No estudo intitulado “Tomás de Aquino e o nosso tempo: o problema do fim do homem”, o filósofo Henrique C. de Lima Vaz adverte que a interpretação de uma experiência que encontrou a sua expressão teórica em textos do passado, pressupõe a possibilidade de referir essa mesma experiência – e também a sua expressão – ao presente, no ato da leitura. No caso de Tomás de Aquino, além dos problemas de hermenêutica suscitados pela tentativa de interpretação de escritos compostos em época tão distante da nossa, uma atitude de prudência é aconselhável, se nos aproximamos do Doutor Angélico com o propósito de vislumbrar a harmoniosa justaposição dos elementos de seu vasto sistema, no qual cada parte se ordena e é proporcionada a um fim específico, e cada um desses fins, por sua vez, conduz a outros, no horizonte metafísico que tem Deus como princípio e fim último de todos os entes. Assim, como metodologia convém seguir o conselho do próprio Tomás, que, no pequeno texto intitulado “O modo de estudar” (De modo studendi), recomenda:
“Os estudiosos não devem pronunciar-se de forma apressada acerca do que pesquisam!”
Feita
esta advertência preliminar, registre-se que o presente estudo sobre a morte em
Tomás de Aquino buscará orientar-se por três linhas mestras:
1ª)- Uma dessas linhas parte do
movimento que o teólogo dominicano D. M. Chenu apontou no plano da Suma
Teológica: a Prima Pars trata da criação das coisas por Deus.
2ª)- A Secunda Pars refere-se ao retorno
de tudo ao seu princípio criador e ordenador, ou seja, o próprio Deus;
3ª)- E a Tertia Pars estuda as
condições cristãs para esse retorno, no caso particular do homem.
O exemplarismo divino e o retorno da imagem (homem) ao seu modelo (Deus) constituem o eixo dos escritos morais de Santo Tomás, e veremos como a morte do homem, para o Aquinate, se insere no contexto moral — que se efetiva a partir dos atos livres do ser humano. Por esta razão, é conveniente destacar que, segundo Tomás de Aquino, o ato propriamente humano orienta-se pela vontade, a qual é movida pela razão.Sendo assim, como é natural no homem agir com algum grau de conhecimento do fim em vista do qual age, de qualquer um dos seus atos só poderá dizer-se “bom” ou “mau” quando for voluntário, pois uma ação involuntária – não movida pelo apetite racional (expressão com que o Doutor Angélico designa a vontade) – não pode ser considerada boa ou má sob o aspecto moral.Aqui nos deparamos com o cerne desta primeira linha mestra: a morte humana como conseqüência do mal moral, que a tradição judaico-cristã convencionou chamar de “pecado original”, um ato de livre escolha para cuja execução houve o concurso da razão e da vontade.Para Santo Tomás, a vida eterna não é outra coisa senão a própria bem-aventurança à qual o homem foi destinado por Deus. Contudo, para alcançá-la, se requer dele a retidão da vontade, que tem a sua consecução na liberdade e, por isso, o Aquinate afirma que é essencial para qualquer pena (e a morte, para ele, é uma pena, decorrente do pecado original) ser contrária à vontade e, por conseqüência, à liberdade, que é o seu sucedâneo.No chamado “estado de inocência original” ao homem foram concedidos os dons preternaturais que o auxiliavam a evitar os erros e efetivar, a partir do exercício da liberdade, o seu destino à beatitude eterna, escolhendo os verdadeiros bens (e dentre estes, a vida, fonte de todos os demais).Pressuposta esta paradisíaca realidade, perdida com a queda de Adão e Eva, Santo Tomás passa a distinguir — com relação ao mal do ponto de vista ontológico — entre o mal que consiste na privação de uma forma (ato primeiro, que é o simples ato de ser de cada ente) e o mal que consiste na orientação de uma ação (ato segundo, atinente às intenções).A morte corresponde à primeira dessas distinções, referente à privação da forma, pois é a privação, no corpo humano, da sua forma substancial: a alma (anima). É o chamado “mal de pena”.
À segunda distinção corresponde o chamado “mal de culpa”, que é uma desorientação da vontade:
Ou seja, quando esta escolhe pseudos bens, ou bens contingentes, que obstam a consecução da felicidade perene, embora, sejam portadores de algum quantum de bem e de prazer, pois todos os entes, pelo simples ato de ser (actus essendi), são portadores de algum bem e, por isso, são apetecíveis, já que o mal não tem essência, pois é a privação de bem nos entes— e, por esta razão o mal, em si mesmo, não pode mover o apetite racional da vontade, pois os homens agem sempre buscando algum bem (real ou aparente) em suas ações.Neste horizonte metafísico, cumpre enfatizar que só o que é pode ser apetecível pela criatura racional que age em vista de um fim que, necessariamente, tenha razão de bem.Na perspectiva da procedência de tudo a partir de Deus, mencionada acima, dimensionam-se a vida e a morte do homem:
a)-Em termos concretos, o homem vive
a partir de sua alma, que é princípio do movimento e primeiro ato natural de um
corpo organizado, a qual procede de Deus, que a cria no momento do nascimento e
não antes, pois, convém-lhe estar unida ao corpo.
b)-Assim, vivendo a partir de uma
alma incorruptível unida a um corpo corruptível, o homem morre, de acordo com
Santo Tomás, por ter sido incapaz de manter a justiça original do estado de
inocência em que foi criado – no qual operavam, sob o controle da razão, todas
as faculdades da alma sem desordem alguma.
Nesse
estado, a ordenação da faculdade intelectiva da alma ao bem supremo, que é
Deus, era perfeita. A desordem na vontade e o ofuscamento da razão começam com
o pecado original.
Nesta perspectiva, a morte do homem é considerada
antinatural:
O filósofo salienta isso frisando que
a alma racional, de acordo com a sua incorruptibilidade, está adaptada ao seu
fim específico, que é a bem-aventurança perpétua. Na economia da salvação das
almas e de sua recondução a Deus, insere-se a Encarnação do Verbo, pois é na
pessoa do Cristo (que, por união hipostática, reúne em si as naturezas humana e
divina, deificando a carne pela união com o Verbo) que ao homem é dada a
oportunidade de recuperar a possibilidade de unir-se ao Criador.
A segunda linha orientadora deste escrito se
configura no plano ontológico (do ser):
Uma das dificuldades de abordar
o tema da morte em filosofia e, mesmo em teologia, é que se trata do único
evento na vida humana não suscetível de se transformar em experiência.
Como frisa Aristóteles, muitas recordações de uma mesma coisa chegam a
constituir uma experiência. Mas como seria possível recordar de algo
irrepetível, justamente o episódio singular que põe fim à existência?
Henrique de Lima
Vaz salienta que duas coisas concorrem para qualquer tipo de conhecimento e,
particularmente, o filosófico:
1)- A anámnesis (recordação)
2)- A nóesis (pensamento).
Por isso, a morte pode tão-somente ser pensada, testemunhada, observada, etc., mas nunca será um experimento, passível de posterior verificação, e isto faz dela, necessariamente, um mistério para qualquer campo de conhecimento.Na melhor das hipóteses, o homem está condenado a ter um simulacro de experiência da morte, a partir da que sobrevém aos seus semelhantes. Como frisa José Ignácio Murillo, a resposta ao enigma da morte acaba por se dar, geralmente, no âmbito da religião.Mas isto não implica dizer que a filosofia não possa dizer nada a respeito do fato inquestionável da finitude da vida. E o Aquinate o faz: Para Santo Tomás, a morte pode ser natural com respeito ao corpo, mas não o é com respeito à alma. Na tentativa de dimensionar o problema da morte humana como sendo a do corpo, em Tomás de Aquino, lembremos o seguinte: “Ontologicamente, o mal físico que decorre da corrupção do corpo e faz o homem sofrer e, cujo grau máximo, é a morte, com a conseqüente destruição do corpo, não é a negação de um bem possível, mas a privação de um bem natural, isto é, de uma perfeição devida à natureza de determinado ser” - como escreve Leonel Franca. Por esta mesma razão, não é um mal físico para uma pedra não ter pernas, pois naturalmente não as têm. Nela, não ter pernas é negação; mas no homem, não tê-las é privação de um bem específico, integrante de sua natureza. A morte não entrou no mundo pela corruptibilidade intrínseca (e filosoficamente inquestionável) da matéria, mas por uma iniciativa infeliz do espírito, o qual perdeu o dom de preservar a matéria da corrupção”.
Com relação à incorruptibilidade da alma racional, Santo Tomás demonstra-a de várias maneiras:
1ª)- Como a partir da premissa de que
nenhuma coisa se corrompe naquilo em que se aperfeiçoa, porque as mudanças para
a perfeição e para a corrupção são contrárias, e a alma humana se aperfeiçoa
pela ciência e pela virtude, às quais tende por natureza; pela ciência, tanto
mais a alma se aperfeiçoa quanto mais considera as coisas imateriais; e pela
virtude, a perfeição consiste em não seguir as paixões corpóreas, mas em
refreá-las.Neste horizonte, ele considera o perfectivo próprio do homem,
segundo a alma, como algo incorruptível, pois a operação própria do homem é o
conhecimento intelectivo, segundo o qual ele se diferencia dos animais
irracionais.
“Ora, o
conhecimento intelectivo tem por objeto os universais e os incorruptíveis como
tais. Como as perfeições de um ser são proporcionadas aos sujeitos
perfectíveis, também a alma será incorruptível”.
2ª)- O filósofo medieval argumenta contra os que dizem que a alma separada do corpo não efetiva nenhuma operação, dizendo que: “há operações da alma humana, como a intelecção e a volição, que independem daquela situação.”
Para Santo Tomás, o intelecto
apreende a coisa abstraindo da matéria, que é princípio da individuação, o que
não acontece com os sentidos, pois estes se referem às coisas particulares, e o
intelecto chega aos universais pela abstração da matéria individual, pois, enquanto
o intelecto elabora o conceito universal de “homem” e de “cadeira”, os sentidos
captam apenas este homem e esta cadeira.
3ª)- Da total imaterialidade destas
duas operações da alma – a intelecção e a volição –, o Aquinate conduz-nos às
substâncias separadas da matéria, como a alma dos homens e os anjos. A
respeito destas últimas, conclui que, se há algo imperfeito em algum gênero,
por prioridade de natureza haverá, antes dele, algo perfeito, pois o mais
perfeito tem prioridade sobre o menos perfeito. No caso dos anjos ou
substâncias separadas, a operação máxima – que é a intelecção – não proviria
dos sentidos materiais, pois os anjos não estão, substancialmente, unidos a
nenhum corpo.
4ª)- Um conjunto de artigos da Suma contra os Gentios conduz à demonstração da incorruptibilidade das substâncias intelectuais, a partir de várias premissas, assim como do fato de serem tais substâncias subsistentes. Assim, por exemplo, como o sensível é objeto próprio dos sentidos, o inteligível é objeto do intelecto. Assinala Tomás de Aquino, neste contexto, que os sentidos podem corromper-se pela excelência do seu objeto, como acontece com o olho humano, ao contemplar um objeto excessivamente luminoso. Entretanto, o intelecto jamais se corrompe pela excelência do objeto inteligível, mas, ao contrário, aperfeiçoa-se, sendo o inteligível a própria perfeição do intelecto.Todavia, como a substância intelectual, no caso do homem, está unida ao corpo, alguns filósofos anteriores ao Aquinate pensaram que todas as operações da alma humana fossem comuns às operações do corpo, ou ainda que a união corpo/alma não era substancial, mas acidental — como Platão nos induz a concluir, com a famosa proposição de que:“A alma se encontra no corpo como o piloto em seu navio e, por isso, a alma apenas se serve do corpo — como faz o piloto com o navio, no sentido de que este o conduza ao seu fim.”
5ª)- Tem-se aqui um esboço sumário da
doutrina tomista sobre a morte humana, a qual se respalda na perspectiva
teológica — a da morte como decorrência do pecado original — e se consuma na
análise da estrutura ontológica da alma racional, em duas (dentre as várias)
obras em que Santo Tomás aborda o tema, com diferentes demonstrações acerca da
impossibilidade de sua extinção, pelo fato de ser intrinsecamente incorruptível
e subsistente.
Com
relação ao destino da alma, após a morte na escolástica:
O tratado escatológico desenvolvido no início da escolástica mostra Pedro Lombardo († 1160) conferindo o definitivo direito de cidadania em seu sistema doutrinal teológico. Apesar de que, neste início da Escolástica o interesse maior era pelos temas da ‘criação e redenção’, fazendo com que o debate sobre as coisas últimas nos seja apresentado apenas por certo número de frases isoladas. Os primeiros passos nesse rumo, da definição de um tratado sobre a escatologia, são dados por Honório de Autun († 1152), Robertus Pullus († 1147/50) e Hugo de São Vítor († 1141). Em sua obra principal, De sacramentis christianae fidei, Hugo de São Vítor tentou, desenvolver a idéia de um grandioso Reino de Deus, superior a todos os regimes deste mundo. Com o passar do tempo, os estudos avançam e começam surgir inúmeras sentenças relativas aos éschata, sendo, uma das mais determinantes, a sentença de Simão de Tournai (†1201), o primeiro a questionar sobre os argumentos apresentados pró ou contra a concepção da unidade do homem, tendo, como ponto comum a imortalidade da alma, por ser dado revelado, quanto a considerar-se a ressurreição como um acontecimento de ordem natural. Excetuando Pedro de Cápua(†1242), todos os outros teólogos, dessa época, afirmam o caráter miraculoso da ressurreição, e o dado principal é a referência cristológica, à luz da qual se observa a ressurreição. Também, aqui, nos defrontamos com a causa da fé e da recompensa. O problema é expressamente levantado e solucionado na Summa anônima “Breves Dies hominis” (1195-1210):“A ressurreição de Cristo, embora não seja causa efficiens de nossa ressurreição, se insere na relação cristológica, pois a ressurreição de Cristo é o pressuposto absolutamente indispensável, a condição de possibilidade, a causa sine qua non de nossa ressurreição. Se os homens não ressuscitassem, a paixão de Cristo seria inútil”. Idéia também, a que coordena entre si sacramentos e escatologia. Já, Guido de Orchelles († 1225/33) aborda os temas escatológicos num apêndice à sua doutrina sacramental. E, na Summa Aurea de Guilherme de Auxerre († 1231), intitula seu tratado sobre os Novíssimos De sacramentorum effectu, sive de resurrectione. Aqui o pensamento vale-se, imediatamente, à coordenação entre ressurreição e eucaristia, já formulada em Santo Irineu († 202). Infere-se claramente aqui a veritas humanae naturae, que se define a partir do corpo ressuscitado. Segue-se daí uma recíproca relação entre antropologia e escatologia, apresentada por Pedro de Cápua († 1214).A gênese histórica de tal questão apresenta problemas e dificuldades que remontam à própria patrística. A afirmação “os mortos ressuscitam” é sempre recebida com reservas profundas.O que sustentava a zombaria e provocava a rejeição era sobretudo a convicção de uma identidade e integridade do ressuscitado ou do corpo da ressurreição.
E, Pedro de Cápua ilustra a “veritas humanae naturae” empregando o conceito de “integritas” ou “puritas” do homem. Claro que esse postulado da integridade da natureza humana é formulado em referência ao estado da transfiguração do homem e, assim, motivado em chave antropológica e se amplia até apreender aquilo que essencialmente pertence à real corporeidade e vida plena do homem.
Na
Alta Escolástica, São Tomás de Aquino († 1274) diz, que:
“A
ressurreição exige a integridade do homem”
E quais seriam os elementos essenciais que garantam a realidade da alma e a vida do homem? Santo Tomás recorre ao princípio aristotélico da “anima forma corporis”: A alma se exprime na matéria, tanto na condição gloriosa como na da peregrinação. A integridade da natureza humana é exigida pela mesma justiça enquanto o homem inteiro em todos os seus membros deve ser premiado ou castigado, prêmio e castigo que ele mereceu também com o concurso do corpo.
Os corpos deverão ser perfeitos também porque a divina Sabedoria há de se manifestar na ordem da matéria, para que através da perfeição do corpo transpareça a beleza e para que o louvor a Deus se traduza também na esfera material, no ser e agir do corpo. Para Tomás de Aquino é inconcebível perfeição que não signifique também realização definitiva do próprio corpo. O motivo, em última análise, que está por trás, a estas reflexões sobre a perfeição do homem transfigurado, é de natureza claramente teológica, e se fundamenta naquele Deus que leva a plena realização a obra de suas mãos. A motivação escriturísticas poderia achar-se em Dt 32,4: “Ele é o rochedo, perfeita é a sua obra, justos, todos os seus caminhos; é Deus de lealdade, não de iniqüidade, ele é justo, ele é reto”.
Então,
para uma melhor compreensão, podemos dizer que a temática (da escatologia) no
primeiro período da Escolástica, assinala dois tipos de solução:
1ª)- Numa primeira tendência,
representada por Hugo de São Vítor († 1141), Roberto Pullus († 1147/50),
Roberto de Melun († 1167), Pedro Lombardo († 1160) e Pedro de Poitiers (†
1215), compreendem a ressurreição como “revivificação do corpo”. A ênfase aqui
posta no corpo humano, pode assumir, a idéia de uma ressurreição compreendida
também em sua dimensão física e corporal. Roberto de Melun, insiste notavelmente, na
transfiguração do corpo e apresenta o motivo do sentido, pois está, ligado à
ressurreição de Cristo. Quando se acentua a função do corpo, torna-se
também mais agudo o problema de suasubstância, identidade e integridade.
1)- Um segundo grupo de pensadores, ainda deste primeiro período da escolástica: Simão de Tournai († 1201), Radulfus Ardens († 1200), Alano de Lille († 1204), Pedro de Cápua († 1214), Estevão Langton (†1228), Guido de Orchelles († 1225/33) e Guilherme de Auxerre († 1231), entendem por ressurreição a reconstituição do homem. A morte é interpretada como dilaceração da unidade que existe entre corpo e alma, e, por conseguinte coincidindo com o fim do homem. Ressurreição significa reunião do corpo com a alma, e reconstituição do homem. Como observamos em Alano de Lille, o homem não ressuscitaria, caso o corpo e a alma não ressurgissem:“A ressurreição é a reunificação do corpo com a alma, os quais foram separados com a morte”. Gilberto de La Porré, ou Poitiers (†1154), diz que com a ressurreição, esse homem que a morte destruíra começa agora a existir de modo totalmente novo e é capaz, com sua natureza íntegra, de contemplar a Deus. Deste modo, entendemos, que a doutrina de uma morte que fosse capaz de destruir o homem inteiro não acha acolhida nos primeiros escolásticos. Estes afirmam, em harmonia, a idéia de que a alma espiritual continua sobrevivendo após a morte do homem; a seus olhos a imortalidade da alma é uma verdade inalienável, que faz parte do próprio patrimônio da Revelação.Já na Alta Escolástica, Tomás de Aquino († 1274), diz que a alma se une, na ressurreição, com qualquer matéria, que obviamente se apresenta apenas no estado de matéria segunda, mas que na ressurreição da nova forma é matéria prima e pode ser transmudada em matéria segunda que agora se estrutura diferentemente da anterior. Temos assim de novo o mesmo corpo e o mesmo homem.Na morte o substrato material do homem se transfere para uma matéria segunda, que apresenta formações diversas das antecedentes. Para a alma, todavia, ele é, porém sempre forma prima. O que a matéria prima nos mostra é apenas pura potentia, sem qualquer ulterior determinação. Os pensadores medievais em geral concordam em afirmar um crescimento na bem-aventurança, motivada pela participação do corpo no estado glorioso; mas divergem as opiniões assim que se aborda o problema do como se deve interpretar essa intensificação. Podemos sem dúvida pensar que essa idéia do aumento intensivo da felicidade eterna, mediante a união da alma com o corpo, se integre no grupo das opiniões sustentadas pela escola franciscana.Em linha geral a Alta Escolástica admite um aumento tanto extensivo como intensivo da beatitude por causa da ressurreição.Bento XII († 1342) na Bula Benedictus Deus, de 1336, afirma claramente uma intensificação substancial do estado de glória e de pena, no último dia. Seguindo a tradição do Início da Escolástica, os mestres da Alta Escolástica colocam o tratado sobre a escatologia no final de seu sistema. Concretamente, isto significa que a escatologia se une à doutrina dos sacramentos. Pedro de Poitiers num contexto histórico-salvífico e cristológico, entendia os sacramentos como a via que conduz os membros até onde a Cabeça já se encontra. Nos sacramentos via ele também o início da atividade que o Ressuscitado exerce em relação a nós todos.Guilherme de Auxerre, qualifica a ressurreição como “effectus sacramentorum”. Tomás de Aquino, vê nos sacramentos os “signa prognostica praenuntiativa futurae gloriae”. E, descrevendo a eficácia da unção dos enfermos, exprime-se Alberto Magno († 1280) deste modo: “Através da Unção, somos conformados ao Ressuscitado”.João Capréolo († 1444) nos ilustra as conseqüências a que leva essa perspectiva:“O efeito principal a que tende o sacramento da ‘Unção’ não é revigorar o homem em face dos assaltos da última hora e nem tampouco reduzir a culpa ou a pena pelos pecados veniais cometidos, mas sim prepará-lo para a glória do corpo e da alma. E isto mediante a eliminação dos resíduos do pecado, que impedem a aceitação da glória e a destinação da alma e do corpo a ela”.A mesma naturalidade com que a “teologia dos sacramentos” utiliza elementos escatológicos, reaparece igualmente na “teologia da Graça”. Quando se olha para a Graça, pensa-se na Glória. Boaventura († 1274) resume essa dimensão escatológica da Graça nas palavras “Gratia est similitudo gloriae”. Também das referências à consumação definitiva, podemos concluir o papel de primeira importância que o éschaton desempenha na teologia fundamental. Aqui não se vê a Deus somente como causa eficiente e exemplar de toda a criação, mas também como o fim para o qual vai tendendo. Interessante, a este propósito, a transposição que achamos no Compendium theologiae, de Tomás, onde se insere a escatologia na doutrina da criação.
De importância fundamental é a ligação que se estabelece entre escatologia e cristologia:
A escatologia acaba absorvida pela
cristologia, a tal ponto que muitas vezes não se consegue compreender, do modo
como é formulado um tema, se o objeto se refere a um problema cristológico ou
escatológico. A ressurreição do Senhor se torna assim o ápice da cristologia e
ponto de partida da escatologia.
Sobre o CORPO E A ALMA ESPIRITUAL,Tomás aborda a
questão em diferentes escritos - Suma contra os Gentios, Capítulo LXXIX:
“Corrompido
o corpo, a alma não se corrompe”
1. Depreende-se claramente do acima
exposto que se pode demonstrar que a alma humana não se corrompe, após a
corrupção do corpo. Com efeito, foi acima demonstrado (c. LV) que toda
substância intelectual é incorruptível. Ora, foi também demonstrado que a alma
humana é uma certa substância intelectual (c. LVIss). Logo, necessariamente a
alma humana é incorruptível.51
2. Além disso, nenhuma coisa
corrompe-se naquilo que constitui a sua perfeição, porque as mudanças para a
perfeição e para a corrupção são contrárias. Ora, a perfeição da alma humana
consiste em certa abstração do corpo. Com efeito, aperfeiçoa-se a alma humana
pela ciência e pela virtude, pois, pela ciência, tanto mais é aperfeiçoada
quanto mais considera as coisas imateriais, e a perfeição da virtude consiste
em o homem não seguir as paixões corpóreas, mas em refreá-las e temperá-las
pela razão. Logo, a corrupção da alma não consistirá em ela separar-se do
corpo.
3. Porém, se se afirmar que a
perfeição da alma consiste em sua separação do corpo segundo a operação, e a
corrupção na separação segundo o ser, não se objeta corretamente. Com efeito, a
operação da coisa demonstra a sua substância e o seu ser, porque toda coisa
opera enquanto ser e a operação própria da coisa segue-lhe a natureza. Por
isso, não é possível ser aperfeiçoada a operação de uma coisa se não é segundo
a perfeição de sua substância. Ora, se a alma aperfeiçoa-se na sua operação por
deixar o corpo, a sua substância incorpórea não ficará menos perfeita no ser
por ter deixado o corpo.
4. Além disso, o perfectivo próprio
do homem segundo a alma é algo incorruptível, pois a operação própria do homem,
enquanto homem, é o conhecimento intelectivo, segundo o qual ele se diferencia
dos animais, das plantas e dos corpos inertes. Ora, o conhecimento intelectivo
tem por objeto os universais e os incorruptíveis como tais. Como as perfeições
de um ser são proporcionadas aos sujeitos perfectíveis, também a alma humana é
incorruptível.
Tem-se aqui um esboço sumário da doutrina tomista sobre a morte humana (Com respeito à morte dos animais irracionais, o ponto de vista de Santo Tomás é totalmente diverso, pois a alma deles, para o Angélico, não sendo capaz de efetivar nenhuma operação sem a intermediação de algum órgão corporal, é necessariamente, mortal, e se extingue juntamente com o próprio corpo);que parte de uma perspectiva teológica — a da morte como decorrência do pecado original — e se consuma na análise da estrutura ontológica da alma racional, em duas (dentre várias) obras em que Santo Tomás aborda o tema, com diferentes demonstrações acerca da impossibilidade de sua extinção, pelo fato de ser ela intrinsecamente incorruptível e subsistente.Em resumo, fomos criados para ser eternos, ou seja, para participar da eternidade de Deus, e perdemos tal prerrogativa pelo pecado. Por outro lado, mesmo com o advento do pecado, a nossa alma, por ser ontologicamente incorruptível, não pode morrer, não pode ser alijada do ser, a menos que Deus de potentia absoluta a aniquile. A questão é saber se o seu destino final será de beatitude ou de sofrimento eternos.
Creio na Ressurreição da Carne!
Eu, por minha parte, confessa Santo Inácio de Antioquia:“Sei muito bem e nisto ponho a minha fé que, depois da Sua Ressurreição, o Senhor permaneceu na Sua carne. E assim, quando Se apresentou a Pedro e aos companheiros, disse-lhes: Tocai-Me, palpai-Me e compreendei que não sou um espírito incorpório. E prontamente tocaram-No e acreditaram, ficando persuadidos da Sua carne e do Seu espírito (…). Mais ainda, depois da Sua Ressurreição comeu e bebeu com eles, como homem de carne que era, embora espiritualmente estivesse feito uma coisa com Seu Pai.”(Santo Inácio de Antioquia – Carta aos Esmirna, III, 1-3 – Padres apostólicos – Paulus )
Vemos pelos Evangelhos que Cristo ressuscitou à muitas pessoas, mas Sua Ressurreição difere das outras, segundo São Tomás de Aquino, porque Cristo por ser Deus e Homem, ressuscitou pelo Seu próprio poder. Sua divindade em nenhum momento se separou nem de Sua alma, nem de Seu corpo. Cristo ressuscitou para uma vida gloriosa e incorruptível e foi em virtude de Sua Ressurreição que todos ressuscitaram:"Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram... assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida" (1Cor 15,20-22).(Exposição sobre o Credo – São Tomás de Aquino - )
Sua ressurreição é para nós motivo de júbilo,
de esperança e estímulo para vivermos na santidade, esperando o dia de estarmos
com Ele, também vivos na glória!
"Não tardes na conversão para o Senhor, e não a delongues dia por dia
”(Ecle 5,8).
“Cremos n’Aquele que dos mortos ressuscitou Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação”(Rom 4, 24-25).
“Porque a morte veio por um homem, por um homem também virá a
ressurreição dos mortos “(1 Cor 15,21).
Nele, os cristãos "experimentaram... as forças do mundo que há de vir" (Hb 6,5) e suas vidas são atraídas por Cristo ao seio da vida divina "a fim de que não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2Cor 5,15). A união entre Cristo e os cristãos, como membros de um mesmo corpo, onde Cristo é cabeça, constituem um único organismo. “Por isso quando se afirma a Ressurreição de Jesus, é necessário afirmar a ressurreição dos justos, daqueles que morreram na graça de Deus. Jesus por ser o novo Adão mereceu a ressurreição de todos.”A Ressurreição de Cristo produziu a ressurreição dos nossos corpos, quer porque foi a causa eficiente deste misterio, quer porque todos devemos ressuscitar, a exemplo do Senhor. Deus se valeu da humanidade de Seu Filho como de instrumento eficiente. Por conseguinte, a Sua Ressurreição foi um instrumento para conseguir a nossa”.(Catecismo Romano, I,6,13).A ressurreição passou, então, a ser o centro da nova fé e tornou-se o arremate de todo edifício doutrinal da Igreja Santa e Católica e mais tarde São Paulo vem afirmar: "Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação, vã é a nossa fé”. (I Cor 15,14). Para entendermos como se dá a ressurreição de nossa carne após a morte, no dia final, temos que compreender como Deus, nosso Pai, nos constituiu, e o fez de uma forma maravilhosa, já que somos obra de Suas mãos santíssimas e feitos à Sua imagem e semelhança.
O homem é uma ponte entre o mundo do espírito e o
da matéria, formado de corpo e alma:
A alma do homem é espírito, de natureza similar ao anjo; o seu corpo é matéria, similar em natureza aos animais. Porém, o homem não é nem anjo nem animal. É um ser à parte por direito próprio, um ser com um pé no tempo e outro na eternidade. Os filósofos definem o homem como "animal racional", o que indica que sua alma é espiritual; e animal, o seu corpo físico.O corpo e a alma não se unem de modo circunstancial. Foram feitos um para o outro, fundem-se, compenetram-se tão intimamente que, ao menos nesta vida, uma parte não pode existir sem a outra.A maravilha de nosso corpo mostra o poder e sabedoria de Deus. Mas ele é nada comparado com a magnitude da alma que é como dizemos, um espírito: é um ser inteligente e consciente, invisível e imaterial, não se divide, pois é uma substancia simples, portanto é imortal.Quando nosso corpo estiver tão prostrado pela doença ou pelas lesões que não possa continuar a sua função, há a separação da alma e do corpo, o corpo cai na corrupção e a alma o abandonará – é a morte.Mas a alma espiritual não morre, pois não pode ser destruída ou danificada. Ela depois do julgamento particular a que passará todo homem após sua morte, recebe o prêmio – por ter buscado a graça e uma vida santa de boas obras – ou a condenação – por não ter aceitado a Cristo e Sua morte, rejeitando até o fim sem arrependimento algum, a graça que Deus com tanta liberalidade dispôs para que esta vivesse eternamente em Sua presença.
ATENÇÃO! A Igreja se
preocupou em nomear o 11 artigo do Credo como:” Creio na Ressurreição da
Carne”, para rebater a heresia de Himeneu e Fileto:
“O qual afirmavam eles que, quando a Escritura falando da ressurreição, não era para entender a ressurreicão
corporal, mas da espiritual que faz ressurgir, da morte do pecado, para a vida
da graça e inocência. O artigo do Credo portanto, exclui este erro e
confirma a realidade da ressurreição corporal (Catecismo Romano 11 artigo – II
– c – pag. 179)
O Apóstolo Paulo nos diz que o "corpo semeado na corrupção, há de ressurgir incorruptível", (Icor 15,42). Alguns escritores eclesiásticos afirmam a ressurreição do corpo para se unir à alma, pois seria contrário à natureza, que as almas ficassem eternamente separadas, já que sendo imortais pendem naturalmente a se conservarem unidas ao corpo. São João Crisóstomo, em sua homilia ao povo de Antioquia, nos diz que: “A justiça divina também é um fator importante para se entender este assunto. Deus, justo juiz, estabeleceu penas para os maus e prêmios para os justos. Tendo o corpo servido ao homem como instrumento de prevaricação ou de santidade, devem participar dos premios ou dos castigos das almas, na proporção dos crimes ou das virtudes, que houverem praticado. "(Io Chrysost Hom. 13 )
Quem
irá ressuscitar?
Nos diz São Paulo que “assim como
todos morreram em Adão, todos serão vivificados em Cristo”( I Cor 15,22).
Todos, bons e maus hão de ressurgir dos mortos, mas nem todos terão a mesma
sorte, “os que praticaram o bem, ressurgirão para a vida, os que praticaram o
mal, ressurgirão para a condenação”(Jo 5,29). Os que morreram em Cristo, nos
diz São Paulo," ressuscitarão primeiro, e os que ficam serão arrebatados,
por sobre as nuvens, para ir de encontro a Cristo nos ares”(I Tes 4,16).
Santo Ambrósio nos diz:
“Nesse arrebatamento sobrevirá a morte. À semelhança de um sono, a alma se desprenderá para voltar ao corpo no
mesmo instante. Ao serem arrebatadas morrerão. Chegando, porém, diante do
Senhor, novamente receberão sua almas, em virtude da própria presença do
Senhor, porquanto não pode haver mortos na companhia do Senhor”( Aug. de Civ.
Deis XX 20)
ATENÇÃO! Os corpos dos ressuscitados terão
propriedades, à semelhança do corpo glorioso ressuscitado de Cristo:
Portanto ser-lhe-á restituído tudo o que pertença a integridade da natureza, os dons, as excelências do homem como tal. Santo Agostinho descreve-nos essa transformação de uma maneira interessante: "Nos corpos, diz ele, não restará então nenhuma deformidade. Era alguém muito nutrido e cheio de corpo, não retomará o mesmo volume. O que excede as proporções, é considerado supérfluo. Ao contrário, tudo o que velhice ou doença destruírem no corpo, será refeito pela divina virtude de Cristo. Tal acontece, por exemplo, com quem for de excessiva magreza, porque Cristo não Se limita a ressuscitar o corpo, mas repõe ao mesmo tempo o que [nele] definhou com as privações desta vida". ( Aug de civ. Deis XXII 19 ss). Tudo em nós será restaurado à semelhança de Cristo, já que a ressurreição faz parte das grandes obras de Deus, em pé de igualdade com a própria Criação . Deus fez tudo perfeito no começo e tudo será perfeito no final.
Santo Agostinho afirma que:
“Não só
aos mártires acontecerá estas maravilhas, mas a todos! Os mutilados, os
degolados, todos terão restituídos seus corpos, mas terão as marcas tal qual
ficou em Cristo a marca dos pregos."
São Tomás na Exposição ao Credo diz que:
“Porque os
corpos serão incorruptíveis e imortais, não terão necessidade de alimento, nem
usarão do sexo. Lê-se: na ressurreição nem os homens terão mulheres, nem as
mulheres terão maridos, mas serão como Anjos de Deus no Céu (Mt 22,30).”
Quanto
à idade aparente (acidental),dos corpos ressurretos, diz São Tomás de Aquino
que todos ressurgirão na idade perfeita: aos trinta e dois anos:
A razão disto é que, os que ainda não atingiram esta idade, não chegaram
à idade perfeita, e, os velhos, já a ultrapassaram. Eis porque aos jovens e às
crianças será acrescido o que falta, e, aos velhos, restituído. Lê-se:
"Até que cheguemos todos ... ao homem perfeito, na medida da plenitude da
idade de Cristo" (Ef 4,13).Quanto
aos maus, este também recuperarão seus membros, ainda que lhes caiba a culpa da
amputação. Só que quanto maior for a restituição, maior serão os tormentos,
pois ela não lhe acarreta felicidade, mas dores sem fim. Todos, bons ou
maus, serão imortais após a ressurreição, pois por Cristo, pela Sua Cruz a
morte foi vencida, foi o ultimo inimigo a bater.
Mas os corpos
dos justos terão como que adornos lhes conferindo uma nobreza a que nunca
sonharam neste mundo:
Impassibilidade, sutileza (ou
penetrabilidade), agilidade e claridade. Pois bem, os corpos dos justos serão
transformados e glorificados segundo o modelo do Corpo de Cristo, o que nos faz
exultar e querer a todo custo a vida diante de Deus.
Entre
os dons dos corpos ressuscitados dos santos , segundo São Tomás e o catecismo
Romano, estão:
1)- Impassibilidade: Dom especial
cuja virtude é impedir que os corpos sintam qualquer dor, sofrimento ou
incômodo. “Semeia-se o corpo na corrupção, diz oApóstolo, e ressurgirá na
incorruptibilidade” (I Cor. XV, 42). A impassibilidade não é comum aos
condenados, cujos corpos podem, apesar de imperecíveis, podem padecer de todas
as formas de sofrimento, pois optaram livremente neste estado imperfeito.
2)-Claridade: Dom especial pelo qual
os corpos dos Santos refulgirão como o sol. Esta claridade é
um certo resplendor comunicado ao corpo pela suma bem-aventurança. Diz Nosso
Senhor: “Os justos resplandecerão como o sol, no Reino de seu Pai” (Mat. XIII,
43). Esse é o dom que às vezes o Apóstolo chama de “glória”.Mas não devemos
crer que todos sejam dotados da mesma claridade, como o serão da mesma
incorruptibilidade. O fulgor do corpo ressuscitado será proporcional à
santidade da alma. Diz São Paulo: “Uma é a claridade do sol, outra a das
estrelas. Com efeito, uma estrela difere da outra em claridade. Assim acontecerá
na ressurreição dos mortos” (I Cor XV, 41-42). Esta claridade é um certo
resplendor comunicado ao corpo pela suma bem aventurança da alma. Vem a ser a
participação da felicidade, de que goza a própria alma, pois nela recai uma
parcela da felicidade divina.
3)- Sutileza: O corpo ficará inteiramente sujeito ao império da alma, prestando-lhe serviço, e executando suas ordens com prontidão. “Semeia-se um corpo animal, ressuscitará um corpo espiritual” (I Cor. XV, 44). É bem notar que a sutilidade, de modo nenhum, implica que o corpo ressuscitado deixe de ser matéria para se converter em espírito; é matéria autêntica, contudo matéria mais intensamente penetrada pelo espírito; o que quer dizer: enriquecida de qualidades mais nobres dos que as que possui atualmente. A expressão paulina “corpo espiritual” não significa senão corpo de matéria em que o Espírito Santo expande plenamente a vida e glória de Deus.
Explica Santo Agostinho:
“Assim como o espírito, servindo à carne, é, com razão, dito carnal,
assim a carne, servindo ao espírito, é adequadamente chamada espiritual, não
porque se torne espírito, como julgam a alguns baseados em I Cor. XV...; mas
porque se sujeitará ao espírito numa suma e admirável prontidão para
obedecer... removido todo sentimento de dor, toda corruptibilidade e lentidão.
Não somente o corpo não será tal como é agora no melhor estado de saúde, mas
nem mesmo tal como foi nos primeiros homens antes do pecado.” (De civ. Dei 13,
20).
4)- Agilidade: Devido ao dom da
sutileza, poderão se mover para onde a alma queira. No Cristo
ressuscitado tem-se claro exemplar de tal prerrogativa: com admirável
facilidade o Senhor se transpunha de uma região a outra da Palestina.
Em
conclusão:
Verifica-se que os quatro dotes distintivos dos corpos gloriosos derivam da perfeita harmonia que reinará entre carne e espírito no estado de consumação. A alma do justo, tendo entrado definitivamente no seu lugar de criatura sujeita ao Criador, aderindo a Deus com toda inteligência e afeto, será grandemente dignificada:Adquirirá sobre os seres inferiores, a começar pelo próprio corpo, o domínio que em vão ela procuraria obter rompendo os seus vínculos de sujeição ao Senhor; doutra parte, por esse domínio que sobre o corpo exercerá a alma, o próprio corpo está nobilitado.O primeiro homem, cobiçando dignidade e poder independentimente de Deus, perdeu todos os dotes, preternaturais e sobrenaturais, de que gozava no Paraíso;(Telepatia,bilocação,não sujeitar-se a gravidade,etc...) ora, eis que na restauração de todas as coisas Deus Se dignará não propriamente restituir os dons perdidos, mas ultrapassá-los, concedendo à criatura humana prerrogativas muito superiores às do primeiro Paraíso.
Ao contrário, os corpos daqueles que tiverem recusado a restauração trazida por Cristo, isto é, os corpos dos réprobos, que sofrerão as penas eternas,os seus corpos segundo São Tomás, possuirão quatro qualidades más:
1)- Serão obscuros, conforme se lê: Os
seus rostos serão como fisionomias inflamadas (Is 13,8) serão como imagens
hediondas do mais deplorável estado de alma.
2)- Serão passíveis, mas jamais
corrompidos, pois arderão para sempre como que num fogo e nunca serão
consumidos: "Os vermes nunca morrerão nos seus corpos, e o fogo neles nunca se
extinguirá" (Is 66,24).Crassos, resistentes aos impulsos da alma.
3)- Serão pesados, porque as almas
estarão como que acorrentadas:" Para prender os seus reis com
grilhões" (SI 149,8).
4)- Finalmente, os corpos e as almas
serão, de certo modo, carnais:" Os animais apodrecerão nos seus
excrementos" (Jl 1,17).São passíveis de dor.
Em uma palavra, serão expressão fiel da
horrenda situação produzida na alma pelo ódio a Deus e as conseqüências lógicas
e naturais de seu afastamento:
“Virá o dia da retribuição, quando os corpos ressurgirão e o homem inteiro receberá o que merecer... Assim como muito difere a alegria dos que sonham da alegria dos que estão acordados, assim grande diferença haverá entre a felicidade dos mortos e a dos ressuscitados; não porque as almas dos defuntos sejam induzidas em ilusões como as que dormem, mas porque uma coisa é o repouso das almas separadas dos corpos, outra coisa é a glória e a felicidade das almas unidas aos corpos celestes" (Santo Agostinho, Serm. 280, 5).Podemos depois de todo o exposto, dar graças a Deus que não nos deixou na ignorância, já que Ele não esconde Seus mistérios aos pequenos. Pois quantos neste mundo tem perdido a vida pelo desconhecimento de tão grandes bens?
DESTAQUE
DE “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” SOBRE A CONDENAÇÃO FEITA PELA CONGREGAÇÃO DA
DOUTRINA DA FÉ À ESCATOLOGIA DE RENOLD BLANK:
Renold Blank é licenciado em Letras, pela Universidade de Fribourg, na França, e em Filosofia, pelas Faculdades Associadas Ipiranga. É graduado em Teologia, pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção. Obteve na Universidade de Fribourg o título de mestre em Teologia. É também doutor em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção, onde hoje é professor. Atua também como professor no Instituto Teológico de São Paulo, no Instituto Teológico Pio XI, no Centro Latino-Americano de Parapsicologia de São Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. É autor de Deus na história: centros temáticos da revelação (São Paulo: Paulinas, 2005), Consuelo para quien está de luto (Bogotá: Paulinas, 2006) e Ovelhas ou protagonistas? A igreja e a nova autonomia do laicato no século 21 (São Paulo: Paulus, 2006), entre outras obras, como "Escatologia da Pessoa", que mereceu esclareciemntos da Congregação para Doutrina da Fé.Em síntese: O autor trata da morte, do purgatório, da ressurreição dos corpos e do juízo final propondo suas próprias idéias que ele procura fundamentar na Escritura e na Tradição. Não leva na devida conta o Magistério da Igreja. Apresenta assim uma obra imaginosa e “simpática” porque dissipa o que possa impressionar negativamente um leitor não iniciado em Teologia. Renold Blank é autor bem conhecido no Brasil por seus escritos referentes a escatologia. Um dos mais expressivos do seu pensamento é intitulado “Escatologia da Pessoa”, adotado como manual de estudantes em certos institutos. O livro destoa de quanto a Igreja ensina sobre tais assuntos e merece sérias restrições, que passamos a propor. O tema central do livro é a morte; a esta se associam, na mente de Blank, lições antropológicas, o conceito de purgatório, os de juízo final, da ressurreição corporal, do inferno e do céu. Tudo isto teria lugar na hora da morte do indivíduo.
O
conteúdo do livro - Um tema básico para R. Blank é a antropologia:
O autor julga que corpo e alma não se separam nem são distintos entre si. A clássica concepção segundo a qual corpo e alma são duas substâncias incompletas que se unem para realizar um todo substancial é tida como dualista, oriunda das escolas filosóficas gregas pré-cristãs; a matéria seria má e o espírito, por si mesmo, bom.“Para a Bíblia, o homem é uma unidade que não pode ser dividida em dois princípios, chamados corpo e alma. Conseqüentemente também não é possível que, na morte, uma alma se separe do corpo” (p. 81).Em conseqüência, quando uma pessoa morre, morre tudo o que ela é, não resta em vida a alma espiritual, que, na clássica teoria, é imortal. E, para que não haja hiato entre a morte e a ressurreição, esta ocorre logo depois da morte, efetuando uma personalidade idêntica à falecida, mas com forma corpórea invisível aos nossos olhos.Para Renold Blank Já que, ao falecer, o indivíduo entra logo na eternidade, ele presencia imediatamente o juízo final sem ter que esperar, pois não há futuro na eternidade.Para Renold Blank na hora da morte, Deus dá ocasião a cada um de afirmar sua fé e entregar-se ao Senhor; caso o indivíduo aceite essa dádiva de Deus, ele faz aí seu purgatório, repudiando tudo o que ele reconhece ter sido menos correto em sua vida terrestre; assim chega a pessoa ao seu estado definitivo, configurando-se plenamente ao projeto de Deus; em virtude dessa “metamorfose” a pessoa ganha o céu; caso não aceite a oferta da graça divina, será o inferno. R. Blank dá a entender que a misericórdia de Deus superará as resistências do homem, fazendo que ele aceite a graça da conversão, sem o que lhe tocará o inferno ou a eterna separação de Deus.
Eis
em poucas palavras o pensamento de R. Blank no livro citado - Reflitamos a
propósito, analisando atentamente:
Corpo e alma - Temos abordado este assunto repetidamente em PR. Façamo-lo brevemente a seguir:
A distinção entre corpo e alma é
clássica no pensamento cristão. Já os judeus distinguiam dois elementos
componentes do homem: o corpo ou eventualmente o cadáver, que era sepultado no
túmulo dos pais, e um núcleo da personalidade que sobrevivia adormecido na
região subterrânea dita kai scheol. Sob o influxo da filosofia grega, essa
dualidade passou a ser dita “corpo e alma” (soma e psyché); ambos são criaturas
boas de Deus que as fez complementares entre si. É necessário distinguir bem.
a)- Dualismo: dois princípios
antagônicos entre si – o que não é bíblico.
b)- Monismo: um só princípio, como
admitem Blank e sua escola.
Entre os dois extremos há a dualidade, que admite dois princípios distintos entre si e separáveis, como corpo e alma, feitos não como antagônicos, mas como complementares. O fato de que a filosofia grega já no século V a.C. falava de corpo e alma, não quer dizer que esta teoria seja pagã ou falsa. Ela foi incorporada ao pensamento cristão desde cedo e recebeu de S. Tomás de Aquino a sua formulação própria derivada da teoria do hilemorfismo: “Se não há alma espiritual no homem distinta do corpo, o ser humano é um bloco material que poderia ser assemelhado a um macaco aperfeiçoado”.
Tempo
e eternidade
A alma humana que deixa o corpo quando este não lhe oferece mais as condições de exercer suas funções vitais, não entra na eternidade. Esta não tem entrada; é a posse simultânea de todo o ser vivente; só Deus é eterno e vive a eternidade, porque Ele não teve começo nem terá fim; a alma humana tem começo, mas não terá fim; ela é, portanto, imortal e vive o chamado “evo”. Este é o “tempo psicológico”, no qual há uma sucessão de atos da inteligência e da vontade. Aliás, às pp. 246s do seu livro, R. Blank parece cair em contradição consigo mesmo, professando a teoria clássica dual. Com efeito, à p. 246 refere-se aos que morrem em pecado grave sem arrependimento e diz:
“É com
estas imagens que se pode tentar descrever a situação de morte sem ressurreição
em Deus”.
À p. 247 do livro de Renold Blank lê-se:
“Todo ser
humano pode vivenciar tal situação na morte, pois como ser espiritual, o âmago
da pessoa não pode morrer. Sem a ajuda de Deus, porém, esse ser interior também
não pode sair de sua situação estática de morte, onde nada mais poderá ser
mudado”.
Estes dizeres afirmam que no homem
existe um ser espiritual que não morre nem ressuscita gloriosamente, mas
continua a viver afastado de Deus. A incoerência de Blank nesta passagem bem
manifesta quanto distante da realidade é o monismo “corpo-alma” professado pelo
autor.
Juízo
final
Se após a morte já não existe a categoria “termo” e na eternidade não há futuro, compreende-se que, para Blank, o ser humano falecido e ressuscitado já contempla, logo depois de morrer, o juízo final da história. Esta afirmação é totalmente inconsistente, pois quem morre em 2008, por exemplo, como poderá contemplar irmãos que ainda não nasceram em 2010 ? e, por conseguinte, não têm um teor de vida a apresentar ao Juiz universal ?...Este postulado errôneo é conseqüência da não distinção entre evo e eternidade. Não cabe dentro de um raciocínio sereno e objetivo.
Purgatório
Segundo Blank, se alguém não consegue no decorrer desta vida realizar plenamente o projeto que Deus lhe traçou desde toda a eternidade, na hora da morte Deus lhe dá a graça para atingir a plena realização de sua existência - Diz Blank: “Na morte Deus oferece à pessoa humana aquilo que lhe falta. Deus quer acrescentar a graça àquilo que lhe falta; está disposto a oferecer ao homem de graça, também na morte tudo aquilo que este lhe ficou devendo…(?)... Fica dentro da liberdade humana aceitar ou não esta proposta” (p. 202s).Tal graça é dada a todos - justos e pecadores - podendo ser a graça da conversão do pecado grave para o estado de filho de Deus. Para todos, é um processo doloroso, pois significa a destruição definitiva do homem velho, com seu egoísmo, sua vaidade, seu orgulho… Esta purificação nada tem que ver com uma câmara de tortura cósmica, onde os pecadores são purificados pelo fogo ou por outros meios. A última conversão na morte é um ato doloroso, de maior ou menor intensidade. Na linguagem tradicional, ela foi denominada o Purgatório (p. 208s)...Quem aceita tal graça na hora da morte vai para o céu, quem não a aceita, vai para o inferno".
Estas
ideias podem ser muito interessantes, mas não correspondem à doutrina oficial da
Igreja, que pode ser assim resumida:
1)- Todo pecado, mesmo depois de perdoado pelo sacramento da Penitência,
deixa no indivíduo as suas raízes, a tal ponto que, mesmo muito arrependido, o
pecador pode voltar (e muitas vezes volta) a cometer os mesmos pecados:
Isaias
26,10: “Ainda que se tenha compaixão do ímpio, ele não aprenderá a justiça;
ainda que esteja na terra da retidão ele age perversamente e não vê a majestade
do Senhor”
2)- Ora, somos chamados a ver Deus face-a-face - o que implica total
pureza de alma, pois perante Deus não pode subsistir a mínima sombra de pecado.
Por conseguinte, o pecador, mesmo já absolvido, terá que eliminar as raízes do
pecado que lhe restam, ou nesta vida (mediante a ascese) ou na vida póstuma (no
Purgatório) sem fogo nem diabinhos, mas numa atitude profunda de repúdio a
qualquer traço de pecado; esta purificação é póstuma; durará mais ou menos do
evo, de acordo com o maior ou menor arraigamento do pecado.
3)- A conversão do pecador pode ocorrer imediatamente antes da morte,
mas não após a morte. Blank não se refere às impurezas que impedem de ver Deus
face-a-face; encara o purgatório de modo diferente da visão clássica,
preocupado que está com a afirmação de que há salvação para os mais endurecidos
pecadores, que na hora da morte recebem a graça de um novo “purgatório”
relâmpago por Blank concebido.
Juízo de
Deus
Ao falar de Deus como Juiz, R. Blank
imagina-o sempre misericordioso e pronto para perdoar. Na verdade, muitos
textos bíblicos abonam esta concepção (ver SI 51; 103; Os 11…), mas não se
podem esquecer outras passagens bíblicas em que o Senhor exerce a justiça (cf.
entre outros segmentos os capítulos de Jr 1 -17, em que o Senhor prediz a vinda
dos babilônios a Judá para punir o povo idólatra).
Com
outras palavras diz Blank:
“Na morte, o homem se encontra com Deus… Jesus, porém, é aquele que
sempre interveio em nome de todos os que fracassaram, Aquele que veio para
salvar, e não para condenar, Aquele que exige de seus discípulos que eles
perdoem sempre” (p. 179). Mais, diz o autor: “O grito pela justiça é motivado
pela atitude farisaica… É muito interessante constatar que o grito pela justiça
divina se ouve sempre na boca dos piedosos, nunca dos pecadores. São sempre os
bons cristãos, os que freqüentam as missas dominicais, os fiéis aos mandamentos
e as leis que exigem justiça” (p. 186).
É o fato de Deus ser Amor-Justiça que dissipa a idéia de Deus ser “Papai Bonachão”, o Deus socorrista, o Deus que abona a permissividade dos costumes. Sim, sem dúvidas Deus e por conseguinte seu filho Jesus, estão sempre dispostos a nos perdoar , e nos ordenou perdoar não apenas 7, mas 70x7, ou seja, sempre que o ofensor nos pedir perdão, pois só existe perdão onde existe arrependimento e confissão da culpa. Vejamos como é esse processo na passagem que fala por si:
Lucas
17,3-4: "Tomem cuidado! Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se
arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes
voltar a você e disser: ‘Estou arrependido’, perdoe-lhe".
E não podemos esquecer que este mesmo Deus em Cristo disse a
Satanás:
“Afasta-te!!! (e não converte-te), e ainda mais: Apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniqüidade, e ide para o fogo eterno...”
Sobre o
inferno, eis como Blank o conceitua com sua “achologia”:
“Situação impossível e
contraditória em sua essência. Uma morte viva consciente, sem a mínima
possibilidade de poder providenciar uma saída pelos próprios recursos,
entorpecido e fixado em si mesmo. São imagens paradoxais que contêm exatamente
os elementos daquilo que as transcrições tradicionais chamam de “inferno” (p.
246).
Renold Blank pergunta se existe realmente alguém em
estado de pecado endurecido que se condene a ficar longe de Deus?
Enfatiza o amor de Deus, que não deveria suportar o sofrimento de uma criatura sua por tempos sem fim. Pergunta também se a justiça de Deus não é diferente daquela dos homens (haja visto a parábola de Mt 20, 1-16, que na verdade não quer insinuar diferente conceito de justiça).Em suma, o autor diz tudo o que pode para insinuar que os pecadores mais empedernidos podem chegar a salvação na hora da morte, contrariando o que a palavra de Deus, magistério e a Tradição afirma Ora, para o inferno só vai quem livremente por suas ações e opções fez por onde merecê-lo. A minha vida de Cristão não gira em torno do medo do inferno, mas em servir a Deus que tanto nos tem agraciado sem merecimento algum de nossa parte. Se o inferno não existe, seria justo pecadores arrependidos e sem arrependimento estarem juntos e receberem a mesma recompensa? Seria justo dar a mesma recompensa de uma santa mulher como Madre Tereza de Calcutá, a Hitler e tantos outros, que morreram sem arrependimento e até blasfemando contra Deus ?
Na
Divina comédia de Dante na entrada da Porta do Inferno está a frase:
“Deixai aqui fora toda a esperança...”
Dirá contra argumentando,
o incrédulo:
“Onde está
a justiça de Deus ao castigar com pena eterna um pecado que dura um instante?”
Responderemos com uma pergunta, (igual a de São Miguel feita aos anjos rebeldes: Quem como Deus?):
"Como se
atreve o pecador, por orgulho em manter-se num prazer egoísta e momentâneo, a
ofender um Deus de majestade infinita?"
Ora,
a resposta é simples:
As penas do inferno são eternas, porque a relação TEMPO E ESPAÇO já não existe na ETERNIDADE, pois entramos em estado eterno de decisão que tomamos no TEMPO DA GRAÇA E PACIÊNCIA DE DEUS de amizade ou inimizade com Deus.E porque o réprobo jamais poderá prestar satisfação e arrependimento por sua culpa. Nesta vida, o pecador penitente pode satisfazer pela aplicação dos merecimentos de Jesus Cristo; mas o condenado não participa desses méritos, porque não se arrepende, e só pode haver perdão e reconciliação onde há arrependimento e desejo de reconciliação de ambas as partes, pois existe o desejo de perdoar e reconciliar-se da parte de Deus, porém, não há da parte dos réprobos, e, portanto, não podendo por si satisfazer a Deus, sendo eterno no pecado, e sem arrependimento eterno, também eterna deve ser a conseqüência de sua livre opção (Sl 48, 8-9).
“Ali a culpa disse o Belluacense, poderá ser castigada, mas jamais expiada” (Lib. II, 3p), porque, segundo Santo Agostinho, “ali o pecador é incapaz de arrependimento”.
E ainda que Deus quisesse perdoar ao réprobo, este não aceitaria a reconciliação, porque sua vontade obstinada e rebelde está confirmada eternamente no ódio irreconciliável contra Deus, é aquilo que Cristo chamou de Pecado imperdoável contra o Espírito Santo. Imperdoável porque não existe arrependimento.O problema não está em Deus que está sempre disposto a perdoar, mas no réprobo que não se arrepende e não quer saber do perdão divino, seria atirar pérolas a porcos. Disse o Papa Inocêncio III:
“Os condenados não se humilharão; pelo contrário, crescerá neles (na evolidade) a perseverança no ódio”. São Jerônimo afirma que “nos réprobos, o desejo de pecar é insaciável” (Pr 27, 20). A ferida de tais desgraçados é incurável; porque eles mesmos recusam a cura (Jr 15, 18).”
A
própria bondade e justiça divina, permite este livre arbítrio:
Pois existiria castigo pior a um réprobo, que passar a eternidade na presença de um ser que ele odeia infinitamente e irrevogavelmente ?
Sobre o Céu
Céu é plenitude da vida, reencontro
com os parentes e amigos falecidos, marcado pela união íntima com Deus. Blank é
sóbrio e correto ao falar do céu. Apenas se lhe pode observar que seria mais
adequado falar da visão de Deus face-a-face como primeira fonte de
bem-aventurança e, só depois, mencionar o reencontro com familiares e amigos. O
livro termina recomendando a responsabilidade de cada indivíduo frente ao curso
da história universal. É preciso “que o amor seja posto em prática em vez de
ideologia de ameaça” (p. 318).
Conclusão
O livro de R. Blank é todo inspirado
pelo desejo de dissipar o medo que freqüentemente as pessoas têm da morte e do
além, tentando dourar a pílula com um falso conceito pessoal de justiça e
misericórdia.A intenção é muito boa, mas para atingir tal efeito, não é
necessário construir uma nova escatologia imaginosa e infundada deturpando a Escritura e a Tradição (por mais que Blank queira assim fundamentá-la).
Os
dois principais fundamentos errôneos de Blank são:
1)- A não distinção entre corpo e
alma, separáveis entre si.
2)- A não aceitação de um meio-termo
entre tempo e eternidade chamado “evo”.
Ora a razão filosófica exige estas distinções e não somente ela, mas a fé as propõe.Com efeito, a fé as professa conforme Carta da Congregação para a Doutrina da Fé publicada e comentada em PR 238/ 1979, pp. 399ss e PR 239/1979, pp. 456ss.
Cantemos por fim, com São Tomás de Aquino:
BIBLIOGRAFIA:
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Portugal: Edições 70, 1999
-LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia I – Problemas de
Fronteira. São Paulo: Edições Loyola, 1998
-MURILLO, José Ignácio. El valor revelador de la muerte – estudio desde
Santo Tomás de Aquino. Navarra, Espanha: Cuadernos de Anuario Filosófico de la
Universidad de Navarra. 1999
-FRANCA, Leonel. A psicologia da fé – O problema de Deus. São Paulo,
Edições Loyola, 2001
-SOUZA, José Antônio de Camargo Rodrigues de (org.).Idade Média: tempo
do mundo, tempo dos homens, tempo de Deus.Porto Alegre: EST Edições (Escola
Superior de Teologia), 2006
-SANTOS, Franklin Santana (org.). A Arte de Morrer - Visões Plurais -
Volume 2.Bragança Paulista, SP: Editora Comenius, 2009
-Ph. ARIÈS, Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média.
Lisboa: Teorema, 1989
-Heitor MEGALE, “Apresentação”. In: HÉLINAND DE FROIDMONT. Os Versos da
Morte. Poema do século XII. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996
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