Tomás de Aquino (1225-1274), um filósofo e Teólogo do século XIII, desenvolveu uma das mais sofisticadas estruturas de argumentação e de pensamento. O Ocidente não seria o mesmo sem a “AQUINATE”. Ao longo dos séculos, os seguidores de Tomás, conhecidos como tomistas, procuraram criticar e também dialogar com uma grande variedade de correntes de pensamento filosófico. Um desses diálogos está sendo travado atualmente com a pós modernidade, trata-se do “tomismo analítico”, que é o que procuramos esclarecer e motivar nesta despretensiosa matéria
O fanatismo se alimenta
da monovisão da Realidade. O Homem culto, e verdadeiramente intelectual é
educado a ler VÁRIOS LIVROS, sobre vários temas, portanto, tem uma visão mais
ampla do que o rodeia. Temo muito quando no ambiente acadêmico
determinados mestres, escolhem apenas um livro ou uma visão particularizada de
determinado tema, como se fosse o suprassumo acadêmico, e quer impor a qualquer
custo este ponto de vista, mesmo sabendo que todo ponto de vista é a vista de
um ponto. Por que não trazer outros autores pró e contra a esta mesma
visão, deixando o juízo à própria academia e não à sua síntese contaminada pela
sua própria visão particular? A própria palavra de Deus, considerada
reducionista por muitos acadêmicos ditos de visão liberal e iluminados, condena
a tese da visão monolítica das realidades existentes:
“Examinai todas as coisas e retende tudo aquilo que é bom” (I Tessalonicenses 5,21).
Esta matéria visa despertar
o estudo, conhecimento e divulgação da doutrina de Santo Tomás de Aquino, bem
como da Escolástica em geral, em virtude da perenidade e atualidade dos temas
tratado por este Santo Doutor da Igreja para nossos dias, tais como: Justiça,
direito, igualdade e desigualdade; verdade, Fé e Razão, a Pessoa Humana (personalismo),
moral e Bioética. A Teologia e Filosofia de Santo Tomás de Aquino é uma
das pérolas que a Cristandade nos deixou. A Igreja não se cansa de elogiar o
tomismo, dando a Santo Tomás os títulos de: Humilde Doutor Comum, tido como o
mais Santo dos sábios e o mais sábio dos Santos. Devo confessar que o desejo de
divulgar a perene doutrina do Aquinate, a princípio, não foi por mera convicção
intelectual, mas por uma certeza moral, fundada nos diversos textos do
Magistério da Igreja que apontam para a obra do Frade Mendicante como para a
regra mais segura dentro do que se pode chamar de Filosofia Cristã.Diante
da atual ditadura do relativismo, não se prepõe nenhuma saída ? Propomos, sim,
segundo o que nos dita a Fé e o magistério infalível da Igreja de Pedro até o
nosso atual papa, bem como a ordenação de tudo: Sociedade, política, ciências,
artes, vida moral, familiar e pessoal.
*TOMÁS DE AQUINO O FILÓSOFO DO EQUILÍBRIO
O tomismo é como uma árvore fincada nas vigorosas raízes clássicas, principalmente de Aristóteles, Averróis, Agostinho, e Alberto Magno, o qual se desenvolve organicamente, em galhos expansivos no enfrentamento dos novos problemas. A sabedoria elementar reconhece que a virtude está no meio, num ponto de equilíbrio entre dois excessos incomunicáveis entre si. O sentido comum, compartilhado por todas as pessoas, reconhece que se deve ser evitar o extremismo e a parcialidade, que a contenção e o equilíbrio são virtudes não só do caráter, mas também do pensamento, que se esforça por reunir, dialeticamente, as verdades parciais dos diversos pontos de vista numa síntese abrangente maior. Surgida da filosofia clássica de Sócrates, Platão e Aristóteles, essa dialética do equilíbrio pautou, de modo incomparável, a obra de Tomás de Aquino, o maior pensador da Cristandade, responsável pela realização mais consumada do projeto intelectual da Idade Média de reunir, harmonicamente, fé e razão, Teologia e Filosofia, Revelação e Especulação. Para isso, ele sintetizou praticamente todos os filósofos e teólogos conhecidos de sua época: Platão e Aristóteles (pagãos), Agostinho e Anselmo (cristãos), Maimônides (judeu) e Averróis (árabe), tornando-se o centro da história da filosofia de 1.800 anos, e da história da teologia de 1.200 anos antes dele. Isso porque não se afiliou a uma corrente excludente e imergiu numa competição contra os rivais intelectuais sem antes considerar, a fundo, os seus argumentos. Mais do que ninguém, Aquino demonstrou que o fato de alguém acertar num ponto, não quer dizer que esteja certo em todos os outros pontos; e, reciprocamente, o fato de alguém errar num aspecto, não significa que erre em todos os outros. Porém, esta virtude da inclusão e combinação não deve ser confundida com o sincretismo que elide as diferenças, as incompatibilidades e os erros. Ela deve ser sustentada numa firme convicção de que é possível alcançar a verdade filosófica, que se manifesta difusamente entre os erros e incompletudes dos que a buscam. Para articular essas meia-verdades, o pensamento deve obedecer a regras lógicas de definição e distinção, assim como de articulação dialética entre os conceitos. Nesse contexto, Aquino tem um poder analítico ímpar, com uma clareza, objetividade e simplicidade de estilo raramente alcançadas na história intelectual. Impressionante também é o modo como ele relaciona esse rigor como uma profundidade e vastidão de assuntos, como: Deus, anjo, homem, vida, morte, imortalidade, corpo, alma, mente, vontade, paixões, bem, mal, virtude, vício, lei, verdade, beleza, tempo e eternidade. Tudo isso reunido a partir da questão ontológica do fundamento de tudo o que é no ser absoluto e incondicionado de Deus, cuja existência pode ser reconhecida racionalmente, como nas famosas “cinco vias”:
1. Motor imóvel.
2. Causa primeira, não
causada.
3. Necessidade
absoluta.
4. Ser perfeito
5. Arquiteto cósmico
Segundo um dos seus
maiores cultores da atualidade, Peter Kreeft (“The philosophy of Thomas
Aquinas, Ed. Recorded Books):
O equilíbrio filosófico de Aquino
pode ser percebido quando comparado à fragmentação característica da
modernidade, era de dicotomias
reducionistas, das ideologias e dos “ismos” isolados e rivais, que se alternam
sem mediação, como se afirmação de um polo implicasse necessariamente a negação
do oposto, como nas contraposições:
a)-De racionalismo (Descartes) e
empirismo (Hume).
b)-Pessimismo (Hobbes) e otimismo
(Rousseau).
c)-Utilitarismo (Bentham) e
legalismo (Kant).
Diante dessas
polarizações, Aquino consideraria a parcialidade dos polos
opostos a fim de reuni-los numa síntese compreensiva. Na seara jurídica, por exemplo:
a)-Ao invés de afirmar
que o
direito é “só” ética, como o fazem jusnaturalistas modernos.
b)-Ou, que o
direito é “só” política, como o fazem juspositivistas modernos.
Aquino diria que o
direito é uma “interseção” entre ética (lei natural) e política (lei positiva).
Consoante Luis Fernando Barzotto, em “Filosofia do direito – os conceitos
fundamentais e a tradição jusnaturalista” (Ed. Livraria do Advogado), a
concepção tomista de direitos humanos contribuiria para a elucidação do impasse
atual entre universalismo e relativismo dos direitos humanos, que reflete essas
dicotomias filosóficas modernas:
a)-Os universalistas
defendem que os direitos humanos têm um sentido unívoco, sendo absolutamente
idênticos em todos os tempos e lugares, porque concebem a natureza humana de
forma abstrata, geralmente identificada com a racionalidade. Ora, isso depende
de uma metafísica idealista, para a qual a realidade é formada “apenas” por
ideias abstratas, independente das determinações concretas, como história,
nacionalidade, renda, religião, ideologia e sexo.
b)-No polo antagônico,
os relativistas alegam que os direitos humanos revelam um sentido equívoco, sendo absolutamente
diferentes conforme a época e a cultura. Nota-se aqui uma metafísica empirista,
que reduz a realidade “apenas” a fatos positivos como poder e economia. Por
isso, direitos humanos limitam-se àqueles positivados por ordenamentos
jurídicos particulares.
Segundo tomistas como Barzotto, a concepção tomista é pautada numa metafísica “realista”
Composta por essência e existência, valores e fatos, forma e matéria, reconhecendo um sentido analógico dos direitos humanos, que tem uma mesma dimensão universal, mas que é diferentemente particularizada pelas sociedades históricas. Numa era de dicotomias e polarizações como a nossa, de neutralização do diálogo e da mediação, convém recuperar o pensamento de Tomás de Aquino, como se faz em muitos âmbitos da filosofia contemporânea. Depois de Sócrates, difícil imaginar um autor cuja influência seja tão duradoura na história da filosofia. Kreeft sugere que o tomismo é como uma árvore, fincada nas vigorosas raízes clássicas, de Aristóteles, e teológicas, de Agostinho, que se desenvolve, organicamente, em galhos expansivos, no enfrentamento de novos problemas. Daí porque o tomismo ser considerado a “filosofia perene”.
*Publicado no Jornal O
Liberal, de 1° Outubro de 2017
Tomás de Aquino é o maior teólogo, filósofo, jusfilósofo, sociólogo e pensador político de todos os tempos
Sua obra e seu pensamento, de impressionante rigor, coerência, profundidade e atualidade, marcam não apenas o apogeu da Filosofia Medieval Ocidental, da Filosofia Escolástica e da Filosofia Cristã, mas de toda a Filosofia. No mesmo sentido, o Padre Leonel Franca, sacerdote, filósofo e historiador da Filosofia, ressalta que “sete séculos passaram por sobre a obra admirável do anjo das escolas – séculos de luta e de revoluções profundas no campo das ideias, e ela ainda hoje persiste viva, palpitante, imortal como a verdade”,( FRANCA, S.J., Pe. Leonel. Noções de história da filosofia. 21. ed. Com nota bibliográfica Adicional e um Suplemento sobre O pensamento filosófico no Brasil de hoje, pelo Pe. Henrique Vaz, S.J. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1973. p. 114.),bem como Cornelio Fabro, filósofo, teólogo e sacerdote italiano, sublinha que “o tomismo autêntico – o de Santo Tomás – tem e terá sempre uma atualidade permanente”, (FABRO, Cornelio. Santo Tomás de Aquino: ontem, hoje e amanhã (entrevista concedida à revista Palabra, n. 103, Madri, março de 1974 - In: Hora Presente, São Paulo, ano 6, n. 16, set. 1974. p. 248), sendo que “a originalidade, a atualidade e, poderíamos dizer, a urgência da concepção tomista sobre o homem”, quiçá não se haja jamais “apresentado tão patente, inclusive tão salvífica para a Igreja e para o mundo contemporâneo, como hoje em dia”.Ainda em tal diapasão, Francisco Elías de Tejada y Spínola, jusfilósofo, historiador do Direito e pensador político espanhol, um dos máximos expoentes do jusnaturalismo tomista no século XX, aduz que “São Tomás é o pensador mais atual na verdade perene de suas teses”,( ELÍAS DE TEJADA, Francisco. Porque somos tomistas: da Teologia à Política (comunicação apresentada ao Convegno di Studi per la celebrazione di San Tommaso d’Aquino nel VII Centenario, realizado em Gênova em 1974 - Hora Presente, São Paulo, a. 6, n. 16, set. 1974, p. 103)e o pensador francês Marcel Demongeot anota que o Aquinate:“Longe de depender, em qualquer medida, de seu tempo e das instituições de sua época, parece se haver colocado, mais do que nenhum outro, sub specie aeternitas”.(DEMONGEOT, Marcel. Le meilleur régime politique selon Saint Thomas. Paris: André Blot, 1928. p. 181). A Filosofia de Santo Tomás representa, sem dúvida alguma, o apogeu da Filosofia Escolástica e da Philosophia Perennis de que fala o filósofo, cientista e matemático alemão Gottfried Leibniz. Consoante faz salientar o historiador do Direito, jusfilósofo e filósofo francês Michel Villey, aqueles que ainda acreditarem que o Doutor Comum não é senão um representante do tão decantado quanto falso “obscurantismo medieval”, do “dogmatismo”, de uma maneira de pensar que haveria sido superada pela “ciência moderna”, isto é, aqueles que ainda crerem naquilo a que o pensador inglês Martin Lings denomina “superstições modernas”,certamente mudarão sua forma de pensar a respeito dele assim que lerem sua obra. O mais importante dentre todos os Doutores da Igreja, Santo Tomás de Aquino foi chamado por Leão XIII, na Encíclica Aeterni Patris, de 1879, “Príncipe e Mestre” de todos os Doutores escolásticos, entre os quais se eleva “a uma altura incomparável”. A Aeterni Patris, com efeito, marca o início de um profundo e sólido renascimento do pensamento tomista, que atingiria o apogeu nos derradeiros anos do século XIX e, principalmente, nos albores do século XX. Todos os homens amantes dos sãos estudos filosóficos, lutavam para restaurar as doutrinas e o método tomista, cujo abandono fizera da “filosofia uma torre de Babel, e um campo de discussões estéreis e intermináveis”, lembrando das diversas obras sobre Santo Tomás e o tomismo que se iam publicando na França, Itália, Alemanha e Espanha, bem como das traduções da obra do Aquinate que iam surgindo nas línguas vernáculas, e salientando a importância do trabalho que iam desempenhando no sentido da divulgação das doutrinas tomistas as revistas La Civiltà Cattolica, de Roma, e La Scienza e la Fede, de Nápoles, assim como o fato de que as escolas católicas e seminários europeus iam reabrindo suas portas ao tomismo, sustenta que tudo enfim prenuncia a próxima restauração da grande filosofia cristã fundada por S. Tomás. (SOUZA, José Soriano de. Compêndio de Filosofia ordenado segundo os princípios e método do Doutor Angélico, S. Tomás de Aquino).Poderíamos citar, além daquelas de Leão XIII, diversas outras palavras de papas, em encíclicas e outros documentos pontifícios, antes e depois do Concílio Vaticano II, bem como trechos de diversos documentos deste,todos repletos de merecidos elogios à doutrina tomista e de recomendações de que esta deve ser seguida e reconhecendo no Aquinate o primeiro dentre os Doutores da Igreja, demonstrando, assim, que a posição desta a respeito do Angélico Doutor e de sua obra não se alterou de Leão XIII até a hora presente (Decreto Optatam Totius, sobre a formação sacerdotal, de 28 de outubro de 1965 e Declaração Gravissimum Educationis, sobre a educação cristã, também datada de 28 de outubro de 1965). Nem a reta razão permite que se despreze nem a religião suporta que em nenhum aspecto seja diminuído um tão magnífico patrimônio de sabedoria, que São Tomás, depois de o ter recebido dos Antigos, aperfeiçoou e aumentou pelo poder do seu gênio quase digno dos Anjos e empregou em ilustrar e propagar a Doutrina Sagrada nas inteligências humanas (In Libr. Boethii De Trinit., q. 2, a. 3 - PIO X. Motu proprio Doctoris Angelici. In: AMEAL, João. São Tomaz de Aquino: Iniciação ao estudo da sua figura e da sua obra. 3. ed., rev. e acresc., com novos apêndices e um quadro biobibliográfico. Porto: Livraria Tavares Martins, 1947. p. 484-485).Um pouco mais adiante, São Pio X, havendo sublinhado que: “Depois da bem-aventurada morte do Santo Doutor, nunca a Igreja celebrou um Concílio a que Ele não assistisse com os tesouros da sua doutrina, assinala que: A experiência de tantos séculos demonstrou, e torna-se dia a dia mais evidente, quanto era verdadeira essa afirmação do Nosso Predecessor João XXII – Por si só, Tomás de Aquino iluminou mais a Igreja do que todos os outros Doutores; e nos seus livros aproveita-se mais durante um ano que durante uma vida inteira nos livros dos outros. ”
A última citação papal
que faremos pertence a Paulo VI, constando da alocução por ele proferida na
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, a 12 de março de 1964:
“Tão intensa é a força intelectual do Doutor Angélico, tão sincero o seu amor pela verdade, tão grande a sua sabedoria ao investigar, demonstrar e unir devidamente as altíssimas verdades, que sua doutrina se torna meio muito eficaz, não só para estabelecer solidamente os fundamentos da fé, mas também para colher de modo útil e seguro os frutos do sadio progresso. ” - Isto posto, faz-se mister assinalar que não é apenas entre os intelectuais, autoridades e sacerdotes católicos que é reconhecido o valor de Santo Tomás e de sua doutrina. A título de exemplo, o pensador e escritor francês Gonzague Truc, agnóstico, não só reconheceu a importância do tomismo como proclamou que:
“A restauração do Espírito somente se dará por meio de um retorno à Escolástica”
O jusfilósofo patrício Miguel Reale, que somente se tornou católico praticamente ao final da vida e que, filosoficamente, jamais foi tomista, reconheceu em Santo Tomás: “Um grande pensador, que, ao tratar da Lei e da Justiça, na Suma Teológica, cuida, com admirável penetração, de problemas jurídico-políticos” - Já dentre os inúmeros pensadores protestantes que reconheceram a importância da doutrina tomista, podemos mencionar, em primeiro lugar, Leibniz, que, no Discurso de Metafísica, de 1686, reconheceu que: “Os nossos modernos não fazem suficiente justiça a S. Tomás e a outros grandes homens desse tempo, isto é, do tempo da Escolástica, bem como que há, nas opiniões dos filósofos e teólogos escolásticos, muito mais solidez do que se imagina, afirmando mesmo que estava persuadido de que: Se algum espírito exato e meditativo se desse ao trabalho de esclarecer e digerir o pensamento deles [dos escolásticos] à maneira dos geômetras analíticos, encontraria aí um tesouro de grande quantidade de verdades importantíssimas e absolutamente demonstrativas”. Outro pensador protestante, o jurista alemão Rudolf Von Jhering, na segunda edição do segundo volume de sua obra A finalidade do Direito, assim observa a respeito do Doutor Angélico e de sua doutrina ético-jurídica: “Nesta presente segunda edição acrescento uma nota ao texto, graças à crítica que o Sr. Hohoff, Capelão em Häffe, consagrou à minha obra (no Literarischer Handweiser, sobretudo para a Alemanha católica, Münster, An. 23, n. 2), ao mesmo tempo que elucida com muitas e valiosas informações sobre a literatura concernente à moral católica. Prova-me ele, com citações de Tomás de Aquino, que este grande espírito já havia reconhecido, com perfeita exatidão, tanto o elemento realista, prático e social, como o histórico da moralidade. Censura-me, e com justiça, pela minha ignorância. Mas tal censura cabe, com muito mais razão, aos filósofos e teólogos protestantes, pouco cuidadosos de tirar partido dos pensamentos grandiosos de Tomás de Aquino. Com espanto a mim mesmo me pergunto como foi possível tivessem jamais podido cair em tão completo esquecimento, entre os nossos sábios protestantes, verdades como as professadas por ele! Quantos erros ter-se-iam evitado se tivessem elas sido fielmente guardadas! Quanto ao que me toca, talvez não tivesse escrito de todo o meu livro se as houvesse conhecido; pois, as ideias fundamentais que nele ia expor já se encontram, com perfeita clareza e notável fecundidade de concepção, expostas nas obras desse vigoroso pensador”.
Por fim, o filólogo clássico alemão Werner Jaeger, também protestante, observa, no opúsculo Humanismo e teologia, que:
“O período que assistiu ao erigir das catedrais e que fez nascer os tesouros da pintura e das esculturas medievais, não é de todo para nós uma época de barbárie, e o sistema filosófico de Santo Tomás nos parece, na sua arquitetura, como um edifício não menos impressionante que as catedrais de pedra construídas pelos mestres de obra de então”.
O método sociológico tomista é, como demonstra o Autor de São Tomás de Aquino e de História de Portugal, o método empírico-racional, que é o mais eficaz e o mais completo, concedendo à Razão, em integral acordo com a Fé, um papel essencial no estudo das sociedades e na determinação dos seus valores morais dirigentes, mas exigindo, ao serviço da razão, a maior soma de observações, considerando a política obra de prudência e de experiência. O método empírico-racional, dando à indução e à dedução o seu justo lugar, completa-as uma pela outra e de ambas se serve no único desígnio de atingir a verdade.
Assentada sobre os eternos princípios morais da natureza humana, tem a Sociologia Tomista, segundo anota o sacerdote e pensador belga Simon Deploige:
1)-Em primeiro lugar, o
fato de que os moralistas e legisladores não devem se guiar pelas sugestões da
fantasia, mas sim pelas tendências espontâneas do ser, inspirando-se na intrínseca finalidade
das instituições.
2)-Em segundo lugar, a
necessidade de se atender às contingências e de sujeitar os preceitos morais e
jurídicos à variabilidade das situações.
Também é de impressionante valor e atualidade o pensamento político de Santo Tomás, condensado, particularmente, no Comentário à Política de Aristóteles, nos tratados Da lei e Do direito e da justiça da Suma Teológica e no opúsculo Do governo dos príncipes, também conhecido como De Regno. Como salienta o pensador e escritor francês Bernard Roland-Gosselin, empregando o termo “católico” no sentido de “universal”: “Os princípios da política tomista são católicos, quer dizer, válidos para todos os tempos e lugares”. Dentre os pontos centrais do pensamento político tomista, podemos destacar, além da concepção de Regime Misto, a noção de Bem Comum, que é o bem de todos e de cada um, a concepção da Sociedade – e, por analogia, do Estado – como um meio a serviço do Bem Comum, definição dos governos justos: Como sendo aqueles ordenados ao Bem Comum e injustos aqueles ordenados ao bem privado do regente ou dos regentes. A questão da resistência à tirania, que inclui, em determinados casos, o direito à revolução (Livro I, Cap. VI. IDo governo dos príncipes ao Rei de Cipro). São de manifesta relevância e atualidade, ainda, as teorias sócio-econômicas de Santo Tomás, pai do autêntico conceito de Função Social da Propriedade e da autêntica Doutrina Social da Igreja, que definiu claramente que o domínio sobre os bens, as coisas exteriores, que Deus concedeu aos homens, deve estar sempre subordinado a um fim, que impõe a necessidade racional e social do bom uso de tais bens. Entende, ademais, o Aquinate que: “Quanto ao uso de tais coisas, não deve a pessoa humana tê-las como próprias, mas, como comuns, de modo que cada um as comunique facilmente aos outros, quando delas tiverem necessidade”. (AQUINO, S. Tomás de. Suma Teológica. II.ª parte da II.ª parte, q.66, art. 2º). Concordamos com o jurista francês Léon Duguit, quando este proclama que:“A análise do sentimento de justiça foi feita por Santo Tomás de Aquino em termos nunca depois ultrapassados.” Do mesmo modo que concordamos com o jurista patrício Rubens Limongi França, quando este afirma que: “Foi na Escolástica, com o pensamento de Santo Tomás, que o Direito Natural atingiu desenvolvimento cujas noções foram capazes de resistir até a hora presente, se constituindo nas colunas sobre as quais foi possível edificar uma ciência jurídica que, sem perder de vista a realidade externa dos fatos, não fizesse abstração dos juízos de valor, propiciando assim a restauração da concepção integral, e, por isso mesmo, realista e verdadeiramente científica do Direito”. O pensamento jusnaturalista clássico, ou tradicional, que se assenta na tradição constituída pelos filósofos da Hélade, pelos jurisconsultos romanos e pelos teólogos e canonistas da Cristandade, tem o seu inegável apogeu na obra do Aquinate, tão ou mais viva e necessária hoje do que na Europa da décima terceira centúria.O Direito Natural, que tem seu fundamento metafísico último em Deus, o Sumo Bem, Princípio e Fim de todas as coisas, repousa em um critério objetivo de justiça, se constituindo em um conjunto de normas inatas na natureza humana, pelas quais o homem se dirige, com o objetivo de agir retamente.Como preleciona o Professor Alexandre Corrêa:
“A
razão conhece os preceitos do Direito Natural, intuitivamente, sendo ele, neste
sentido, racional”.
O Direito Natural se divide em duas partes:
1ª)-Uma universal e
imutável: que
diz respeito aos primeiros princípios da Lei Natural, isto é, aos denominados
princípios sinderéticos, ou seja, apreendidos pela Sindérese, expressão que
designa o hábito intelectual dos primeiros princípios de ordem prática. Tais
princípios podem ser reduzidos ao princípio segundo o qual devemos fazer o bem
e evitar o mal.
2ª)-Outra variável: Já a segunda parte atine aos princípios secundários do Direito Natural, que derivam dos primeiros princípios, expressando suas necessidades imediatas.
Para o Aquinate, Deus, Criador e Regedor do Universo, dirige o homem por meio de sua Providência, o instruindo pela Lei. Esta se divide em:
a)-Lei Eterna.
b)-Lei Natural.
c)-Lei Divina Positiva
d)-Lei Humana Positiva,
ou, simplesmente, Lei Humana, que é a ordenação da razão para o Bem Comum,
promulgada por aquele que tem o encargo da comunidade perfeita.
A Lei Eterna, cuja
existência é demonstrada pelo Doutor Comum na Suma Teológica (AQUINO, Santo
Tomás de. Suma teológica. 1ª parte da 2ª parte, q. XCI, art. I. 2), nada mais é que a razão da divina sabedoria
enquanto rege o Universo, dirigindo todos os atos e movimentos.
A Lei Natural, por seu turno, é a participação da Lei Eterna na criatura racional. Isto porque, consoante preleciona o Aquinate, “entre todas as criaturas, a racional está sujeita à Divina Providência de modo mais excelente”, posto que participa ela própria da Providência, provendo a si e às demais. Isto posto, cumpre ressaltar que a existência da Lei Natural, fundamentadora do Direito Natural, fora reconhecida já na Antiguidade. Aristóteles, com efeito, assim afirma, na Retórica:
“É bastante cabível agora efetuar
uma completa classificação das ações justas e injustas. Principiemos por
observar que ações justas e injustas foram definidas relativamente a dois tipos
de direito, além de o ser relativamente a duas classes de pessoas. Quando falo de dois tipos de direito ou
leis, refiro-me à lei particular e à lei comum. A primeira varia segundo
cada povo e é aplicável aos membros de cada povo, sendo parcialmente escrita,
parcialmente não escrita; a lei comum é
a lei natural, visto que há, de fato, uma justiça e uma injustiça das quais
todos têm, de alguma maneira, a intuição, e que são naturalmente comuns a
todos, independentemente de todo Estado e de toda convenção recíproca. É
isso que a Antígona de Sófocles expressa com clareza ao declarar que o
sepultamento de Polinices fora um ato justo, a despeito da proibição; ela quer
dizer que fora um ato justo por ser o direito natural”. (ARISTÓTELES. Retórica. I, 13).
Mais tarde, em Roma, Cícero assim se exprimiria, na obra De Legibus:
“Se a vontade dos povos, os
decretos dos príncipes, as sentenças dos juízes, constituíssem o direito,
seriam então de direito o latrocínio, o adultério, a falsificação dos
testamentos, desde que aprovados pelo sufrágio e beneplácito das multidões. Se fosse tão grande o poder das sentenças e
das ordens dos insensatos, que chegassem estes ao ponto de alterar, com suas
deliberações, a natureza das coisas, por que motivo não poderiam os mesmos
decidir que o que é mau e pernicioso se considerasse bom e salutar? Ou por que
motivo a lei, podendo transformar algo injusto em direito, não poderia do mesmo
modo transformar o mal em bem? É que, para distinguir a lei boa da má, outra
norma não temos senão aquela da natureza. Não apenas o justo e o injusto
são discernidos pela natureza, mas também tudo o que é honesto e o que é torpe.
Esta nos deu, assim, um senso comum, por ela insculpido em nosso espírito, para que
identifiquemos a honestidade com a virtude e a torpeza com o vício. Pensar que isso depende da opinião de cada um, e não
da natureza, é coisa de louco.”
Quanto à Lei Divina Positiva, é aquela que o próprio Deus promulga por meio de uma intervenção direta na História. É o caso do Decálogo, que Deus confiou a Moisés, e da Lei do Evangelho, ou Lei de Cristo. A necessidade da Lei Divina Positiva decorre, segundo Santo Tomás, das razões seguintes:
I – Como é o ente
humano ordenado “ao fim da beatitude eterna, excedente à capacidade natural das
suas faculdades”, é necessário que, “além da lei natural e humana, seja também dirigido
ao seu fim por uma lei imposta por Deus”.
II – O homem, cujo
juízo é incerto, sobretudo no que diz respeito às coisas contingentes e
particulares, para poder, sem dúvida nenhuma, “saber o que deve fazer e o que
deve evitar”, necessita dirigir “os seus atos próprios pela lei estabelecida
por Deus, que sabe não poder errar”.
III – Não podendo a Lei
Humana coibir e ordenar os atos internos da pessoa humana, é mister que, para
isto, sobrevenha a Lei Divina Positiva.
IV – Porque, como aduz
Santo Agostinho, a Lei Humana não tem o poder de punir ou de proibir a
totalidade das malfeitorias. Isto porque, caso desejasse eliminar todos os
males, “haveria consequentemente de impedir muitos bens, impedindo assim a
utilidade do bem comum, necessário ao comércio humano”. Destarte, “a fim de
nenhum mal poder ficar sem ser proibido e permanecer impune, é necessário
sobrevir a lei divina, que proíbe todos os pecados” (AQUINO, Santo Tomás de. Suma
Teológica. 1. parte da 2. parte, q. XCI, art. III).
Já a Lei Humana Positiva não é senão, como restou dito, a ordenação da razão para o Bem Comum, promulgada pela autoridade competente. Isto porque, segundo preleciona o Angélico Doutor: “Assim como a razão especulativa, de princípios indemonstráveis e evidentes tira as conclusões das diversas ciências, cujo conhecimento não existe em nós naturalmente”, sendo, porém, descobertos por obra da razão; assim também, “dos preceitos da lei natural, como de princípios gerais e indemonstráveis, necessariamente a razão humana há de proceder a certas disposições mais particulares”. E tais disposições, descobertas pela razão humana, observadas as demais condições pertencentes à essência da Lei, denominam-se leis humanas”.
Cumpre assinalar que,
segundo o Aquinate:
“As
leis humanas devem ser conformes ao Direito Natural, não o violando em ponto
algum, sob pena de iniquidade, e as leis iníquas não são leis, mas antes
corrupções da lei, não podendo ter força para obrigar ninguém: A lei escrita,
assim como não dá força ao direito natural, assim não lhe pode diminuir nem
tirar a força, pois, não pode a vontade do homem mudar-lhe a natureza.
E, portanto, se
a lei escrita contiver alguma disposição contrária ao direito natural, será
injusta, nem tem força para obrigar. Pois
o direito positivo se aplica quanto ao direito natural não importa que se
proceda de um ou de outro modo, como já provamos [q. 57, art. 2, resp. à 2ª objeção]. E, por isso, tais leis
escritas não se chamam leis, mas, antes, corrupções da lei, como já dissemos [Iª parte da IIaª parte., q. 95, art. 2].
E, portanto, não se deve julgar de acordo com elas”.
Por derradeiro, é imperioso destacar que o Direito Natural por si só não basta como regra de vida, sendo necessária sua complementação pelo Direito Positivo. A este cabe a concretização dos princípios do Direito Natural, aplicando as máximas deste às particularidades da vida em Sociedade. E deve fazê-lo levando em conta as circunstâncias de tempo e de lugar, motivo pelo qual deve possuir caráter eminentemente histórico. Daí concordarmos com o Professor Alexandre Corrêa, quando este sustenta que: “As ideias da Escola Histórica, especialmente com a forma que lhe imprimiu o Conde Joseph De Maistre, são admissíveis, como complemento à verdadeira teoria do Direito Natural”.
CONCLUSÃO:
Seja esta a nossa humilde contribuição ao estudo da doutrina perenis daquele que foi chamado, com justiça, pelo Cardeal Bessarion, “o mais santo dos sábios e o mais sábio dos santos”. Que ela tenha, na falta de outros méritos, aquele de fazer com que mais pessoas, particularmente nos meios jurídicos, sociais e filosóficos se interessem pela portentosa obra ampla e integral do Aquinate, de que não pudemos traçar senão um palidíssimo esboço. Como salienta o filósofo e historiador da Filosofia francês Étienne Gilson: “A infinita riqueza e maravilhosa organização da doutrina tomista se revelam tão somente no curso de um estudo direto das fontes." Convidamos por fim, aqueles que ainda não conhecem a obra do magno Mestre da Escolástica para que, vencendo o preconceito que por ventura tiverem, se debrucem sobre ela. Aqueles que o fizerem, garantimos, nada perderão, muito pelo contrário.
BIBLIOGRAFIA:
-CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino. Trad. e notas de
Carlos Ancêde Nougué. São Paulo: Editora LTR, 2003.
-ARISTÓTELES. Retórica. I, 13. Trad., textos adicionais e
notas de Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Edipro, 2011.
-AQUINO, Santo Tomás de. Tomás de. Suma Teológica.
-AMEAL, João. São Tomaz de Aquino: Iniciação ao estudo da
sua figura e da sua obra. 3 ed., rev. e acresc., com novos apêndices e um
quadro biobibliográfico. Porto: Livraria Tavares Martins, 1947.
-CORRÊA, Alexandre. Há um Direito Natural? Qual o seu conteúdo? (1914), cit., p. 42.
-Wikipedia a Enciclopédia Virtual
-https://www.dialetico.com.br/2018/10/11/o-filosofo-do-equilibrio/#:~:text=Surgida%20da%20filosofia%20cl%C3%A1ssica%20de,f%C3%A9%20e%20raz%C3%A3o%2C%20Teologia%20e
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_cfaith_doc_20090520_legge-naturale_po.html
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