Limites e responsabilidades
*(Antonio Hamilton
Martins Mourão - O Estado de S.Paulo)
A esta altura está
claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde:
Por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou
econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança. A crise que
ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um
ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe
profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta,
enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado.
Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata,
cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade
Mas nenhum vem
causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já
vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País
ao caos e pode ser resumido em quatro pontos:
1)-O primeiro é a
polarização
que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos
lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela
opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes do
essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater.
A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos
nesta calamidade que vivemos. Opiniões
distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a
retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo
espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se
o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.
2)-O segundo ponto é
a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira
responsável,
governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma
confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos
EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é
parte de um sistema federal que se estende por toda a União.Em O Federalista –
a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados
da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de
setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a
“administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo
nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados
isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar
os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz.
3)-O terceiro ponto é
a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no
mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison,
estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa
exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma
regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de
outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem
deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la.Na obra brasileira
que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime
Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e
ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da
Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação, ou não
compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido
sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País.
4)-O quarto ponto é o
prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de
personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações
anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o
governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio
para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos
demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma
acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do
governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região,
que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.
Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que
haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País. Pela
maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a
economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema
produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a
abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e
aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego
que está no horizonte. Enquanto os países
mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as
frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues
a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo. Há
tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as
responsabilidades das autoridades legalmente constituídas.
*ANTONIO HAMILTON
MARTINS MOURÃO É VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Fonte:https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,limites-e-responsabilidades,70003302275
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