O problema mais delicado a respeito das inspirações
foi sempre o de discernir as que vêm do Espírito de Deus das quais vem do espírito do
mundo, das próprias paixões ou do espírito maligno. O tema do discernimento dos espíritos sofreu
nos séculos uma notável evolução. Ao princípio, concebia-se como o carisma que
servia para distinguir, entre as palavras, orações e profecias pronunciadas na
assembléia, quais procederiam do Espírito de Deus e quais não. Em seguida, isto
serviu sobretudo para discernir as próprias inspirações e para guiar as
próprias eleições. A evolução não é arbitrária; trata-se de fato do mesmo dom,
se aplicado a objetos diferentes.
Existem 2 critérios de discernimentos
que poderíamos chamar objetivos:
1)- No terreno doutrinal, estes se resumem para Paulo no reconhecimento de
Cristo como Senhor. «Ninguém, falando com o Espírito de Deus, pode dizer
“Anátema é Jesus!”; e ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor!” senão com o Espírito
Santo»” (2Cor 1, 3); para João se resumem na fé em Cristo e em sua encarnação:
«Queridos, não vos fieis de qualquer espírito, mas examinai se os espíritos vêm
de Deus, pois muitos falsos profetas saíram ao mundo. Podereis reconhecer nisto o
espírito de Deus: todo espírito que confessa Jesus Cristo, vindo na carne, é de
Deus; e todo espírito que não confessa Jesus, não é de Deus» 1 JO 4, 1-3).
2)- No terreno moral, um critério fundamental vem da coerência do
Espírito de Deus consigo mesmo. Este não pode pedir algo que seja contrário à
vontade divina, como se expressa na Escritura, no ensinamento da Igreja e nos
deveres do próprio estado. Uma inspiração divina jamais pedirá realizar
atos que a Igreja considera imorais, por muitos aparentes argumentos contrários
à carne que seja capaz de sugerir nestes casos; por exemplo, que Deus é amor e
por isso tudo o que se faz por amor é de Deus. Se um religioso
desobedece seus superiores, ainda com um objetivo louvável, certamente não será
uma inspiração da graça, porque a primeira inspiração que Deus manda é
precisamente a de obedecer. Madre Teresa esperou pacientemente a que a
autoridade eclesiástica reconhecesse sua inspiração antes de colocá-la por
obra.
Às vezes, contudo, estes critérios objetivos não bastam porque a eleição não é entre o bem e o mal, mas entre um bem e outro bem, e se trata de ver o que é que Deus quer em uma circunstância precisa!
Foi
sobretudo para responder a esta exigência que Santo Inácio de Loyola
desenvolveu sua doutrina sobre o discernimento. Ele convida a observar as
intenções (os «espíritos») que estão atrás de uma eleição e as reações que esta
provoca. Sabe-se que o que vem do Espírito Santo leva consigo alegria, paz,
tranqüilidade, doçura, simplicidade, luz. O que provém do espírito do mal, ao
contrário, leva consigo tristeza, tribulação, agitação, inquietude, confusão,
trevas. O Apóstolo declara contrapondo entre si os frutos da carne (inimizades,
discórdias, ciúmes, divisões, invejas) e os frutos do Espírito, que são contudo
amor, alegria, paz… (Cf. Gal 5, 19-22).Na prática as coisas são mais complexas. Uma
inspiração pode vir de Deus e, pese a isto, causar uma grande tribulação. Mas
isto não se deve à inspiração, que é doce e pacífica como tudo o que provém de
Deus; nasce mais da resistência à inspiração. Também um rio sereno, se encontra
obstáculos, provoca redemoinhos. Se a inspiração é acolhida, o coração se
encontra imediatamente em uma paz profunda. Deus recompensa cada pequena
vitória neste campo, fazendo sentir a alma sua aprovação, que é a alegria mais
pura que existe no mundo!
Deixar-se
guiar pelo Espírito Santo de Deus!
O fruto concreto desta meditação deve ser uma
renovada decisão para confiar-nos em tudo e para tudo à guia interior do
Espírito Santo, como em um tipo de «direção espiritual». Se acolher as
inspirações é importante para todo cristão, é vital para quem tem tarefas de
governo na Igreja. Somente assim se permite ao Espírito de Cristo que guie Ele
mesmo sua Igreja através de seus representantes humanos. Não é necessário que
em uma nave todos os passageiros estejam com a orelha pregada no rádio de bordo
para receber indicações sobre a rota, eventuais icebergs e as condições
meteorológicas, mas é indispensável que o estejam os encarregados. De uma
«inspiração divina» valentemente acolhida pelo Papa João XXIII nasceu o
Concílio Vaticano II e nasceram em tempos mais próximos a nós muitos outros
gestos proféticos. É esta necessidade da guia do Espírito Santo o que
inspirou as palavras do Veni Creator: Ductore sic te praevio vitemus omne
noxium: «contigo como guia evitaremos todo mal». Em seu Tríptico
Romano, o Santo Padre retoma esta palavra quando, falando do momento de eleger
ao sucessor de Pedro, põe a boca dos presentes a oração: «tu que penetras tudo
– indica!». - Devemos abandonar-nos todos ao Mestre interior que
nos fala sem ruído de palavras. Como bons atores, devemos ter o ouvido atento,
nas grandes e nas pequenas coisas, às vozes deste apontador escondido, para
recitar fielmente nossa parte na cena da vida.É mais fácil do que se pensa,
porque Ele nos fala dentro, nos ensina cada coisa, nos instrui sobretudo. «E
enquanto a vós nos assegura João, a união que Dele haveis recebido permanece em
vós e não necessitais que ninguém vos ensine; sua unção vos ensina acerca de
todas as coisas, e é verdadeira e não mentirosa» (1 Jo 2, 27). Basta às vezes
com uma simples olhada interior, um movimento do coração, um instante de
recolhimento e de oração. Com as palavras de uma conhecidíssima oração
litúrgica pedimos a Deus, por intercessão da Beata Teresa de Calcutá, o dom de
reconhecer e seguir suas inspirações divinas como as seguiu ela: «Actiones
nostras, quesumus Domine, aspirando preveni et adjuvando prosequere, ut cuncta
nostra oratio et operatio a te semper incipiat et per te cepta finiatur” .
«Inspirai nossas ações, Senhor, e acompanhai com tua ajuda, para que toda nossa
atividade tenha em Ti seu início e em Ti seu cumprimento. Por Cristo Nosso
Senhor».
Fonte: https://comshalom.org/o-discernimento-dos-espiritos/
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