"Religião
é só um pretexto para jovens se radicalizarem", diz especialista.
Estima-se que 12 mil estrangeiros estejam entre os
combatentes do "Estado Islâmico" na Síria e no Iraque, muitos deles
europeus descendentes de estrangeiros.
O recrutamento de adolescentes é
motivo de crescente preocupação na União Europeia:
“O alemão Jochen Müller, estudioso do islã especializado
em jovens imigrantes, diz que a razão para a radicalização de adolescentes vai
além da religião. Segundo ele, ao deixarem a Europa rumo ao Oriente Médio,
esses jovens buscam sobretudo aceitação na sociedade, o que não possuem no país
onde vivem.Eles apresentam problemas sociais ou escolares, estão desempregados
ou não são aceitos. Eles estão atrás de uma comunidade, de uma orientação, de
respostas claras.A religião é apenas um pretexto a possibilidade de, em nome de
algo, atacar de forma gratuita.Afirma.”
ENTREVISTA:
1)-Deutsche Welle: Acredita-se
que, entre os alemães recrutados pelo "Estado Islâmico", 24 sejam
menores de idade. Qual é o perigo potencial que eles representam?
Jochen Müller: Isso é difícil de avaliar. Claro que existe
um perigo potencial que não deve ser subestimado. É de se supor que alguns
recebam treinamento de combate na Síria e no Iraque e que possivelmente também
viajem a Alemanha em missões terroristas. Os órgãos de segurança precisam ficar
em alerta.Apesar dos riscos à segurança, não vejo esses adolescentes e esses
jovens adultos apenas como uma ameaça em potencial ou como possíveis
transportadores de armas, mas também como uma juventude carente. Minha
preocupação é negligenciarmos o fato de que são pessoas em busca de respostas e
orientação. Muitos vão voltar frustrados e desiludidos. Seus problemas
continuarão a existir depois de seu retorno. É preciso considerar o que os
levou à Síria ou ao Iraque e só então pensar em como eles poderão ser reintegrados
na sociedade alemã.
2)-Os vídeos da propaganda do EI
na internet são assustadores. Por que os adolescentes são receptivos a essas
imagens?
As
motivações dos jovens são variadas. Aqueles mais radicais e violentos, que
também se dispõem a participar da guerra, geralmente vêm de uma situação
familiar difícil, onde frequentemente a figura do pai é ausente. Além disso,
eles apresentam problemas sociais ou escolares, estão desempregados ou não são
aceitos. Eles estão atrás de uma comunidade, de uma orientação, de respostas
claras.Também me refiro à geração 11 de Setembro. São jovens que cresceram na
Alemanha em um tempo em que o islã é cada vez mais questionado. Eles precisam
lidar com isso e mais ainda depois do 11/9, em relação à violência e ao
terrorismo. Trata-se de jovens com histórico de imigração buscando uma
identidade. Mas entre os combatentes, também há uma grande parcela de
convertidos.
3)- Onde eles encontram tais
respostas?
Faltam
oportunidades para as famílias, associações e mesquitas são também para mim, formas de se aproximarem dos
jovens. Com frequência, eles vão parar na internet, seguem procurando, e acabam
caindo nas respostas dos salafistas, que inundam a rede com suas ofertas. Os salafistas dão respostas simples e
claras. A sociedade precisa criar espaços onde os jovens consigam lidar
naturalmente com sua religião na escola, por exemplo. O islã é parte da
Alemanha e obviamente que os jovens, sejam eles religiosos ou não, também
pertencem a ela.Há alguns anos as
autoridades monitoram a cena salafista na Alemanha, seja ela pacífica ou
voltada ao terrorismo.
4)- Existe uma ligação entre os
jihadistas do Iraque e da Síria e os salafistas?
Quando
falamos em radicalização, pensamos imediatamente nesses 6 mil salafistas
radicais [na Alemanha]. Eu diria que uma
grande parte dos salafistas segue uma ideologia e apresenta uma ameaça à
democracia, à concepção democrática. Apenas algumas centenas são tão radicais a
ponto de se prontificarem à violência. Nesse caso, a sociedade precisa
intervir: na escola, em centros para jovens, na formação política, alertando
para esses perigos e sensibilizando os mais novos.
5)- Fala-se que o jihadista
alemão mais jovem teria apenas 13 anos de idade.
Isso é
assustador. Eu faço uma comparação com atiradores solitários que querem se livrar
de frustrações e de uma agressividade acumuladas. O desejo de aventura também desempenha um papel, mas isso são casos
isolados. Nas escolas, também lido com jovens de 13 anos prestes a se
radicalizarem que afirmam querer economizar suas mesadas e aderir à Jihad
islâmica.Essa radicalização se dá de formas bem diferentes. Às vezes, leva
muito tempo. Eles são abordados em algum lugar e se juntam a uma comunidade,
onde se radicalizam. A partir de então, eles confirmam cada vez mais suas
convicções e sempre chegam a posições extremas. Em algum momento, surge o
desejo de fazer algo, e não apenas de falar. Nessas radicalizações muito
rápidas de alguns poucos jovens também é possível observar que a crença
religiosa não desempenha um papel importante. Antes de tudo, são histórias
familiares, sociais e individuais que desequilibram a balança. A religião é
apenas um pretexto a possibilidade de, em nome de algo, atacar de forma
gratuita.
6)- O monitoramento de mídias
como Twitter e Facebook por parte do governo provocou grande revolta alguns
meses atrás. A radicalização se dá sobretudo através das redes sociais. A vigilância pode ajudar esses jovens em
situação vulnerável?
Só é
possível chegar aos jovens quando as pessoas ao redor se sensibilizam com as
mudanças e as entenderem. Nesse caso,
precisamos ser sensíveis a tais desenvolvimentos e interagir com os jovens de
forma individual e presencial e ver quem pode fazer algo. Essa pessoa pode ser
a irmã, o técnico de futebol ou até o próprio pregador religioso, como o imã.
Fonte: O POVO ON LINE
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