Comentário do Blog Berakash: Não raramente
ouve-se a expressão: ‘Jesus é o esposo
de minha alma’. Tal expressão pode provocar incompreensão em alguns ou
certo desconforto em outros, seja pela sexualidade, seja pelo estado de vida. De fato, muitos não entendem o que isso
significa ter Cristo como esposo da alma. Outros, sendo homens, sentem-se
desconfortáveis em afirmar que Jesus é o esposo de sua alma, pois acreditam que
esta afirmação pode ferir sua masculinidade. Outros, ainda, pensam que esta
expressão é reservada somente àqueles que não se casam por causa do reino dos
céus. Mas, seria esta expressão lícita? Tentaremos aqui não encerrar, mas
aprofundar tão rico assunto de forma Bíblico-Teológica, e não partindo de um
carisma específico, mas de toda doutrina pós Vaticano II.
As
três conversões e o amor esponsal
Por pe. Paulo Ricardo
1)-O início da vida espiritual é marcado por um sentimento de
profunda gratidão para com Deus. O recém convertido medita sobre sua vida
passada e percebe o quanto o Senhor o amou, mesmo não sendo ele merecedor de
tamanha graça, dada a quantidade de misérias nas quais costumava chafurdar.
Esta relação é a do servo com o Senhor. Trata-se de um amor inicial,
por meio do qual a pessoa abandona aqueles pecados mais grosseiros, à procura
de uma vida mais em conformidade com os mandamentos da Lei Divina.
2)-O processo de
conversão segue para a segunda fase. Muitos autores espirituais escreveram
sobre esse período de transição, cuja meta é a amizade com Deus [1]. A pessoa passa por um período de aridez — ou noite escura dos sentidos, como dizia
São João da Cruz , que nada mais é do que uma purificação do amor, a fim de que
ela vença o egocentrismo e as próprias paixões. Há o convite a um
relacionamento mais íntimo com Jesus, o qual deseja chamar-nos
"amigos". A segunda conversão é o tempo da generosidade: Deus nos dá a
oportunidade de subir a escada da salvação, atrás do verdadeiro motivo para
nossa existência, isto é, a coroa do céu. O amor a Deus não pode se resumir a
algumas formalidades. De fato, mostramos
nosso amor quando agimos por gratuidade, não por causa de uma dívida a ser
paga. É na segunda conversão, portanto, que se inicia o grande combate contra os pecados veniais e contra aquelas imperfeições que danificam nossa fraternidade com a Pessoa de Cristo. Notem: há uma enorme diferença entre a dedicação do empregado ao patrão e a dedicação do amigo ao outro. Enquanto o primeiro age por interesse, ainda que seja legítimo e justo, o segundo faz o bem pelo amado, mesmo que este não possa retribuir. Deus não quer nosso amor simplesmente porque Ele nos consola com Sua graça e providência; temos de nos converter ao ponto de chegarmos à conclusão de que valeria a pena viver para Cristo ainda que não houvesse um Céu. Isso explica o porquê de Deus permitir a chamada aridez espiritual neste período do caminho para a perfeição. Ele se esconde para que o procuremos com determinada determinação.
3)-Os escritores espirituais falam também de uma terceira conversão. A
primeira, como vimos, é identificada pelo amor de gratidão: o servo ama seu
senhor. No segundo estágio, por sua vez, o servo é convidado a tornar-se amigo
de seu senhor, demonstrando uma capacidade de amar independentemente dos
benefícios desse amor. Já a terceira
conversão consiste no amor
esponsal.Infelizmente, o contexto super sexualizado no
qual vivemos gera certa confusão no entendimento deste tipo de amor, sobretudo
quando se refere aos homens. Como um homem pode ter um amor esponsal por Jesus?
Trata-se de uma questão aparentemente muito capciosa, mas que, na verdade, diz
respeito ao mais íntimo do ser humano.O pecado original corrompeu a alma humana, tornando-a refém do diabo.
Pelo batismo, no entanto, essa infeliz condição é anulada através da graça
santificante, a qual Deus infunde no coração do homem para que ele viva segundo
seu organismo espiritual. Deus quer habitar dentro de nosso interior, pois,
como diz Santo Agostinho, Ele é "interior intimo meo et superior summo
meo — maior do que o que há de maior em mim e mais íntimo do que o que
há de mais íntimo em mim" [2].Deus quer possuir
definitivamente nossa alma, ainda que sejamos criaturas mesquinhas, facilmente
seduzidas pelas paixões profanas. É disso que se trata o amor esponsal: uma união total e
incorruptível com nosso criador.
No texto do Cântico do Cânticos, lemos a declaração de
amor de Jesus a sua Igreja, que somos nós. Esse amor consiste numa entrega
apaixonada até o sacrifício na cruz, pelo que fica clara agora a comparação do
apóstolo entre o amor de marido e mulher e o amor de Jesus pela Igreja
(cf. Ef 5, 25. 29. 32). Somos chamados a ocupar todos os espaços de
nossas vidas com a presença de Deus; isso significa um amor exclusivo, pois não
se pode servir a dois senhores: ou
odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro (Mt 6, 24). O jovem rico
cumpria os dez mandamentos, mas não correspondeu ao chamado de Jesus porque
possuía muitas riquezas (cf. Mt 19, 22).A realidade do amor esponsal ilumina outros mistérios do cristianismo
como o próprio celibato dos padres e dos religiosos. Em consequência da
responsabilidade de suas vocações, eles são chamados a uma continência ainda
mais perfeita para que tenham a Deus como único amor de seus corações.A desistência e os
escândalos que ocorrem dentro do ambiente clerical deve-se justamente à falta
de vivência desse amor total exigido por Jesus aos ricos de si mesmos(as) por
Jesus e pela Igreja.O amor esponsal está na raiz de uma vida santa. Por
isso o primeiro mandamento ensina logo o amor a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo. Quem possui esse amor sabe enxergar no outro
um filho também amado pelo Senhor. Porque viviam esse amor, os santos foram os
que mais fizeram bem à humanidade, procurando no semelhante Aquele que habita
dentro de cada um nós, a grande descoberta de Santo Agostinho.
Lembremo-nos sempre: Ele está dentro de nós, não fora!
Fonte:
Padre Paulo Ricardo
Deus nas escrituras se revela como "Esposo"
A imagem
do amor esponsal foi sendo adotada ao longo da história da salvação para
expressar o amor de Deus para com o povo e também do povo para com seu Deus. Tomando
a iniciativa, o próprio Senhor que nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4,19)
utilizou-se da imagem do amor humano entre homem e mulher para ilustrar seu
amor pelo ser humano. É o que podemos ler em profeta Ezequiel: “Passando junto
a ti eu te vi: estavas na idade dos amores. Estendi sobre ti meu manto e cobri
tua nudez; eu te fiz um juramento e estabeleci aliança contigo – oráculo do
Senhor Deus. Então ficaste sendo minha” (Ez 16,8). Como vimos na passagem acima, o Senhor ama
seu povo, é atraído por sua fragilidade a qual ele cobre com sua onipotência e
estabelece uma aliança. Aliás, o próprio termo aliança utilizado pelo próprio
Senhor no Antigo Testamento pode indicar o amor esponsal. Vale
observar que esta linguagem esponsal não é extinta no Novo Testamento. De fato,
podemos constatar que Nosso Senhor Jesus Cristo, o verbo encarnado e imagem do
Deus invisível (Cf. Cl 1,15), afirmou que realizaria uma nova aliança em seu
corpo e em seu sangue (cf. Mc 14,22s), ou seja, Ele sustenta a linguagem
íntima. Além disso, ele comparou o Reino a um banquete nupcial em Mt 22,1-13.
Ainda mais, ele declarou que a vinda do Reino é semelhante à vinda do esposo em
Mt 25,1-12. Em outras palavras, o amor esponsal é sinal do que viveremos na
eternidade com o Senhor, nas núpcias do Cordeiro (Cf. Ap 19,7-9). Deste
modo, compreendemos que a legitimidade da expressão esponsal começa na decisão
bondosa do próprio Senhor de utilizar de uma imagem humana para expressar seu
amor sobrenatural para com a humanidade.Por outro lado, ao longo da história, o povo
assimila esta linguagem esponsal e se relaciona com o Senhor como sendo seu amado.
É o que expressa profeta Isaías: “Eu sou entusiasta, sim, por
causa do Senhor, minha alma exulta por causa do meu Deus, pois Ele me vestiu do
traje da salvação, ele me envolveu no manto da justiça, qual o noivo que, como
um sacerdote, cinge o diadema, qual noiva prometida se enfeita com seus
adornos” (Is 61,10). É
nítido, nesta passagem, que o povo agradecido pela bondade do Senhor que se
debruça sobre Ele, assume a linguagem esponsal para expressar sua gratidão. Em
João Batista, aquele que aponta para o Cristo e prepara seu caminho, a humanidade reconhece
Jesus como noivo (cf. Jo 3,29). Num casamento em Caná (cf. Jo
2,1-11), a Virgem Santíssima pede a Jesus que aja em favor dos noivos cuja
festa está condenada pela falta de vinho. Jesus chama a Virgem de ‘mulher’ e
não de mãe. De fato, neste casamento a Santíssima Virgem está como a nova Eva,
ou seja, a humanidade que pede ao Esposo o dom da salvação.Jesus
atende seu pedido mesmo afirmando que ainda não era a sua hora, agindo como
noivo, transformando água em vinho. Mais tarde, aos pés da Cruz (Cf. Jo 19,25),
lá está de novo a humanidade representada na Virgem, agora acolhendo o dom da
salvação feito pelo Esposo, o novo Adão na Cruz.Assim, compreendemos que a
resposta de acolhida ao dom total do Senhor em favor da salvação da humanidade
parece legitimar que o chamemos de esposo de nossas almas. Oséias o profeta da esposa infiel, parece
prefigurar em sua vida a obra de Cristo esposo. Já Paulo o apóstolo das nações
parece atestar e incentivar a expressão esponsal na relação com Cristo. O
Senhor pede a Oséias que se case com uma prostituta para que ele lhe ensine a
fidelidade: “Vai, toma para ti uma mulher que
se entrega à prostituição e filhos de prostituição, pois a terra se prostitui
continuamente, afastando-se do Senhor” (Os 1,2).
A mulher é tomada em casamento, mas mesmo
casada custa a se desprender de seus amores:
“Ela dizia: ‘Quero seguir meus
amantes, os que me dão o pão e a água, a lã e o linho, o azeite e as bebidas’”
(Os 2,7).
Contudo, o Senhor convida o profeta a não
desistir dela, mesmo que tenha que prendê-la e feri-la:
“Eis porque fecharei o teu
caminho com espinheiros; eu lhe oporei uma barreira e ela já não encontrará as
suas veredas. Ela irá ao encalço dos seus amantes sem os alcançar; ela os
procurará sem os encontrar; e dirá: ‘Voltarei para o primeiro esposo, pois
então eu era mais feliz do que agora’” (Os 2,8-9).
Desta forma, o profeta encarna na vida dele o
amor esponsal de Deus pela humanidade:
“Pois então vou seduzi-la. Eu a
levarei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração. “Tu me chamarás meu marido’. Eu a
noivarei contigo para sempre, eu noivarei contigo pela justiça e pelo direito,
pelo amor e pela ternura. Eu noivarei contigo pela fidelidade e tu conhecerás o
Senhor” (Os 2, 16).
Ele é prefiguração de Cristo que ‘se casa’
com a humanidade, tomando-a para sempre, libertando-a de suas infidelidades na
cruz e introduzindo-a nos céus em sua Ascensão.Paulo afirma na carta aos
Efésios que a relação de Cristo com sua Igreja é uma relação esponsal:“Maridos, amais vossas mulheres
como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela; ele quis com isto torná-la
santa, purificando-a com a água que lava, e isto pela Palavra; ele quis
apresentá-la a si mesmo esplêndida, sem mancha nem ruga, nem defeito algum;
quis a sua Igreja santa e irrepreensível” (Ef 5,25s).Ora, trata-se da relação da Igreja como todo e não de um membro específico.Desta forma, entendemos que o batismo nos insere todos os batizados nesta relação esponsal com Cristo, somos suas esposas.
AMOR ESPONSAL E OS "AMIGOS DO NOIVO"
Por *pe. Luiz Henrique Ferreira
(Ícone da Alma Esposa) |
Mt 9, 14-17: Naquele tempo, os
discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: Por que razão nós e
os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não? Disse-lhes Jesus: Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto
enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio
deles. Então, sim, eles jejuarão. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa
velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não
se põe vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se
derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se põe em odres novos, e assim os
dois se conservam".
Nesta perícope do Evangelho de Mateus,
Cristo apresenta-se sob a imagem expressiva do esposo a fim de esclarecer a diferença
entre Ele e São João Batista, entre o Antigo e o Novo Testamento. Esta
figura a que Jesus recorre indica-nos também que Ele é, de fato, esposo das almas,
cujo amor a Deus, de modo semelhante ao que sucede com a virtude da fé, passa
por etapas de crescimento e aprofundamento:Se, de um lado, começa como amor de servos, que se
movem sobretudo por temor das penas eternas, está chamado a tornar-se, de
outro, amor de filhos,
para quem viver é cumprir a vontade do Pai. Estes dois amores chegam à
plenitude, em que a alma aspira por unir-se tão intimamente a Deus quanto uma
esposa ao esposo, por meio de três formas de sacrifício:
a)-
O sacrifício
expiatório — correspondente ao amor servil, reparando as
ofensas já cometidas contra o Amado.
b)-Os
chamados sacrifícios
pacíficos — próprios do amor filial, consistentes num
esforço constante por manter-se em estado de graça, ou seja, em amizade com o
Senhor.
c)-
E
por fim, o holocausto
de amor, expressão daquela doação esponsal por que a alma, já
enamorada de Deus, a Ele se entrega por inteiro, a fim de ter com Cristo e em
Cristo uma só vida, deixando-se consumir na fornalha ardente de caridade que é
o seu Sacratíssimo Coração. Supliquemos hoje ao Espírito Santo que
ateie em nosso coração o fogo desse amor
esponsal, para que possamos experimentar a doçura que é dar-se a
Deus sem reservas nem medida.
O tema
da Igreja-Esposa (Como a esposa imaculada, a qual Cristo amou e por ela se
entregou, para santificá-la. Uniu-a a si por um indissolúvel vínculo, e sem
cessar alimenta-a, tendo-a submissa no amor e fidelidade, cumulando-a, por fim,
eternamente, de bens celestes), merece
ser colocado em evidência, devido a três razões fundamentais:
a)-Porque
brota da Sagrada Escritura e foi desenvolvido ao longo da tradição cristã.
b)-Porque
obriga a considerar a Igreja como uma realidade própria que não surge de uma
soma de membros, mas cuja personalidade é um verdadeiro mistério que nos leva
ao íntimo de seu ser.
c)
porque põe em consideração o fim último e central do mistério criador e
redentor, ou seja, a união de Deus com os homens. Nesta segunda parte, é
apresentada a Revelação contida no Novo Testamento, ou seja, na Nova Aliança,
que tem por centro Jesus Cristo como o Esposo da Igreja que emerge e se
propaga.
Para
tanto, buscaram-se nos Evangelhos Sinóticos, nos escritos joaninos e no
Apocalipse e também nos escritos paulinos – especialmente em Ef 5, 22-32 – referências
a esse amor esponsalício de Cristo pela sua Igreja. Assim, no Novo Testamento, distintos testemunhos nos dão a compreensão
da Nova Aliança com característica nupcial, na qual Cristo é o Esposo e, aos
poucos, aparece a Igreja como a Esposa (Cf.
A. MONTERO. La Iglesia Esposa, in: Ecclesia Tertii Millennii Advenientis. Roma: Edizione Piemme, 1997, p. 477). Importa apresentar
esse percurso do Novo Testamento, com o estudo dos principais textos para uma
fundamentação da união esponsal entre Deus e a Igreja.Em Mc
2, 19-20, o próprio Jesus designa-se como o Esposo (cf. Lc 12, 35-36; Mt 25,
1-13; Jo 3, 29), cumprindo assim o que os profetas tinham dito atinentemente às
relações de Deus com o seu povo (cf. Os 2, 18-22; Is 54, 5ss.).Os Apóstolos são os companheiros do Esposo nas núpcias e convidados a
participar com Ele do banquete nupcial, na alegria do Reino dos Céus (cf. Mt
22, 1-14). Já no v. 20 Jesus Cristo anuncia que o Esposo será arrebatado do
meio deles. É a primeira alusão que Ele faz de sua Paixão e Morte (cf. Mc 8,
31; Jo 2, 19; 3, 14)15. Noutras passagens, Jesus compara o Reino dos céus a um
banquete organizado por um rei para o casamento do filho (cf. Mt 22, 2), ou
então das virgens saindo ao encontro do esposo que chega (cf. Mt 25, 1-13), ou
a servos que esperam seu senhor voltar das núpcias (cf. Lc 12, 36).Em
todos esses textos, é interessante perceber a ausência da esposa (Pode-se
argumentar que as palavras “kai tes numfes” (e a noiva) confirmadas por forte
combinação de testemunhos ocidentais e cesareanos, foram omitidas por se ter
sentido serem incompatíveis com o ponto de vista largamente difundido de que
Cristo, o Noivo, viria buscar sua noiva, a Igreja. Mas é duvidoso que os
copistas tenham sido tão sensíveis à lógica da alegoria. Outrossim, aqueles que
omitiram a palavra visualizam o casamento a tomar lugar no lar da noiva; mas
aqueles que a adicionaram pensavam que o noivo estaria levando a noiva a sua
casa (ou a casa dos pais dele), onde o casamento teria lugar. Já que esse último
costume era mais comum no mundo antigo, “é
provável que essas palavras sejam uma interpolação feita por copistas os quais
não notaram que a menção da noiva perturbaria a interpretação alegórica da
parábola. Somente o noivo é mencionado na parábola.” (Conf. R. CHAMPLIN, O
Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Millennium
1980, vol. I, p. 571).
O
Evangelho do apóstolo João é permeado da simbologia esponsal. As palavras de
João Batista são talvez o reconhecimento mais explícito disso:
“Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que está presente
e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é
completa!” (Jo 3, 29).
Por
sua vez, João Batista cede lugar a Jesus, o Esposo legítimo. A alegria de João
consiste em trazer a noiva à presença do noivo. A esposa é a figura do povo,
segundo imagens usadas pelos profetas, como vimos anteriormente. Jesus,
consagrado como o Messias, leva para si a esposa e, por isso, é necessário
reconhecê-lo como Esposo.O
ponto central dessa narrativa é que o amigo do noivo. A tradição judaica confiava um
certo papel organizador aos amigos do esposo por ocasião das núpcias. Na
Judéia, mas não na Galiléia, era costumeiro haver dois desses amigos ou
paraninfos, um em favor do noivo e outro em favor da noiva. Eram
eles os responsáveis pelos arranjos das cerimônias dos esponsais, com todas as
suas diversas tarefas, e, finalmente conduziam o casal à câmara nupcial. Por
ocasião da festa de casamento, ofereciam presentes e cuidavam do noivo e da
noiva. Após o matrimônio, era dever do amigo do noivo manter os termos
apropriados entre o casal, defendendo a fama da noiva. Nos escritos
rabínicos, Moisés é referido como amigo do noivo, que conduziu a noiva (Israel)
ao encontro de Javé, no Sinai (cf. Ex 19, 17). Esses escritos também descrevem
Miguel e Gabriel como quem exerceu tais funções no caso de Adão e Eva. Nesses
escritos rabínicos, pois, tal ofício sempre é apresentado como envolto em
grande alegria e senso de realização e honra (Cf. R. CHAMPLIN. O Novo
Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Millennium, 1980,
vol. II, p. 317), não serve de rival, e que, apesar de estar numa
posição exaltada, não pode ser comparado, em dignidade, com o próprio noivo.O Esposo é Jesus Cristo. Por outros passos do Novo Testamento sabemos
que a Igreja é designada com o título de Esposa (cf. Ef 5, 24-32; Ap 19, 7-9).
Este símbolo dos desposórios exprime a união pela qual Cristo incorpora a si a
Igreja, e a comunhão de vida pela qual a Igreja é santificada e participa da
própria vida divina. A Igreja é hoje essa mulher que foi gerada por Cristo, mas
que também o gera diariamente, máxime na Eucaristia. Toda missão de João
Batista parece ser consciente de que o seu serviço no meio do povo é dirigido
para o Esposo que há de vir. Ele apresenta-se como amigo do Esposo. Ao se
apequenar “é necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3, 30), ele reconhece
que se deve a Jesus o direito de ser reconhecido e acolhido como Esposo.João Batista
alegra-se porque vê que já está a começar a atuação do Messias, e reconhece a
infinita distância que há entre a sua condição e a de Cristo. Por isso a sua
alegria é completa quando Jesus Cristo vai convocando os homens e estes vão
atrás dele. E já não mais a João Batista, o maior dentre os nascidos de mulher. Nessa perspectiva é
válido também recordar o banquete de núpcias em Caná da Galiléia, para o qual
Jesus foi convidado, juntamente com os discípulos (cf. Jo 2, 1-11)26. Em seu
primeiro milagre, que comprova sua messianidade, Jesus nos dá a compreender, mesmo
indiretamente, que o Esposo anunciado pelos profetas estava
presente no meio do seu povo, Israel. O Esposo já está à obra. Ao manifestar o primeiro sinal (transformar a água em
vinho), a pedido de sua mãe, é-nos grato recordar que, em Maria, se dá o início
da figura da Igreja-Esposa da Nova Aliança.Ao lado de Cristo,
começa a delinear-se a figura da Esposa da Nova Aliança, a Igreja, presente em
Maria e nos discípulos presentes no banquete nupcial. No Apocalipse, as imagens
de esposo e esposa estão separadas para produzir uma cena de núpcias, que será
narrada no capítulo 21. “Alegremo-nos e exaltemos, demos glória a Deus, porque
estão para realizar-se as núpcias do cordeiro, e sua esposa já está pronta...”
(Ap 19, 7). A maioria dos exegetas concorda ser esta uma imagem que ressalta a
união do Esposo (Cristo) com a esposa que Ele escolheu (a Igreja). As núpcias
do Cordeiro simbolizam o estabelecimento do Reino celeste. É Cristo o Esposo da
Igreja (cf. Ef 5, 23-32). As núpcias, realização perfeita da Aliança, são
esperadas para o fim dos tempos (cf. Mt 22, 2; 25, 1-13).É com uma imagem
nupcial que se encerra a Bíblia, com o Apocalipse, na visão da nova Jerusalém,
descendo do céu “... pronta como uma esposa que se enfeitou para seu marido”
(21, 2). “É a última referência à realidade nupcial, recapitulando as figuras
dos textos proféticos e sapienciais, no ponto em que se encerra a revelação
bíblica”. Assim, a participação decisiva de Maria na encarnação do
Verbo se torna modelo para as núpcias de Cristo com a Igreja. É em seu seio que
o Verbo se encarna, ou seja, ocorre pela primeira vez a união
histórico-temporal entre o humano e o divino. Há uma íntima unidade entre a
união humano-divina no seio de Maria e as novas núpcias do Cordeiro com a
Igreja. Os dois encontros conjugais se relacionam como sendo um, o momento
primeiro, e o outro, a sua realização plena (Cf. M. DEL PILAR RÍO. Teología nupcial del Misterio redentor de Cristo. Roma: Apollinari
Studi, 2000, p. 171-174).Em relação ao
mistério esponsal de Cristo com a Igreja, pode-se afirmar que o mistério
divino, em seu conteúdo cristológico, é o plano redentor de Deus que se realiza
concretamente em Jesus Cristo. E esse plano de redenção consiste em que o Pai,
movido por seu infinito amor, imolou seu Filho para que este pudesse conduzir
ao Pai a humanidade redimida.Cristo criou para si
a Esposa e, ao mesmo tempo, desposou-a, quando lhe comunicou sua vida, a vida
nova de Deus, que brotou de sua morte. Assim, o Esposo celestial ofereceu à sua
Igreja o Espírito Santo. O fato de Jesus identificar-se como Esposo sublinha no
seu amor o aspecto de doação e de íntima compenetração que tende a fazer de
dois uma só coisa. Por outro lado, reconhecer a Igreja como Esposa é vê-la
primariamente como aquele “tu” que se encontra diante do CristoEsposo, num
mistério de distinção e de unidade com Ele. Na Encarnação, Cristo reúne em sua
própria carne o divino e humano. Esta união é complementada através da doação
de sua própria vida pela salvação de sua esposa, a Igreja. Porém, a paixão e a
morte do esposo são coroadas por sua ressurreição.Assim, a morte de Cristo não é algo sem sentido, mas é redentora para a
sua esposa. É uma morte fecunda, que gera muitos filhos para sua amada esposa,
a Igreja.O mistério pascal de
Cristo pode, então, ser considerado como as núpcias de Cristo com a Igreja.
Encontram o seu ápice nos mistérios pascais da paixão, morte, ressurreição e
glorificação do Senhor. Isto porque, pela sua Paixão, Cristo crucificado foi
exaltado, recebendo, em sua humanidade, a plenitude do Espírito, que o
converteu em Senhor da nova Criação redimida. Ser “esposa de Cristo” é essencial
à identidade da Igreja e de nossas almas. Elas não são nada sem o Cristo, que
não cessa de amá-las e de purificá-las cada dia com seu sangue, pois elas não
estão a salvo das infidelidades de que fala o Antigo Testamento. Mas, elas
estão certa do amor de seu esposo. Ser “esposa de Cristo” fala-nos não somente
da intimidade única que existe entre o Cristo e a Igreja, mas os esponsais
divinos implicam também, e inseparavelmente, nossa incorporação a Cristo pelo
batismo. Se a Igreja é purificada, cada um de nós o é também. Deus não
tem outro objetivo senão a comunhão de vida conosco.
CONCLUSÃO
Com esta breve retomada bíblica, concluímos
que a expressão esposo da alma evoca o amor exclusivo e total que o Senhor tem
por nós a ponto de dar sua vida para nos resgatar do pecado e da morte. Em
seguida, deduzimos que afirmar que Cristo é o esposo de nossas almas é
totalmente legítimo e oportuno. De fato, o Senhor mesmo utilizou esta
imagem na antiga e na nova aliança e São Paulo afirma que esta imagem é a
imagem do amor misterioso com o qual o Senhor ama a Igreja. Consequentemente,
a imagem traz uma realidade da fé e não carnal.
De fato, estamos falando da
Igreja, realidade espiritual daqueles que foram resgatados pelo sangue do
cordeiro. Sendo assim, não se trata de uma relação com Cristo somente com as
mulheres, trata-se de uma relação de Cristo com todas as almas conquistadas e resgatadas
por ele. Em outras palavras, mesmo os homens podem viver com Cristo um
relacionamento de esponsalidade pela fé.Com isso, podemos deduzir também que, ainda
que aqueles que não se casam pelo reino, os chamados celibatários consagrados,
são um anúncio explícito desta realidade para toda Igreja, esta realidade não está
restringida a eles. Eles apontam aquilo que todos devem buscar
espiritualmente nesta terra e que todos viverão um dia no céu. Porque,
realmente, o Senhor afirmou que “na ressurreição, as pessoas não casam nem são
dadas em casamento” (Mt 22,30).Portanto, podemos sem
constrangimentos afirmar que Jesus é o amado de nossas almas, o esposo
eucarístico a nós ofertado. É marcante segui-lo, ouvi-lo, louvá-lo. É
maravilhoso sentir seu amor e graça. Ele é presença que transforma desertos em
rios, trevas em luz, tempestade em bonança. Basta um olhar seu e nos sentimos
seguros, uma Palavra sua e nos renovamos, um toque seu e renascemos. Ao
seu lado cada momento é especial. Ele faz fluir o amor a fé a esperança e
coloca um ponto final no impossível! Ele firma nossos pés na rocha e dirige nossos
passos no caminho da Paz. Por todas as coisas que fez e por quem Ele é deve ser
amado acima de tudo! Caso você ainda não tenha experimentado, busque
relacionar-se com Cristo com uma espiritualidade esponsal, dedicando-se a Ele
não somente como sendo seu servo, mas como amigo do esposo, dando a Ele todo o
seu coração!
*Padre Luiz Henrique
Ferreira - Consagrado da Comunidade Católica Pantokrator
Referências
1. Pe. Reginald Garrigou-Lagrange. As 3
vias e as três conversões. 4a. Rio de Janeiro: Editora Permanência, 2011, 104p.
2. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11.
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