Este episódio tornou-se
basilar na economia sacramental, é tanto que a segunda parte do Catecismo é
aberto com esta cena pintada em um afresco do início do Sec. IV das catacumbas de São Pedro e São
Marcelino (figura abaixo).
O grandioso milagre da
cura da mulher do fluxo de sangue é inserido por Marcos entre dois momentos da
caminhada de Jesus. Ele foi procurado por Jairo, um dos principais da sinagoga,
devido sua filha estar morrendo (Marcos 5,21-24). Jesus, atendendo ao pedido
vai com Jairo para realizar o grande milagre narrado, em que Ele ressuscita a
filha dele (Marcos 5,35-43). No meio desse caminho a mulher com o fluxo de
sangue o tocou e foi curada.
Duas grandiosíssimas lições, aprendemos com a mulher
hemorroíssa:
1ª)- Os evangelistas não
revelam o nome dessa mulher. Ela é descrita como “certa mulher” por Marcos:
“Aconteceu que certa mulher, que, havia doze anos, vinha sofrendo de uma
hemorragia” (Marcos 5,25).Temos a revelação do tempo que ela sofria dessa
doença (12 anos), mas não a doença em si, detalhadamente. Marcos nos revela o
principal sintoma que a doença crônica provocava, que era a hemorragia.E esse
detalhe irá nos ajudar a entender a grandeza dessa mulher.É bem possível que um
sangramento desse tipo, tão longo, fosse algo relacionado a uma menstruação
desregulada e frequente. Caso essa teoria esteja certa, além do desconforto
físico e emocional, temos o desconforto social e espiritual que essa mulher sofria:
-Físico e
emocional por conta da fraqueza e demais sintomas que essa doença trazia a ela.
Um sangramento baixa a resistência do corpo, causa deficiências de ferro,
trazendo possibilidade de anemia e outros tantos problemas físicos possíveis que
a debilitavam para viver de forma plena a sua vida.
-Os fatores
emocionais envolvidos aqui também saltam aos olhos. Viver uma situação grave
por tanto tempo mexe com o emocional de uma pessoa.
-Social por
conta da vergonha, talvez o mal cheiro exalado e toda a dificuldade de
controlar esses sangramentos em uma época que não tínhamos tantos recursos
médicos e higiênicos (como absorventes, por exemplo). Já imaginou como seria
trocar a todo tempo roupas manchadas de sangue? Será que ela era casada? Não
sabemos, mas se fosse, imagine a dificuldade desse casamento! Se não fosse,
certamente não arrumaria marido nessas condições, já que a Lei proibia o homem
de se deitar com mulher enferma (Leia Levítico 20,18).
-Espiritual
porque a Lei de Moisés proibia que pessoas com fluxos, seja de sangue, seja de
sêmen (no caso dos homens) cultuassem em público: “Também a mulher, quando
manar fluxo do seu sangue, por muitos dias fora do tempo da sua menstruação ou
quando tiver fluxo do sangue por mais tempo do que o costumado, todos os dias
do fluxo será imunda, como nos dias da sua menstruação” (Levítico 15,25).Ser
imunda nesse contexto significa ser inapropriada para cultuar. Ou seja, ela não poderia ir ao templo e realizar atividades
de culto a Deus. Isso certamente trazia impactos espirituais grandes no
coração dessa mulher. Mas a grande lição que aprendemos aqui com essa mulher é sua humildade, e quem se humilha é exaltado! - "Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que Ele no seu tempo oportuno vos exalte..." (1 Pedro 5,6).
2ª)- Além de tudo isso, a mulher do fluxo de sangue, que aparentemente seria uma mulher com certas posses, viu seu dinheiro ser consumido por tratamentos médicos que não resolveram seu problema: “e muito padecera à mão de vários médicos, tendo despendido tudo quanto possuía, sem, contudo, nada aproveitar, antes, pelo contrário, indo a pior” (Marcos 5,26).Tudo isso nos pinta um quadro da profunda tristeza e sofrimento sobre o qual essa mulher vivia diariamente em todas as áreas de sua vida! Mas uma coisa no coração da mulher do fluxo de sangue salta aos olhos: mesmo enfrentando tão longa dor e intempéries de todos os tipos e em todas as áreas da vida, sua fé aparece na história como algo de precioso que ela não perdeu. Diante da presença de Jesus ela creu que nem precisaria conversar com Ele, ou pedir algo, mas apenas tocá-lo: “tendo ouvido a fama de Jesus, vindo por trás dele, por entre a multidão, tocou-lhe a veste. Porque, dizia: Se eu apenas lhe tocar as vestes, ficarei curada” (Marcos 5,27-28).Na sequência da história observamos a cura dela, observamos que Jesus sente que algo ocorreu e deseja saber quem o tocou: “Então, a mulher, atemorizada e tremendo, cônscia do que nela se operara, veio, prostrou-se diante dele e declarou-lhe toda a verdade” (Marcos 5,33).Por que ela tremia e sentia medo? Talvez ainda em êxtase pelo que ocorreu, tentando entender tudo que ocorreu com ela e agora tendo a atenção daquele que a curou.Alguns sugerem que ela não poderia tocar em um mestre religioso por conta da sua impureza (como citamos acima na Lei de Moisés) e sentiu medo de ser repreendida. O fato é que Jesus faz uma espécie de confirmação da plenitude do milagre na vida dela, trazendo ao coração dela, certamente, toda a paz para continuar sua vida, agora, totalmente liberta de todo aquele mal que a afligiu por mais de 12 anos. Talvez mesmo sem conhecer a Palavra esta mulher tenha vivido a realidade esponsal e confiante em Jesus quando este instruiu seus discípulos dizendo que se eles tivessem fé “como um grão de mostarda” poderiam dizer “a este monte: Passa daqui para acolá — e há de passar; e nada vos será impossível” (Mt 17,20). A fé que a movera a buscar o Senhor e tocar em suas vestes fez com que ela sentisse que instantaneamente havia estancado “a fonte do seu sangue”, isto é, ela “sentiu no seu corpo estar já curada daquele mal” (v.29).
"Por isso vos digo: tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já o recebestes, e assim
será para vós!" (conforme trad. Bíblia de Jerusalém).
Jesus percebe que d’Ele “saíra” virtude!
Por sua vez, Jesus
percebe claramente que dEle “saíra” virtude (v.30a), isto é, “força” ou
“poder”. Tal virtude não lhe é apenas latente, mas
evidente e conhecida dos escritores neotestamentários, pois ela não era um
acessório, mas um instrumento a serviço do Pai no cumprimento do ministério
terreno do Senhor (Lc 6,19). Ao discursar na casa de Cornélio, o
apóstolo Pedro disse que Deus “ungiu Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com
virtude” e que por isso o Mestre “andou fazendo o bem e curando a todos os
oprimidos do diabo” (At 10,38). O mesmo Lucas, referindo-se a Jesus, registra
na narrativa paralela que trata da cura do paralítico de Cafarnaum, que “a
virtude do Senhor estava com Ele para curar” (Lc 5,17b). Portanto, a virtude que a mulher “extraíra” de Jesus, não se
caracteriza como um ato reprovável, antes deve ser vista como a apropriação
legítima de um poder que se encontrava à disposição dos que dele tinham
uma clara e real necessidade.
Uma pergunta que “ninguém” entendeu!
À pergunta do Mestre ― “Quem tocou nas minhas vestes?” (v.30b) ―, faltou sensibilidade e tato dos seus discípulos para entendê-la, pois eles observam que a multidão apertava o Senhor (como se Jesus fosse incapaz de perceber o quanto era comprimido) e admirados questionam como pode o Senhor querer saber quem o tocou (v.31). Evidentemente que a mulher, que ainda não havia se afastado suficientemente dali, ouvira o Senhor indagando e sabia que era a responsável por aquele toque. Ela transgredira a Lei e, desconhecendo a reação do Mestre, sabia o que isso poderia lhe causar. Jesus procura fazer contato visual com a pessoa responsável por tocá-lo com fé e propósito (v.32). Em muitas outras ocasiões é perceptível que Ele conhecia os pensamentos e intenções das pessoas (Mc 2,6-8; Jo 6,64). Assim, a pergunta do Mestre “Quem tocou nas minhas vestes?”, não sinaliza um desconhecimento, antes figura como uma oportunidade de a mulher revelar-se publicamente, alcançando visibilidade e espaço. Dessa forma, Jesus a restituía socialmente. Na realidade, como se pode perceber, a “procura” de Jesus é parte do processo da cura completa que Ele queria dar-lhe. O medo da mulher em revelar-se não era sem razão, pois ciente de sua condição, ela sabia que tudo em que tocasse, mesmo involuntariamente, ficaria impuro (conf. Lev 15,19-33). Seu receio poderia advir não apenas de ter tocado em Jesus, mas de ter esbarrado nas pessoas e estas se revoltarem por terem ficado cerimonialmente impuras, já que certamente para se aproximar do Senhor que estava comprimido pela multidão, ela deve ter “tocado” em muita gente que, ao saber de sua condição, poderia voltar-se contra ela (v.27). Ainda assim, observa Marcos, ela “aproximou-se, e prostrou-se diante dele, e disse-lhe toda a verdade” (v.33). Tal “confissão” fez toda a diferença, pois oportunizou a Jesus, como já foi dito, restituí-la radical e completamente.A mulher que buscara a cura às escondidas, pelas razões já expostas e analisadas, agora tem a sua fé revelada publicamente e de forma explícita. Tal atitude do Senhor devolveu-lhe a dignidade perdida pelo estado de permanente impureza cerimonial e, não apenas isso, mas a fé que a moveu para ser curada transformou-se em “fé salvífica”, pois Jesus disse-lhe: “Filha, a tua fé te SALVOU!; vai em paz e sê curada deste teu mal” (v.34). Além de ter sua cura confirmada pelo Mestre, a mulher ainda obteve o maior bem que um ser humano pode alcançar de Deus: ― A SALVAÇÃO! Ainda que seu nome próprio não seja conhecido, o Senhor dirige-se a ela chamando-a de “filha”. A despedida desejando- lhe “paz” também não é algo meramente formal e protocolar, mas designa um estado de espírito bem como descreve sua situação espiritual diante de Deus (Rm 5,1-2). A mulher que antes se aproximara, “temendo e tremendo”, e que caíra aos pés do Senhor, levanta-se como uma nova mulher.
Depois desse fato não temos mais
menção dessa mulher nos evangelhos. Será que ela se
juntou a Jesus? Será que estava entre as várias mulheres que o serviam? Essas
são perguntas que gostaríamos muito de saber sobre a mulher do fluxo de sangue,
porém, os evangelistas não nos trouxeram detalhes sobre elas, mas saberemos
desta e de tantas outras belas histórias no Céu!
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