Por *Paulo Vasconcelos
Jacobina - BRASíLIA, 17 de Abril de 2013 (Zenit.org)
As uniões interpessoais de
cunho sexual são questão de foro “absolutamente íntimo”
Nunca deveriam interessar ao
Estado democrático salvo quanto a dois aspectos, que ultrapassam o plano da mera intimidade
sexual:
1º) a constituição de patrimônio
(e neste ponto não há de fato diferença entre relacionamentos homossexuais e
heterossexuais) e
2º) na potencial geração
natural, cuidado e criação estável de uma prole. É aqui que existe uma diferença
fática entre as parelhas heterossexuais estáveis e monogâmicas, supostamente as
únicas capazes de prestar este serviço à sociedade, e as outras formas de
relacionamento humano, heterossexual, polissexual ou homossexual, de entre uma,
duas ou mais pessoas.
O matrimônio, portanto,
naquilo que respeita à regulação estatal, nunca representou intromissão ou
valorização estatal de alguma forma de convivência sexual interpessoal, mas a
regulamentação de patrimônio comum e prole.Trata-se de reconhecer e valorizar
esta forma de viver consistente em gerar naturalmente e educar uma prole
estavelmente, de modo a perpetuar os valores sociais e garantir a sobrevivência
da sociedade - e do estado - por mais gerações. E que envolve ou não desejo
sexual atual entre os cônjuges.
Os efeitos patrimoniais das
relações de base sexual diversas da noção tradicional de matrimônio podem
sempre ser licitamente regulados, bem como as relações parentais que
eventualmente surgirem daí. Até aqui, concordam todos, cristãos, agnósticos,
ateus, tradicionalistas ou revolucionários.A tensão, portanto, estabelece-se
apenas no fato de que há uma parcela da sociedade que, a partir de uma
radicalização recente, não aceita que haja, como de fato há, uma especificidade
na forma de convivência matrimonial entre pessoas heterossexuais, vendo nesta
diferenciação um mero preconceito de ordem religiosa e irracional, imposta, em
prejuízo da “laicidade do Estado”, a quem pensa como eles.Esta minoria acredita que não
haveria motivos de ordem racional para que o matrimônio não pudesse ser
estendido para outras formas de relacionamento de cunho sexual e estáveis em
algum grau.Alegam o fato de que as
pessoas se relacionam sexualmente de mais formas do que aquela existente no
interior do matrimônio entendido como sempre se entendeu até hoje, e que não
podem ser discriminadas na sua pretensão de contrair matrimônio civil.
Os ativistas da
homoafetividade dizem que o único fundamento para o estabelecimento de um
matrimônio é o simples exercício de uma vida sexual de qualquer espécie entre
dois (ou mais) parceiros de forma prolongada, e não conseguem ver qualquer
fundamento para que se defenda a posição contrária.E tornam-se antidemocráticos quando,
diante da dificuldade, por exemplo, dos cristãos mais simples, em articular fé
e razão, calam os seus opositores como meros fundamentalistas fideístas que
querem impor a fé como fundamento de política pública. Mas estão apenas impondo sua própria opção de sexualidade
como fundamento de debate público, contando inclusive com o silêncio de muitos
e a cumplicidade de parte da imprensa.Indiscutível, na verdade, que
há sérios motivos, de ordem estritamente racional e jurídica, para entender que
equiparar as relações conjugais homoafetivas a casamentos é simplesmente
injusto, e corresponde a uma tentativa mundialmente articulada de equiparar o
que é diferente, em prejuízo da família como um todo e, portanto, da própria
sociedade.Isto é o que afirma a
insuspeita (de contaminação religiosa) Corte Constitucional Francesa, em decisão
de 27/01/2011, em tradução mais ou menos livre:“que o princípio segundo o qual o
matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no
exercício de sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição,
considerasse que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os
casais compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de
tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por consequência,
que “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela
de legislador para esta diferente situação”.A Corte francesa considerou
ainda que “as disposições contestadas não
são contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.A discussão, na França, está
ocorrendo agora no Poder Legislativo, em meio a uma grande movimentação popular
para um lado e para o outro.Esta equiparação matrimonial
agora forçada, portanto, não tem nada que ver com discriminação injusta e
irracional aos homossexuais, senão com a discussão política de uma noção de família
que, em nome de uma simpatia muito justa para com o sofrimento das pessoas
homossexuais, está sendo alterada para toda a população, não apenas para os
homossexuais.Há muito mais em jogo do que o
direito de minorias: há a concepção de família que vale para todos, e cuja
alteração atingirá a todos.Injusto é equiparar, para
silenciar, os debatedores que defendem a noção tradicional de família a meros
"fundamentalistas religiosos" ou a detestáveis "homofóbicos"
que espancam homossexuais.São coisas diferentes! Nem todo
aquele que defende o matrimônio como especificamente heterossexual é um homofóbico
(normalmente não o é), e essa equiparação não é boa para a democracia.
A questão se agrava quando militantes
da posição homoafetiva passam a elevar a categoria do "prazer sexual"
ao plano dos "direitos humanos" - ao ponto de considerar que os que
educam seus filhos com base na sua fé e convicções estão prejudicando essas
crianças.Estes militantes passam a
querer impor às famílias e a seus filhos em tenra idade suas próprias ideias
sobre sexualidade e relações humanas.Defendem inclusive que o
Estado volte-se autoritariamente contra as famílias que não aceitam o modelo
homoafetivo de casamento e lhes imponha "kits" de “educação sexual”
para formar os filhos alheios contra as convicções paternas e maternas, e
"leis de homofobia" contra manifestações familiares ou religiosas que
eles unilateralmente julgam inconvenientes ou preconceituosas.Com todo respeito, sua intromissão é
que é indevida, incompatível com a democracia, violadora do princípio da
subsidiariedade e pluralidade. É própria de um Estado autoritário.É neste ponto que a categoria
dos "direitos humanos" deixa de ser uma categoria de avanço e passa a
ser uma categoria de opressão contra os que têm fé e argumentos racionais, mas
discordam dos militantes sexuais.
*Paulo Vasconcelos Jacobina - Procurador regional da república
e mestre em direito econômico.
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