Por *Francisco José Barros Araújo
"Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da
Eucaristia permanece substância de pão e vinho juntamente com o Corpo e Sangue
de nosso Senhor Jesus Cristo, e negar aquela admirável e singular conversão
de toda a substância do pão em Corpo e de toda substância do vinho em Sangue,
permanecendo somente as espécies de pão e vinho, conversão que a Igreja
Católica propiciamente chama de Transubstanciação, seja
excomungado." (Concílio de Trento, Cânones sobre
a Eucaristia, II)
O problema central da questão, a meu ver, é que tomam a teologia moderna (filha da filosofia moderna) como ponto de partida teórico, confundindo todas as noções metafísicas cunhadas por Aristóteles e Santo Tomás, essenciais para a compreensão do dogma, tal como a Igreja o definiu. Desta maneira, não atacam diretamente o dogma, mas atacam os seus conceitos e, pela sala dos fundos, o destroem. Fundamentalmente, a doutrina católica a respeito da presença real de Nosso Senhor na Eucaristia apenas se serve destes conceitos porque a fé requer a inteligência, fides quaerens intellectum. Desta maneira, a Igreja utiliza os conceitos filosóficos na medida em que os mesmos se prestam ao esclarecimento teológico. Quando os mesmos são invertidos, com o escopo de uma perversão teológica, temos o que tradicionalmente se chama de heresia.
Analisando as declarações "confusas e ambíguas" dos Padres Fábio de Melo e
Joãozinho, dentre as quais se encontram algumas pérolas dignas de menção:
Quando afirma que na transubstanciação não ocorre nenhuma mudança
material, o padre está confundindo uma série de conceitos básicos de teologia
sacramentária. Detenhamo-nos no conceito de matéria que, neste caso, pode ser
entendido em três sentidos básicos:
1. Matéria do pão;
2. Matéria do ato sacramental;
3. Matéria da Eucaristia.
1.Matéria do Pão. Enquanto um ente material, aplica-se ao pão
a mesma estrutura hilemórfica aplicada
aos entes naturais. Desta maneira, o pão possui uma realidade material que é
potência em relação a uma forma substancial, que corresponde ao ser pão (neste
caso, a potência está atualizada). Ou seja, a substância pão é composta de uma
potência material que recebe a realidade formal do pão como fundamento de seu
ser.
2. Matéria Sacramental. Para a realização do sacramento da Eucaristia, a teologia sacramental distingue três elementos essenciais:
-Matéria sacramental (pão de trigo e vinho de uva),
-Forma sacramental (palavras da consagração)
-Intenção do
sacerdote.
Neste caso, a matéria “pão e vinho” (matéria) é essencial para que as
palavras consecratórias (forma) sejam eficazes. Isto foi definido por Cristo,
que instituiu este sacramento desta maneira. Como é evidente, existem diversas
razões que explicitam ainda melhor esta razão fundamental (a Eucaristia deve
alimentar; é sacrifício, de modo que Corpo e Sangue são separados, como na
morte, através da separação das espécies sacramentais; é nutrimento para o
Corpo [pão] e para a alma [vinho]; representa de modo adequado a unidade da
Igreja, como diversos grãos que formam um só corpo. Cf. Summa Theologiae, III, q. 74,
a.1, Respondeo).
3. Matéria da Eucaristia. Aqui, a questão se torna tão complexa metafisicamente quanto bela doutrinalmente. Por isto, vale a pena explicar paulatinamente os conceitos utilizados brilhantemente por Santo Tomás! Segundo o Doutor Angélico, "alguns" sustentaram que, neste sacramento, a substancia do pão e do vinho permanece depois da consagração. Mas esta opinião não pode ser sustentada!
-Primeiramente, porque esta
opinião faz desaparecer a verdade deste sacramento, segundo a qual o verdadeiro
corpo de Cristo está presente na Eucaristia. Portanto, não nos resta
nenhuma outra solução além da qual o corpo de Cristo não pode fazer-se presente
no sacramento senão pela conversão da substancia do pão e do vinho nEle.
-Todavia, o que se converte em outra coisa, uma vez realizada a conversão, já não permanece. Por conseguinte, para salvar a verdade deste sacramento, não podemos afirmar outra coisa senão que a substancia do pão, depois da consagração, não pode permanecer”. (Summa Theologiae, III, q. 75, a.3, Respondeo). Aristóteles foi um filósofo que muito se ocupou de entender as relações metafísicas de causa, finalidade e a natureza das coisas. Com sua metafísica focava-se nas possibilidades e fundamentos que as coisas teriam ou poderiam assumir. Sua definição de substância é uma das mais ricas na filosofia, a essência e o acidente seriam suplementares quanto à natureza dela. Para o que se entender o que é o ser aristotélico, deve se partir do pressuposto da substância, que é algo em si mesmo, e a partir disso a matéria se molda numa forma. É na substância que agem a potência e o ato. Substância é tudo aquilo que existe, e possuindo propriedades, algumas obrigatórias e outras não.
- Essência é o que se refere quanto a uma
propriedade intrínseca e inerente para uma certa substância. A essência de uma
substância é sua qualidade imutável , por reger os fundamentos daquela
substância específica.
- Tendo como contraponto, o acidente é toda
característica secundária e que age sobre a substância como agente modificador,
porém, sem alterar sua essência. Assim, ser um humano é um exemplo de propriedade
essencial (pois é um atributo fundamental para a definição desta substância), o
fato desta pessoa ter uma boa saúde ou uma péssima visão se referem à
propriedades acidentais deste.
-Substância é um conceito chave da metafísica ou ontologia. Designa aquilo que há de permanente nas coisas que mudam e portanto, o fundamento de todo acidente.
As interpretações do conceito variam entre
aqueles que reconhecem apenas uma substância (monistas), os que reconhecem duas substâncias (dualistas) ou várias (pluralistas)!
-De acordo a visão monista, presente no estoicismo, existe apenas uma substância, geralmente identificada com Deus ou Ser.
-Já o dualismo vê o mundo como composto de duas substâncias fundamentais.
-Enquanto no "pluralismo característico do platonismo e do aristotelismo o ser é
constituído de uma pluralidade de elementos" que o fundam como substâncias, que
geralmente podem ser hierarquizadas ontologicamente.
Aristóteles define a questão da substância como a unidade indivisível de matéria e forma, do particular e universal, de potência e ato. A substância é a primeira coisa que se aprende, porque ela está presente em todos os entes e consiste naquilo que é comum em todos eles. Considerando uma outra substância, da unidade e ciência primeira, ela é eterna, pura, imóvel e imutável. Caso contrário, por hipótese, ela fosse corruptível, todas as demais substâncias seriam necessariamente corruptíveis. Mas considerando que as características de tempo e movimento são eternas, incorruptíveis e têm essência na substância, então deve existir tal substância primeira, que possa dar caráter de unidade. Essa substância não possui potência, dado que se encontra eternamente como ato. Ela, porém move outras substâncias por atração a ela. Se não o fosse, não seria imóvel e incorruptível. É supremo o conhecer dessa substância e por isso a Metafísica, responsável por tal estudo, é superior. Mas dado que existe uma outra substância, imóvel, e que provoca a atração de outras substâncias, esta é a filosofia primeira: "Se não existisse outra substância além das que constituem a natureza, a física seria a ciência primeira; se, ao contrário, existe uma substância imóvel, a ciência primeira, a ciência desta será anterior (às outras) e será filosofia primeira." - Logo, conhecer as substâncias primeiras e sua relação de atração e criação das demais substâncias consiste em conhecer o compartilhamento da unidade, da perfeição.
Até aqui, parece que a posição sustentada pelos
sacerdotes (Fábio e Joãozinho) em questão, não está em choque frontal com a
doutrina de sempre!
Mas, esclarecendo um pouco mais, veremos como as conseqüências desta afirmação de Santo Tomás se distanciam do que foi absurdamente afirmado por eles! Ainda segundo o Aquinate, "alguns" opinaram que, depois da consagração, permanecem não apenas os acidentes do pão, mas também a forma substancial do pão. Mas isto não pode ser!
-Primeiramente,
porque se permanecesse a forma substancial, "somente a matéria do pão se
converteria no corpo de Cristo!" E disso se seguiria que a conversão não se
faria a todo o corpo de Cristo, mas somente à sua matéria. O que é incompatível
com a forma deste sacramento que diz: “Isto é o meu corpo”.
-Segundo, porque se a
forma substancial do pão permanecesse, permaneceria ou unida à matéria ou
separada dela. Todavia, o primeiro não pode ser, porque se permanecesse unida à
matéria do pão, permaneceria então toda a substancia unida a outra matéria,
porque cada forma está unida à
própria matéria. E se permanecesse separada da matéria, seria então uma
forma atualmente inteligível, e também inteligente, porque todas as formas
separadas da matéria são assim.
-Terceiro, esta
permanência seria irreconciliável com este sacramento, porque os acidentes do
pão permanecem neste sacramento para que se veja sob eles o corpo de Cristo,
mas não em sua figura física. Por conseguinte, deve-se dizer que a forma substancial do pão não permanece” (Summa Theologiae, III, q. 75, a.
3, Respondeo).
A afirmação de que “cada forma está unida à própria matéria”, é daquele tipo absoluto, que não admite
compatibilizações com estas grotescas alucinações pseudo-teológicas!
A transubstanciação é a mudança do “pão” enquanto esse (ser), que é convertido num
outro esse (ser), o
corpo do Senhor, conservando apenas os acidentes (aparências). A partir de então, os acidentes
passam a existir, mas numa nova condição, pois conservam seu ser anterior, mas
agora não possuem mais um sujeito no qual subsistam (“os acidentes, neste sacramento,
permanecem sem sujeito”. Summa
Theologiae, III, q. 77, a.1, Respondeo).
Portanto, quando o
magistério da Igreja utiliza o termo transubstanciação para descrever o tipo de
conversão que se dá na consagração da Missa, o faz por sua alta precisão
terminológica, uma vez que o conceito metafísico de substancia se presta a:
Por
isto, o termo
transubstanciação também se escolheu em oposição ao termo “acidente”, pois é evidente que
substância e acidentes são conceitos que se relacionam. Deste modo, se
sublinha bem que a única realidade que permanece tanto antes quanto depois da
consagração são os acidentes (as aparências). Sendo a transubstanciação afirmada nesta chave, os
conceitos paralelos de forma e matéria, como definem a essência
do esse (ser), evidentemente, como afirma São Tomás acima, também se
alteram. Para a metafísica
aristotélico-tomista, a matéria em relação à forma se comporta como a potëncia
em relação ao ato, não existindo na realidade nenhuma matéria sem forma. Na Eucaristia, a forma substancial
é o Corpo de Cristo, que necessariamente está presente materialmente, não só porque
se é corpo é material, mas porque a matéria “pão” não poderia existir sem sua
forma “pão”, e, portanto, tornou-se matéria “Corpo de Cristo”, através de sua
forma “Cristo”.
Por conseguinte, as afirmações
não-materialistas (como se depreendem de suas próprias palavras) dos padres em
questão, só podem ser entendidas em dois sentidos, aplicadas à Eucaristia:
“Fides quaerens intellectum!” (A Fé requer a inteligência)
Outra origem é a
Tradição da Igreja, que se originou com Santo Inácio de Antioquia (107 d.c),
Discípulo de São João:
A expressão "in persona Christi"
Há uma
pequena diferença entre Católicos Romanos e Ortodoxos:
Isso
salvaguarda ao que é considerado pela Igreja como dois erros mutuamente
opostos:
1)- O primeiro seria considerar que a presença de Cristo na Eucaristia é
meramente figurativa (pois a mudança da substância é real);
2)- O segundo seria a interpretação de que se come canibalisticamente a
carne corpórea e o sangue de Cristo (pois os acidentes permanecem reais, não
uma ilusão).
RESUMINDO CONCLUSIVAMENTE:
Transubstanciação é a conjunção de duas palavras latinas: trans (além) e substantia (substância), e significa a mudança da substância do pão e do vinho na substância do Corpo e sangue de Jesus Cristo no ato da consagração. Isto significa que esta doutrina defende e acredita na presença real de Cristo na Eucaristia. É adotada pela Igreja Católica.
A Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana, Igreja Luterana e Igrejas Calvinistas, creem na presença real mas não na transubstanciação.
A crença da transubstanciação se opõe à da "consubstanciação, que prega que o pão e o vinho se mantêm inalterados", ou seja, continuam sendo pão e vinho. O dogma da Transubstanciação baseia-se nas passagens do Novo Testamento em que Jesus diz no discurso do Pão da Vida: "O Pão que eu hei de dar é a minha Carne para Salvação do mundo; O meu corpo é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida",e no fato de que Jesus, ao tomar o pão em suas mãos na Última Ceia, deu a seus discípulos dizendo: Tomai todos e comei. Isto [o pão] é o meu Corpo, que é entregue por vós afirmada como união do fiel à Cristo, de maneira analógica à união da vida trinitária: Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, assim também o que Me come viverá por Mim.A primeira vez que Jesus anunciou este alimento, os ouvintes ficaram perplexos e desorientados, e Jesus insistiu na dimensão das suas palavras: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. A Igreja ensina que há uma "transformação da substância", mas não dos acidentes, ou seja, os acidentes como odor, sabor, textura, forma, cor permanecem, mas já não são mais pão e vinho e sim corpo e sangue, por um milagre de Cristo ao proferir as palavras sagradas. Substância significa o que faz uma coisa ser ela mesma, ou seja sua essência; por exemplo, a forma de um chapéu não é o chapéu próprio, nem é sua cor, nem é seu tamanho, nem é sua aspereza, nem qualquer outra coisa sobre o chapéu percetível aos sentidos. O chapéu próprio (a "substância") tem a forma, a cor, o tamanho, a aspereza e as outras aparências, mas é distinto dessas.As aparências, que são referenciadas pelo termo filosófico acidentes, são percetíveis aos sentidos, mas a substância não é. Quando em sua última ceia Jesus disse: isto é meu corpo, o que ele tinha em suas mãos tinha todas as aparências do pão. Entretanto, a Igreja acredita que a realidade subjacente foi mudada de acordo com o que Jesus disse, e que a substância do pão foi convertida à substância de seu corpo.Ou seja, era realmente seu corpo, mesmo que todas as aparências que são abertas aos sentidos ou à investigação científica sejam ainda aquelas do pão, exatamente como antes.A Igreja acredita que a mesma mudança da substância do pão e do vinho ocorre em cada celebração da Eucaristia. O pão é mudado substancialmente no Corpo de Jesus; mas dado que Jesus, ressuscitado dos mortos, está vivendo, não somente seu corpo está presente, mas Jesus ao todo, corpo e sangue, alma e divindade. O mesmo é verdadeiro para o seu sangue.Para a Igreja, por meio da transubstanciação Cristo está realmente, verdadeiramente e substancialmente presente sob as aparências remanescentes do pão e do vinho. A conversão substancial permanece pelo tempo em que as aparências remanescerem. Por esta razão os elementos consagrados são preservados, geralmente em um tabernáculo, para que a Sagrada Comunhão possa ser dada aos doentes ou a quem está morrendo e também, de forma secundária mas ainda muito estimada, para a finalidade de adoração. O conceito de transubstanciação é acompanhado pela distinção inequívoca entre substância, ou realidade subjacente, e acidente, ou perceptível pela aparência.
*Francisco José Barros Araújo –
Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma Nº 31.636
do Processo Nº 003/17
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