O
pescador de pérolas dos mares do sul, que mergulha em busca de pérolas
preciosas, faz uma experiência singular que, em menores proporções, é a de
qualquer nadador, quando tenta imergir-se na água. Esta tende, com toda a sua
massa, a repeli-lo para fora. É o conhecido
princípio de Arquimedes referente ao empuxo vertical de baixo para cima que
sofre um corpo mergulhado num líquido: "Quanto maior e mais volumoso é o corpo, maior a
massa de água que desloca e, por conseguinte, o empuxo sofrido para cima." Tudo,
portanto, tende a manter ou reconduzir o pescador à superfície. Mas ele é
puxado para baixo pela esperança e, não raro, pela necessidade, pois deste
trabalho depende o sustento. Por isso, com vigorosas braçadas e rápido
movimento dos pés, dirige-se verticalmente para o fundo. Ingente é seu esforço,
mas dá lugar a incontida alegria, no momento em que vislumbra, no fundo das
águas, uma concha semi-aberta deixando entrever a reluzente pérola.
Aventura parecida com a do pescador de pérolas é a busca de
nos conformar à humildade:
Parece
não ser inexato observarmos nas escrituras que existe uma escala de predileção
de Deus aos alvos de seu amor, misericórdia e eleição, que são segundo esta
ordem:
1)-Todos os Pecadores.
2)-Os personagens das bem aventuranças.
3)-Os
justos.
4)-Os pobres.
5)-Os humildes.
Os humildes justamente por estarem no fim da
fila, são aqueles objetos da predileção de Deus, pois assim Ele diz:
“Porque Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes concede a sua graça”. (I Pe. 5,5)
“Portanto qualquer um que a si mesmo se exaltar será
humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.” (Lucas 14,11).
“Sobre quem voltarei o olhar? E a resposta de Deus é: Sobre o
humilde que tem o coração contrito.” ( Is 66,2s. 57,15).
O cristão que faz esta experiência está buscando,
paralelamente, a sua verdade:
Efetivamente, também nela é
forçoso rumar para baixo, imergir-se abaixo do espelho tranqüilo das próprias
ilusões pessoais, descer, descer, até alcançar o terreno sólido onde repousa a
verdade a nosso respeito.E tudo isso, enquanto uma força bem mais terrível que a do
mar , que é a força do nosso orgulho nativo,tende a fazer-nos ir “para cima”, e
nos fazer “emergir”, a erigir-nos acima de nós mesmos e acima dos outros. Mas a pérola que nos espera no termo desta descida, encerrada
na concha do nosso coração, é preciosa demais para que possamos desistir da
empresa e dar-nos por vencidos. Trata-se, com efeito, de sobrelevar a esfera ilusória do
“parecer” ou do “imaginar-se”, para atingir o nosso verdadeiro “ser”, já que
como dizia São Francisco de Assis:
“O
homem, quanto vale diante de Deus, tanto vale e nada mais” (FF. 169).
O homem, foi notado,
tem duas vidas:
Uma
é a vida verdadeira; a outra, a imaginária que vive da opinião, própria ou
alheia. Nós nos esforçamos incansavelmente por embelezar e conservar o nosso
ser imaginário e não ligamos para o verdadeiro.
Caso
tenhamos uma virtude ou mérito qualquer, damo-nos pressa em torná-los
conhecidos, de um jeito ou de outro, para enriquecer com tal virtude ou mérito
o nosso imaginário, dispostos até a depreciar-nos para acrescentar-lhe alguma
coisa, até consentir, por vezes, sem ser covardes, contanto que pareçamos
valorosos e até em pôr a vida em perigo, contanto que o povo fale disso ( cf.
B. Pascal, Pensés, n. 147 Br.).
A empresa da
humildade é, pois, uma empresa em prol do “ser” e da autenticidade e, como tal,
nos interessa enquanto homens, antes mesmo do que enquanto crentes.
Ser humilde é
humano! Homem (homo) e humildade (humilitas) derivam ambos do mesmo termo
(humus) que significa: terra, solo.
Quem
combateu rigidamente a moral cristã por pregar a humildade (Nietzsche)
combateu-a por causa de uma das mais valiosas prendas que ela trouxe ao mundo.
Nietzsche
dizia que : “A humildade é a virtude dos idiotas!”
Claro
que Nietzsche não compreendeu a virtude da humildade de forma Cristã, pois se a
humildade fosse apenas mera subserviência, complexo de inferioridade e fuga
para a incompetência e comodismo, ele teria razão, pois tudo isto é falsa
humildade, ou aquilo que classificamos como humildade negativa. A
doutrina Cristã fala de uma humildade positiva, onde o seu valor concreto se
dar onde aquele que se humilha é para que alguém seja exaltado, Como Cristo que
humilhou-se para nos elevar, esta é a verdadeira humildade. Fiemo-nos,
pois, do nosso guia seguro que é o Apóstolo Paulo, ou, ainda melhor, da Palavra
de Deus; ela fará de nós, pelo poder do Espírito, pescadores que, na vida, nada
mais podem nem querem fazer do que procurar esta pérola preciosa.
São Paulo em sua carta
aos romanos diz:
“Não vos estimeis mais do que convém estimar-se, mas
estimai-vos de modo a terdes de vós uma estima justa... Não aspireis a coisas altas
demais; pelo contrário, deixai-vos atrair pelas humildes. Não tenhais um
conceito elevado demais de vós mesmos” ( Rm 12,3.16).
O
apóstolo identifica na humildade o segundo valor fundamental ( a caridade é o
primeiro), a segunda direção na qual devemos empenhar-nos por renovar, no
Espírito, a nossa própria vida.
O segredo reside também, neste caso, na leitura espiritual da
palavra de Deus:
No Novo Testamento, Jesus exorta seus discípulos a não
escolherem o primeiro lugar, mas o último, e conclui: “Todo aquele que se
exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado” (Lc 14,7-11).
Os cristãos são exortados a não aspirar aos primeiros lugares, às posições mais
eminentes, mas a escolher para si, quanto possível, as humildes.
E por que Deus assim faz: “Eleva os humildes e rebaixa os
soberbos”?
Deus
ama a humildade porque o humilde vive na verdade; é um homem verdadeiro. Ele
pune a soberba, porque a soberba, antes mesmo que arrogância, é mentira.
"Com efeito, tudo o que no homem não é humildade, é mentira".
A palavra “humildade”, no conceito bíblico, não tem o
significado negativo, de baixeza, pequenez, mesquinhez, complexo de
inferioridade, auto piedade, etc...(Como achava Nietzsche),mas duas noções
fundamentais que permitem associar entre si, no homem, humildade e verdade.
“Reconheço a minha culpa... Contra Ti, só contra Ti pequei...
Mas Tu queres a sinceridade do coração e no íntimo me ensinas a sabedoria” (Sl
51).
O
Salmista vive um típico sentimento de humildade-verdade que o impele a
expressar estas palavras. Por isso, São Paulo exorta os cristãos a não
conceberem uma idéia errada e exagerada de si mesmos, mas a ter antes, de si,
uma estima justa, sóbria, quase poderíamos dizer, objetiva.
“Conceber
uma ideia realista e sóbria de si, é a mesma coisa de dizermos tender
às coisas humildes”.
Assim fazendo, ele acaba dizendo que o homem é sábio quando
humilde, e humilde quando é sábio. Rebaixando-se, o homem aproxima-se da verdade.Este
motivo da humildade é ao mesmo tempo antropológico e teológico, pois também diz
respeito a Deus, e não só ao homem. “Deus é luz”, diz São João ( 1Jo 1,5), é
verdade, e não pode encontrar o homem a não ser na verdade.
Ele concede a sua graça ao humilde porque só o humilde é capaz de
reconhecer a graça e não diz:
“O meu braço, ou a minha mente fizeram
isto!” (cf. Dt 8,17; Is 10,13).
Santa
Teresa de Ávila escreveu:
“Eu me perguntava por que motivo o Senhor ama tanto a
humildade, e acudiu-me à mente de improviso, sem reflexão alguma da minha
parte, que deve ser porque Ele é a suma Verdade e a humildade é verdade” (Cast.
Int. VI mor., c. 10).
A
santa chegou, por conta própria, à mesma conclusão de São Paulo; Deus lhe
comunicou, não por via de exegese, mas de iluminação interior, a verdade da sua
palavra.
Então, "começamos a descida ruma à pérola” da qual se falava
no princípio:
O
Apostolo não nos deixa agora no vago ou na superfície, a respeito desta verdade
sobre nós mesmos. Algumas frases lapidares, contidas em outras cartas, mas
pertencentes a esta mesma ordem de ideias, têm o condão de subtrair-nos todo
ponto de apoio e fazer-nos descer realmente até ao fundo na descoberta da
verdade. Uma dessas frases diz:
“Que tens que não hajas recebido? E se o recebeste, por que te
glorias como se não o tivesse recebido? “( 1Cor 4,7).
Uma só coisa há, que eu não recebi de Deus, e que é
totalmente minha: “o pecado”!
Este,
eu sei e sinto que vem de mim, que em mim identifica o seu nascedouro ou, seja
como for, no homem e no mundo, não em Deus, ao passo que o resto ,inclusive o
fato de reconhecer que o pecado procede de mim, é obra de Deus.
Outra frase reveladora de São Paulo diz:
“Se alguém pensa ser alguma coisa quando não é nada,
engana-se a si mesmo...”(Gl 6,3).
A “justa estima de si mesmo” é, portanto, esta: reconhecer o
nosso nada - Este é o terreno sólido ao qual tende a humildade!
A
pérola preciosa é precisamente a sincera e pacífica persuasão de que, por nós
mesmos, não somos nada, não podemos pensar nada, não podemos fazer nada:
“Sem mim não podeis “fazer nada", diz Jesus”( Jo 15,5).
“Não que por nós mesmos sejamos capazes de ‘pensar’ alguma
coisa...” ( 2 Cor 3,5).
Nós
podemos, dada a ocasião, recorrer a uma ou outra destas sentenças para atalhar
uma tentação, um pensamento, uma complacência, como a uma verdadeira “espada
do Espírito”.
A eficiência
da Palavra de Deus comprova-se sobretudo neste caso: “quando é usada contra si
mesmo, mais do que quando se usa contra os outros.”
Para verdadeiramente reconhecermos a nossa verdade é
necessário que nos guiemos pela força da Palavra de Deus, que entremos num
processo objetivo de docilidade e “obediência à verdade”, num deixar-se “educar
por Deus”.Neste
caso, é o Espírito Santo que nos conduz a descoberta da “verdade toda inteira”
a nosso respeito e nos “convence” do nosso nada. Mas como pode o Apóstolo dizer que, na realidade,
somos um “nada” se, na ordem da criação, a Bíblia exalta o homem dizendo que
Deus o fez “pouco menos que os anjos”, que “coroou de glória e honra” e lhe pôs
tudo “debaixo dos pés” (cf. Sl 8), e se, na ordem da redenção, ele mesmo afirma
que fomos “enriquecidos de todos os dons”, que “de nenhum dom da graça
carecemos”, que somos realmente filhos de Deus e herdeiros de Cristo (cf. 1Cor
1,5.7; Rm 8,17)?
Mas, é precisamente
tudo isso que postula a humildade!
O
homem nada tem de seu, nada de que se possa vangloriar. É a vanglória do homem
que é excluída pela humildade, não o reconhecimento, nem a gratidão.Deste
modo, somos conduzidos a descobrir a verdadeira natureza do nosso nada, que não
é um nada puro e simples, uma “inocente insignificância”. Divisamos a meta última a que a Palavra de Deus nos quer
conduzir, que é reconhecer o que somos realmente: um nada soberbo. Eu
sou aquele fulano que “acredita ser alguma coisa”, ao passo que é nada; sou
aquele que nada tem que não seja recebido, mas sempre se vangloria, ou é tentado
de vangloriar-se de alguma coisa, como se não o tivesse recebido antes de Deus. Esta não é uma situação de alguns, e sim uma miséria de todos. É a própria definição do homem velho: um nada que acredita
ser alguma coisa, um nada soberbo. O próprio Apóstolo confessa o que descobria
quando também descia ao fundo do seu coração:
“Descubro em
mim, duma outra lei..., descubro que o pecado habita em mim... Sou um
desventurado! Quem me libertará?” (cf. Rm 7,14-25).
Para
S. Paulo, esta “outra lei”, este “pecado residente” é, como se sabe, sobretudo
a autoglorificação, o orgulho, o tirar vanglória de si. No termo da nossa descida, não descobrimos, pois, em nós a
humildade, mas a soberba. Mas precisamente esta descoberta de que somos
radicalmente soberbos e que somos por culpa nossa, não de Deus, porque nos
tornamos assim pelo mau uso que fazemos da nossa liberdade, é exatamente a
humildade, pois esta é a verdade. Ter descoberto esta meta, ou mesmo tê-la só divisado como de
longe, através da Palavra de Deus, é uma grande graça. Confere uma paz inusitada. Como
quem, em tempo de guerra, descobriu que dispõe debaixo da própria casa, sem
sequer ter de sair dela, um refúgio seguro contra bombardeios, absolutamente
inatingível.
Uma grande mestra da vida espiritual a Beata Ângela de
Foligno , estando na iminência de morrer, exclamou:
“Ó nada desconhecido, ó nada desconhecido! Não pode a alma
ter melhor visão neste mundo do que contemplar o próprio nada e habitar nele
como a cela de um cárcere” ( O livro da Beata Ângela de Foligno, Quaracchi,
1985, p. 737).
|
(São João Paulo II no túmulo da beata Ãngela de Foligno) |
A mesma santa exortava seus filhos
espirituais a fazer o possível para voltar logo a esta cela, por qualquer
motivo, qual dela hajam saído:
"É mister proceder como certos
animais muito esquivos, que nunca se afastam da boca das suas tocas, de sorte a
poderem tornar a elas logo ao primeiro sinal de perigo".
|
(Corpo incorrupto da beata Ângela de Foligno - Falecida em 1390) |
Há um
grande segredo escondido neste conselho, uma verdade misteriosa que a
experiência comprova:
Descobre-se então que esta cela de fato existe, e que nela de
fato se pode entrar quantas vezes se queira. Ela consiste no pacífico e
tranqüilo sentimento de ser um nada, e um nada soberbo. Quando se está dentro
da cela deste cárcere, não se veem mais simplesmente os defeitos, ou se o veem , é sob uma luz
diferente.
Percebe-se que é possível, com a graça e o exercício das virtudes,
realizar o que diz o Apóstolo Paulo, e que à primeira vista, parece exagerado, isto
é:
“Considerar a todos os outros superiores a si” ( cf. Fl 2,3),
ou ao menos compreende-se como isto se tornou possível aos santos.
Encerrar-se
neste cárcere é bem diferente de encerrar-se em si mesmo; pelo contrário, é
abrir-se para os outros, para o ser, a objetividade das coisas.O
contrário daquilo que sempre pensaram os inimigos da humildade cristã.É fechar-se ao
egoísmo, não no egoísmo. É a vitória sobre um dos males que a mesma psicologia
moderna julga funesto à pessoa humana: o narcisismo.
Além disso, a esta
cela do nosso nada,o inimigo não tem acesso. Um dia, o grande Santo
Antão teve uma visão:
Viu, num átimo, todas as infinitas armadilhas do inimigo
estendidas sobre a terra e disse, gemendo: “Então, quem poderá evitar tantas
armadilhas?” e ouviu uma voz responder-lhe: “A humildade!” ( Apoph. Ant. 7; PG
65,77).
Mas o mais valioso segredo desta cela é que nela se recebe a
visita de Deus. Não há lugar no mundo em que Deus mais se compraz em encontrar
sua criatura. Esta cela escura, que é o coração contrito e humilhado, é para
ele, na realidade, toda luminosa, pois nela resplandece a verdade. Esta
é a moradia preferida de Deus, o lugar onde ele gosta de “descer e passear”,
como fazia, antes do pecado, no paraíso terrestre. No profeta Isaías ouvimos um
sublime solilóquio de Deus. Ele fita o céu e diz:
“É o meu trono! olha a terra e diz: É o escabelo dos meus
pés. Todas estas coisas, foram feitas por minha mão e são minhas. Em que lugar
poderei fixar a minha morada? Sobre quem voltarei o olhar? E a resposta de Deus é: Sobre o
humilde que tem o coração contrito! ( Is 66,2s. 57,15).
Tudo, no universo, é de Deus; não há novidade para ele em
parte alguma, não há surpresa; tudo fez e pode fazer a sua onipotência!
Uma
coisa porém há que a sua onipotência, misteriosamente, não pode fazer sozinha,
ou não quer fazer, e é um coração humano que se humilha e confessa o seu
pecado. Para isto conseguir, precisa do concurso da nossa liberdade.
“Um coração
humilhado é, cada vez, uma novidade para Deus, uma surpresa que o faz
estremecer de alegria.”
Sem dúvida, “um coração contrito e humilhado Deus não
despreza!” (cf. Sl 51,17).
Na
cela do próprio nada, Deus “revela aos humildes os seus segredos” (cf. Sir.
3,18). A cela do conhecimento próprio torna-se também cela do conhecimento de
Deus, à qual o Cântico chama de “cela do vinho” (Ct 2,4).
“Bendigo-te,
ó Pai, - diz Jesus – porque conservaste essas coisas escondidas aos sábios e
inteligentes e as revelaste aos pequeninos” ( Mt 11,25).
Aos humildes, aos pequeninos, Deus revelou e revela o maior
de seus segredos: Jesus!
A luta pela humildade é uma luta que dura a vida inteira e se
estende a todos os aspectos da vida.
O orgulho é capaz de alimentar-se tanto do mal como do bem e
de sobreviver, por isso, em qualquer situação e qualquer “clima”.
Não
só, mas à diferença do que sucede a qualquer outro vício, o bem e não o mal é o
meio de cultura preferido deste “vírus terrível": A vaidade.
Escreveu Pascal sobre a vaidade:
"A vaidade tem raízes tão fundas no coração humano, que um soldado,
um servente de quartel, um cozinheiro, um faxineiro gaba-se e pretende ter os
seus admiradores, e até os filósofos os querem. E os que escrevem contra a vanglória aspiram ao
elogio por terem escrito bem, e os que os lêem, ao elogio por tê-los lido; e
eu, que isto escrevo, talvez nutra o mesmo desejo; e os que me lerem quiçá
façam o mesmo” ( Pensées, n. 150 Br.).
A
vanglória é capaz de transformar em ato de orgulho até o nosso pendor para a
humildade. Mas com a graça, podemos sair vitoriosos até dessa terrível batalha. Se,
de fato, o teu homem velho consegue transformar em atos de orgulho até os teus
atos de humildade, tu, com a graça, transforma em atos de humildade até os teus
atos de orgulho, confessando-os.
Reconhecendo,
humildemente, que és um nada soberbo. Assim, Deus é glorificado até por nosso
orgulho.
Nesta batalha, Deus costuma acudir em socorro dos seus com um
remédio singular e da maior eficácia:
“Para que eu não me ensoberbeça com a grandeza das
revelações, escreve S. Paulo, foi me colocado um espinho na
carne, um anjo de Satanás, para me esbofetear, a fim de que eu não me exalte ...”(2 Cor 12,7).
Para
que o homem não se ensoberbeça, isto é, não seja devolvido à flutuação e à superfície,
depois de ter descoberto a pe’rola, Deus o fixa ao solo com uma espécie de
âncora; põe-nos “pesos às ilhargas” ( cf. Sl 66,11). Não sabemos exatamente em que consistia para Paulo este
“espinho na carne” e este “anjo de Satanás”, mas bem sabemos o que é para nós!
Todo aquele que quer seguir o Senhor e servir a Igreja o tem.
São situações
humilhantes pelas quais nos é recordada de contínuo, talvez noite e dia, a dura
realidade do que somos. Será um defeito, uma doença, uma fraqueza, uma
impotência, que o Senhor nos deixa, não obstante todas as nossas súplicas.
Uma tentação persistente e humilhante, talvez mesmo uma
tentação de soberba! Uma pessoa com quem se é obrigado a conviver e que, não
obstante a retidão de ambas as partes, é um verdadeiro espinho na carne, tem o
condão de pôr à mostra a nossa fragilidade, de demolir a nossa presunção.
Por vezes, trata-se de algo ainda mais pesado!
Situações
em que um servo de Deus é forçado a assistir impotente ao fracasso de todos os
seus esforços e a fatos que o excedem, que lhe fazem tocar com a mão a própria
nulidade de criatura pecadora.
Nisto sobretudo, é que ele
aprende o significado de: “humilhar-se sob a poderosa mão de Deus” (1Pd 5,6).
Qual é , perguntou-se o mais famoso pensador do nosso
século: “o núcleo sólido, certo e intransponível” ao qual a consciência atrai
o homem e sobre o qual deve assentar a sua existência, caso pretenda ser
“autêntica”?
E a resposta
foi: o seu nada!
“A nulidade existencial não tem, de fato, o
caráter da privação e da imperfeição relativamente a um ideal proclamado e não
conseguido. É o ser deste homem a ser nulo já no projetar” (M. Heidegger, Ser e
Tempo, § 58).
Todas
as possibilidades humanas são, na realidade, impossibilidades. Toda a tentativa
de projetar-se e elevar-se é um salto que parte do nada e vai dar em nada.Tudo
isto é a mais pura verdade, digo, a respeito de nós mesmos. Mas diante do
chamado que Deus faz a cada homem para a santidade, a nossa pequenez não nos
impede de alcançar, porque apesar de não termos, por nós mesmos nenhuma “possibilidade”,nem
de pensar, nem de querer, nem de fazer , mas sabemos e experimentamos
concretamente que, pela fé, Deus nos oferece em Cristo toda a possibilidade, já
que “tudo é possível para quem crê” ( Mc 9,23).O
que emerge de positivo, deste rápido confronto com o pensamento existencialista
dos nossos dias, é uma confirmação insuspeita do fato que:
“a humildade é a verdade e ninguém é “autêntico” se não for humilde. Fato que nos impele a amar
e cultivar ainda mais esta virtude evangélica.”
*Texto extraído
do livro: "O SENHORIO DE CRISTO" - do frei Raniero
Cantalamessa (O.F.M).
CONCLUSÃO
Cultivar a humildade é uma das maiores e mais difíceis
virtudes humanas. Ela está vinculada ao amor à verdade. "Ser humilde é amar a verdade mais que a
si mesmo", escreve o filósofo Comte-Sponville. Em outras palavras, é assumir tudo o que a pessoa é,
reconhecer-se diante de Deus e dos outros, ativando seus recursos e capacidades
e acolhendo suas limitações, sua fragilidade e seus medos, com a disposição de
viver o caminho do crescimento. A humildade não
deve ser entendida como humilhação, mas como a capacidade de ser verdadeiro,
transparente em nossa vida, reconhecendo-nos necessitados dos outros e de Deus. Humildade,
dizia S. Teresa, é andar na verdade. Não se trata de atrofiar e esconder nossas
próprias capacidades ou de desvalorizar-nos, isto seria falsa humildade.
Trata-se de reconhecer e expressar, com simplicidade, quem somos. Humildade é agradecer as capacidades e talentos e superar as limitações e
fragilidades. É a virtude que mais humaniza,
pois nos faz descer em direção à nossa própria humanidade e, a partir desta
perspectiva, entrar no movimento que nos leva para além de nós mesmos. Só admitindo nossa própria fragilidade e limite e
descendo ao fundo de nossa realidade, podemos retornar transformados e com
abundantes riquezas descobertas no garimpo do nosso coração. O caminho de descida ao nosso próprio “húmus”, à nossa
própria condição terrena onde Deus plantou sua tenda, nos revela quem realmente
somos, nos preserva de considerarmos como “deuses” e nos liberta do orgulho e
do auto-centramento que nos destroem. Nós “subimos” a Deus quando “descemos” à
nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do
amor e da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também
para nós.O coração, a quem não é estranho nada do que é “humano”, alarga-se,
enche-se do amor de Deus, que transforma tudo o que é humano. O caminho da
humildade é o caminho da transformação. Os
elevados “ideais de perfeição” nos impedem de envolver-nos com as pessoas reais
e com suas feridas. A humildade pressupõe um descentramento, um
êxodo para o encontro com o outro, acolhendo-o tal como é, e não o
idealizando ao nosso gosto. Quando alguém encontrou sua própria condição
humana, reconcilia-se com tudo aquilo que é humano, quebra a rigidez na relação
com o mais fraco e o enfermo, com o imperfeito e o fracassado. Vê tudo
envolvido pelo olhar de bondade e misericórdia de Deus. Por
isso a necessidade da oração sincera e verdadeira, significa uma necessária
“escavação”, esse esvaziamento que finalmente abrirá um lugar para Deus. Somos
chamados à santidade. Entretanto, como tudo na Criação, também a santidade está
em processo, em gestação, em crescimento, em trabalho de auto-esvaziamento. Ela
floresce na liberdade, na abertura e na humildade.
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APOSTOLADO BERAKASH: Como você pode ver, ao contrário de outros meios midiáticos, decidimos por manter a nossa página livre de anúncios, porque geralmente, estes querem determinar os conteúdos a serem publicados. Infelizmente, os algoritmos definem quem vai ler o quê. Não buscamos aplausos, queremos é que nossos leitores estejam bem informados, vendo sempre os TRÊS LADOS da moeda para emitir seu juízo. Acreditamos que cada um de nós no Brasil, e nos demais países que nos leem, merece o acesso a conteúdo verdadeiro e com profundidade. É o que praticamos desde o início deste blog a mais de 20 anos atrás. Isso nos dá essa credibilidade que orgulhosamente a preservamos, inclusive nestes tempos tumultuados, de narrativas polarizadas e de muita Fake News. O apoio e a propaganda de vocês nossos leitores é o que garante nossa linha de conduta. A mera veiculação, ou reprodução de matérias e entrevistas deste blog não significa, necessariamente, adesão às ideias neles contidas. Tal material deve ser considerado à luz do objetivo informativo deste blog. Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica desnecessária será prontamente banida. Todos as postagens e comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente, a posição do blog. A edição deste blog se reserva o direito de excluir qualquer artigo ou comentário que julgar oportuno, sem demais explicações. Todo material produzido por este blog é de livre difusão, contanto que se remeta nossa fonte. Não somos bancados por nenhum tipo de recurso ou patrocinadores internos, ou externo ao Brasil. Este blog é independente e representamos uma alternativa concreta de comunicação. Se você gosta de nossas publicações, junte-se a nós com sua propaganda, ou doação, para que possamos crescer e fazer a comunicação dos fatos, doa a quem doer. Entre em contato conosco pelo nosso e-mail abaixo, caso queira colaborar:
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