ou externo ao Brasil. Este blog é independente e representamos uma alternativa concreta de comunicação. Se você gosta de nossas publicações, junte-se a nós com sua propaganda, ou doação, para que possamos crescer e fazer a comunicação dos fatos, doa a quem doer. Entre em contato conosco pelo nosso e-mail abaixo, caso queira colaborar:
filhodedeusshalom@gmail.com
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.