Em anos de eleição presidencial, um triste hábito de
retrocesso acomete o Brasil:
Aparentemente, a
inteligência nacional, cansada, resolve ir passear por outras bandas, e
assuntos que teriam grandes dificuldades em ser levados a sério até mesmo por
aborígenes, aqui adquirem um ar de imerecida respeitabilidade, e são debatidos
a sério não só por partidos políticos, mas também por intelectuais em colunas
de jornal e em mesas redondas.
Nas eleições de 2006,
a
moda era reestatizar a mineradora Vale (então chamada Vale do Rio
Doce). Mais ainda: foi proibida qualquer
alusão à necessária desestatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal. A Eletrobrás, então,
nem foi mencionada. O candidato da
"oposição" se viu forçado a sair vestindo camisetas de estatais a fim
de confirmar sua inabalável fé no estado, numa das cenas mais patéticas da
nossa história eleitoral.
(Em tempo: em 2007, último ano de
calmaria econômica e de preços recordes do barril de petróleo, bem maiores que
os de 2006, a Petrobras teve uma queda de 17% no lucro em relação a 2006. Das
dez principais empresas de petróleo do mundo, apenas quatro não apresentaram
crescimento do lucro: Petrobras, Pemex (México), PDVSA (Venezuela) e
Gazprom (Rússia), todas elas estatais).
Quase quatro anos
depois, o barulho das passadas dos dinossauros já é ouvido com ainda mais
intensidade. O atraso da vez envolve a
reativação da nada saudosa Telebrás, além da quase já confirmada criação da
Febrasa, estatal de fertilizantes.
Os governistas podem
dizer que a ameaça de reestatização da Vale foi apenas bravata eleitoreira,
apenas um balão de ensaio que foi levantado sem maiores perspectivas, o mesmo
sendo válido para a Telebrás. Pode
ser. Mas sempre há outras intenções mais
insidiosas. O fato é que medidas desse tipo
servem apenas para deslocar o fiel da balança cada vez mais para o campo
estatizante, limitando cada vez mais a amplitude do debate aceitável,
restringindo-o totalmente ao campo antimercado.
Se nas eleições de 1989 falava-se com naturalidade na privatização de
várias estatais e na redução do estado, nas de hoje o candidato que não jurar
de pé junto que não vai vender uma única ação ordinária de alguns desses mamutes
irá raivosamente ganhar a pecha de privatista insano, estando automaticamente
excluído dos "debates sérios".
Mas por que isso aconteceu? Como as coisas regrediram a esse ponto?
De um lado, a
explicação é fácil: privatizações causam pânico naqueles aspones que ganham
salários astronômicos para não fazer... bem...para ser um aspone.
Como estão ali por indicação política, uma vez que estatais são notórios
cabides de emprego para executivos de alto e baixo escalão, é óbvio que um
enxugamento dos quadros, a busca por lucros e a exigência de eficiência —
medidas básicas adotadas por qualquer empresa privada que queira sobreviver —
representa um perigo imediato para a boa vida desses indivíduos, que nunca
estiveram acostumados a qualquer tipo de pressão. Para evitar essa tragédia, eles acionam seus
sindicatos — outra categoria repleta de aspones —, organizações poderosas,
temidas e de forte peso eleitoral.
Poucos têm a coragem de peitá-los.
Outra explicação, também fácil, envolve a falta de
intimidade da população com assuntos econômicos
O discurso
nacionalista sobre "entrega das riquezas nacionais", "espoliação
do patrimônio nacional", "o petróleo é nosso", "o minério é
nosso", "a telefonia é nossa", "as filas de banco são
nossas", tudo isso tem forte apelo popular sobre as massas mais despreparadas
(nacionalismo e ignorância andam juntos).
Dizer que o petróleo é nosso e que sua desestatização nos privaria de um
produto estratégico, essencial, barato e de qualidade, é algo extremamente
fácil e eficaz, que não exige mais do que dez segundos de propaganda
televisiva. Porém, explicar que isso é
mentira e que a desestatização e a livre concorrência — em qualquer setor —
geram produtos de melhor qualidade e preços mais baixos é algo que exige mais
didática, mais preparo e mais paciência.
E principalmente: exige uma platéia atenta e genuinamente interessada em
aprender. Temos isso em maioria
democrática no país?... Pois é.
Porém, há também uma terceira explicação para o ressurgimento
dessas ideias jurássicas
As quais incrivelmente têm uma boa penetração entre as massas mais
cultas e que não necessariamente estão encasteladas em estatais ou trabalhando
para o governo: o modelo de privatização adotado no Brasil foi péssimo — algo
óbvio, aliás, pois o processo foi conduzido pelo estado.
O que foi privatizado
Antes, é preciso
desmistificar algumas coisas. O consenso
(quase) geral é que o governo Fernando Henrique foi o que mais privatizou, o
que mais tirou o estado da economia, o que mais desregulamentou, e patacoadas
afins.
Mentira. Qualquer análise básica e desapaixonada irá
revelar que as privatizações feitas pelo governo federal no mandato do
sociólogo foram ínfimas, embora tenham sido as de maior valor de venda. Fernando Collor e até mesmo o
ultranacionalista Itamar Franco privatizaram mais. Confira:
Collor:
1)- USIMINAS,
2)- CELMA (Cia.
Eletromecânica),
3)- MAFER S.A.,
4)- COSINOR (Cia.
Siderúrgica do Nordeste),
5)- SBNP (Serviço de
Navegação da Bacia do Prata),
6)- AFP (Aços Finos
Piratini),
7)- Petroflex S.A.,
8)- COPESUL (Cia.
Petroquímica do Sul),
9)- CNA(Cia. Nacional
de Álcalis),
10)- CST (Cia.
Siderúrgica de Tubarão),
11)- FÓSFERTIL,
12)- GOIASFÉRTIL e
Acesita. Nota-se que as privatizações se concentraram no setor siderúrgico e
petroquímico.
Itamar:
1)- CSN,
2)- ULTRAFÉRTIL,
3)- COSIPA,
4)- AÇOMINAS,
5)- PQU (Petroquímica
União),
6)- CARAÍBA
(mineração),
7)- EMBRAER
Fernando Henrique:
1)- ESCELSA (Espírito
Santo Centrais Elétricas S.A.),
2)- Light (vendida
para um consórcio no qual as estatais CEMIG e Électricité de France tinham
participação majoritária),
3)- Companhia Vale do
Rio Doce,
4)- Banco Meridional,
5)- Telebrás,
6)- GERASUL (Centrais
Geradoras do Sul)
7)- DATAMEC (Sistema
de Processamento de Dados).
De todas essas privatizações, as melhores — no sentido de mais bem
feitas — ocorreram nos governos Collor e Itamar, em que as siderúrgicas foram
vendidas e o governo simplesmente se retirou da área, sem dar palpites nem
impor regulamentações. A privatização da
EMBRAER foi quase toda correta, exceto pelo fato de ter havido recursos do
BNDES. No entanto, seu sucesso
pós-privatização é inquestionável, o que deixa poucas margens de choradeira
para a cômica turma de sempre.Tão boas foram essas privatizações que hoje quase
ninguém as contesta (exceto os suspeitos de sempre, linkados acima), uma vez
que os benefícios trazidos para a economia do país foram amplos.
A encrenca começou no governo FHC - Onde fizeram errado?
Antes, vamos começar por onde fizeram certo:
1)- A privatização da
distribuidora de energia ESCELSA, a primeira do governo FHC, foi uma das que
deram certo (talvez pelo fato de ter ocorrido antes da criação da ANEEL). Desde 2005, ficou regulamentado que "os
clientes de todas as categorias de consumo estão livres para escolher o
fornecedor de energia elétrica que lhe convier, por preço ou por qualidade do
serviço e do atendimento."
2)- A privatização da
GERASUL (na verdade, uma concessão de 30 anos), um dos poucos setores de
geração de energia entregues à iniciativa privada, também foi outra que deu
certo — tanto é que a região sul ficou isenta do apagão ocorrido em 2001, que
ocorreu no resto do país por falta de investimentos em geração e distribuição
de energia.
3)- Foi com a
privatização da Vale que a coisa começou a degringolar. Em vez de sair completamente do setor e
deixar a mineradora em mãos totalmente privadas, livre de influências políticas
e buscando livremente o lucro, a venda foi feita com amplos recursos do BNDES e
com a participação de fundos de pensão de estatais. Hoje, o governo federal, por meio do BNDES permite
participações, dos fundos de previdência de suas estatais e de sua participação
direta, pode influenciar em 41% do capital votante. Juntas, a Previ, a Funcef e a Petros (fundos
de pensão do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobras,
respectivamente) detêm 49% do controle.
O Bradesco só tem 17,4%.Ainda assim, essa retirada do governo do
controle principal foi suficiente para modernizar e dar eficiência à Vale. O número de empregados pulou de 11 mil em
1997 para os mais de 52 mil atuais. O
ganho de eficiência e o aumento da lucratividade foram tão grandes, que os
setores mais jurássicos do governo estão famintos por reestatizá-la, de olho
nas mamatas e no poder de barganha que a gigante poderia propiciar a eles e a
seus apadrinhados (sendo essa a função precípua de toda estatal).Embora
seu processo de privatização seja questionado, com denúncias de corrupção e
favorecimento (óbvias, pois foi um processo conduzido pelo estado), não se pode
dizer que sua privatização gerou insatisfação popular. Nem os mais atrasados ousam dizer que
o país ficou pior com a Vale privatizada.
O único defeito da privatização da Vale foi que ela não foi
desestatizada por completo, uma vez que o estado ainda detém grande
participação, direta (BNDES) e indiretamente (fundos de pensão).
4)- A privatização de
estradas (na verdade, concessão) foi discutida com mais detalhes aqui, por isso
não vamos abordá-la nesse artigo.
5)- É nos serviços de
utilidade pública (telefonia e setor elétrico, principalmente na área de
distribuição) que a privatização gerou mais insatisfações. Pudera: essas foram as áreas nas quais o
governo sequer diminuiu sua participação, como aconteceu com a Vale. Ele simplesmente concedeu um monopólio —
contratualmente garantido — a empresas privadas, todas elas com boas conexões
políticas, e blindou-as — por meio de suas agências reguladoras — contra todo
tipo de concorrência. Qualquer pessoa
com o mínimo conhecimento de teoria econômica pode intuir que, nesse cenário, é
improvável haver, simultaneamente, uma melhoria e um barateamento dos serviços.Defensores
do modelo de concessão adotado argumentam que, por se tratar de monopólios
naturais, o governo não pode se retirar desses setores, pois é impossível haver
um genuíno livre mercado em atividades econômicas que constituem monopólios
naturais. Logo, ao governo caberia a função
de regular preços e impor metas, sendo que esse arranjo — garantem os
especialistas — é o que mais satisfação trará aos consumidores.Um
monopólio natural, apenas para esclarecer, é aquele setor considerado
fundamental para o bem-estar e para a vida econômica e social de uma sociedade,
e cujas principais características são: apresentar significativas
"externalidades" (uma transação qualquer feita entre dois indivíduos
irá afetar terceiros, positiva ou negativamente), exigir investimentos vultosos
e de longo prazo de maturação, específicos para cada atividade — o que
significa que, em teoria, esses investimentos não são "recuperáveis",
pelo menos no curto prazo.Assim, os principais monopólios naturais,
sempre de acordo com a teoria neoclássica, seriam: fornecimento de energia
elétrica, de telefonia fixa de curta distância, de gás encanado, de água
tratada e saneamento básico (esgoto), de metrô e algumas ferrovias.No
Brasil, torna-se óbvio que, nesses setores, não houve o estabelecimento de um
genuíno livre mercado, onde há livre concorrência e bons serviços. Se por 'privatização' entendermos a venda de
uma empresa ou instituição do setor público para o setor privado, em alguns
casos houve apenas um aluguel (concessão temporária), como nos casos do setor
elétrico, das estradas e do sistema de saneamento básico (este, feito por
alguns governos estaduais).
6)- Porém, ainda
assim é possível haver uma privatização genuína (a venda completa de uma
empresa estatal) e os serviços continuarem ruins. Foi o que aconteceu com as
telecomunicações. O governo vendeu
completamente sua empresa que atuava no setor — a Telebrás —, porém de modo algum
saiu da área por completo (conhece a ANATEL?).
É por isso que, em vez de defender privatização, o certo seria defender
a desestatização, que significa a retirada completa do estado e de todas as
suas regulamentações. Nada de agências
reguladoras para cartelizar o mercado e proibir a concorrência.
A privatização da Telebrás
Mas isso significa que a privatização (não a desestatização) da
telefonia foi ruim? Muito pelo
contrário. A gestão estatal era tão
ruim, que a simples entrega ao setor privado foi suficiente para provocar uma
expansão e uma universalização do acesso que pareceram milagrosas — para nós, é
claro, pois no mundo desenvolvido, já àquela época, um pobre via um telefone
como um artigo tão básico quanto um papel higiênico; para os pobres daqui,
porém, um telefone era tão inacessível quanto um jantar no Fasano. Uma linha fixa não saía por menos de 2 mil
reais a preços de hoje, demorava entre 1 e 2 anos para ser instalada e tinha de
ser declarada como um valioso ativo no imposto de renda. Em alguns lugares, a linha telefônica chegou
a custar 10 mil dólares no mercado paralelo.
Hoje, devido à grande oferta, uma linha telefônica virou um serviço, e
não possui nenhum valor em si. A
instalação demora menos de 48 horas. Ademais, em 1998, ano da privatização,
havia apenas 24 milhões de linhas fixas e móveis. Hoje, esse número já está chegando aos 220
milhões. É comum ver até catadores de
papel com celular.
O percentual de domicílios com linhas telefônicas — fixas ou móveis —
pulou de 32% para quase 80%, de 1998 até hoje.
Em termos de tarifas
de ligação, as de longa distância, e principalmente as internacionais, caíram,
e muito. Antes da privatização, o minuto
de uma ligação entre São Paulo e Nova York custava 2,40 dólares. Hoje, está por volta de US$ 0,20 — um décimo
do valor antigo. Isso ocorreu justamente
porque, para chamadas de longa distância, há mais de uma operadora disputando
clientes. E concorrência gera redução de
preços.
Porém, para as chamadas locais, a concorrência foi proibida. Telefônica e Oi são monopolistas, detendo
mais de 95% do mercado de telefonia fixa em suas áreas de atuação, com a GVT
correndo por fora. Toda a insatisfação vem dessa ausência de concorrência,
estimulada pelo estado.
As privatizações no Reino Unido
As privatizações
ocorridas nas décadas de 1980 e 90 no Reino Unido valem tanto para desmentir
parte da teoria dos monopólios naturais, quanto para servir de comparação com o
que foi feito no Brasil, dado que o envolvimento do estado nos "setores
estratégicos" da economia britânica era muito semelhante àquele que
ocorria no Brasil.
O programa de privatização de serviços públicos adotado
no Reino Unido foi o mais extenso da história
Começou em 1983 com a
British Telecom, continuou em 1986 com a British Gas, passando para a British
Airways em 1987, avançando sobre o sistema de água e de tratamento em 1989, de
geração e distribuição de eletricidade em 1990-91 e terminando com o sistema
ferroviário em 1994.As privatizações do sistema de gás, de eletricidade e de
telecomunicações foram um sucesso total, reconhecido inclusive pelos detratores
da primeira-ministra Margaret Thatcher. No
setor telefônico, existe sim uma agência reguladora, porém a British Telecom
teve liberdade para expandir seus serviços para setores menos regulados, como
os de banda larga e de serviços específicos feitos sob encomenda (sim, lá
existe isso). É daí que a empresa obtém
seus maiores lucros, os quais possibilitam maiores investimentos e,
consequentemente, possibilitam à empresa oferecer serviços decentes aos
britânicos.
O mercado de gás
também possui uma agência reguladora, porém foi aberto à concorrência em 1996.Na
privatização do setor de energia elétrica, o governo aboliu o Departamento de
Energia, que equivale ao nosso Ministério das Minas e Energia. O que foi mais importante: não foi adotado
qualquer tipo de controle de preços.
Em particular, com a eletricidade houve um episódio
cômico:
Logo após a
privatização, foi fixado um nível de tributos sobre as empresas, nível esse que
foi considerado bastante razoável à época.
Porém, o aumento da produtividade foi tão grande — porque quando
estatais elas eram totalmente ineficientes —, que os lucros dispararam,
tornando esses tributos ridículos. Isso
estimulou Tony Blair a fazer discurso eleitoreiro prometendo extrair mais
impostos das empresas, sem perceber que, ao agir assim, ele estava aplaudindo o
governo do Partido Conservador, cuja privatização levou uma inesperadamente
grande eficiência a um mamute.
Em 2008, sob o
governo Gordon Brown, dominado pelo politicamente correto, foi criado um
Departamento de Energia e Mudança Climática.
Os efeitos dele sobre o setor ainda estão em aberto.Já a privatização do
setor ferroviário foi inicialmente insatisfatória justamente pelos motivos
previsíveis: o monopólio foi mantido, sendo apenas transferido do estado para
uma empresa privada. (Eis um bom artigo
sobre isso). Hoje, ao que tudo indica, o
sistema já se adaptou e funciona bem, com mais concorrência. (Pelo menos foi a impressão que eu tive em
uma viagem entre Cambridge e Edimburgo).
Por fim, a
privatização dos serviços de fornecimento de água foi a mais insatisfatória de
todas. De acordo com os livros-texto,
esse setor é o que mais se aproxima do conceito de "monopólio
natural". A infraestrutura
requerida é cara e altamente especializada.
Qualquer duplicação feita por potenciais concorrentes seria proibitiva,
embora possível. Consequentemente, e
sempre de acordo com a teoria neoclássica, essa é uma área da qual não se deve
esperar qualquer tipo de concorrência que mantenha preços razoáveis e bons
serviços.
Logo, qual foi a solução britânica?
Estabelecer a mais
poderosa das agências reguladoras, a Office of Water Services (OFWAT), cuja
medida, para não desapontar, foi estabelecer controle de preços e impor
punições baseadas em performances relativas para as 25 empresas que atuam no
setor, todas em lugares distintos. E
qual é a maior reclamação dos britânicos?
Ora, os preços altos, justamente aquilo que é controlado com mais rigor
pela OFWAT.Portanto, no Reino Unido, as privatizações de gás, eletricidade e
telecomunicação — essas duas últimas as mais problemáticas aqui — foram um
sucesso, justamente porque se afastaram um pouco do nosso modelo. As de ferrovias e principalmente do sistema
de água foram as mais insatisfatórias, justamente por terem sido as que mais se
aproximaram do nosso modelo.
A nova fase das telecomunicações e o Sucesso de
sua privatização
O projeto brasileiro derrubou mitos, quebrou tabus e desapontou os
agoureiros do caos
*(Por: RENATO NAVARRO
GUERREIRO)
Vários têm sido os
parâmetros utilizados nos últimos meses para avaliar e, não raro, condenar e
submeter à execração pública a privatização do sistema brasileiro de
telecomunicações.
O problema é que tais julgadores têm cometido dois erros graves: ignoram
que a privatização do Sistema Telebrás foi apenas uma etapa de projeto maior,
estratégico, de reorientação e busca de novo modelo para o setor; tomam como
evidências de fracasso fatos e incidentes pontuais, admissíveis em mudanças tão
amplas e profundas.
São muitas as
evidências de que, em pouco tempo, o projeto brasileiro derrubou mitos, quebrou
tabus e desapontou os agoureiros do caos. Até abril de 1997, uma linha
telefônica, pelo plano de expansão, custava ao cidadão R$ 1.117,63, e em
centros urbanos como Rio e São Paulo não raro linhas telefônicas eram
negociadas no mercado a R$ 7.000 e até R$ 9.000, valores que excluíam parcelas
significativas de famílias da possibilidade de ter um telefone residencial.
Hoje, a habilitação de um telefone fixo custa em torno de R$ 50 na maioria dos
Estados e apenas R$ 8,40 no Paraná e R$ 10,80 no Distrito Federal. O preço do
telefone fixo está acessível, agora, a praticamente toda a população,
beneficiando o cidadão, tal como objetiva o preceito da universalização.
Com relação às
tarifas, a assinatura residencial, que em 1994 era de R$ 0,44, beneficiava os
estratos sociais mais bem-aquinhoados. Custa agora R$ 11,70, valor
perfeitamente compatível com o serviço e com as bolsas menos favorecidas. Em
resumo: antes, os mais pobres não tinham recursos para habilitar um telefone
-98% dos telefones residenciais eram detidos por pouco mais de 20% das famílias
brasileiras com renda mensal superior a R$ 1.000-, e os mais abastados se
beneficiavam da ridícula tarifa de assinatura de R$ 0,44. A adequação dessa
tarifa possibilitou a baixa no custo da habilitação, fator que abriu as portas
da telefonia para milhões de famílias brasileiras, até então excluídas desse
benefício. No enfoque sobre tarifas, outra vitória: em 1994, a cesta básica
(conta média) dos serviços de telefonia fixa residencial (habilitação,
assinatura, pulso local, valores de minutos de chamadas de longa distância
nacional e internacional) custava R$ 52; custa hoje cerca de 20% menos -R$ 42-,
em valores nominais; considerada a variação do IGP-DI (Índice Geral de Preços -
Disponibilidade Interna, da Fundação Getúlio Vargas) no período, a redução
seria ainda maior -cerca de 50%. Esse declínio sepulta as acusações
fraudulentas de que, com a privatização -nome adotado como representativo de
todo o projeto-, o usuário passou a pagar mais pelos serviços.Os resultados
foram ainda mais expressivos e favoráveis aos usuários de telefonia móvel
celular. O Brasil, que, em 1994, contava com cerca de 800 mil celulares, acaba
de superar os 11 milhões. Em lugar das filas é possível, hoje, habilitar
celulares até sem custos, em promoções, nas próprias casas comerciais. O
telefone celular deixou de ser símbolo de status e está ao alcance de todas as
classes sociais. Em julho de 1998, havia em todo o país 5,6 milhões de
telefones celulares em operação, representando um crescimento até julho último
de quase 100% em apenas um ano. Desde dezembro de 94, o crescimento foi de mais
de 1.200%.
No segmento da
telefonia fixa, após a venda das empresas do Sistema Telebrás, em menos de um
ano acabaram as filas dos maltratados participantes dos planos de expansão.
Para chegar a esse resultado, como é de domínio público, a Anatel determinou
reparações de cerca de R$ 30 milhões às prestadoras de serviço telefônico e fez
prevalecer o direito do usuário. Nesse um ano de empresas privatizadas, o
número de terminais fixos cresceu cerca de 20%. Visto de 1994 até julho último,
o volume de terminais fixos instalados saltou de 13,2 milhões para 24,8
milhões, em todo o país.Outros avanços no segmento de telefonia fixa,
beneficiando o usuário: o índice de digitalização das redes, inferior a 50% em
1994, saltou para cerca de 80% em 1998. A densidade do serviço -relação entre
linhas telefônicas e grupos de cem habitantes- no último ano saltou de 11,48
para 13,64 (crescimento de quase 20%); de 1994 (7,93) até julho último (13,64)
o crescimento foi de mais de 70%.
O sucesso da modernização das telecomunicações foi mais
longe:
Introduziu a
competição nos serviços via satélite, antes exclusividade da Embratel; promoveu
avanços significativos também no segmento de comunicação de massa, onde novas
licitações abriram o mercado para quase 80 operadoras de TV a cabo (modalidade
agora disponível para 15,6 milhões de domicílios) e para mais 26 na modalidade
MMDS (microondas terrestres), favorecendo também 7,4 milhões de domicílios em
todo o país. Na vertente competição, o avanço mais recente ocorreu com a adoção
de novo sistema nas chamadas de longa distância. Um objetivo plenamente
alcançado, como mostram reduções de até 25% nas tarifas praticadas pelas
operadoras.
O sucesso da privatização das empresas brasileiras de
telefonia sepultou, também, um mito:
O de que, vendendo as estatais para particulares, a privatização
provocaria desemprego. Os resultados estão aí: no segmento da telefonia fixa,
os empregos -pouco superiores a 86 mil nas empresas do Sistema Telebrás no
momento da privatização- ultrapassavam 101 mil no final de julho. No segmento
das empresas de telefonia móvel celular estima-se, hoje, universo de 30 mil
empregos diretos e mais de 100 mil indiretos.
Estamos ainda na transição
para o modelo desenhado, mas já é indiscutível, sob o ponto de vista do
cidadão, que a nova fase das telecomunicações brasileiras está, paulatinamente,
resgatando seus objetivos de universalizar os serviços em ambiente de
competição. O que permite a liberdade de escolha, independentemente das
consequências secundárias, porém não menos importantes, de aumento dos
investimentos e do nível de emprego no setor.
*Renato Navarro
Guerreiro, 50, engenheiro em telecomunicações, é presidente da Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações).
Fonte:http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=637
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