"Se
enxerguei além dos outros, é por que estava no ombro de gigantes" (Isaac
Newton).
“O que Eu quero é o conhecimento de
Deus mais que os holocaustos. Mas eles, como Adão,violaram a a aliança” (Oséias 6,
6-7).
“O mundo
moderno veio à luz como uma revolta contra a ordem intelectual da Idade Média”.(Simpson, The Gothic Cathedral).
“A Idade Média foi filha da certeza,
porém a Modernidade nasceu da dúvida.”
A
Modernidade, que nos tiraniza hoje, é, antes de tudo, o triunfo da Gnose anti
Metafísica. Por isso, a Modernidade pode ser definida como sendo anti
escolástica. A Modernidade odeia o Ser. Ela foi contra o Teocentrismo da
Cristandade medieval, substituindo-o pelo Antropocentrismo. O Homem posto, qual
ídolo, no lugar de Deus.A Modernidade considera o Homem como o centro de tudo, ou seja, o homem seria a
causa eficiente pela qual tudo existe, e a causa final para a qual tudo deve
tender. O Homem seria o Alfa e o Ômega. E não Cristo.O Humanismo é a idolatria que triunfou com o Renascimento e se instalou até
mesmo no Vaticano. Marsílio Ficino foi seu mistagogo. Leonardo, Michelangelo e
Rafael foram os seus profetas. Lutero foi o seu teólogo. Descartes foi o seu
Filósofo.“O que Lutero fez para a
religião, Descartes fez para a Filosofia. Ambos determinaram o curso da
história intelectual moderna pelo rumo que deram através da forma de um
individualizado imanentismo" (Fr. John F. Kobler, Vatican II,
Theophany and the Phenomenon of Man, Peter Lang Publishing, New York,
San Francisco. Bern, Frankfurt am Main, Paris, London, 1991, p. 2).Desse
Humanismo pagão vai ser filha a Revolução Francesa (1789) que proclamará os
Direitos do Homem e substituirá o Homem pelo Cidadão. A Revelação pela Razão. O
Cartesianismo pelo Kantismo.Da
Revolução Francesa, por sua vez, nascerá a Revolução Comunista da Rússia, em
1917, que se apresentará como o triunfo final do Humanismo, e substituirá o
Cidadão pelo Proletário, e a Razão pela Dialética da filosofia de Marx ,“ essa bíblia da imbecilidade e do ódio”(Paul
Claudel).
UMA IGREJA DE MÃOS DADAS COM A GNOSE QUE PREGA A SALVAÇÃO PELO CONHECIMENTO EXOTÉRICO E NÃO PELA FÉ?
Claro que, nestas plagas
tupiniquins, até mesmo sacerdotes ditos tradicionalistas consideram exagero ver
a Gnose como a grande inimiga da Igreja, na História.Como
ignoram eles quase tudo sobre a Gnose, e como confiam em sua miopia, negam que
a Gnose tenha um papel fundamental na História.Para que fique claro que é a Gnose que está por trás da Modernidade, citaremos
longos trechos de uma pensadora insuspeita Hannah Arendt.
Veja-se o que escreveu essa autora em seu livro The Human Condition,
editado em francês com o título Condition de l´Homme Moderne pela
Editora Calmans-Lévy, Paris 19861 e 1983. Inicialmente, ela mostra que o Homem
moderno nasceu da dúvida.O homem medieval, é filho da certeza católica. A
modernidade é filha da dúvida cartesiana: “A Filosofia moderna começa na
dúvida, no omnibus dubitando
est de Descartes, mas essa dúvida não é o controle que a inteligência exerce
sobre si mesma para se guardar de enganos de pensamento e ilusões dos sentidos
físicos; ela não é o ceticismo com relação aos costumes e aos preconceitos dos
homens ou de uma época. Não é nem mesmo um método crítico de pesquisa
científica e de especulação filosófica. A dúvida cartesiana é de um alcance
vasto demais, seu objeto é por demais fundamental, para que se possa restringir
seu conteúdo de modo tão concreto. Na Filosofia, no pensamento modernos, a
duvida ocupa quase a posição central que tinha sido sempre ocupada antes pelo thaumeizein
dos gregos, o assombro maravilhado diante de tudo o que existe, tal qual
existe. Descartes foi o primeiro a por em conceito este modo moderno de
duvidar, que, depois dele, se tornou naturalmente, sem barulho, o motor das
idéias, o eixo invisível de todo o pensamento. Desde Platão e Aristóteles até
os tempos modernos, a Filosofia, em seus maiores e mais autênticos representantes
tinha sido a expressão sistemática do assombro maravilhado; a Filosofia moderna
desde Descartes consiste em sistematizar a dúvida e a segui-la em todas as suas
ramificações” (Hannah Arendt, La Condition de l´Homme Moderne,
Ed Calmann-Lévy, Paris, 1983, pp.,. 344-345). A dúvida cartesiana foi reforçada
pela descoberta de Galileu, que, com seu telescópio, pareceu provar que os
sentidos enganam o homem; que a Lua não era plana, e que o Sol não girava em
torno da Terra, mas, ao contrário, a Terra em torno do Sol. Portanto, que os
sentidos enganavam o homem.
“Noutros termos, o homem havia sido
enganado todo o tempo em que acreditou que o real e o verdadeiro se revelariam
a seus sentidos e à sua razão contanto que ele fosse fiel ao que ele via
com os olhos do corpo e do espírito. A velha oposição da verdade dos sentidos e
da verdade racional, da inferioridade dos sentidos, menos capazes de atingir o
verdadeiro, e da superioridade da razão, mais capaz de verdade, essa oposição
se apagava diante do desafio, diante dessa evidência implícita, de que nem o
verdadeiro e nem o real não nos são dados, que eles não aparecem nenhum dos
dois tais quais são, e que a única operação sobre a aparência, a supressão das
aparências, pode fazer esperar um conhecimento verdadeiro” (Hannah Arendt, La Condition de l´Homme Moderne, Ed
Calmann-Lévy, Paris, 1983, pp.,. 345-346).“e se o olho humano pode trair o
homem a ponto de que tantas gerações acreditarem que o Sol girava em
torno da Terra, é preciso então renunciar à metamorfose dos olhos do espírito
(...) Se o Ser e a Aparência se separam para sempre, e tal é bem – como o notou
Marx—o postulado fundamental da ciência moderna, então não resta nada para
aceitar com confiança; é preciso duvidar de tudo” (Hannah Arendt, La
Condition de l´Homme Moderne, Ed Calmann-Lévy, Paris, 1983, p., 346).
Que se nos perdoe tão longas citações
de uma mesma obra. Mas é que Hannah Arendt fez uma exposição tão correta e tão
objetiva da dúvida cartesiana e de suas conseqüências para a Filosofia e para
toda a Cultura moderna, que convém muito citar ipsis litteris seu texto: “O que
caracteriza, antes de tudo, a dúvida cartesiana é sua universalidade: nada, nem
pensamento, nem experiência podem lhe escapar. Ninguém explorou talvez mais
honestamente as verdadeiras dimensões dessa dúvida cartesiana do que
Kierkegaard, quando a dúvida, e não a razão, como ele pensava, lhe fez dar o
salto na fé, e levar assim a dúvida ao próprio coração da religião moderna. A
universalidade [da dúvida cartesiana] se extende do testemunho dos
sentidos ao testemunho da razão e ao testemunho da fé, porque essa dúvida está
ligada, no fundo, à perda da evidência, e o pensamento sempre começa com o que
é evidente, de si, e em si - evidente não só para o pensador, mas para
todo o mundo. A dúvida cartesiana não duvidava simplesmente que o entendimento
humano fosse aberto a todas as verdades, ou que a visão humana fosse capaz de
tudo ver. Ela duvidava que a inteligibilidade pudesse se constituir como prova
do verdadeiro, a visibilidade não sendo, de modo algum, prova do real.
Essa dúvida cartesiana coloca em dúvida a existência do verdadeiro, e descobre
assim que o conceito tradicional do verdadeiro, quer seja ele fundado sobre a
percepção, quer esteja fundado sobre a razão, ou sobre a crença em uma
revelação divina, tinha se apoiado sobre o duplo postulado de que aquilo que
existe verdadeiramente deve aparecer por si mesmo, e que as faculdades humanas
são aptas a recebê-lo. Que o verdadeiro tivesse que se revelar foi a crença da
Antiguidade pagã, assim como dos Hebreus, da Filosofia cristã assim como da
filosofia laica. Foi por isso que a nova Filosofia moderna se levantou com
tanta violência – quase que com ódio —contra a tradição e fez tão pouco
caso do retorno entusiasta do Renascimento à Antiguidade” (Hannah Arendt, La
Condition de l´Homme Moderne, Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1983, pp.,
347-348).
A negação
de que o homem pudesse conhecer o real, a verdade do ser, levava a por em
dúvida diretamente a própria realidade. Como Adão e Eva, Descartes admitiu que
o ser mente. Mais do que no ceticismo comum, que faz uma distinção entre o ser
e as aparências, distinção na qual se pensa que as aparências escondem a
verdade do ser, em Descartes a dúvida é mais profunda: para ele o ser mente
propositalmente ao homem, gerando aparências que visam enganá-lo.“Este
Ser ao contrário é terrivelmente ativo: ele mesmo cria suas aparências, só que
essas aparências são enganos. Tudo o que os sentidos percebem é o produto de
forças secretas, invisíveis (...) este Ser prodigiosamente efetivo é de tal
natureza que suas revelações devem ser enganos, e que as conclusões tiradas das
aparências devem ser ilusões. A Filosofia de Descartes é obcecada por dois
pesadelos que, em certo sentido, se tornaram os pesadelos de toda a época
Moderna (...) esse pesadelos são muito simples, muito conhecidos. Num deles, a
realidade, quer a do mundo quer a da vida humana, é posta em dúvida; se não
podemos confiar nem nos sentidos, nem no senso comum, nem na razão, é muito
possível que tudo o que tomamos como real seja apenas um sonho. O outro
pesadelo se refere à condição humana em geral, tal como a revelam as
novas descobertas e a impossibilidade na qual o homem se acha de confiar em
seus sentidos e em sua razão; nessas circunstâncias, a hipótese de que haja um
espírito maligno, de um “Deus enganador”, de propósito traindo o homem, por
maldade, é muito mais verossímil do que a de um Deus senhor do universo. A
magia diabólica desse espírito maligno seria a de ter feito uma criatura dotada
de uma noção do verdadeiro, e de, ao mesmo tempo, ter lhe dado capacidades tais
que a tornariam incapaz de jamais ter a menor certeza” (Hannah Arendt, La
Condition de l´Homme Moderne, Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1983, p.,
348-349).Essa concepção de que o Deus criador é um espírito enganador e diabólico é
exatamente como a Gnose apresenta o demiurgo, o Deus criador do mundo, aquele
que a Igreja Católica denomina Deus Pai, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis. O criador seria o Deus mau. O inimigo do Deus Criador, a antiga
serpente, seria o deus bom.A modernidade é diabólica. Hannah
Arendt mostra, então, muito claramente como a dúvida cartesiana é de natureza
gnóstica, e como a Modernidade é fruto da Gnose.A
Modernidade é, pois, uma forma de Gnose e, por isso mesmo, ela é inimiga
inconciliável da doutrina Católica, tendo razão imensa Pio IX de condenar toda
a tentativa de conciliar a doutrina católica com esta de pensamento moderno.
Descartes e sua Negação do Ser:
Admite-se,
hoje, de modo praticamente unânime, que a Modernidade teve por pai a René
Descartes (596- 1650).René Descartes nasceu em La Haye, na região de Tours. Estudou com os jesuítas
de La Flèche. Foi soldado em tropas alemãs, e afinal fixou-se na Holanda, onde
viveu 23 anos. Lá ele escreveu suas obras mais importantes: Discours de la
Méthode ( 1637), Meditationes de Prima Philosophia (1641),Princiapia
Philosophiae ( 1644), Des Passions de l’Âme ( 1649). Obras póstumas dele foram
o Traité Du Monde, De l’Homme, e as Regulae ad Directionem Ingenii.Descartes
foi à Suécia, em 1632, a convite da Rainha Christina, e lá permanecu até
morrer, em 1650.Descartes
afirma em seu Discours sur La Méthode que “na Filosofia, não há coisa
alguma sobre a qual não se dispute e que, por conseguinte, não seja duvidosa”
(R. Descartes Discurso sobre o Método, Ediouro,Tecnoprint, ,p.48). Das
demais ciências, na medida em quer elas se baseavam na Filosofia, julgava-as
então que, “tendo fundamentos tão pouco firmes, nada de sólido poderia ser
construído sobre elas” (R. Descartes idem , p. 49).Descartes
se dedicara também às ciências ocultas, e delas dizia “não ser enganado nem
pelas promessas de um alquimista, nem pelas previsões de um astrólogo, nem
pelas imposturas de um mágico, nem pelos artifícios ou pela jactância de
algum daqueles que fazem profissão de saber mais do que sabem” (R.
Descartes, op.cit., p. 49).Daí,
Descartes rejeitar tudo o que se pensara até então. Mais ainda: ele recusou até
os testemunhos dos sentidos, porque, por vezes, eles nos enganam. Duvidou até
de que estivesse sentado, pois que, como por vezes se sonha isso, não se
poderia ter certeza de estar desperto ou sonhando. Ele disse duvidar de
que 2+3=5, ou que um quadrado tivesse quatro lados, porque, como Deus
permite que a pessoa se engane, talvez se esteja sempre enganado.Por isso, ele chega à conclusão que todo conhecimento intelectual é
suspeito e duvidoso. E levanta a hipótgese de que estejamos nas mãos de um mau
gênio, um Deus mentiroso, que nos engana continuamente, e que se compraz em nos
enganar sempre E isto imporia que tivéssemos uma dúvida
universal.Descartes tinha então a certeza de que se deveria partir da dúvida
universal. Era falso, pois que ele partia da dúvida. Portanto não partia da dúvida.
Pois, se partisse da dúvida, não iria adiante em nada, já que tendo dúvida de
sua dúvida universal, nada poderia pensar, dizer ou fazer.Descartes partia não da dúvida, mas da certeza da dúvida, isto é, estava
numa contradição fundamental. Fez então uma filosofia contraditória, duvidante
de si mesma. Portanto, uma filosofia falsa e movediça. Contraditória.Assim principou a loucura da
Modernidade, negadora da Verdade e da possibilidade do conhecimento humano:Negadora de toda Metafísica, pois punha em dúvida a evidência do ser.E a
negação do ser é acarcte’ritica da Gnose,revolta anti metafísica.Para
analisar a influência de Descartes na Filosofia Moderna, e naquilo que se chama
de Modernidade, apelaremos particularmente às considerações feitas por Tomás
Melendo em sua obra Entre Moderno Y Postmoderno: Introducção a la Metafísica
del Ser, Edição para Micro Book Studio (http://www.microbookstudio.com/). Preferimos citar especialmente esse
autor, não só porque ele tem ponderações agudas, mas também por ser bem
insuspeito, pois
confessa:“(...) o que proponho não é uma
espécie de «retorno» — tão ineficaz quanto impossível— a um pensamento anterior.
Bem longe disso, ao modo da Aufhebung hegeliana, a superação da metafísica
moderna impõe conservar a exigência mais profunda da filosofia recente: a
fundamentação definitiva da liberdade humana; porém, além disso, e sobretudo,
exige estabelecer o princípio especulativo que permita responder com rigor a
esse estímulo, transcendendo o nihilismo terminal a que os pressupostos
imanentistas cartesianos a conduziram. O que proponho é uma determinante
redefinição do fundamento, capaz de salvar as pretensões de mais alcance da
civilização dos últimos séculos”. (T.
Melendo, op. cit., p. 50).Inicialmente,
então, convém lembrar que, segundo Melendo, a supressão do ser, em prol de uma
consciência desprovida de substância, realizada pelo “cogito” cartesiano
tinha que desembocar no nihilismo.“Sem
dúvida alguma, seria possível rastrear a evolução paulatina que nos transporta,
desde a posição do cogito, como fundamento primordial de todo existente, até as
afirmações antimetafísicas, e por isso contra morais e nihilistas, dos atuais
ultra modernos” (Tomás Melendo, Entre Moderno y Postmoderno, p. 42). Heidegger afirmou:“Toda a
Metafísica moderna, inclusive Nietzsche, se mantém na interpretação do
existente e da verdade que vem de Descartes” (M. Heidegger, Die Zeit des
Weltbilds – A Época da Imagem do Mundo, apud Tomás Melendo, Entre
Moderno y Postmoderno, p. 4).Sem
dúvida, todo subjetivismo da Filosofia moderna provem do “cogito” cartesiano.Também
Hegel considera que foi Descartes quem deu início à Filosofia Moderna:“Em
filosofia, Descartes marcou uma direção completamente inédita, até o ponto de
que com ele começa a nova idade da Filosofia”, cujo espírito
constitutivo é “o saber, o pensamento, enquanto unidade do pensar e do ser” (Apud
Tomás Melendo p. 5).E Lukács afirma: “Partindo da duvida metódica, do cogito
ergo sum de Descartes, passando por Hobbes, Spinoza, Leibnitz, há aqui um
caminho de desenvolvimento retilíneo cujo motivo determinante, presente nas
múltiplas variações, é a idéia de que o objeto do conhecimento pode ser
conhecido por nós, porque é, na medida em que nós mesmos o produzimos” (G.
Lucácx, História Y Consciência de Classe, México, 1969, p. 155).
Apud T. M. , p. 5).Nosso pensar produziria o mundo conhecido.Toda a crise atual provém do pecado
de ter abandonado a Metafísica Católica fundada no ser, enquanto a modernidade
nega o ser.A
Modernidade é a perversão da noção de ser. Ela nega o ato
objetivamente existente. Portanto, nega o ser. Nega que haja o ato puro. Nega a
Deus.
“Para a Modernidade, o ser não é. Deus não existe, e nada realmente
existiria. Daí, o nihilismo fundamental da Modernidade, daí a sua recusa
da Verdade e da Moral. Todo o pecado da Modernidade consiste na negação do ser,
portanto na negação da verdade e da capacidade de o homem conhecer a realidade.
A Modernidade é anti-intelectual e anti epistemológica. E, não sendo possível
conhecer a verdade do ser, a Modernidade recusa todo bem e toda a Moral.” Em vez da verdade, ela admite apenas a opinião, e em vez da Moral de origem
divina, admite apenas uma Ética convencional e humana. Uma ética consensual que
transforma toda a vida num puro jogo sem leis naturais e sem finalidade
transcendente.Descartes foi o pensador que, recusando o ser, colocou o cogito no lugar do
ser, e destruiu assim toda a Metafísica aristotélico-tomista medieval.É bem
conhecida a fórmula fundamental de sua Anti Filosofia:“Penso. Logo,
existo”.Muito cedo, notaram alguns que essa
fórmula era um silogismo manco. Acusaram mesmo a Descartes de ter mal plagiado
Santo Agostinho, que afirmou:“Todo ser
que pensa, existe. Eu penso.Logo, eu existo”. Desse
silogismo Descartes teria excluído a premissa maior: “Todo ser que pensa, existe.” Entretanto,
Descartes protestou contra essa acusação, e negou ter feito um falso silogismo.
Afirmou ele que colocou o pensar a intuição do “cogito” como fundamento
de tudo. Tomás
Melendo lança a hipótese de que “Descartes não podia admitir tal qual a
afirmação agostiniana, pois esta constituiria um raciocínio implícito de que, na
premissa sobre entendida, se consagra a primazia do ser como pressuposto de
qualquer operação, incluídos o conhecer e o equivocar-se. A proposição
cartesiana, pelo contrário, repudia essa prioridade: de nenhum modo deve se
considerar uma espécie de raciocínio implícito, uma espécie de entimema, e por
isso se coloca nos antípodas de santo Agostinho” (Tomás Melendo, Modernidade
o Póstmodernidade, La Anédocta Postmoderna, p. 6). Melendo sustenta que:“Descartes
defende o caráter intuitivo de seu “cogito, ergo sum”. Descartes acaba por
sustentar que o pensamento não exige previamente, com prioridade de natureza, a
existência, ou o ser. Pelo contrário, seria o próprio pensar, ou a consciência
em qualquer de suas manifestações, quem confere sua realidade ao pensado.
Somente desse modo o pensamento (e, em geral, a subjetividade) se eleva como
princípio primeiro não fundamentado, como princípio sem princípio, de qualquer
realidade posterior: do eu, de Deus, do mundo material, os três enquanto
pensados-existentes. E somente assim entendido se compreende o influxo
revolucionário do descobrimento cartesiano na maior parte dos filósofos
posteriores”. Estamos diante do atestado de nascimento de toda a Modernidade e
de seu epílogo pós moderno, concebidos, como anunciava, não em sentido
meramente temporal, mas axiológico. Graças a Descartes, a consciência ocupa o
lugar que correspondia ao ser” (Tomás Melendo, Modernidade o Póst
Modernidade, La Anédocta Postmoderna, p. 7).Melendo confirma essa interpretação
que ele dá do “cogito, ergo sum” de Descarte ao escrever:‘O que sustento é que Descartes realiza algo mais sutil. Como disse antes, o
chamado pai do racionalismo obriga a consciência, em suas múltiplas
manifestações, a ocupar o lugar que corresponde ao ser. Ou seja, faz do cogito a primeira consistência de tudo o que é. Não
se trata, portanto, de que esse cogito gere o sum, mas que mais propriamente o
substitua; e por isso, como voltarei depois a advertir, toda a realidade do
eu ficará reduzida a pensamento; e daí, do pensamento como pensamento (ou das
idéias nele incluídas), extrairá Descartes Deus e o mundo enquanto
existentes-pensados ou pensado-existentes.Independentemente das intenções
pessoais de Descartes, sobre as quais é vão e impossível pronunciar-se, o que o
princípio por ele estabelecido produziu foi uma corrente filosófica e cultural
na qual o eu, em suas mais variadas formas, vai se impondo de maneira clara
ainda que progressiva, até se converter no centro e no todo da inteira
atividade especulativa e prática.Este é
o sentido de minha tese: o da inversão das relações entre ser e consciência, ou
a substituição daquele por esta última” (Tomás Melendo , op. cit., p.8).Tomás Melendo insiste nesse ponto ao
dizer que:“Descartes
não coloca em primeiro plano absoluto a consciência de um sujeito que se
conhece como sendo cognoscente, mas o puro conhecer sem sujeito e sem ser. E
desse conhecer surge, mais tarde, o ser de um sujeito, de uma substância cujo
único conteúdo se limita a pensar. E, daí, desse pensamento subsistente surgem
[ademais do eu] Deus, e o mundo material, como é sabido” (T. Melendo.
Op. cit., p. 13).Por isso escreveu Descartes:“Eu compreendi daí que eu era uma substância cuja essência ou
natureza era apenas o pensar, e que para ser não precisa de nenhum lugar e nem
depende de nenhuma coisa material”- Por isso
mesmo, Heidegger reconheceu que “no início da Filosofia moderna se acha a
proposição de Descartes ”Cogito, ergo sum”. Todo o conhecimento das coisas e do
ente em sua totalidade é referido à consciência de si do sujeito humano,
enquanto fundamento inconcusso de toda certeza” (Apud T.M. op. cit.p. 14). E conclui
Melendo:“Quando Descartes concede a primazia absoluta à consciência
dessubstancializada, o que ele está repudiando, como antes sugeria, é a própria
condição do real de tudo quanto existe (enquanto não se ache mediado pelo
pensamento). ”(Apud T.Melendo, op. cit.p.14).Na
Filosofia moderna nascida de Descartes, “o ente se verá substituído pela
consciência, pela subjetividade. A História do pensamento no Ocidente, desde
Locke, ou Hume, passando por Kant ou Hegel até Marx, ou no próprio Heidegger,
apesar de seus protestos, o demonstra sobejamente, e de modo variado e
abundante” (T.Melendo, op. , cit., p. 115)..E ainda
diz Melendo:“Por isso,caberia concluir como sendo em sentido estrito, nada poderá ser
conhecido por quem se situa seriamente no sulco aberto por Descartes. E por
isso, por quanto a metafísica é saber do que é, e enquanto é, a “escolástica”
que lança suas raízes em Descartes acabará por declarar formalmente a morte ou
a superação da Metafísica” (Apud T.M.
op. cit.p.15).
O cartesianismo
decretou a morte do ser!
“ o pré suposto do “cogito” cartesiano é negativo: consiste ele na supressão
inicial de qualquer existente mediante a dúvida metódica corrosiva, capaz de
deixar o universo inteiro, e a própria humanidade, à disposição do poder
racional”(Apud T.M. op. cit.p.15).
Descartes
abriu o caminho para o nihilismo da Modernidade!
“Voltando
ao fundo da operação cartesiana, cabe sustentar, em estrita síntese, que a
supressão do ser a favor de uma consciência da qual se retirou toda substância,
forçosamente tem que desembocar no nihilismo” (T. Melendo, op. cit. p. 42).Nem Deus, nem o Mundo, nem o eu têm existência. Nada existe. E essa negação
absoluta do ser, e a afirmação de que tudo é nada, colocam toda a Filosofia
moderna no campo da Gnose.Desse modo, a Filosofia cartesiana, como a Gnose, é anti metafísica.E esse nihilismo gnóstico conduz a
duas coisas:
1.a odiar a realidade deste mundo tal
qual foi criado por Deus;
2. a inventar uma supra realidade
fantasmagoria anti metafísica—como se fez no Surrealismo.
É o que salienta Melendo neste trecho
de seu trabalho:"O
nihilismo, enquanto estado psicológico, tem todavia uma terceira e última
forma. Uma vez adquiridas essas duas compreensões —a saber, que o vir a ser não
desemboca no nada, que não se deve esperar que leve a nenhum lugar, e que junto
a esse devir não existe nenhuma magna unidade na qual o individuo possa
submergir como em um elemento de supremo valor—, não resta outra escapatória
senão condenar o mundo do vir a ser em seu conjunto como ilusório, e inventar
outro mundo, além deste, que seria o mundo verdadeiro. Porém, enquanto o homem
se dá conta que esse outro mundo está construído apenas por necessidades
psicológicas e que nada absolutamente autoriza semelhante construção, se produz
a última forma de nihilismo, que inclui o ceticismo a respeito de um mundo
metafísico e, por isso mesmo, proíbe a crença em um mundo verdadeiro. Como
conseqüência, se concede à realidade do devir a categoria de única realidade e se
proíbe qualquer caminho que nos desvie em direção a mundos “mais além» e a
falsas divindades. Porém, não se suporta em absoluto este mundo aqui, que,
entretanto, não se quereria negar de nenhum modo…"[65]. (São bem resumidos
em seu fundo, e inclusive antecipados, os últimos meandros nos quais está
desembocando, hoje, o cogito).(T.Melendo,
op., cit´, p. 31). Como não ver nessas considerações uma
descrição típica dos desvarios da Gnose? Ora, essa Filosofia nihilista anti metafísica é a da Gnose e é a da Modernidade,
totalmente inconciliável com a doutrina católica.Razão de sobra tinha, pois, Pio IX ao
condenar como erro o 800 do Syllabus: “A
afirmação de que os Sumos Pontífices da Igreja poderiam se conciliar com a
Modernidade. Isso é impossível, pois a doutrina Católica se fundamenta no ser,
no Verbo, e o pensamento moderno é nihilista. Nega o ser.”(É isto que precisa
ser compreendido nesta condenação).Entre o nihilismo da Gnose e a doutrina católica não é possível nenhuma
conciliação. Catolicismo e a Modernidade filosófica negadora do ser são inconciliáveis!
Conseqüências do Nihilismo Cartesiano:
Negação da
Verdade e da Capacidade Intelectiva do Homem. O Verum seria inatingível.
A negação
do ser, expressa por Descartes, tem como conseqüência direta a negação dos
transcendentais. E, em primeiro lugar, a negação do verum, a negação da verdade
do ser.
Não havendo ser, não existe nada de
verdadeiro!
Conseqüentemente,
a inteligência nos enganaria ao nos dar a noção da realidade e da verdade das
coisas. Nem as coisas são, e nem as idéias que temos delas seriam verdadeiras e
reais. É a destruição do inteligível, e a negação do intelecto, outra
característica da modernidade. Toda a Modernidade nega a objetividade do ser e
da verdade.
A recusa de considerar a verdade como
objetiva, significa uma repulsa a toda Metafísica.
Curioso é
que a Modernidade critica e se opõe à Idade Média considerando-a a idade das
trevas. E coloca-se como a Idade da luz, idade do saber e da ciência. Na
realidade, a Modernidade recusou a luz da verdade.“A
Modernidade mergulhou nas trevas, e fez das trevas, da ignorância, a sua meta.
A Modernidade é a Idade da Noite e da Mentira.”“A
verdade nunca pode ser alcançada. "É preciso abandonar a busca da certeza,
desistir de uma base segura para o conhecimento"[145- K. R. Popper, Conocimiento
Objetivo: un Enfoque Evolucionista, Madrid 1974, p. 45]. Nenhum saber
pode ser qualificado de verdadeiro, mas apenas de conjetural”. (T. Melendo,
op. cit., p. 67).
Descartes fez o ser depender do
pensar.
Desse
modo, o homem seria como Deus, pois foi Deus quem criou todas as coisas através
de seu Verbo, de sua palavra interior. Quando Deus pensou luz, ela foi criada.
Cada criatura é a realização de uma idéia de Deus. Descartes atribui ao pensar
humano o mesmo poder do Verbo de Deus. No Verbo divino, Deus teve idéia de uma
criatura, e essa criatura fez-se. O cogito humano cartesiano, como o cogito
divino, criaria.
Descartes diviniza o homem, ao tornar o
cogito humano criador da realidade.
Racionalismo
e irracionalismo coincidem no pensamento cartesiano.De um lado, Descartes
defende o racionalismo, isto é, ele crê na capacidade da razão humana de tudo
poder compreender, pela aplicação de seu método racionalista. Ora, quem tudo
compreende é Deus.A fé de
Descartes na razão humana a faz divina. Tal posicionamento racionalista de
Descartes conduz diretamente à divinização do homem, portanto ao panteísmo. O
empirismo e Spinoza foram até lá.
Husserl
vai criticar o racionalismo cartesiano, que leva a uma visão panteísta do
universo, que, de um lado, vai conduzir ao empirismo inglês, e de outro lado,
ao iluminismo subjetivista moderno, lembrando que a pretensão de tudo entender
racionalisticamente era uma queda na ingenuidade do objetivismo, que excluía a
compreensão do espírito, ou que o incluía, mas sob a condição de objetivá-lo,
e, portanto, de renunciar ao espírito exatamente como sujeito.Husserl,
para fazer essa crítica, cita inicialmente a comparação da razão com o sol
feita por Descartes, para, a seguir criticar a ingenuidade do objetivismo do
método, cartesiano: “Como o sol é o único sol que ilumina e aquece todas as coisas, assim também
a razão é a única razão”( Descartes). O método [cartesiano] também
deverá penetrar os segredos do espírito. O espírito é uma realidade natural, um
objeto do mundo e como tal fundado na corporeidade. Por conseguinte, a
compreensão do mundo adota imediatamente, e em todos os domínios a forma
de um dualismo psico-físico. A mesma cuasalidade, apesar de estar dividida em
duas, abrange o único mundo; a explicação racional tem o mesmo sentido em toda
a parte, entendendo-se que toda explicação do espírito, se deve ser única
e ter um alcance filosófico universal, há de conduzir-se para o plano físico.
Não pode haver uma investigação explicativa pura e fechada em si do espírito,
uma psicologia ou teoria do espírito voltada totalmente para o interior, que vá
diretamente desde o eu, desde o psíquico imediatamente vivido, à psique do
outro, é preciso tomar o caminho exterior, o caminho da física e da química.(…)
O ser espiritual é fragmentário. Indagando, agora, pela fonte de todas as
tribulações pode-se responder: este objetivismo ou esta concepção psico-física
do mundo é, apesar de sua aparente evidência, uma unilateralidade ingênua que,
como tal, permanecia incompreendida. É um absurdo conferir ao espírito uma
realidade natural, como se fosse um anexo real dos corpos e pretender
atribuir-lhe um ser espácio-temporal dentro da natureza”( Edmund Huserl, A
Crise da Humanidade Européia e a Filosofia, Introduçõ e tradução de Urbano
ZIlles, Filosofia 41 – Porto Alegre, 1996, p. 79).
De outro lado, Descartes defende o
irracionalismo.
O “cogito
ergo sum” de Descartes, fazendo o real depender do pensar humano, e
atribuindo ao homem um poder criativo, considera que a intuição humana tudo
entende, mas não de modo silogístico, não racionalmente. O homem tudo
compreenderia, como Deus, intuitivamente, e não ao modo humano, por meio de
raciocínios. E isso é o modo de conhecimento irracional, que a Gnose atribui ao
homem.Desse
modo, racionalismo e irracionalismo são dialeticamente coincidentes na
filosofia cartesiana.Do
subjetivismo cartesiano nascerá o subjetivismo do Idealismo, desde Kant até
Hegel. Para os filósofos idealistas alemães, não haveria verdade
objetiva, pois que o ser real e a verdade seriam produtos da idéia do sujeito.
Toda a
mentalidade contemporânea está embebida desse subjetivismo que faz cada um ter
a sua verdade pessoal, a sua moral pessoal, a sua noção particular de beleza.
Para o mundo posterior ao idealismo, para o democratismo liberal, para o
romantismo, verdade, bem e beleza seriam valores subjetivos, sem nenhuma base
no real.Depois de
1789, entrou-se na era do “achismo”. Cada um acha o que quer. O mundo virou um
hospício. Pois é no manicômio que cada louco acredita em “sua” verdade.
Nada seria objetivamente verdadeiro ou certo.Daí,
comentar Melendo:“O nihilismo [nascido de Descartes] impõe que o
mundo careça de qualquer verdade, de qualquer exigência derivada da natureza
das coisas, somente assim se mantém o reino do possível sem nenhum tipo de
coação. Porque, com efeito, para a lógica nihilista, a verdade é coercitiva.
Por isso, suspeita-se dela. Proscreve-se culturalmente aquele que pretende—como
se diz—ter a verdade. Como, se a verdade fosse uma posse e não uma relação
enriquecedora e geradora de liberdade, para o próprio homem que a aceita e para
os outros” (T. Melendo, op, cit p. 34).Descartes
e o humanismo “libertaram” o Homem de Deus e da verdade objetiva:“Mas, negando
ao homem a possibilidade de alcançar a verdade objetiva dos seres, Descartes e
o Humanismo reduziram o homem ao agir, não movido pelo intelecto, mas apenas
pelo querer, e por um querer instintivo, um querer não racional. O agir humano
foi reduzido ao nível do agir animal, movido só pelo instinto.”Poucas
vezes na história o ditado francês que diz ‘Qui fait l´ange, fait la bête”
– quem quer bancar o anjo, age como animal foi tão bem comprovado.Claro que essa recusa em aceitar a verdade objetiva, renuncia também a todo
poder do intelecto humano. A inteligência nos enganaria ao nos dar idéia de uma
realidade que, de fato, não existiria. Certo teria estado Lutero ao chamar a
razão de ”a meretriz louca”.A recusa
da possibilidade de conhecer a verdade, instituída pelo cogito cartesiano
significou uma recusa do ens. A Metafísica passou a ser vista como uma espécie
de “proto ciência” ou como uma fantasmagoria científica.Para Descartes, “a eliminação
da verdade como termo conclusivo da tarefa filosófica, [leva] à troca dessa tarefa por outros objetivos,
como os da manobrabilidade ou da utilidade [das coisas].Veremos
que essa ausência de uma referência clara à verdade é outro dos componentes da
atividade técnico científica, ou, melhor ainda, da determinação que dela fazem
os mais destacados epistemólogos do século XX. E que essa recusa da verdade se
verá ser acompanhada necessariamente do conseqüente repúdio da Metafísica, cujo
fim é estudar o ens verum-bonum” (T.
Melendo, op. cit., p. 66).
E a Ciência moderna? Como se sustenta
ela, negando-se que exista a verdade?
Paradoxalmente, porém, o cartesianismo conduziu ao cientificismo técnico e à
magia. O cientificismo daria o único conhecimento válido. O cartesianismo, de
um lado, fez da Ciência a fonte do conhecimento absoluto.Mas,
negando-lhe base metafísica, levou a fazer da Ciência pura técnica, isto é, a
transformar o conhecer científico em puro utilitarismo.(Genocida e Hitlerista,
onde os fins justificam os meios).Por outro lado, o cartesianismo, negando toda a certeza, levou a ter a
Ciência como Magia. O triunfo do cientificismo paradoxalmente leva ao triunfo
da magia.Toda época cientificista vê florescer a magia. O cientificismo cartesiano
produziu, lado a lado, no século XVIII, o racionalismo da Enciclopédia e as
doutrinas mágicas de Mesmer e do magnetismo animal.O século
XX, apogeu do cientificismo e do materialismo viu crescerem as seitas
esotéricas, a crença em duendes, a astrologia e a magia satanista.No século
XX, acreditou-se em Marx e em Duendes. No Brasil, hoje, se crê em Paulo Coelho,Trevisan,
Boff, Lula e CIA LTDA.(Logo em Lula, que confessa e proclama não saber de
nada).O
posicionamento anti intelectual e anti metafísico do cartesianismo, contrário à
objetividade, colocou em cheque a famosa e idolatrada Ciência Moderna.
PERGUNTA QUE NÃO CALA: se nada
conhecemos realmente, de que vale a Ciência?
O cartesianismo matematizou o mundo e criou a Ciência Moderna. Entretanto, que
tipo de Ciência é a moderna, se se nega a existência do real e da objetividade
da verdade?
Que conhecimento científico pode haver,
se não existe verdade objetiva?
O
conhecimento moderno é o de uma verdade inexistente a respeito de um mundo não
real. É o conhecimento de um oco a respeito de um vazio.“O
conhecimento do nada sobre o não ser. É a “sabedoria” do abismo.” - Mas, se
não há conhecimento real objetivo, a Ciência Moderna tem que renunciar ao saber
enquanto tal. Ela passa a buscar apenas o útil e fica reduzida a pura técnica.
A Ciência moderna, no máximo, teria a verdade como “um ideal remoto do
qual as sucessivas teorias científicas se aproximariam progressivamente,
mediante a eliminação de erros” - “Porém, mais do que remoto tratar-se-ia de uma ideal inalcançável. A
verdade nunca poderia ser obtida”. (T Melendo, op. cit., p. 67).É de surpreender então que Karl Popper
tenha chegado à conclusão que a Ciência moderna deveria abandonar a tentativa
de alcançar a certeza sobre o conhecimento científico?“Há que se abandonar a busca da certeza, uma base segura para o conhecimento”(K. R. Popper, Conhecimento Objetivo: um enfoque evolucionista,
Madrid, 1977, p. 45. in T Melendo, op. cit., p. 67). Também J.
Habermas chega a conclusão semelhante de que a Ciência moderna, que pretendia
tudo poder vir a saber, acabou confessando sua incapacidade radical de alcançar
a verdade plena:"O
«cientificismo» significa a fé da ciência em si mesma, ou dito de outra
maneira, o convencimento de que já não se pode entender a ciência como uma
forma de conhecimento possível, mas que devemos identificar o
conhecimento com a ciência" [Nota138: J. HABERMAS, Conocimiento e
interés, Madrid 1982, p. 13, apud T. Melendo, op. cit., p.65).Sanguinetti, comentando Conjetures and
Refutations: The Growth of Scientific Knowledge (Londres 1963), diz,:"Deste
modo, entra em cena o último fundamento assinalado por Popper à evolução do
pensamento e da ciência: a aproximação à verdade (ou verossimilhança). Podemos
conhecer apenas com certeza nossos erros, aproximando-nos deste modo da verdade, sem jamais alcançá-la por completo” (Apud T. Melendo,
op. cit., p. 67).
SERIA ESTA A CONCLUSÃO DO CAOS
MODERNO:
“A Ciência
moderna faria teorias sobre o que não conhece, substituindo uma teoria por outra
sem jamais chegar a alcançar a verdade, pois que a verdade não poderá jamais
ser atingida com certeza.” O
conhecimento se torna assim uma miragem da qual a Ciência sempre se aproxima
tropegamente sem jamais poder alcançá-la, pois que ela não existe.A ciência
moderna considera o conhecimento como o horizonte. Sempre que damos um passo
para alcançá-lo, ele se afasta um passo, e jamais o atingiríamos.O
horizonte é Inalcansável. O conhecimento moderno busca o incognoscível. E isso
é Gnose: conhecimento do incognoscível.
A Negação
do Bonum
Mais grave
ainda que o cientificismo acompanhado da magia, causados pelo anarquismo
epistemológico nascido de Descartes, foi a negação do ens como bonum. “Pois se não há ens verum, não há ens bonum. Se nada se conhece, nada
pode ser amado. Pois só se ama o que se conhece. Não havendo verdade, nada
poderia ser amado. Não haveria bem, pois aquilo que é verdade para o intelecto
é bem para a vontade. A negação de toda verdade objetiva faz ruir toda e
qualquer possibilidade de amar e de agir de acordo com uma Moral objetiva.”Bem e mal,
lícito e ilícito, passam a ser tidos como valores relativos, sem base no real
objetivo.Daí nasceu o positivismo jurídico.
Daí nasceu aquilo que, hoje, se chama de “ética”, conjunto de regras
convencionadas, para substituírem a Lei de Deus.“Só
podemos amar o que conhecemos como verdadeiro. E só podemos agir tendo em vista
um fim real e objetivamente verdadeiro.” Por isso afirma Clavell: “a
crise do projeto moderno [...] desembocou no vazio de sentido, no
nihilismo, segundo o qual não existem valores, não há diferença entre real
entre o bem e o mal, a própria existência carece de significado. Tratar-se-ia
de aceitar essa nova situação na qual o homem não tem já pontos de referência e
de anular a ânsia de significados. O programa nihilista consiste em viver
deixando-se guiar pelas próprias tendências tal como se vão apresentando nas
diversas circunstâncias da vida. O super
homem de Nietzsche se torna no pensamento débil de Vattimo, o desaparecimento
do homem em sua especificidade. O sujeito, centro absoluto da modernidade, se
dissolve no amontoado de instintos que encontram equilíbrios diferentes com o
passar do tempo”. (Apud T. Melendo, op. cit., p. 35).
ENTRAMOS NO IMPÉRIO DA BESTIALIZAÇÃO (animalização) APOCALÍPTICA DO HOMEM MODERNO - QUE JÁ NÃO AGE PELA
RAZÃO, MAS PELOS INSTINTOS!
O homem passa a ser animalizado, na medida em que se admite que ele se move
apenas por instinto, e não pelo intelecto.A negação do ser leva à negação do bonum, pois que, uma coisa é na medida em
que tem qualidades em ato. O ato é o bem. Se não há nem o ato do existir, não
pode haver bem em si.O bem em
si, para o homem moderno, passa ser apenas o bem para mim, isto é, o útil, o
prazeiroso, o que me traz alguma vantagem.A intelecção é substituída pelo
sentir, pelo gozar, pelo fruir.“Desde a profunda perspectiva tradicional, resultaria bastante fácil advertir
como a dissolução virtual da metafísica implica o sufocamento da antropologia e
da ética e, por assim dizer, a transformação em seus contrários. Bastaria
apelar, para apreciá-lo, à equivalência clássica entre o ente e a bondade; então,
em virtude da equação que acabo de recordar, que equipara ens e bonum,
perceberíamos, sem problemas, que a substituição do ser pela consciência supõe
a troca do bem em sí, ou bem propriamente dito, pelo bem-para-mim, que traz
necessariamente vinculada a si a negação de toda ética e gera, de forma
inevitável, a despersonalização do ser humano” (T. Melendo, op., cit., p. 16).É de se estranhar então que, hoje, quando se nega a objetividade do ser,
do verum e do bonum, se diga que se vai “curtir”
um som, um passeio, curtir uma namorada, um cão de estimação, e até curtir uma
esposa e um filho? Disso, só
podia nascer o divórcio, o amor livre, o egoísmo mais radical e descarado.Nada teria um fim superior, transcendente, Toda ação teria fim em si mesma.
Tudo seria um jogo, isto é algo que tem fim em si mesmo.É o que salienta Melendo:
1)- “Sem
verdade, como acabo de esboçar, não pode dar-se nem contemplação, nem ação
finalizada. Cabe apenas um atuar, interno ou externo, especulativo ou prático,
individual ou coletivo…, que é fim para si mesmo. Isto é. Um jogo.. Algo que tem certas regras internas, mas que não quer realizar nem dar
cumprimento a nada a não ser ao próprio jogo. Tocam-se, para dizer em termos
clássicos, jogo e ócio. Confunde-se a insubordinação pragmática própria do
jogo, com o Fim final definitivo: a amorosa contemplação do Ser Absoluto,
também não apoiada, com falhas próprias do passatempo. Interpreta-se a ausência
de submissão do jogo como sinônimo de liberdade… carente do menor traço de responsabilidade.
Intercambiam-se teoricamente amor e namoro lúdico… exatamente porque o amor é a
máxima expressão do comportamento livre! Tudo é fútil, banal, anódino,
insubstancial, epidêrmico… e, por isso, ainda que não se queira reconhecer,
trivial, comum, ordinário, medíocre, prosaico, vulgar. Como bem havia visto
Nietzsche, o jogo se transforma de maneira implacável em cifra nihilista de
todo o agir humano. A vida, como jogo, se torna uma nova compreensão nihilista
da existência: jogo erótico, jogo lingüístico, hermenêutico, jogo político…
Porque tudo foi privado de verdade e de finalidade”. "O
jogo é a síntese necessária da ética sem verdade"[79]. A regra do
comportamento é agora a espontaneidade jogada com os elementos disponíveis nos
distintos universos de jogo. A liberdade sem fim se torna produtora de valor:
Não importa o que se queira; o fato de querer algo já torna justificado o que
se quer. (T. Melendo, op., cit., p. 36).
2)- “O nihilismo impõe que o mundo
careça de qualquer verdade, de qualquer exigência derivada da natureza das
coisas: somente assim se mantém o reino do possível sem nenhum tipo de coação. Porque, de fato, para a lógica nihilista, a verdade é coercitiva. Por
isso se suspeita da verdade. Se proscreve culturalmente ao que pretende —como
se diz— possuir a verdade. Como se a verdade fosse uma posse e não uma relação
enriquecedora e geradora de liberdade para uma pessoa… e para as outras”! (T. Melendo, op., cit., p. 34).
3)- Mas,
unindo-se a ciência sem verum com a pseudo ética do “bem-para-mim”. a
ética do útil e do hedonismo, a Ciência moderna se transforma em pura técnica,
capaz de produzir apenas “bens-para-mim”. Daí nasceram o utilitarismo, e
o consumismo atuais.“Agora, quisera apenas sugerir, nas pegadas de Ernst
Schumacher, que as palavras do Discurso implicam em certo modo, culturalmente e
em suas grandes linhas, o desaparecimento da ciência para saber, e sua
substituição pela ciência para manipular”(34 Cfr. E. F. SCHUMACHER, Guia
para os Perplexos, Madrid 1984, p. 82, apud T. Melendo, op., cit., p. 16).
4)- "A
conexão que hoje se observa entre conhecimento científico e manipulação não
encontra nada similar entre os clássicos e os medievais. Nós nos afastamos da
verdade ao dizer que para eles a ciência (física) era, sobre tudo, sabedoria,
isto é, contemplação das leis da natureza, ao passo que a técnica era
principalmente fruto de uma invenção artesanal, de um golpe de engenho que se
apoiava na inteligência e na inventiva; o fim da investigação não era aplicar
metodicamente os novos conhecimentos científicos, como ocorre hoje. A novidade
radica na lógica das ciências modernas: o que em outro tempo era contemplação
pura, ocasião de alegria e de atitude religiosa, se transformou em uma espécie
de fúria inquieta, encaminhada na busca das leis do cosmos, da vida social, da
psique e da genética, com o objetivo declarado de explorar a natureza, dominar
a sociedade, manipular ao homem"(35
A. LIVI, "Il Cientismo como Pseudo-Metafisica", Scienza,
Filosofia e Fede, in Cultura & Libri 52, nov. 1989, p. 25, apud T.
Melendo, op., cit., p. 17).
5)- “Não
parece exagerado afirmar, então, que o alcance mais imediato da revolução
cartesiana neste ponto é a potencial ruptura da equação de equipolência entre
ens e verum, em cujo lugar se situa o binômio ente-manipulável” (Nota 36 A interpretação heideggeriana do Sein und Zeit faria
desta conversão virtual uma transformação em ato. A ela corresponde a
consideração do ente como aquilo que está à mão, como simples instrumento, como
algo relativo à operação humana e não diretamente relacionado com o contemplar
teorético. O radicalmente definitório do ente é sua Zuhandenheit (Cfr. Sein und
Zeit, § 15). Como se sabe, o segundo Heidegger modifica parcialmente esta
colocação, dando em certo modo primazia ao aspeto contemplativo). (T.
Melendo, op., cit., p. 17).
6)- “Como
sugeria Botturi, inspirado em Nietzsche, para alcançar seu apogeu por si mesmo,
o homem tem que começar por colocar a totalidade do existente à sua disposição;
à disposição de seu entendimento e, mais radicalmente, de sua vontade. Somente
então poderá cimentar-se ex novo a integridade do cosmos desde a força (auto)
colocativa do sujeito. Por isso o suposto do cogito cartesiano é negativo:
consiste na supressão inicial de qualquer existente mediante a dúvida metódica
corrosiva, capaz de deixar o universo inteiro, e a própria humanidade, à
disposição do poder racional. Unicamente com semelhantes condições a
universalidade do real poderá ser construída em virtude da potência criadora do
sujeito” (T. Melendo, op. cit p. 28).
Como
dissemos, é curiosamente paradoxal chamar, hoje, a Idade Média de Idade das
trevas, da ignorância, e julgar o mundo moderno trouxe a luz da “Ciência”.Nada
mais falso. Toda a Sabedoria medieval fundava-se na verdade do Ser.Na Verdade
de Deus, que é Luz; “Deus lux est”(I Jo, I, 5). A Idade Média, por isso
mesmo, tinha a certeza da verdade. Certeza que vem da Fé e que ilumina toda
ciência humana. “In lumine tuo, videbimus lumen”( ) Na luz da Fé,
veremos a luz da verdade da ciência.O mundo moderno, nascido de Descartes, partiu da dúvida metódica. Partiu da
obscuridade. É de estranhar que, depois da dúvida, tenha nascido a opinião
subjetivista do idealismo alemão? Que da obscuridade tenha nascido a incerteza?E é de se
estranhar que do subjetivismo tenha nascido o relativismo?É de surpreender que do relativismo se tenha chegado à negação de toda a
verdade? È de espantar que da incerteza da obscuridade tenha nascido a treva da
negação e da ignorância?De Descartes proveio a “escolástica moderna”.A ”escolástica” da treva, negadora do ser e do conhecimento objetivo.A “escolástica” do Nada.
Capítulo 2: Do
Idealismo Alemão à Filosofia Contemporânea.
A
Modernidade é subjetivista. Cada um teria uma opinião sobre as coisas
ontologicamente inexistentes. Ninguém teria a verdade. Haveria apenas opiniões.
O livre exame que Lutero proclamou da Bíblia, a Modernidade o aplicou ao ser.
Cada um interpreta livremente o sonho da “realidade”. Nenhuma interpretação
seria certa. Nenhuma interpretação seria condenável A não ser a interpretação
da objetividade da realidade e da verdade. O objetivismo seria a única heresia
intolerável para o subjetivismo cético do homem Moderno.Da dúvida cartesiana proveio inicialmente a negação da Metafísica por Kant,
e o opinionismo do idealismo alemão. E, deste, veio a negação de tudo.
KANT — O FILÓSOFO DO PROTESTANTISMO
Emmanuel
Kant nasceu em Koenisgberg (Prússia Oriental) em 1724, vindo a falecer em 1804.
Sua mãe era pietista, seita protestante fundamentada na mística cabalísta e
gnóstica de Jacob Beohme. A mãe de Kant teve forte influência em sua
mentalidade, que sempre foi marcada pelo misticismo pietetista.Kant passou toda a sua vida em Koenisgberg. Inicialmente, seu pensamento foi influenciada pela nova ciência do também
pietista Newton, e pela filosofia de Leibnitz e de Wolff. Mais tarde, Kant
sofreu forte influência do empirismo de Hume.Filosoficamente,
então, o pensamento de Kant foi filho quer do empirismo racionalista
inglês, quer do misticismo irracionalista, bem embutido no cartesianismo. Ele
procurou conciliar o racionalismo e empirismo de Hume com o pietismo e o cogito
místico cartesiano, e com a m;istica pietista. Daí, sua tentativa de conciliar
ciência racionalista e intuição irracional.Para os fins deste trabalho, interessa-nos focalizar apenas a doutrina kantiana
do conhecimento e não toda a sua filosofia. E convém salientar então, antes de
tudo, que Kant foi um pensador anti metafísico.Para ele,
a Metafísica, tal qual a conceberam os gregos e a filosofia escolástica
medieval, seria uma ciência falsa porque impossível. Ela não seria ciência. A
Metafísica clássica daria apenas um conhecimento ilusório—portanto, falso—das
realidades supra-sensíveis. (Frederick Coplestone, A History of Philosophy, Image Books,
Doubleday, New York, Volume VI, p. 216).
“Metafísica
como ciência é, entretanto, impossível. Isso significa que metafísica
especulativa é suposta ser uma ciência concernente a objetos correspondentes às
Idéias transcendentais de pura razão, Mas tais objetos não existem. Logo não pode
existir ciência deles” (F. Copleston, A History of Philosophy, Image Books,
Doubleday, New York, Volume VI p. 304).Isso não significa que Kant negasse a existência do mundo real. Para Kant, “as
coisas existem em si mesmas, mesmo que não possamos conhecer o que elas são em
si mesmas” (Frederick Coplestone, A History of Philosophy, Image
Books, Doubleday, New York, Volume VI, p.270). Das coisas, conheceríamos apenas
as aparências, os fenômenos e não as coisas em si, os noumenos.Poder-se-ia fazer um paralelo dessa doutrina de Kant com a doutrina da Kabbalah
para a qual jamais poderemos ter conhecimento do Ein Sof, a Divindade oculta,
mas só conheceríamos o Deus revelado, o criador do mundo, aquele que aparece na
Bíblia com o nome de Yahwé.Como
ensina a Gnose, de toda criatura, a inteligência conheceria apenas o exterior e
jamais a partícula divina sepultada na matéria. Dessa partícula divina se
tomaria conhecimento por uma intuição mística, nunca pelos sentidos ou pelo
intelecção racional.Compare-se
essa doutrina com o que diz Kant:
“Segundo
a filosofia do conhecimento (Crítica) de Immanuel Kant (1724-1804), nós não
podemos conhecer as coisas inteiramente, porque nem todos os sinais que recebemos
das coisas são aceitos pela mente, e disto resulta que não podemos conhecer
inteiramente o real. Conhecemos do real apenas aquilo que a mente pode
assimilar, e que ele chamou fenômeno; ao que permanece incognoscível para nós
ele chamou o noumeno. Então Kant tomou a série de conceitos que Aristóteles
havia listado como o que podemos dizer das coisas, e transformou-a em uma série
de categorias que são o que podemos conhecer das coisas. Para Kant, o dado
empírico tem validade, porém nunca validade absoluta ou apodítica”. (Rubem
Queiroz Cobra, Fenomenologia, www.cobra.pages.nom.br).
Desse
modo, negando o conhecimento do ser real, Kant abriu caminho para a
negação de todo ser. Foi em
1770 que Kant declarou ter recebido a “grande luz” que iluminou sua
mente, dando origem a seu sistema filosófico pessoal, visando solucionar o
problema do objeto e do conhecimento.Suas obras
principais foram: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática,
Crítica do Julgamento, Prolegômenos de toda Metafísica Futura.A filosofia de Kant é brumosa, servindo-se de terminologia muito particular,
que dificulta a compreensão, dando a impressão de uma visão que se esgueira em
novelos de fumaça. Nada da clareza tomista nos textos de Kant. Mas eles dão a
impressão de uma mentira fantasmagórica que se desfaz em fumaça,
quando se pretende tê-la alcançado. Kant tem um pensamento fugidio que dá
a sensaçao de enganar através de frases esvanecentes.Kant teve enorme influência em toda a Filosofia moderna. Todo imanentismo e
subjetivismo contemporâneo provieram dele.Não pretendemos fazer aqui um estudo completo da filosofia kantiana, mas tratar
apenas de alguns aspectos de sua antimetafísica e de sua negação do
conhecimento humano, tal qual foi elaborado pela filosofia
aristotélica-tomista, visando compreender de que modo o pensamento veio a ter
influência no Modernismo, na Fenomenologia, e nos sistemas derivados dela.Para
compreender a filosofia anti metafísica de Kant, devemos partir das
classificações que ele faz dos juízos humanos, para, depois, entendermos sua
negação do conhecimento objetivo e sua recusa de toda Metafísica.Principiemos pela exposição de sua teoria dos juízos.Kant distingue dois tipos de juízos fundamentais: juízos analíticos e juízos
sintéticos.
-Juízos analíticos seriam aqueles nos quais o predicado
enuncia algo já incluso no conceito que se tem do sujeito da frase. Por
exemplo, todo corpo é substância extensa.
-O juízo analítico então seria tautológico, porque expõe o que já está expresso
no sujeito da frase, nada lhe acrescentando de novo. O juízo analítico seria
então estéril.
Os juízos
sintéticos seriam de dois tipos:
a.
Juízos
puramente sintéticos;
b.
Juízos
sintéticos a priori.
Os Juízos
puramente sintéticos seriam aqueles nos quais a razão atribui ao sujeito da
frase algo que não está nele, pondo então no predicadao uma coisa nova,
dando-lhe um predicado estranho ao sujeito e proveniente da experiência
puramente pessoal. Ex. Fulano está triste. Doi-me o braço esquerdo.Estes são juízos puramente subjetivos, provenientes de uma intuição sensível e
que nada têm de científico. Os Juízos
Sintéticos a priori seriam aqueles nos quais a razão atribui ao sujeito da
frase um predicado estranho a ele, mas predicado que, além da intuição
sensível, reveste o predicado de um caráter necessário e universal, mas
independente de uma experiência. Por exemplo, quando se diz que todo ser
contingente tem uma causa, na idéia de ser contingente não está incluída a
noção de causa. Mas isso deveria ser deduzido da realidade sensível,
experimental. Entretanto, nenhuma experiência sensível poderia nos dar a noção
de necessidade de causa para um ser contingente. Kant conclui, então, que a
noção de causa provém de uma condição a priori, existente no espírito
humano. Esses juízos a priori seriam necessários e universais, existentes em
todos os homens, e seriam eles que permitiriam o progresso científico.Kant faz
então a verdade depender de algo existente no espírito humano: as formas a
priori.Desse modo Kant deslocou definitivamente o conhecimento para o interior do
homem. Enquanto na escolástica o conhecimento se fundamentava a partir da
realidade do ser, no kantismo, o conhecimento provém do interior do homem. Por
isso, Kant insiste que sua filosofia fez uma inversão copernicana. Com Kant, a
verdade passa a depender não mais do ser real, mas do pensamento. A ontologia
se transmuta em criteriologia. Ele não leva em conta a realidade subsistente do
objeto conhecido. A verdade de um sistema passa então a depender de sua
coerência interna, e não mais da realidade objetiva.O kantismo passa a estudar a razão pura, isto é, a razão enquanto
separada da realidade objetiva, exterior ao homem.Desse
modo, em Kant estão as raízes do subejetivismo moderno.Kant
distingue na realidade exterior ao homem:
1.
o objeto real, o noumeno, a coisa em
si, inatingível pela razão;
2.
a aparência, o fenômeno, do qual
temos um juízo.
Kant
repete à saciedade que evidentemente o noumeno, --a coisa em si – seria
incognoscível para o homem.Desse
modo, Kant estabelece vários dualismos:
1.
O dualismo entre a coisa em si (o
noumeno incognoscível) e o fenômeno, (as aparências cognoscíveis pelo
entendimento humano).
2.
Um segundo dualismo é posto por Kant
quando ele faz uma separação absoluta da coisa em si (o noumeno) , da coisa em
nós, a coisa como fato da consciência.
3.
Um terceiro dualismo existiria no
homem entre o entendimento (Verstand) --capaz de atingir o fenômeno-- , e a
razão (Vernunft), incapaz de alcançar o noumeno.
4.
Um quarto dualismo existiria entre a
coisa em si, o objeto exterior, e a coisa em nós, o conceito que formamos da
coisa exterior.
As
Ciências teriam por fim o conhecimento dos fenômenos. Apenas as ciências
práticas, que estudam os fenômenos, seriam válidas. As ciências especulativas,
trabalhando abusivamente com os conceitos, criariam ilusões. Mais
ilusória do que todas as demais ciências especulativas seria, então, a
Metafísica.Para Kant, a Metafísica especulativa seria uma ilusão transcendental. O
Kantismo decretou a morte da Metafísica, portanto, a morte da verdade
ontológica.Kant
considerava sua filosofia um idealismo transcendental. Para ele, os fenômenos,
por causa das elaborações que sofre, manteria um valor em grande parte
subjetivo.Como já vimos, Kant se considerava um Copérnico da Filosofia por ter invertido
a relação intelecto – objeto. Antes dele, se fazia partir o conhecimento do
objeto. Kant quer explicar a realidade pelas leis do espírito humano,
através da formas a priori, que seriam universais e necessárias. Não formas
simplesmente individuais. Esse seria o seu idealismo transcendental, por ser
regulado por leis transcendentes, impostas pela natureza de nosso espírito.
Daí, as formas a priori terem um efeito universal necessário. Por isso,
Kant admite que o consenso universal é um critério de verdade.Infelizmente, até em livros de apologética católica, ainda no tempo de Pio XII,
se admitia como prova válida da existência de Deus, o consenso universal dos
povos kantiano...Thonard explica então que “Esta concepção de verdade põe em evidência o
princípio imanentista e o racionalismo radical da filosofia moderna. Para Kant,
toda a nossa ciência é verdadeiramente tirada de nós próprios: a nossa razão é
autônoma e impõe as suas leis ao real, mas com esta precisão bem
característica: estas leis dominam também os indivíduos, e é antes a humanidade
ou a razão impessoal que se torna o centro de tudo” (J.F. Thonard, Compêndio
de História da Filosofia, Desclée, Paris, Tournai, Roma, 1953, p. 649).Para Kant,
então, a verdade seria a conformidade do juízo com as leis psicológicas dos a
priori que regem a elaboração do fenômeno.Kant admite que exista a “coisa em si”, geradora dos fenômenos. A “coisa
em si” seria uma realidade substancial, e distinta do eu, sujeito crítico.
Mas, “a coisa em si” – o noumeno-- seria inatingível por nosso conhecimento.
Dela só poderiamos ter um conhecimento apofático, por negação, nunca por
afirmação. Do noumeno inalcançável, viriam os fenômenos.Sem a admissão de que há uma “coisa em si”, os fenômenos seriam
inexplicáveis. O noumeno seria a realidade estável, existente em si mesma,
substancial, objeto último de nossa inteligência que, porém, jamais o pode
atingir.Vê-se que Kant dá à “coisa em sí” as qualidades da Divindade. O que não
deve surpreender, pois que Kant conheceu essas noções através de Jacob Boehme e
da Kaballa.Só os fenômenos seriam suscetíveis de serem expostos por meio de conceitos,
efeitos do entendimento (Verstand). Ora, a Metafísica pretende expressar o
noumeno- a “coisa em si” – por meio de conceitros, o que seria
impossível. A Razão (Vernunft) pensa em falso sobre o noumeno querendo
explicá-lo por meio de conceitos. Daí, a Metafísica ser enganadora, uma pseudo
ciência que trata suas ilusões e miragens como realidade. A Metafísica poderia
levantar hipóteses, mas jamais teses. Isto leva Kant a dizer que a Metafísica é
a ilusão transcendental.Ela é incapaz de alcançar a verdade do noumeno, produzindo apenas um mundo de
abstrações vagas e irreais. Contra a Metafísica clássica, a Metafísica moderna
ao invés de procurar atingir o ser inalcançável pela razão, procura apenas
criticar a razão, demarcando os limites de sua atuação. Kant opõe o conhecimento sensível das aparências à incognoscibilidade do
noumeno, do ser, da coisa em si. Como nota Hannah Arendt, para Kant, “somente
(...) na eliminação das aparências, pode haver esperança de atingir-se o
verdadeiro conhecimento” (Hannah Arendt, A Condição Humana, 10a
edição Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2008, p 287). Mas esse
conhecimento não será o conhecimento racional humano.O Ser que gera as aparências faz isso para enganar o homem: “Este Ser é
agora tremendamente ativo e enérgico: cria suas próprias aparências, e AC
ontece que essas aparências são embustes” (Hannah Arendt, A Condição
Humana, 10a edição Ed. Forense Universitária, Rio de
Janeiro, 2008, p 289). O noumeno, o Ser em si de Kant é o malévolo deus criador
da Gnose antiga com roupagem moderna e pseudo filosófica.Com a separação entre o fenômeno e o noumeno se nega todo conhecimento humano
racional e real. O conhecimento possível passa a ser uma Gnose racional e
alógica.“Se o
Ser e a Aparência estão definitivamente separados – e este , como observou Marx
certa vez, é realmente o pressuposto básico de toda a ciência moderna--, então
nada resta que posa ser aceito de boa fé; tudo deve ser posto em dúvida” (Hannah
Arendt, A Condição Humana, 10a edição Ed. Forense
Universitária, Rio de Janeiro, 2008, p 287).
Com essa filosofia, Kant lançou os germes do subjetiviso moderno, que os
filósofos idealistas alemães farão eclodir, causando os delirios do Romantismo
e do modernismo, causadores da loucura filosófica da Idade Contemporânea com o
Marxismo, o Nazismo e a Fenomenologia.
Capítulo 3: OS FILÓSOFOS
DO IDEALISMO ALEMÃO
É comum
encontrar quem oponha o Iluminismo racionalista ao Idealismo anti racional,
como se fossem absolutamente inconciliáveis.Na realidade, o iluminismo racionalista deságua no panteísmo, enquanto o
Idealismo irracionalista acaba na Gnose. Ora, o panteísmo é uma doutrina que
prepara para a Gnose. Ambas Iluminismo
e idealismo ambos se julgam iluminados: os primeiros se ufanam de serem
iluminados pela luz da razão, enquanto os idealistas irracionalistas se gabam
de serem iluminados pelo Espírito Santo ou pela Divindade. Embora antagônicos
com irmãos gêmeos siameses, Panteístas e Gnósticos se julgam divinos. E nisso
ambas as correntes estão de acordo. Elas formam os dois ramos da língua da
serpente, os dois ramos da Religião do Homem: o antropoteísmo.A luta superficial dessas duas correntes vem desde sempre. No século
XVIII, esses dois tipos de iluminados disputavam entre si, quem tinha a
verdadeira luz, quem eram os verdadeiros iluminados. É o que explica Antoine
Faivre em seu livro L’Ésotérisme en France et en Allemagne au Dix -Huitième
Siècle.Costuma-se colocar Kant como iluminado pela razão, enquanto Fichte, Schelling,
Hegel são colocados entre os iluminados pelo “Espírito”- O
idealismo alemão - cujas figuras exponenciais foram Fichte, Schelling e Hegel -
é uma explicitação filosófica das experiências de místicos irracionalistas
alemães, tais como Mestre Eckhart, Tauler, e Jacob Boehme. Desses
místicos, o idealismo herdou sua "visão central" e adotou a
sua terminologia."(...)
A 'visão central' da filosofia idealista é o reflexo direto da experiência
mística. Enfim, a terminologia da própria filosofia idealista religiosa foi
conscientemente tirada da linguagem dos místicos, na qual eles interpretaram
sua experiência mística de divinização" (E. Benz
- Les Sources Mystiques de la Philosophie Romantique Allemande, Vrin,
Paris, 1968, p. 31).
E diz
ainda esse autor: "poder-se-ia demonstrar que o conceito
idealista do ‘Eu’, em Fichte, foi diretamente influenciado pela especulação do
misticismo alemão da Idade Média, como Von Bracken o provou em seu livro sobre
Fichte e mestre Eckhart" (E. Benz, idem, p. 30).Outra
fonte do idealismo alemão foi a Cabala. Esta foi introduzida nos ambientes
cristãos na Alemanha, por Reuchlin, no século XVI. Mas, segundo o que os
rabinos disseram a Oetinger, quem melhor escreveu sobre a Cabala, nesse país,
foi Jacob Boehme. Foi através de Boehme, e de Oetinger que a Cabala
chegou até os filósofos idealistas e aos românticos, especialmente a Schelling
(Cfr. E. Benz, op. cit. p. 56). Franz von Baader foi o grande divulgador de
Boehme na Alemanha, de cujas obras ele preparou uma edição, em 1813 (Cfr. E.
benz, op. cit. p. 7), enquanto Hegel foi adepto de Boehme o elogiou
muitas vezes (cfr. E. Benz, op. cit. p. 20).Desde muito cedo ficou patente que o idealismo alemão, cujas raízes se
estendiam a Eckhart, a Boehme e à Cabala, devia ser visto como uma forma
de Gnose. "Em
1835, apareceu a monumental obra de Ferdinand Christian Baur, Die
Christilich Gnosis, oder die Religion philosophie in ihrer geschchlichen
Entweckung. Sob o título "Gnosticismo antigo
e filosofia moderna da religião", a última parte dessa obra examina: 1) a
teosofia de Boehme ; 2) a Filosofia da Natureza de Schelling; 3) a Doutrina da
Fé, de Schleiermächer; 4) a Filosofia da Religião, de Hegel. A especulação do
idealismo alemão é justamente enquadrada em seu contexto no âmbito do movimento
gnóstico, cujas origens remontam à Antigüidade" (Eric Voegelin, Il Mito del Mondo Nuovo, Milano, Rusconi,
1976, p. 58).Voegelin
afirma ainda que Baur não estava sem fundamento nessa sua posição. Os trabalhos
de Johann Lorenz von Mosheim, de Johann August Neander e de Jacques Matter
permitiram concluir que: "com o iluminismo e com o idealismo alemão o
movimento gnóstico tinha adquirido um grande relevo social" (Cfr. Eric
Voegelin, op. cit. p. 58).É certo
então que a chamada filosofia alemã - sempre abstrusa-- esteve continuamente
sob a influência da Gnose cabalista de Jacob Boheme, o inspirador do pietismo.
Kant e os filósofos que a ele se seguiram foram quase todos pietistas. Sendo
gnósticos os filósofos idealistas não é de espantar então que eles se
manisfestassem como anti metafisicos, contrários ao conhecimento racional tal
como foi exposto pela escolástica.Nos filósofos alemães, sucessores de Kant, a Gnose foi se tornando cada vez
mais explícita. E não nos referimos somente a Schleiermächer e a Franz Von
Baader, mas, particularmente a Fichte, Schelling e Hegel, pensadores dos quais
nasceram o romantismo, o materialismo de Marx, como também a teologia liberal
alemã, a Fenomenologia, e, enfim, o Modernismo teológico, que triunfou na atual
modernidade e teologia.O que São Tomás foi para o Catolicismo, e Descartes foi para a Modernidade,
Kant foi para o pensamento filósófico protestante alemão. Fichte (1762-1814), Schelling (1775-1854), e Hegel (1770-1831) os filósofos do
chamado idealismo alemão, pretendiam ser os continuadores de Kant, embora
manifestassem divergências com relação a certos pontos do pensamento dele.
Esses três filósofos supracitados, por vezes, são apresentados como panteístas,
mesmo por autores competentes, como Thonnard, quando na realidade, são
gnósticos contrários à razão e contrários ao mundo material.Neste
trabalho, como fizemos com outros filósofos modernos, não pretendemos fazer uma
exposição completa de seus sitemas filosóficos. Daremos particular atenção à
sua teoria do conhecimento, tratando de sua visão do ser, de Deus e do mundo,
apenas na medida necessária para que se compreenda a teoria do conhecimento
deles.De Kant,
os três citados filósofos acima citados aceitam a doutrina de que o
conhecimento vem ao homem condicionado pelas formas a priori. Eles aceitam a
distinção entre fenômeno e noumeno. Porém, recusam separar o noumeno do eu.
(Cfr F.J.Thonnard, Compêndio de História da Filosofia, Desclée et Cia,
editores pontifícios, Paris, Tournai, Roma, 1953, p. 673, n0 422).Para os sucessores de Kant, é a atividade do intelecto que explica toda a
existência. É essa attividade que cria o fenômeno e o noumeno. “Nada há fora
da nossa idéia e do nosso conhecimento , de modo que nos esforçamos por
explicar tudo apenas por nossa atividade intelectual” (apud F.J.Thonnard,
Compêndio de História da Filosofia, Desclée et Cia, editores pontifícios,
Paris, Tournai, Roma, 1953, p. 673, n0 422).Entretanto, segundo os sucessores de Kant, nossa construção do mundo seria
inconsciente, e só depois de construi-lo, é que receberiamos dele as impressões
que nos chegam à mente.Portanto, a realidade objetiva proviria do sujeito.Daí, o subjetivismo do idealismo alemão: a verdade vai do sujeito para o objeto
real.Os filósofos idealistas e os românticos alemães defenderam o subjetivismo para
o qual a verdade não brota do ser conhecido, gerando a idéia correspondente em
nosso intelecto, mas, pelo contrário, seria a idéia do sujeito conhecedor que
poria o objeto. A verdade decorreria do sujeito. A idéia concebida causaria a existência
do objeto.Isso faria do homem o próprio Verbo de Deus, pois que a criação do mundo foi
feita exatamente assim: Deus pensando algo, criava esse algo. O subjetivismo
idealista e romântico faz de cada sujeito que pensa o próprio Verbo de Deus,
criador do universo. Daí, cada um teria a sua verdade.Hegel dará
um passo adiante, ao dar entidade ao não ser: Marx fará da matéria a única
realidade, explicitando o ateísmo.
Johann Gottlieb Fichte (1762-1814)
Este
filósofo usou a terminologia kantiana e pretendeu dar desdobramento ao sistema
de Kant.Ponto de partida de Fichte é o Eu. Porém, Fichte distingue o eu individual do
Eu absoluto, um Eu transcendental, princípo infinito supra individual, do qual
teriam derivado, por queda, todos os eus individuais.(Cfr. Nicola Abbagnano,Storia
della Filosofia, Tea Edizioni, Milano, 1993, vol. V, La Filosofia del
Romanticismo, da Fichte a Nietzsche, pp. 49-50).O eu
individual ( o eu fenomenal) é apenas um aspecto de Deus ( o Eu noumenal
universal) (Cfr. F.J. Thonnard, Compêndio de História da Filiosofia,
Desclée et Cia, editores pontifícios, Paris, Tournai, Roma, 1953, p. 676,
n0 425). Na consciência individual, através do
conhecimento, se daria a síntese do sujeito com o objeto, do eu com o
não-eu. O que é clara formulação gnóstica.O Eu
infinito seria pura atividade, portanto não-ser substancial. Dele proviriam,
por queda, tanto o mundo objetivo, assim como os eus individuais mergulhados
neste mundo material em que estamosO único
princípio do conhecimento humano seria então o eu fenomênico, a auto
consciência, à cuja atividade se deveria atribuir não apenas o pensar a
realidade objetiva, mas “construir”, “por” a própria realidade
objetiva enquanto tal (N. Abbagnano, op. cit, vol V, p. 49).Fichte variou na formulação de sua doutrina do conhecimento.Em sua primeira Doutrina da Ciência (1794), Fichte considerava que “o
infinito era o eu, a auto consciência, o saber reflexo ou filosófico, ou, numa
palavra, o homem na pureza e absolutidade de sua essência. Nas obras
sucessiva, o infinito é o Ser, o Absoluto ou Deus, e o eu, a auto
consciência, o saber se tornam imagens, cópias ou manifestações dele” (N.
Abbagnano, op. cit, vol V, p. 50).Fichte vai distingui entre o que ele chama de conhecimento dogmatico do
que ele denomina conhecimento crítico.Segundo Fichte, no dogmatismo, a coisa, o objeto, o ser real precede o
sujeito conhecedor e nele imprime a idéia. A verdade é então a correspondência
entre idéia cocebida no sujeito conhecedor e o objeto conhecido. E a idéia
conhecida corresponde ao objeto e dele depende,Portanto, no que Fichte chama de dogmatismo, a verdade é objetiva.No conhecimento crítico, defendido por Fichte e pelos idealistas, se dá
o oposto: o eu conhecedor, o sujeito precede o objeto, a coisa conhecida é
produzida pela aitividade inteletual do sujeito conhecedor. Portanto, a verdade
seria subjetiva. A idéia do sujeito geraria o objeto exterior ao eu. O que é
conhecido é ser para nós, e não ser em si, como pretende o dogmatismo.“O
fundamento do ser [para Fichte] não é o ser em si
mesmo, de que fala o dogmatismo, mas a atividade em virtude da qual o ser vem a
ser fundamentado; e esta atividade não pode ter outra relação senão consigo
mesma, e só pode ser uma atividade que retorna a si mesma. Trata-se de uma
atividade originária a qual é, conjuntamente, o seu objeto imediato, isto é que
intui a si mesma. Ela é, portanto, auto intuição ou auto consciência.
O ser para nós (o objeto) só é possível sob a condição da consciência (do
sujeito) e esta só é possível sob a condição da auto consciência. A consciência
é o fundamento do ser, a auto consciência é o fundamento da consciência”(Fichte,
Werke, I, 1, p. 463, apud N. Abbagnano, op, cit., vol. V, p.51).Veja-se
como Coplestone explica a Gnose de Fichte, negadora da realidade material, do
mundo criado.“Só
a Razão existe, o infinito em si mesmo, o finito existe somente nele e através
dele. Somente em nossas mentes Ele cria um mundo, em úllima análise, que dele e
por ele, nós o desenvolvemos” (Frederick Coplestone, S.J., A
History of Philosophy, Vol. VII , ModernPhilosophy – From Fichte to Hegel, Doubleday, Image
Books, New York, 1963, p. 109).Portanto, o Absoluto se manifesta
necessariamente no mundo.Mais:
o Absoluto é , ao mesmo tempo, dialeticamente, sujeito e objeto. Desse modo, o
Absoluto, Deus, é o Mundo e é também o eu. Mundo e eu individual são Deus
depois da queda da Divindade. A Gnose de Fichte é bem clara!
Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854)
Schelling
foi o filósofo do Romantismo. Estudou em Tubingen, e nessa universidade formou
um trevo pietista com Hoelderlin e Hegel. Depois, foi discípulo de Fichte, em
Iena. Ligou-se aos fundadores do Romantismo: Augusto W.Schlegel, Frederico
Schlegel, Novalis e Tieck. O teósofo Franz Von Baader o levou a ler
Jacob Boehme. Que o encantou.Schelling foi ainda mais claramente gnóstico do que Fichte. Os pontos de
contato da filosofia de Schelling com a Cabala e com a teosofia são muito
claros, embora sejam pouco conhecidos, mesmo por muitos manuais de Filosofia
que, de modo geral, não tratam disso.Como os
gnósticos, Schelling aceita o irracionalismo. A reflexão, separando o sujeito
do objeto, seria a responsável pela separação do ideal do real, isto é da queda
da Divindade e do homem.Pelo sentimento é que o homem atingiria a união com a natureza. Mas se o homem
começa a refletir, se ele separa o seu eu dos objetos exteriores, distinguindo
sujeito e objeto, então o homem, ele mesmo, se torna um objeto para si próprio.
Ele então separa Espírito e Natureza e sua reflexão o torna espiritualmente
doente. Pensar lógica e objetivamente seria uma enfermidade do espírito humano.
O homem teria por fim agir, e não pensar.Para
Schelling, o sujeito impõe suas formas cognoscitivas à realidade em
determinadas experiências, e, dessa forma, ele cria a realidade
fenomênica. ( Cfr. F.
Coplestone, A History of Philosophy, Image Books Doubleday,
New York, 1963, vol. VII, Modern Philosophy-- From
Fichte to Hegel, p. 134). Essa idéia é que faz Schelling ser um
subjetivista.
DO
ABSOLUTO AO REINO
Na base de
todo o pensamento “metafisico” de Schelling estaria no que ele chama de
Absoluto, que ele identificará com Deus e com o Mundo.O Absoluto, para Schelling, seria pura identidade entre sujeito e objeto. O
Absoluto fundiria, numa síntese perfeita, sujeito e objeto, Natureza e
Espírito.Desse modo, o Absoluto se identifica com o Todo universal. Deus o Mundo e o Eu
seriam absolutamente idênticos, num monismo espiritual evolutivo contínuo.O Absoluto
poderia ser intuído, mas não compreendido.Como a Cabala, Eckhart e Boehme, Schelling distingue, no Absoluto, a Divindade
impessoal - o Ungrund de Boehme - que seria a contração, à qual se oporia a
expansão, ou o Amor (Cfr. Schelling - "Conférences de Stuttgart",
in "Essais" de Schelling, tradução e prefácio de
S. Jankelovitch, Aubier-Montaigne, Paris, sem data, pp. 320-321). Vê-se por aí, que Schelling utiliza a terminologia de Jacob Boehmee as
concepções gnóstico-alquímicas da natureza (Cfr. A. Koyré, op. cit., p. 506).Haveria, portanto, um dualismo na Divindade, que seria, ao mesmo tempo, como
dizia Eckhart, ser e não-ser (Cfr. Schelling, Conférences de Stuttgart,
op. cit., p. 319; Cfr. Vladimir Lossky, Théologie négative et connaîssance
de Dieu chez Maître Eckhart, Paris, Vrin, 1973,, pp. 38, 200, 244; Cfr.
Maître Eckhart - Sermons, introdução e tradução de Jeanne
Ancelet-Hustache, Seuil, Paris, p. 102, Sermão n. 9, "Quasi stella
matutina").Assim como
a Cabala, Schelling fala ainda de um dualismo de trevas e luz na Divindade, e
que a luz nasceria das trevas (Cfr. Schelling, Conférences de Stuttgart,
op. cit. p. 315; Cfr. Gershom Scholem, A Mística Judaica, ed. cit., pp.
219-220).Esse dualismo constituído por um princípio obscuro e outro de luz terá
repercussões na metafísica idealista assim como em todo o Romantismo.Schelling afirma ainda que o processo teogônico – a “vida” do Absoluto --seria
dialético e catárquico, consistindo numa purificação que se daria pela
eliminação de algo negativo existente no Absoluto, através da emanação do
mundo, o que posibilitaria também o auto-conhecimento da Divindade (Cfr.
Schelling - Conférences de Stutttgart, pp. 316-317). Ora, o mesmo
pensamento existiu no sistema cabalista (Cfr. G. Scholem, A Mística Judaica,
p. 220).A cosmogênese visaria a dois objetivos:
1.
a eliminação do mal existente na
Divindade;
2.
o auto conhecimento da Divindade
através de seu reflexo no espelho do mundo.Que é
exatamente o que ensina a Cabala de Isaac Luria de Safed.
A CATARSE
DIVINA: A ELIMINAÇÃO DO MAL NA DIVINDADE
A criação
era vista como uma queda necessária da Divindade para poder auto-revelar-se
(Cfr. Schelling, Philosophie et Religion, in Essais, pp.
195-196).Schelling pretende que essa teoria da queda divina no universo tem origem em
Platão e nos mistérios gregos. Ele não diz, porém, que essa mesma idéia aparece
em Boehme e na Cabala (Cfr. A. Koyré - op. cit. p.421).Gershom Scholem, tratando da doutrina de Rabi Isaac Luria de Safed sobre o Tzim
tzum, contração da Divindade, e da subseqüente emanação do mundo, diz : "(...)
para todos esse conceito de Zimzum era de fato muito próximo que, mais tarde,
foram desenvolvidas pelas modernas filosofias idealistas, como as de Schelling
e de Whitehead" (G. Scholem ,Kabbalah, p. 134).Doutrinas semelhantes se encontram no sistema cabalista de Isaac Luria (Cfr. G.
Scholem, A Mística Judaica, p. 270).O elemento obscuro e inferior, que Deus procurou eliminar de si mesmo e que
teria produzido o universo, seria a matéria, mas, procurando purificá-la e
atraí-la de novo a si, procurando despertar nela, que é inconsciente, o
consciente (Cfr. Schelling Conférences de Stuttgart, p. 317).Como
dissemos, a catarse do Absoluto teria sido feita para eliminar o mal que
existiria na própria Divindade. Como dizia Isaac Luria, a Divindade procurou
eliminar de si as “cascas”,--as klippoth-- as imundíces, que existiriam nela.Ao
examinar o problema do mal em Filosofia e Religião, Schelling, como
Luria, procura demonstrar que o mal tem origem na própria essência divina e
proviria de uma queda de Deus. Na opinião de Hartman, Schelling teria tirado
sua idéia de Jacob Boehme (Cfr. Nicolai Hartman, op. cit. p. 169). Entretanto,
a origem real dessa tese é cabalista (Cfr. Gershom Scholem -Kabbalah,
Ketter, Jerusalém, 1974, pp. 122 a 128).Como todos os gnósticos, Schelling afirma que a queda de Deus provocou o
aprisionamento de um elemento divino (existente no mais íntimo das almas) no
corpo material. Estaríamos neste mundo para pagar uma falta anterior ocorrida,
enquanto estávamos em Deus (Schelling, Philosophie et Religion, inEssais,
p. 204).Da matéria
provém a individuação, a limitação ao espaço e ao tempo. De tudo isso, a
partícula divina que há no homem seria libertada através da morte (Schelling - Philosophie
et Religion, pp. 216-217).
O AUTO CONHECIMENTO DIVINO E O
CONHECIMENTO HUMANO
Para os
idealistas, a criação do universo foi resultante de um processo necessário,
existente na Divindade, para que ela se auto-conhecesse (Cfr. Schelling, Conférences
de Stuttgart, p. 315).Entre o
Absoluto e o Mundo haveria então idendidade completa. Por isso, segundo
Schelling, se pode dizer que o Absoluto na ordem ideal é o Absoluto na ordem
real.Para
Schelling, a Natureza é o Espírito visível e o Espírito é a Natureza invisível.
Natureza e Espírito formariam o Absoluto. E note-se como essa reversibilidade
entre Espírito e Natureza se assemelha ao conceito alquímico de que a matéria é
o espírito cristalizado, enquanto o Espírito seria a matéria sublimada,
conforme explicam Oetinger e Bengel.A
“Natureza” seria a criadora da realidade fenomenológica.“No
apêndice à Introdução às Idéias (1803),e ainda mais nos Aforismos
(1805-1807) ele [Schelling] reconhece o caráter divino
da Natureza e a identifica com Deus. Deus é razão, e a razão de Deus se
identifica com as idéias de Deus. Mas as idéias de Deus são tudo, portanto,
Deus é tudo e é a totalidade do vir a ser que se realiza em infinitas formas.
“O Absoluto não é apenas um querer a si mesmo., mas também um querer em
infinitos modos, portanto em todas as formas, em todos os graus, e em todas as
potências da realidade. A expressão desse eterno e infinito querer é o mundo” (Schelling,
Werke, I, II, p. 362. Apud N. Abbagnanano, Storia della Filosofia,
Vol. V – La Filosofia del Romanticismo – De Fichte a Nietzsche, p. 78).Assim como o Absoluto se identifica com a Natureza, unindo sujeito e objeto,
assim também o Eu absoluto (noumenal e universal), se identifica com cada eu
(fenomênico, individual). Todos os eus seriam uma substância única, sendo os
eus individuais emançoes objetivas do Eu noumenal, sujeito universal.Na obra Sistema do Idealismo Transcendental (1800), Schelling “fala
como Fichte, do Eu, ou auto consciência absoluta, mas imediatamente reconhece
no eu uma dualidade de forças. Se o eu, ao produzir (e pois no limita-se
mediante o objeto produzido) fosse consciente de produzir algo, não existiria
para ele um objeto oposto a si, porque esse objeto se revelaria a ele
imediatamente como a sua própria atividade. Mas o ato com que o eu produz o
objeto, intuindo-o , e o ato pelo qual ele se torna consciente do
objeto, refletindo-o, são dois atos diversos. O segundo ato encontra o
objeto já produzido e o reconhece pois extranho a si. O primeiro ato, aquele da
produção ou intuição, é portanto inconsciente. Schelling distinge no eu
uma atividade real que produz o objeto, e uma atividade ideal
que o percebe, ou se torna consciente dele. Mas, já que a atividade real (imaginação
produtiva) não é conscia de produzir, a atividade ideal sente o
objeto como algo estranho, de não colocado por si, portanto como algo externo.
A realidade se identifica pois com a produção inconsciente, a idelalidade se
identifica com o conhecimennto do produzido e com a consciência (filosófica não
originária) do produzir. O caráter inconsciente da produção originária
que o eu faz do objeto fundamenta, conforme Schelling, a realidade do
conhecimento” (Nicola Abbagnano, Storia della Filosofia, Vol. V – La
Filosofia del Romanticismo – De Fichte a Nietzsche, p. 87. Os destaques são
do autor).O Absoluto
projetou então o mundo como um espelho para se auto conhecer, identificando a
si mesmo ( como Sujeito absoluto) com o mundo (como objeto).O Absoluto, em si, é um eterno ato de conhecimento. Embora seja eterno, nele
Shelling distingue três momentos a temporais:
10
momento: O Absoluto se objetiva a si mesmo na Natureza ideal no modelo ideal da
Natureza que Schelling chama, como Spinoza, de natura naturans;
20 momento:
o Absoluto como objetividade é transformado em Absoluto como subjetividade;
30 momento:
é aquele em que a absoluta objetividade e a absoluta subjetividade se fundem
sinteticamente num Absoluto único subjetivo-objetivo Cfr. F. Coplestone, A
History of Philosophy, Image Books Doubleday, New York, 1963,
vol. VII, Modern Philosophy-- From Fichte to Hegel, pp. 136-137).
Da mesma
forma, cada eu fenomênico individual teria o conhecimento verdadeiro quando
identifica-se a si mesmo (sujeito) com o objeto conhecido, acabando com a
distinçao de seu eu com os objetos exteriores.
A EVOLUÇÃO E A HISTÓRIA COMO PROCESSOS DE
AUTO-REVELAÇÃO E AUTO-LIMITAÇÃO DE DEUS (?)
Havendo em
todo ser criado, como na Divindade originária, um elemento material obscuro e
um elemento luminoso divino, em tudo haveria um processo dialético que faria a
luz tender a libertar-se das trevas, o divino a libertar-se do que é
material.Nesse processo dialético, a matéria bruta é inconsciente e evoluiria para a
matéria viva e consciente. No homem, o espírito divino readquiriria
auto-consciência e procura libertar-se definitivamente de sua casca material,
para alcançar, pela morte, a divinização (Cfr. Schelling - Conférences de
Stuttgart, pp. 325 e 340).A Gnose do Padre Teillard de Chardin, que tanto influiu na teologia modernista ,
não diz coisa diferente.Esta auto-conscientização de Deus no homem, isto é, o conhecimento do Absoluto,
não seria possível de ser alcançada através da reflexão, mas sim por meio de
uma intuição dialética que apreende os contrários como idênticos, fazendo
coincidir sujeito e objeto, o Eu e a coisa (Cfr. Schelling - Bruno [M. 328-3229] ed. Abril, São Paulo, 1973, p. 314).
O homem,
redentor de si mesmo e da natureza!
Fazendo
isto, o homem se auto-redimiria e seria o redentor da natureza, levando-a ao
seu fim último, que seria a reintegração no Absoluto (Cfr. Schelling - Nature
de l liberté humaine, in Essais, ed. cit. p. 297).Ora, esse tema do homem como redentor de si mesmo é tipicamente gnóstico, e
será um dos grandes temas do Romantismo (Cfr. Hans Jonas - La Religion
Gnostique, Flammarion, Paris, 1978, p. 93 e 111).A História
é o processo de retorno e de reconstituição do Absoluto! Para Schelling
depois da queda de Deus no universo, a evolução começou o processo de retorno
ao Absoluto. Na História, esse retorno se torna consciente. Em decorrência, na
História, Deus se revela ao homem e se revela a si mesmo. Mais do que isso:
Deus realiza-se no processo histórico (Cfr. Schelling - Philosophie et
Religion, p.42). O espírito divino tomaria, então, consciência de si mesmo;
primeiro, no homem, individualmente considerado; depois, o Absoluto divino
alcançaria um estágio superior de consciência e de libertação, no Estado.Hegel desenvolvera esse ponto. Jacob Boehme considerava que todo espírito necessitaria de um corpo para não se
tornar diabólico. Daí, os filósofos idealistas, particularmente Hegel,
afirmarem que todo espírito coletivo nacional - a alma de um povo -
necessitaria encarnar-se num Estado. Foi dessa tese que nasceram o
nacionalismo, o pan-germanismo, e, mais tarde, o nazismo racista.
O Reino
milenarista ecumênico
A última
etapa do processo histórico seria a formação de um Reino universal e ecumênico.
As nações são limitadas e não podem realizar a união última de todos os
espíritos. Por isso, ao final do processo histórico, a realização do Absoluto
exigiria a formação de um Estado Universal, que eliminaria tudo o que é
particular, individual, nacional.Seria a
realização do "Lilienzeit" profetizado por Jacob Boehme, e aspirado
por correntes das mais diversas, desde os tradicionalistas, como Joseph de
Maistre (Cfr. J. De Maistre - Du Pape, ed. cit., p. XXXIX), e pietistas, como
Oetinger, até os marxistas, passando antes pelos românticos.Esse Reino
universal exigiria ainda uma fusão de todas as religiões, porque um só é o
Absoluto que elas cultuaram com nomes diversos. Surgiria então uma só Igreja -
a Igreja ou Religião do Amor, ou do Espírito - profetizada por Joaquim de
Fiore, por Jacob Boehme e por Novalis.
AS TRÊS
IGREJAS
Curioso
ainda é aparecer em Schelling a teoria, tão cara aos gnósticos e maçons, de que
haveria na História da Igreja uma sucessão de três igrejas:
1.
A Igreja de Pedro, ou da fé, que
corresponderia à Antiguidade e à Idade Média;
2.
A igreja de Paulo, ou da
Escritura que seria a igreja reformada protestante;
3.
Finalmente, uma Nova Igreja do
Amor, ou do Espírito Santo, em que seria abolida a Fé pela implantação do
ecumenismo, igreja na qual a Lei seria abolida, para vigorar apenas o amor,
a caridade.
"É
surpeendente, portanto, encontrar Schelling dando uma interpretação da história
da Cristandade que, sob certos aspectos, é uma reminiscência do Abade do século
XII, Joaquim de Fiore. De acordo com Schelling, há três períodos principais no
desenvolvimento da Cristandade. O primeiro seria o Petrino, caracterizado e
correlacionado com o nível final do ser em Deus, que é identificado com o Pai
da teologia trinitária. O segundo período, o Paulino, principia com a Reforma
Protestante. Ele é caracterizado pela idéia de liberdade e corresponde com o
princípio ideal em Deus, identificado com o Filho. E Schelling vê adiante, no
futuro, um terceiro período, o Joanino, no qual haveria uma síntese mais
elevada dos dois primeiros períodos. E unirá conjuntamente a lei e a liberdade
numa única comunidade cristã. Este terceiro período é correlacionado com o
Espírito Santo, o Amor divino, interpretado como uma síntese dos dois primeiros
momentos da vida divina interior" (Cfr. F.
Copplestone, S.J. - A History of Philosophy, Image Books, New York,
1965, Vol. VII, p. 175;
Cfr. Marjorie Reeves - The influence of prophecy in the later Middle-Ages,
Oxford- Clarendon Press, 1969, pp. 135-137).Scholem
relaciona essa expectativa milenarista com o conceito de Shemittah, do
livro Temunah (Cfr. G. Scholem- A Mística Judaica, p. 181).
Friedririch Daniel Ernst SchleiermächeR (1768-1834)
Schleiermächer
foi o primeiro teólogo do Romantismo e um dos precursores do Modernismo. Ele
era de família pietista, pertenceu e foi educado num grupo dos irmãos morávios.
Essas origens explicam sua indiferença dogmática e sua redução da Fé a um mero
sentimento do coração.Entrou na Universidade de Halle. Foi pastor protestante em Berlim.Estudou Spinoza e Kant, que acabaram por destruir nele todo cristianismo
verdadeiro.Ligou-se ao primeiro grupo dos autores românticos, constituído pelos irmãos
Schlegel, e colaborou na revista Athaeneum, primeiro órgão do
Romantismo. Em 1799, publicou sua primeira obra Discursos sobre a Religião. A
seguir, publicou Monólogos. Em 1800 ainda, publicou Cartas
Confidenciais, nas quais explica a teoria exposta por Frederico
Schlegel no romance Lucinda, segundo o qual haveria uma unidade do
elemento espiritual divino com o sentimento humano, no amor. É claro que essa
idéia só podia favorecer a gnose, os amores sentimentais de todo o tipo, e até
os amores adulterinos. Schleiermächer teve uma paixão platônica para com a
esposa de um seu amigo. Em 1803, ele publicou a obra Crítica da Doutrina
Moral. Tornou-se professor em Halle, e depois em Berlim.Em 1822, publicou sua principal obra A Fé Cristã.Várias de suas obras
foram publicadas postumamente.Seguindo Kant, Schleiermächer considerava que o homem era incapaz de aceder ao
conhecimento das coisas.Para ele, a realidade última seria a identidade do Espírito e da Natureza, no
universo, e isso constituiria Deus.“Não
haveria Deus sem o Mundo, nem o Mundo sem Deus” (Schleieräacher, Werke,
ed. Braun e
Bauer, Leipzig,1911-1913, 4 vol, vol III, p. 81. Apud F. Copleston, A
History of Philosophy, Modern Philosophy, Image Books, New
York,1965, Part I, vol VII, From Fichte to Hegel, p. 189).Desta forma, Schleiermächer caía ou
na Gnose, ou no panteísmo. Ver-se-á logo que ele foi um gnóstico.Essa identidade entre Deus e o Mundo não poderia ser alcançada pela
inteligência, mas somente pelo sentimento, ligado à auto consciência, à uma
intuição-sentimento de dependência, que seria a própria essência da religião. A
religião seria sentimento, e nunca pensamento doutrinário.Para ele, a religião era absolutamente separada da Filosofia e da Moral.A essência da religião não seria nem o pensamento, nem a ação, mas sim apenas
intuição e sentimento. A religião intuiria o universo e o divino através do
sentimento. A religião via, e visava apenas intuir o infinito no finito, como
diziam os românticos, entendendo que havia algo da própria substância divina
oculta e aprisionada no finito. A Religião era então definida por
Schleiermächer como o sentimento do infinito.Daí, Schleiermächer conceber a religião mais com algo relacionado com o coração
do que com o intelecto, mais uma questão de “fé” do que de conhecimento.
Por isso, exatamente, como dirão mais tarde os Modernistas, os dogmas seriam
mais símbolos inefáveis e não verdades intelectivas. A religião não seria nem
uma crença em supostas verdades, nem um código moral fundamentado nessas
crenças. Seria só um sentimento do Infinito, do qual o homem se sente
dependente e com ele se sente relacionado, mas não por conheciemnto
intelectivo, doutrinário.Por verdades.A “presença” do infinito no finito, da Divindade no Mundo, faria com que
toda a História fosse vista como ação de Deus. Essa seria uma religião viva. A
concepção da religião com fundamento na metafísica seria uma tentativa frustra,
porque a inteligência e a metafísica seriam incapazes de intuir o infinito no
finito. Só o sentimento interior do homem revelaria o infinito presente no
homem, e em cada coisa. As coisas individuais, a humanidade, a religião seriam
manifestações de um Todo único, que seria a própria Divindade. A humanidade
seria apenas uma etapa intermédia entre o indivíduo e o infinito divino.Toda e qualquer religião acenaria para um infinito que está além da
individualidade e além do mundo, através do sentimento interior de cada
indivíduo. Mas esse sentimento seria inexprimível em linguagem racional. Daí, o
romantismo pretender exprimir vagamente o infinito e o sentimento interior
causado pela Divindade aprisionada na natureza.Para Schleiermächer, os fatos históricos, e mesmo os milagres, enquanto fatos,
não terem nenhuma importância e nada provariam. Eles, como qualquer outro fato,
seriam apenas acenos para o infinito. Do ponto de vista da religião, tudo seria
milagre. Tudo seria revelação. E essa doutrina vai repercutir diretamente no
Modernismo de Maurice Blondel e dos modernistas, até hoje.Para Schleiermächer, Deus não seria substância ou ser imóvel, ato puro. Deus
seria, sim, Vida infinita que se revelaria necessariamente no mundo. (
Coplestone, op cit vol. VII, p. 190).“Deus,
na religião, não é tudo, mas apenas parte. O universo é, na religião, mais do
que Deus” (Schleiermächer, Redden, II, p. 86, apud Nicola
Abbagnano, Storia della Filosofia, TEA, Milano,1993, vol. V, p.35).Essa
frase, só teria algum cabimento se se admite a distinção gnóstica
entre Divindade e Deus criador.A própria idéia de imortalidade da alma seria uma mera aspiração de fusão do
homem, enquanto parte finita, no todo infinito da divindade.“Tornar-se
uma coisa só com o infinito, mesmo estando em meio ao finito, ser eterno em um
momento do tempo, esta é a imortalidade da religião” (Schleiermächer, Redden,
II, p. 86, apud Nicola Abbagnano, Storia della Filosofia, TEA,
Milano,1993, vol. V, p.36).A revelação da Divindade seria uma experiência interior, um sentimento
inefável, impossível de ser traduzido em palavras. Daí, a relativização dos
dogmas e dos credos. Toda revelação dar-se-ia no sentimento do coração, seria
pessoal, no interior de cada homem.A revelação mostraria que a derradeira realidade de cada homem seria a própria
divindade. A revelação verdadeira consistiria no homem ter conhecimento do
mistério do homem.Como a percepção do infinito, em cada homem, é bem imperfeita, disso nasceria
uma tendência a relacionar o que se sente pessoalmente com o que os outros
sentem, para melhor alcançar a Divindade. Assim nasceriam as religiões
organizadas, com sua hierarquia eclesiástica, que buscaria exprimir o
sentimento religioso num credo com palavras inteligíveis, coisa porém
impossível de se realizar. A infinitude da religião explica a multiplicidade de
igrejas, visto que nenhuma igreja concreta, particular, finita poderia exprimir
o infinito da Divindade.“A
religião infinita não pode existir senão enquanto todas as infinitas intuições
religiosas sejam reais, e reais exatamente na sua diversidade na sua
independência recíproca. Cada indivíduo tem a sua religião, e esta pode ser
mais ou menos reconhecida e ser encontrada nas religiões já estabelecidas. Mas
ainda que permaneça obscura a religião de um indivíduo, ela é sempre um
elemento da infinita religiosidade universal” (N.
Abbagnano, op. cit. p. 36). É impossível não perceber, nessa formulação, a raiz
da doutrina do ecumenismo do Modernismo .Assim como
o Modernismo admitia que a religião nascia de um sentimento interior, e, desse
modo, toda revelação, de qualquer religião que fosse, seria verdadeira, assim
também dizia um dos mestres do Modernismo, o gnóstico romântico Schleiermächer.Sobre o seu conceito de uma religião ecumênica, que estaria acima de todas as
igrejas organizadas, ou seja, das religiões positivas, haveria uma Igreja
espiritual, invisível, que seria constituída por elementos de todas as
revelações parciais. E a essa Igreja invisível pertenceriam os iniciados nesse
conceito gnóstico de religião ecumênica.As igrejas organizadas estariam para a a Igreja Espititual assim como o
fenômeno kantiano estaria para o noumeno.
É o que
confirma o seguinte texto de Abbagnano:
“Todas
as manifestações individuações religiosas se justificam igualmente, porque
todas exprimem o sentimento do infinito e constituem, em seu conjunto, a
religião infinita. Mas, enquanto para Hegel o infinito é razão, e absorve e
anula, pois, a individualidade, para Schleiermächer o infinito é sentimento, e,
portanto, ele exalta a individualidade. O Romantismo estava destinado a oscilar
entre a negação da individualidade e a sua exalação, ignorando o equilíbrio da
fundamentação da própria individualidade” (N. Abbagnano, Storia della
Filosofia, vol. V, La Filosofia del Romanticismo, Ed. TEA, Milano,
1993, p. 36).Uma religião valeria pelo sentimento que a gerou, e não pelas verdades que ela
pretende possuir. Nenhuma religião teria o monopólio da verdade, que, aliás,
seria algo secundário, se comparado com o amor.Dever-se-ia esperar um mundo regenerado—um Vadutz milenarista—que seria a
Civilização do Amor, sem guerras, sem males, sem pobreza, um verdadeiro retorno
ao Éden, uma recuperação da inocência primeva. Assim , Schleiermächer admitia
que era preciso reunir todas as confissões religiosas acima de suas divisões de
crença, porque as crenças, sendo produtos da inteligência, deveriam ser postas
de lado, buscando a união o sentimento religioso, no amor. A união de todas a
religiões se faria buscando o que as une —o amor, a caridade—e deixado entre
parênteses o que as divide: o credo e os dogmas.
Schleiermächer
distinguia três tipos de religião:
1.
A religião mais primitiva, que
concebia o mundo como um caos, e a divindade ou sob a forma pessoal de um
fetiche, ou sob a forma impessoal de um destino cego.
2.
Aquela em que se divinizavam as
forças da natureza, dando origem ao politeísmo (greco-romano).
3.
Na terceira forma de religião, a
Divindade seria concebida como unidade e totalidade do múltiplo, e a religião
se tornaria ou monoteísta ou panteísta.
Segundo Schleiermächer, o cristianismo é
a forma mais pura de religião!
Entretanto, ele não afirma que Jesus é Deus! Para esse teólogo do sentimento
romântico e ancestral do Modernismo, a questão de saber se Jesus é Deus é
absolutamente sem sentido. A Divindade de Jesus dependeria da consciência que
ele tinha de ser Deus. Tese que prepara Loisy.Para Schleiermächer, Jesus é o mediador que realiza a conciliação do finito com
o infinito. A unidade da natureza divina com a humana, em Cristo, seria a
própria unidade que a religião realiza de toda a humanidade e de todo o
universo finito com o infinito da Divindade. Maurice Blondel com a sua doutrina
da Cristificação, e Teilhard de Chardin, com a sua doutrina do Cristo
Ômega não ensinarão uma Gnose diferente.Para Schleiermächer, natural e sobrenatural seriam duas faces da mesma
realidade. Seriam coisas praticamente indistintas. Daí, os românticos
misturarem, em suas narrativas, a natureza e a graça. A rom6antica Anna
Katharina Emmerick falará de chuvas que traziam graças, fazendo da graça divina
algo mágico, que teria manifestações ou comunicações físicas.Blondel e o Padre Henri de Lubac, entre os Modernistas, a TFP entre os novos
tradicionalistas, repetirão essa indistinção entre natural e sobrenatural.
Wilhelm
Dilthey (1833 -- 1911)
Dilthey
nasceu em 1833, em Biebriche am Rhein (Nassau), e estudou em Basiléia, Kiel,
Breslau e Berlim.Sua primeira obra, escrita ainda em sua juventude, foi Preisschrift über die
Hermeneutik Schleiermächers (1860).Sua obra inacabada mais importante foi Das Problem der Religion.Todo o problema de Dilthey consistiu na tentativa de conciliar a relatividade
histórica mutável de cada religião com o que cada religião tem de absoluto.Para Dilthey, tudo é história. Ele defende o historicismo, isto é, que cada
fenômeno só é verdadeiro em determinadas circunstâncias históricas concretas, e
para determinado tempo.Como, então, afirmar que haveria um valor absoluto em cada religião que
transcendia o tempo?Dilthey inspirou-se profundamente, e quase que exclusivamente, em
Schleiermächer, seu grande mestre. Tornou-se amigo íntimo de L. Jonas, genro de
Schleiermächer e guardião de seu legado filosófico.Schleiermächer teria descoberto, segundo Dilthey, que “a essência da
religião, aquele elemento constante que se exprime na necessária e providencial
pluralidade de religiões” (R. Gibellini. op. cit. p. 38).Os atuais teólogos do pluralismo religioso não diriam de outro modo. Veja-se,
por exemplo, o que escreveu o Padre Jacques Dupuis, que instituiu uma
religiosidade cristã hinduísta, numa capela-“ashram”, na Índia, e que, depois,
foi nomeado professor na Universidade Gregoriana, em Roma, e, finalmente, teve
suas teses repreendidas e condenadas pela Declaração Dominus Iesus.O romântico Schleiermächer pretendia que a religião fosse, de um lado, uma
experiência religiosa única e íntima, uma experiência pessoal, e, ao mesmo
tempo, que essa experiência pessoal fosse manifestada numa enorme pluralidade
de expressões religiosas.
Dilthey partilhava dessa mesma posição:
“Também
Dilthey partilha esse nexo indissolúvel de unicidade da Erlebnis [experiência
religiosa] e de pluralidade das Objektivationen [objetivações]:
“A religião é um conjunto psíquico, que, como a filosofia, a ciência e a arte,
constitui um elemento dos indivíduos e objetiva-se nos modos mais diversos em
seus produtos. assim, esse conjunto é nos dado duplamente: como experiência
religiosa e como sua objetivação. A experiência permanece sempre subjetiva: só
a inteligência das criações religiosas baseadas na experiência retrospectiva
torna possível um conhecimento objetivo da religião. É por isso que o
procedimento metódico para a determinação da essência da religião deve ater-se
às suas criações. A religião existe, na verdade, em formas variadas, cada uma
das quais representando um conjunto concreto particular. Cada uma dessas
religiões tem uma história, e todas essas criações históricas podem ser
submetidas ao método comparativo, para captar a essência da religião, comum a
elas” (R. Gibellini, op. cit. p. 39. O destaque é nosso).Para Dilthey,
como para Schleiermächer, “a religião (...) é uma ‘concepção do
mundo’, ou seja, um conjunto coerente de sentimentos e de idéias sobre o
sentido e sobre o valor da vida” (R. Gibellini, op. cit., p. 40).“A
religião... é a relação viva do homem com o Invisível, que implica a
participação integral da pessoa; é uma relação primariamente interior, a
experiência de uma “presença” [Como isso parece a linguagem de Monsenhor
Giussani !] -- e de uma “dependência”: “A influência do
Invisível (Unsichtbares) é a categoria fundamental da vida religiosa elementar”
(W. Dilthey, Die Typen der Weltanschauung und ihre Ausbildung in den
metaphysischen Systemen, apud R Gibellini, op cit., p.40).Schleiermächer não considerava que a essência da religião estivesse nem nos
dogmas, isto é, naquilo que se consideram as verdades da religião, nem nos
ritos ou cerimônias, mas sim na relação direta do homem com a Divindade. Os
Modernistas repetirão essa mesma doutrina, que será condenada na encíclica Pascendi,
e que, hoje, se ensina quase que por toda parte.
Veja-se a
coincidência do pensamento de Dilthey com o dos modernistas:
“Dilthey
não rejeita nem o intimismo nem o sentimentalismo de Schleiermächer -- de
preferência os supera (...) A própria teologia, que é a extensão natural da
religião na humanidade racional, enquanto busca, na medida do possível,
racionalizar uma experiência originariamente não racional, constitui, por
certo, o ponto de passagem da religião para a filosofia; mas deve continuamente
deter-se no seu processo de clarificação intelectual e reencontrar a sua força
no dado fundamental, obscuro e dinâmico, da experiência religiosa, que é
a relação vital com o Uno Todo, mediante a oração e o sacrifício” (R.
Gibellini, op. cit., p. 41).Assim como os Modernistas dirão que o dogma jamais explicita conveniente e
completamente a experiência religiosa interior, assim também o dirá Dilthey,
como explica Gibellini:“Nessas
intuições do mundo, sempre se conserva um núcleo obscuro, especificamente
religioso, que o trabalho conceitual dos teólogos jamais é capaz de explicar e
de justificar. Jamais pode ser superada a unilateralidade de uma experiência
que brota da relação de oração, de solicitação, de sacrifício de si mesmo com
seres supremos e que das relações da alma com eles consegue captar os seus
predicados. daqui nasce uma relação pela qual a intuição religiosa do mundo é,
sim, a preparação da instituição metafísica, mas não pode jamais resolver-se
completamente neta última” ( R. Gibellini, op. cit., p. 41).“De Schleiermächer, portanto, Dilthey deriva e conserva a convicção do
caráter originário e originalmente sentimental da religião, inconfundível com
qualquer outra experiência: “A religião deve ser uma postura especial diante do
mundo, deve ter sua própria legítima origem, ou então é uma mistura impura, uma
violação da crítica da esfera consciencial da moral e da ciência. Existe uma
experiência religiosa, que age na vida psíquica de maneira legítima, autônoma,
originária e indestrutível: é essa experiência vivida a origem de todos os
dogmas, cerimônias e organizações da vida religiosa comunitária. Essa foi a
grande descoberta de Schleiermächer nos “Discursos sobre a Religião” (R.
Gibellini, op. cit. , p. 42).Se de Schleiermächer Dilthey herdou a idéia da experiência religiosa pessoal
com a Divindade, de Ferdinand Christian Baur, Dilthey adotou a sua idéia de
historicidade de todo fenômeno espiritual e de sua incompreensibilidade, se
examinado fora de sua condição histórica.Como os
Modernistas, mais tarde, Dilthey considerará que a fé como experiência
religiosa original, é superior ao dogma que a expressa, aliás, imperfeitamente.“A
atenção do historiador pelas objetivações da religião não exclui a
reivindicação da prioridade da fé sobre o dogma (Schleiermächer), embora seja
reconhecida a necessidade de uma tradução histórica da fé no dogma
historicamente condicionado (Baur). O adversário comum, aliás, tanto de
Schleiermächer-Baur quanto de Dilthey, é a ortodoxia tradicional, surda à
consciência histórica. O dogma não esgota a religião, mas apenas exprime de
modo cifrado o sentir religioso de certa época, o qual é um elemento de um todo
mais vasto, que é a história das religiões, na qual diversa e sucessivamente se
encarna o único e perene Erlebnis da “religio”. Eis o que escreverá
Dilthey a este respeito, em dezembro de 1892, ao Conde Yorck”
“Todos os
dogmas devem ser levados ao seu universal valor de vida para cada vitalidade
humana. Eles foram concebidos numa delimitação historicamente fundada. Libertos
dela, são naturalmente a consciência da natureza transcendental e supra
racional da historicidade em geral.Nessa proposição, uno-me à tendência
universal do que caracterizo como teísmo universal, teologia transcendental.
Rejeito, porém, ao mesmo tempo, a concepção intelectual do dogma. Ela predomina
tanto na interpretação especulativa de Hegel e Baur quanto na luta de Ritschl e
Harnack “; para que refliaem, seja qual for o gênero a que pertençam, a
partir da profundeza do espírito, tudo o que está contido nesses poderosos
símbolos é envolto por uma relação transcendental, histórica, prescindindo
totalmente da particularidade teológica”. (Carteio
entre Paul Yorck von Wartenburg e W. Dilthey , 1877- 1897, p. 341, apud
R. Gibellini, op. cit., p. 43).
Em outra carta
de Dilthey ao Conde de Yorck, em Setembro de 1897, se pode ler o seguinte:
“No
ponto de partida, estou de acordo com Schleiermächer. Também a visão do mundo
só pode ser desenvolvida a partir da análise do sujeito em suas relações com o
que o influencia e ao qual reage. Não se pode ter a natureza em si e dela
aprender o que seriam e o que significariam o mundo e a vida. É preciso, pelo
contrário, basear-se no homem histórico como ponto de partida. Ora, a sua
concepção atemporal e a-histórica das formas de vida ignora tudo isso. Também
quanto ao ulterior ponto central estamos de acordo com ele, porque o estamos
com todos os filósofos místicos, historiadores e heróicos.. É preciso partir da
vida. Isso não quer dizer que ela deva ser analisada, mas que é preciso
revivê-la em todas as suas formas e que é preciso tirar as conseqüências
internas que existam nela. A filosofia é uma ação que leva a sério e
pensa a vida, isto é, o sujeito nas suas relações como vitalidade. Este
foi o ponto forte de sua personalidade: ele sabia que o homem quer por em ação
o que existe em nós, a relação com algo que se deve entender como transcendente
na simbolização e nas sumas figuras, quer reviver a experiência vivida
(hermenêutica).”(Dilthey - Yorck, Carteio, p. 353, apud R. Gibbelini,
op. cit., p. 44).Gibellini lembra que, no desenvolvimento da filosofia da religião, autores como
Otto, Scheler, van der Leeuw, Guardini, Eliade e Wachy, aplicaram o método
fenomenológico para resgatar a experiência religiosa. (Cfr. R. Gibellini, op.
cit. p. 48).
Capítulo 4:TEORIA DO CONHECIMENTO NA GNOSE DE BERGSON
“O sistema bergsoniano é
essencialmente anti intelectualista” - Albert Farges - Um
filósofo que influenciou diretamente o Modernismo foi Henri Bergson. Sua teoria
do conheciemnto é francamente anti intelectual. Decididamente, ele opõe a
intuição à intelecção, negando qualquer valor à razão. Desse modo, ele é um
pensador claramente gnóstico, propondo como solução para a o problema da
verdade o princíio de imanência que visa acabar com a dicotomia entre sujeito e
objeto, identificando a ambos através do método intuitivo. Ora, se o objeto do
conhecimento é Deus, esse principio conduz diretamente à Gnose. E quando o
objeto do conhecimento é o Mundo, se cai no panteísmo. De todo modo, o princípio
de imanência, que vai ser fundamental para a filosofia do modernista Blondel,
leva à identificação do Eu com o Mundo e com Deus (Eu=mundo= Deus). E
esse princípio de imanência, no sentido dado por Bergson e Blondel foi repelido
por São Pio X na encíclica Pascendi que condenou o Modernismo
a) O
Conhecimento é Inefável
Para
Bergson, sendo o conhecimento inefável...“Desde que falamos, mentimos”
(Jacques Maritain. Op. cit. p. 69).
“O mundo moderno veio à luz como uma revolta contra a ordem intelectual
da Idade Média”.(Simpson, The Gothic Cathedral).
A cosmovisão católica medieval era sábia e se fundamentava no ser e no
conhecimento intelectual do ser, por meio da abstração.A Gnose da Modernidade recusa o ser e, por isso mesmo, recusa o conhecimento
intelectivo da realidade. A Modernidade, como a gnose, é anti-metafísica e
anti-racional.Para Francês Yates, a Modernidade significa magia mais Gnose (Cfr. F. Yates, Giordano
Bruno e a Tradição Hermética ed. Cultrix, p. 180).Essa Gnose do Humanismo renascentista se desenvolveu em Descartes, Kant, Hegel
e, depois, penetrou na Igreja com o Modernismo de Blondel e de Bergson,
alcançando seu triunfo no Modernismo anti intelectualista .O
Modernismo recusa o ser e a verdade estáveis. Recusa a inteligência e abstração
que conduzem á verdade objetiva e estável.
b) Inteligência X Intuição
Na
filosofia de Bergson, assim como a mudança se opõe ao ser, a intuição se opõe
paralelamente à inteligência.
c) A Inteligência seria enganadora
Esta seria
voltada para a matéria, e, influenciada por ela, tudo geometriza, fixa e
divide. A consciência enganaria o homem porque, conceituando, produz uma visão
petrificada de cada coisa, fazendo supor que existe fixidez. Mais ainda, a
inteligência isola cada conceito, fazendo imaginar que a realidade é fixa, e
formada por um número infinito de seres isolados uns dos outros. Para Bergson,
a inteligência nega a mudança, e nos ilude forjando miragens de seres
inexistentes. A lógica e a razão, trabalhando com conceitos ilusórios,
completariam o engano do homem. “Então,
pode-se bem dizer que a inteligência só conhece o imóvel e o descontínuo, que
ela não compreende nada da vida, que ela decompõe artificialmente o real, que
ela substitui a realidade por elementos fictícios escolhidos no que é já
conhecido, e que assim, buscando a facilidade, não a verdade, e esvaziando
todas as coisas da sua realidade própria, ela não pode mais se deter senão nos
elementos quantitativos e geométricos aos quais ela quer tudo reduzir.
Corruptio optimi péssima” (J. Maritain, op cit., p. 55).Por esse
motivo, Bergson considera que o ver tudo fixamente, e como se o todo fosse uma
mosaico estilhaçado, constituiria o “pecado do raciocinar” (J. Maritain,
op cit., p. 183).“A
faculdade humana que corresponde à matéria espacial é a inteligência, e esta se
caracteriza por sua exclusiva orientação para a ação. É a ação que comanda, sem
mais, a forma da inteligência. Como para a ação necessitamos de coisas
exatamente definidas, o objeto principal da inteligência é o fixo corpóreo,
inorganizado, fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o
imóvel. Seu domínio é a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em
instrumentos; é o órgão do homo faber e subordinado, essencialmente, à
construção de instrumentos. (...) Bergson abandona o fenomenismo de Kant e dos
positivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidade de
penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica,
ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de
novo. Suas características são a clareza e a capacidade de distinguir.“Mas, ao
mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por
natureza, lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de
acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas,
calculáveis, claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente
vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não
pode sequer compreender o simples movimento local, como o provam os paradoxos
de Zenão”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson,
Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea
Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Maritain confirma essa recusa de Bergson
dos dados da inteligência com relação ao real:
“Precisamente
concedendo a Kant seu pressuposto essencial, admitindo com ele que a abstração
só permite ver que, de si, o conceito é vazio, inapto a nos comunicar o
real—simples fórmula exprimindo não mais as funções a priori kantianas, mas as
atitudes práticas de nosso espírito fabricador, e os hábitos da materialidade –
sustentando então que, por si mesma, a inteligência, modelada sobre a
corporalidade, não pode, desde que ela cessa de manipular matematicamente a
matéria, senão nos enclausurar num mundo de ilusões mecanicistas; e pedindo
então conseqüentemente os meios para uma evasão, no real, há uma intuição que
transcende a inteligência, e que mergulhará como o sentido, e muito mais ainda
do que ele, no puro concreto como tal” (J. Maritain, op. cit., p. XXVI).Para Bergson, “porque a duração contínua da vida escapa a toda lógica, e não
poderia se acomodar ao princípio de não-contradição, o método tornado
necessário para esta densidade própria às coisas da alma só pode ser
inteiramente “irracional”, nota Vladimir Jankélevitch(Apud J. Maritain, op.
cit., p.XLIX).Para Bergson, o conhecer não poderia ser intelectual, mas vivencial. “Quanto
mais se conhecesse intelectualmente menos se compreenderia. A tragédia do
espírito consiste em que nosso conhecimento dos objetos como que nos obstrui
para a concepção íntima e central” (J. Maritain, op. cit., p. L ).Daí, os seguidores de Bergson desprezarem o estudo intelectual e o conhecimento
por abstração. Mais que a erudição, valeria uma captação quase que mágica do
real por meio de uma misteriosa intuição não racional.É a
inteligência que nos enganaria, pondo os princípios de identidade e de
não-contradição, princípios que deveríamos abandonar para atingir a realidade
pelo único meio possível de conhecimento: a intuição mística, não conceitual,
mas experimental.“O sistema
de Bergson é essencialmente anti intelectualista” (Albert Farges, La Philosophie de M. Bergson, p. 463, apud Padre
Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da
Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 59).
É o que afirma
também Maritain:
“O
bergsonismo é, portanto, essencialmente uma filosofia anti intelectualista”;
ele nega à inteligência seu privilégio de faculdade do verdadeiro” (J.
Maritain, op. cit., p. 121).Despedaçar o real universal em conceitos, raciocinar, seria cometer o pecado de
pensar (Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 183).A
inteligência seria abstrativa, universalizante, racionalista, e discursiva. Ela
só contornaria o objeto do conhecimento.A intuição, pelo contrário, seria experimental e não teórica ou abstrativa;
seria do singular e não o conhecimento de um conceito universal; seria
exclusiva, pessoal; unificadora do sujeito com o objeto; inefável, e, por isso
mesmo incomunicável.Querer transmitir os conceitos seria ilusão, pois que o conhecimento verdadeiro
– que só a intuição atinge—seria inefável.Portanto, falar, ou escrever, seria mentir.E Bergson disse e escreveu isso!Logo, mentiu.
d) A Intuição
não engana
A intuição daria, então, um conhecimento oposto ao da inteligência, pois que
nos proporcionaria um conhecimento absoluto do objeto. Só a intuição teria a
capacidade de “apreender a verdade, graças a um processo de conhecimento sui
generis, graças a um contato imediato, a uma coincidência absoluta com o
real” (Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 125).Conforme
Bergson, “a linguagem e a inteligência fixam termos que realmente não
existem. Tal conhecimento não é, portanto, um conhecimento metafísico da
realidade” (Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como
Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 61).“Em
resumo, existem dois domínios: de um lado, o domínio da matéria espacial e
rígida, subordinado à inteligência prática; de outro lado, o domínio da vida e
da consciência que dura, ao qual corresponde a intuição”. (J. M. Bochenski,
Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia
Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968). Bergson é
bem um filósofo moderno já que para a Filosofia Moderna o conhecimento
intelectual seria falsificador do real.“Para a
Filosofia Moderna haveria um outro recurso último que não a inteligência. Se
fosse possível à Filosofia Moderna demonstrar que ao lado do nosso conhecimento
ordinário, acima da inteligência, haveria um outro modo de conhecimento, uma
faculdade mais intuitiva e mais próxima do absoluto; se lhe fosse possível
agarrar essa faculdade, e lhe arrancar o segredo do real, não poderia ela
sair, ao mesmo tempo, do absurdo círculo indicado mais acima, e do dilema de
que acabamos de falar; de um lado, determinando, graças a este conhecimento
superior, a verdadeira relação do sujeito com o objeto, e julgando assim a
inteligência e a certeza; de outro lado concedendo que a inteligência conduz
invencivelmente ao mecanicismo, mas sustentando que uma faculdade mais alta nos
faz “transcender” o mecanicismo e nos introduz no absoluto? Ao mesmo tempo, a
Filosofia teria o orgulho de permanecer verdadeiramente moderna, porque ela
teria achado um novo fundamento para o pensamento humano, o mínimo
indispensável para toda doutrina que se respeita” (J. Maritain, op. cit.,
p.5).
Ora, esse
conhecimento intuitivo pretensamente superior ao intelectual, esse conhecimento
que permitiria aceder ao absoluto de modo irracional, não conceitual, é aquilo
que sempre se chamou de Gnose. Bergson é um gnóstico moderno.“A
operação pela qual nós nos apoderamos de nós mesmos no vir-a-ser, e pela qual,
transportando-nos para o interior das coisas, tomamos contato com a essência
das coisas, o Sr.. Bergson a chama de intuição. A intuição não raciocina, não
discorre, não compõe, e não divide. Pois que ela é a própria consciência se
voltando sobre a duração, e porque a duração é o fundo vivo no qual todas as
coisas se comunicam, ela nos faz coincidir com o objeto conhecido, ou antes
sentido, ou melhor vivido, ela nos assimila, numa experiência transcendente e
inexprimível, à sua mais íntima realidade: “esta intuição atinge o absoluto”(J. Maritain, op. , cit., pp. 7-8).Não se poderia descrever melhor a experiência mística da Gnose em sua pretensão
de reunir o éon divino de cada ser ao todo da Divindade universal, ao Absoluto.O conhecimento intuitivo bergsoniano é uma forma de Gnose.
A Intuição
Bergson é
muito vago sobre o que entende por intuição. E isto é bem compreensível, visto
que ele afirma que a intuição é inefável. Daí, as várias formulações brumosas
do que seria a intuição.“A intuição,
sendo de si mesma evanescente, pode e deve exprimir-se, ou antes, ser sugerida,
em representações mais flexíveis e mais fluidas que os conceitos ordinários”
(J. Maritain, Op. cit.,p. 67).Sendo a intuição incomunicável, inefável, ela “não pode ser traduzida em
conceitos ou proposições. Somente metáforas sensíveis podem
sugerir a outrem o que percebemos, ajudando outros a fazerem o mesmo esforço
metafísico”( J. Maritain, op. cit., p. 92).O bergsonismo prefere metáforas e comparações a conceitos, imagens a idéias.Por exemplo, segundo Lydie Adolphe: Intuição
filosófica, seria expressão para designar” o conhecimento íntimo do espírito
pelo espírito, subsidiariamente o conhecimento, pelo espírito, daquilo que há
de essencial na matéria” e que está no fundo” [das coisas] (Bergson, La
Pensée et le Mouvant, p. 244, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 139).Para Bergson, a inteligência procura conhecer o objeto, girando em torno dele,
enquanto a intuição penetra no objeto (cfr. Bergson, La Pensée et le Mouvant,
p. 202).Para
Bergson, a intuição resulta de uma experiência, pois “não há outra fonte de
conhecimento, a não ser a experiência (Bergson, Deux Sources,
p. 265 apud, Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz,
Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 70).“Só a
intuição é capaz de atingir imediatamente na sua totalidade concreta, o real”
(Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares
Martins, Porto 1946, p.107). Contra o que ele considera a falsa ciência do intelecto, Bergson opõe o
conhecimento intuitivo da duração, do impulso vital causador da mudança
perpétua. Só a intuição nos permitiria aceder ao verdadeiro conhecimento, não
racional, não conceitual, não intelectual, do perpétuo mudar. Desse modo,
Bergson opõe conhecimento intuitivo a conhecimento intelectual.“Julgo
que um dos sinais aparentes mais característicos do bergsonismo, encontra-sena
oposição entre inteligência e intuição(...)” (J. Maritain, op. cit., p.
XIX).“Mas,
de fato, a noção bergsoniana da duração e a da intuição são estritamente
correlativas, elas não podem subsistir uma sem a outra” (...)” (J.
Maritain, op. cit., p. XIX).“A intuição
bergsoniana se caracteriza essencialmente por oposição ao conhecimento
intelectual.“O
conhecimento intelectual é abstrato, universal, e se serve do raciocínio ou do
discurso. O conhecimento intuitivo requerido pelo bergsonismo será
experimental, singular; excludente do raciocínio e do discurso, ao menos no que
propriamente o constitui”. A intuição, nos diz Bergson, transcende a
inteligência e a razão, é uma simpatia de todo o nosso ser com o real pela qual
nós no comunicamos plena e absolutamente com ele, se bem que de modo
fugidio, e por assim dizer evanescente” (J.
Maritain, op. cit., p.123).O conhecimento intuitivo seria como que uma iluminação fulgurante, mas,
momentânea, que nos uniria ao objeto conhecido, determinando uma como que fusão
do sujeito conhecedor com o objeto conhecido.Só a intuição, oposta à inteligência, seria capaz de captar a realidade ”graças
a um processo sui generis de conhecimento, graças a um contacto imediato, a uma
coincidência absoluta com o real, isto é a intuição” (Cfr. J. Maritain, op.
cit., p.124).A
“Metafísica” decorrente da idéia de duração e vir a ser exigiria uma
“experiência integral” do mudar para produzir o conhecimento do fluxo
universal (Cfr. J. Maritain, op. cit., p.123).“Onde
se deve, pois buscar o conhecimento pleno da realidade, da Metafísica
verdadeira? Na direção do instinto, na direção da simpatia” (Padre Diamandino
Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica,
Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 54).O
conhecimento intuitivo do mudar proposto por Bergson é um conhecimento não
intelectivo, mas experimental, místico, que é de fato uma gnose, no sentido
literal desta palavra.“Só
podemos conhecer a duração graças à intuição; mas com ela conhecemo-la
diretamente e como algo íntimo. A intuição distingue-se por características que
se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a
intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o
que está em marcha; só ela pode captar a duração. Enquanto a inteligência
analisa, decompõe, para preparar a ação, a intuição é uma simples visão, que
não decompõe nem compõe, mas vive a realidade da duração. Não se adquire
facilmente a intuição; tão habituados estamos ao uso da inteligência que se
torna necessária uma viragem íntima violenta, contrária a nossas inclinações
naturais, para podermos exercitar a intuição, e só em momentos favoráveis e
fugazes somos capazes de o fazer”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson,
Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea
Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
e)
Intuição é flash iluminante evanescente inefável
A intuição
daria um conhecimento fulgurante, mas fugaz do real. Seria como que um “flash”
de luz, que permitia unir o sujeito conhecedor com o objeto do conhecimento,
pela união das “almas”, que, como vimos, estão em tudo e que constituem uma só
alma.
f) Intuição identifica sujeito e objeto
causando a Imanência
Essa
identificação do sujeito com o objeto constituiria o princípio de imanência,
tão querido dos modernistas, e que foi condenado na encíclica Pascendi.
É o que
explica o Padre Macdowell:
“Reduzida
à sua expressão mais simples, a idéia de imanência implica apenas que a
realidade só nos é acessível enquanto presente à consciência. Seria
evidentemente impossível, para o sujeito sair de si mesmo para considerar-se o
ente fora da própria consciência. Daí se segue que a conformidade entre o
conteúdo imanente do pensar e o seu objeto não é obtida nem reconhecida através
da comparação entre um e outro”(Padre J. A. Macdowell, S.J., A Gênese da
Ontologia Fundamental de Martin Heidegger, Editora Herder, São Paulo,
Edusp, 1970, p. 51).Portanto, o princípio de imanência identificaria o sujeito com o objeto,
permitindo o verdadeiro conhecimento. Desse modo, Deus e Mundo, como objetos do
conhecimento, só nos seriam conhecidos pela identificação do eu com Deus e com
o mundo. Deus se tornaria assim imanente ao homem. Daí o panteísmo ou a gnose
da modernidade e do modernismo.A intuição
daria o conhecimento verdadeiro, superior ao da abstração intelectiva:“Caracteriza-se
a intuição como supra intelectual. Para além do conceito, e mesmo
virando contra ele a direção do pensamento, além e acima de tudo o que a
atividade da inteligência humana comporta inevitavelmente de abstrato e de
propriamente racional, um conhecimento imediato, uma intuição do real, que é
espírito, é “o instrumento específico” da filosofia. A intuição alcança o
espírito”. (Carta de Bergson a M. Chevalier). Em outros termos, uma
captação direta e supra conceitual da natureza do espírito; uma percepção
imediata e concreta do universo metafísico, por mais esvaescente que se a
declare, ´por mais contrária à inclinação natural da inteligência, é o único
órgão proporcionado do conhecimento filosófico, enquanto este se eleva acima da
matéria”.(J. Maritain, op. cit., pp. XXVI – XVII).Porém, bem
nota Maritain que a intuição bergsoniana, negando que a inteligência seja capaz
de, pela abstração captar o real, ela é, de fato, infra intelectual:“De
outro lado, não adianta que se nos apresente a intuição bergsoniana como “supra
intelectual”, ou como “ultra-intelectual” , é preciso reconhecer que, de
fato na realidade, ela só pode ser infra-intelectual” ”(J. Maritain, op.
cit., p. XVII).
Como bem nota Maritain, Bergson mutila a
inteligência!
“Sendo
a atitude da inteligência exclusivamente prática, a filosofia não pode utilizar
senão a intuição. Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser
expressos em idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as
demonstrações. A única coisa que o filósofo pode fazer é ajudar os outros a
experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de
imagens sugestivas que as obras de Bergson oferecem”. (J. M. Bochenski, Henri
Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia
Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).Para se
ter a intuição, seria necessário um esforço imenso, a fim de contrariar e de
anular o processo normal, intelectual, do conhecer humano.Frei
Tauzin aponta qual seria o método para se obter a experiência da intuição.Seria preciso:
a.
eliminar toda memória (lembranças,
recordações) assim como todos os afetos;
b.
não fazer distinções e
classificações;
c.
tentar quebrar os quadros da
linguagem; “rejeitar expressões verbais” Padre Diamantino Martins, S.
J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.121)
d.
combater a noção de estabilidade das
coisas;
e.
procurar unir o ver com o querer,
isto é procurar conhecer pelo amor;
O
conhecimento por intuição assim obtido será momentâneo e evanescente. Seria
como um flash, extremamente luminoso, mas passageiro, fugidio, evanescente,
inefável, e, por isso mesmo, incomunicável. Na realidade, a intuição
bergsoniana é uma verdadeira experiência do tipo místico. (Cfr. Fr. Sébastien
Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro,
1943, pp. 71-72).Quem
tivesse um flash, uma intuição, poderia dizer: “Quem viu, viu. Quem não viu,
não viu”, pois o que se capta no tal flash intuitivo seria incomunicável.Também
Lydie Adolphe relaciona a intuição bergsoniana com a mística unificadora do sujeito
com o objeto do conhecimento ou do amor, isto é, ao princípio de imanência:“Cremos
que é nesse sentido que é preciso compreender a intuição bergsoniana. A
intuição deve coincidir em seu ritmo com todos os demais anéis da cadeia
[do mudar], com todas as durações respectivas dos seres. Há assim como que
uma comunhão, uma “relação”, no sentido místico da palavra, entre o sujeito e o
objeto, independentemente do espaço e do tempo. Esta coincidência é comunhão,
endosmose, derramamento mutuo, transmutação insuspeitada, de um modo geral,
troca. Como definir de outro modo a ação?”(Lydie Adolphe , op. cit. p.
178).Há, sim, uma palavra que define bem esse derramamento mútuo do sujeito no
objeto e deste no sujeito: Kenosis.É na doutrina eslavófila e gnóstica imanentista da Kenosis que se dá essa fusão
do conhecedor no conhecido, por intuição, de modo que um se identifique com o
outro, esvaziando-se nele. Sendo um no outro.A intuição bergsoniana é kenótica sem que ele use esse termo. E a Kenosis é um
conceito imanentista da Gnose romântica dos místicos eslavófilos.Que a intuição de Bergson, sob forma de filosofia é uma Gnose que busca fazer
conhecer que somos algo que desprendeu do todo original, e que, para
salvar-nos, temos que conhecer isso, e buscar retornar à união primeva com o
todo em perpetua evolução é fácil de entender nestas palavras de Bergson:“A
filosofia não pode ser senão um esforço para fundir-se de novo no todo. A
inteligência, se reabsorvendo em seu princípio, reviverá ao avesso sua própria
gênese” (Bergson, L´Évolution Créatrice, p. 209. apud Lydie Adolphe,
op. cit. p. 182).
E isso é
claramente Gnose e imanentismo.
Se a
intuição produz uma união do sujeito com o objeto, então um caminho para
alcançar a intuição seria a simpatia, que já é uma certa forma de união no
sentir com o outro. “Simpatia é, portanto, caminho da intuição do
exterior” (Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz,
Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 82).“A
intuição” seria “a coincidência vivida, sentida do sujeito e do objeto” (J.
Maritain, op. cit., p. 13).“A
intuição do sr. Bergson é uma identificação vivida do espírito e da coisa em
seu ser real (e não em seu ser intencional, que o sr. Bergson não poderia
admitir).bem que supra –intelectual na intenção do sr. Bergson, ela se
reduz na realidade à ordem sensível pois que ela é uma experiência da própria
materialidade da coisa(...) Com uma tal intuição nós não damos luz às coisas,
nós vamos buscar nas coisas um contato que nos transforme nelas. Nós não
possuímos as coisas, somos possuídos por elas, nós não intelectualizamos a
matéria, mas materializamos o espírito” (J. Maritain, op. cit., p. 64).Seria, de fato, uma intuição cega.
g) Intuição, “Mergulho” e Simpatia.
Desse modo
a intuição seria uma imersão nossa nas coisas, um “mergulho” nas coisas para
que nos identificássemos com elas e, por elas, ao todo universal, ao absoluto.O próprio Maritain alude à similitude que tem a intuição simpática bergsoniana
com as experiências místicas da Gnose e das seitas teosóficas:“(...) enfim,
a uma parte do misticismo natural que aparentaria esta intuição ao êxtase de
Plotino, e com as diversas imitações que as seitas gnósticas ou teosóficas
tentaram da verdadeira contemplação” (J. Maritain, op. cit., p. 65).Seria a
simpatia que abriria caminho para a intuição, a qual seria um como que mergulho
no objeto intuído: “Donde
se segue que um absoluto só pode ser atingido numa intuição, isto é, na
‘simpatia pela qual nos transportamos ao interior dum objeto, para
coincidir com aquilo que ele tem de único,e conseqüentemente de inexprimível”
(Bergson, Introduction à la Métaphysique, p. 205 , apud Padre Diamantino
Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946,
p.107).Essa idéia da identificação plena do sujeito com o objeto através do “mergulho”
da intuição levou Maritain a fazer os seguintes comentários:A doutrina de Bergson “opõe então sua intuição à idéia, ao conceito, ao
conhecimento abstrato; e à razão e ao conhecimento discursivo. Ela não vê
que, suprimindo do conhecimento a idéia, isto é, a similitude subjetiva do
objeto, formada no sujeito conforme o modo de ser do sujeito, ela se condena a
fazer de seu conhecimento intuitivo uma identificação do objeto e do sujeito,
conforme o modo de ser do objeto; de modo que para ter, nesse sentido, a
intuição da vida vegetativa ou da matéria, seria preciso que de um certo modo o
filósofo se tornasse, ele mesmo, materialmente, vegetal ou mineral. A intuição
bergsoniana, deste ponto de vista, só pode nos aparecer como uma tentativa de
fazer violência ao espírito para absorvê-lo na materialidade das coisas”
(Jacques Maritain, La Philosophie Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris,
1948, p. 133).E ainda : “Deixemos
agora de lado a lógica e o raciocínio, e tentemos captar o real, não mais por
uma idéia, e graças ao conhecimento intelectual, mas diretamente em si mesmo,
graças a uma espécie de simpatia vivida que nos faz coincidir com ele, ou
antes, para chamar as coisas por seu nome, por uma dilatação de percepção, e
graças a um esforço de nossa alma toda para nos transformar no objeto, para
enganá-lo, [pour le jouer], para entrar nele”( J. Maritain, op. cit., p.
91).Intuindo um rubi, o homem unindo-se a ele se “rubinizaria”; intuindo uma safira,
ele se safirizaria, intuindo o mar, ele se identificaria com ele, etc...
Intuindo Deus... “A
intuição não é uma visão de algo, mas contato, é bem uma simpatia ‘ pela qual
se daria um transporte ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que
ele tem de único, e, por conseqüência de inexprimível” Bergson, La
Pensée et le Mouvant, p. 205, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 163).Alguns
pretendem que este modo de conhecimento intuitivo, pelo qual se daria um
“mergulho” no outro, é relacionado como conhecimento por conaturalidade de que
falam Aristóteles e São Tomás. Ora, o conhecimento por conaturalidade
dar-se-ia, segundo Aristóteles e São Tomás quando alguém, possuindo uma certa
virtude, embora sem ter a ciência dela, teria um certo conhecimento de
quem atua de acordo com essa mesma virtude.Bergson não diz isto.Bergson julga que, por meio da intuição haveria uma coincidência do intuidor
com o intuído, que se tornariam um só e o mesmo absoluto.Daí,
escrever Frei Tauzin:“Se
conhecer é ser, conhecer o outro é ser o outro” (Frei Sébastien
Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio
de Janeiro, 1943, p. 272).
h) Supervalorização da Imaginação
Outro meio auxiliar para alcançar a intuição seria a imaginação:, p. 202,
apud Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares
Martins, Porto, 1946, p.105).“Se
falamos dum movimento absoluto, é, diz Bergson, porque atribuímos ao móvel ‘um
interior e como que estados de alma ”e neles nos inserimos“ por um esforço de
imaginação” (Bergson, Introduction à la
Métaphysique. La Pensée et le MouvantÉ
interessante notar como a intuição bergsoniana influiu na Arte Moderna,
especialmente no Surrealismo, pois disse Bergson que ela exige ação violenta
que rasgue o véu da figuração simbólica que recobre a realidade. Ela exigiria
um olhar ‘naif’ [ingênuo] para alcançar uma outra realidade superior àquela que
vemos (Cfr.Lydie Adolphe, op. cit., p. 165).
i) Nova Moral “Aberta” contra a
Moral “Fechada”
A
filosofia do devir de Bergson deu origem a uma nova Moral.“Segundo
Bergson, há duas espécies de moral, a moral fechada e a moral aberta. A moral
fechada deriva dos fenômenos mais gerais da vida; consiste numa pressão
exercida pela sociedade, e as ações que lhe correspondem são levadas a cabo de
modo automático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entre
o eu individual e o social. A moral fechada é impessoal e triplamente fechada:
visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramente o
individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentro do
mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nunca pode
ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qual é função,
repousa em grande parte na necessidade de autodefesa” - “A par
desta moral fechada, que obriga absolutamente, existe a moral aberta. Esta
aparece encarnada em personalidades. eminentes, em santos e heróis, e não é
moral social, mas humana e pessoal. Não consiste numa pressão, mas num apelo;
não é fixa, mas essencialmente progressiva e criadora. É aberta no sentido que
abarca a vida inteira no amor, proporciona até o sentimento da liberdade e
coincide com o próprio princípio da vida. Procede de uma emoção profunda que,
do mesmo modo que o sentimento provocado pela música, carece de objeto”.
(J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
j) Fanáticos Propagadores de Metáforas.
Por fim,
seria conveniente mostrar que o bergsonismo, afirmando que o único conhecimento
possível é o intuitivo –que seria inefável e incomunicável—se condena a não
poder ser transmitido. Bergson na podia ter discípulos mas só
repetidores. É o que nota Maritain:“ Uma
filosofia anti intelectualista não poderia formar discípulos em sentido
próprio, porque discípulo é aquele cuja inteligência, posta em ato por uma
doutrina recebida, a pensa de novo por sua própria conta; somente as idéias se
comunicam, as impressões, sensações e simpatias intuitivas só podem ser
individuais. O bergsonismo, portanto, só pode ter propagadores mais ou
menos fiéis à “corrente de pensamento” de seu mestre, e que repetem, mais ou
menos bem, as metáforas que aprenderam” (Jacques Maritain, La Philosophie
Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris, 1948, p. 300).
Resumindo:
As
características da teoria do conhecimento do gnóstico Bergson são:
a.
O Conhecimento é Inefável.
b.
A Inteligência é contrária à
Intuição
c.
A Inteligência é Enganadora
d.
A Intuição não engana
e.
Intuição é Flash Iluminante,
Evanescente e Inefável
f.
A Intuição, identificando sujeito e
objeto, causa a Imanência.
g.
Intuição, “Mergulho” e
Simpatia.
h.
Supervalorização da Imaginação
i.
Nova Moral “Aberta” contra a
Moral “Fechada”
j.
Fanáticos Propagadores de
Metáforas.
Capitulo 5: EDMUND HUSSERL
E A FENOMENOLOGIA
Biografia de Edmund Husserl, o filósofo fundador da Fenomenologia
A
Fenomenologia de Edmundo Husserl é a filosofia que maior domínio alcançou no
século XX.E isso foi
tanto mais fácil quanto a Fenomenologia, muitas vezes, usava termos
escolásticos, dando-lhes, porém, um sentido completamente diferente do que eles
tinham na Filosofia católica medieval. Desse modo, com uma roupagem
terminológica ambígua, com redação equívoca, foi fácil fazer triunfar idéias
modernistas no Vaticano II, sem que muitos Bispos nem se apercebessem da fraude
que estavam sofrendo.Tanto é
real a fluidez praticamente esotérica dos conceitos da filosofia de Husserl,
que até mesmo os defensores da Fenomenologia reconhecem que ela é de difícil
interpretação e entendimento. (Cfr. Monsenhor Urbano Zilles, A Filosofia
Husserliana como Método Radical, exposição anexa à obra de E. Husserl
A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia, EDIPUC, Porto Alegre 1996,
p. 15).Edmund
Husserl era de origem judia, e nasceu na aldeia da Moravia de Prossnitz, então
pertencente ao Império Austríaco, em 8 de Abril de 1858. Ele vai
falecer em 1938, em Friburgo, in Brisgau.Estudou em
Leipzig, Berlim e Viena, tendo se doutorado em Matemática, nesta última cidade,
em 1882, quando tinha 24 anos.A seguir,
tornou-se discípulo do filósofo Franz Brentano. Converteu-se ao luteranismo, e
se casou com Malvine Steinschneider.Em 1886,
lecionou em Halle. Foi ai, em 1891, que foi editada sua primeira obra Philosophie
der Arithmetik: Psychologische und logische Untersuchungen.
Dedicou-se,
depois ao estudo dos filósofos empiristas ingleses, e disso nasceu a sua obra
intitulada Logische Untersuchungen -- "Investigações lógicas"
(1900-1901), obra na qual iniciou o método que ele denominou de fenomenológico.De 1901 a
1916, enquanto grassava a crise modernista na Europa, ele ensinou em Gottingen,
cidade onde esboçou a sua doutrina da redução fenomenológica, que se preocupava
não com as coisas como elas existem na realidade, mas sim como essas coisas
eram captadas na experiência da consciência. Visava, dizia ele, conhecer o
fenômeno puro e não as coisas na realidade extra mental.Em 1916,
tornou-se Professor catedrático em Friburgo, onde se manterá até seu
afastamento das cátedras universitárias. Desde 1916, Edith Stein esteve
ligada com Husserl, com que estudara, e tornou-se sua assistente até 1922.Husserl
começou a ter fama internacional, dando conferências em Londres, Amsterdam e
Paris. Aposentou-se em 1928, mas, em 1929, editou a obra Formale und
transzendentale Logik: Versuch einer Kritik der logischen Vernunft --
Lógica formal e transcendental.Em 1931,
editou em francês suas Méditations Cartesiennes.A ascenção
de Hitler ao poder, na Alemanha, deu inicio ao afastamento de Husserl das
cátedras, por causa de sua origem judaica.Em 1935,
pronunciou em Viena sua famosa palestra sobre a Crise da filosofia: Die
Philosophie in der Krisis der europäischen Menschheit ("A filosofia na
crise da humanidade européia), conhecida comumente como Krisis. Dessa
palestra, nasceu sua obra derradeira: “Die Krisis der europäischen
Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie: Eine Einleitung in die
phänomenologische Philosophie ("A crise da ciência européia e a
fenomenologia transcendental: uma abordagem da filosofia fenomenológica"),
editada em 1936.
Origens da
Fenomenologia
Das
doutrinas anti-intelectuais de Kant vão provir vários sistemas filosóficos, um
mais delirante que o outro. Todos anti metafísicos. Queremos destacar, em
primeiro lugar, a Fenomenologia de Husserl e de Max Scheller, que tiveram
dsicípulos como Edith Stein, Heidegger, e Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II.Embora a
Fenomenologia de Edmund Husserl pretenda se apresentar como filosofia
totalmente original, ela é diretamente ligada à Gnose pietista, quer de Kant,
quer dos filósofos do Romantismo, através de Schleiermächer, Benjamin Constant,
de Dilthey e de Nietzsche.Benjamin
Constant considerava que o sentimento religioso – expressão que vai ser
repetida depois pelo Modernismo – era inefável. A Fenomenologia dirá a
mesma coisa da experiência religiosa. Esse sentimento, dizia Constant, era a
resposta do grito da alma em direção ao infinito.Repare-se:
do grito, e não da palavra. Porque toda a Gnose é contra o Logos. Contra
o Verbo. Contra a palavra, quer a interior, quer a falada.“Definição
“obscura e vaga”, Constant o reconhece, mas “ todos os nossos sentimentos
íntimos parecem pouco se importar com as efeitos da linguagem, a palavra é
rebelde, só pelo fato de que ela generaliza o que exprime, serve para designar,
para distinguir mais do que para definir. Instrumento do espírito, a palavra só
reproduz bem as noções do espírito. Ela fracassa em tudo o que tem ligação, de
um lado, com os sentidos, de outro com a alma (Benjamin Constant, Da
Religião Considerada em sua Fonte, suas Formas e seu Desenvolvimento,
Livro I, p.51. Apud G. Gusdorf, op. cit. , I Vol. Pp. 785 -786).Por sua
vez Georges Gusdorf, especialista em Romantismo, diz: “A epistemologia
intelectualista não é aplicável a uma realidade essencialmente irredutível ao
discurso. Será preciso aguardar a invenção da abordagem (do “approach”)
fenomenológica do sentido do sagrado, tornado possível pela iniciativa de
Husserl, e posta em prática por Scheler e Rudolf Otto” (G. Gusdorf, Le
Romantisme, I Vol., Pp. 785 -786).Gusdorf
mostra como Nietzsche e Dilthey vão ser os elos de ligação entre o Romantismo e
a Fenomenologia de Husserl:“Nietzsche
será um dos mantenedores do sentido romântico da vida. Dilthey manteve
relações com Husserl, cuja tentativa ele considerava com simpatia; Heidegger
interessou-se da obra de Dilthey. O movimento fenomenológico, em sua
perspectiva da consciência, fora de todo idealismo redutor, coloca em
ação certos pressupostos da inteligibilidade romântica. O pensador que
desenvolve uma filosofia de vida conforme a inspiração de Schelling, de Frederic
Schlegel e de Dilthey, embora mantendo uma completa independência de espírito,
é Max Scheler (1874- 1928).(Georges Gusdorf, Le Romantisme, II
Volume, Payot, Paris, 1993, p. 356).Não há
dúvida, pois, que a Fenomenologia tem relação direta com a Gnose romântica.E devemos
dar especial ênfase a essa filosofia, ligada ao Modernismo, pois ela foi a
adotada pelos teólogos progressistas para eliminar a escolástica tomista.
Conceituação de Fenomenologia
Antes de
tudo, porém, convém saber qual era o conceito que Husserl fazia de Filosofia.Filosofia,
para Husserl, seria “o movimento histórico da revelação da razão universal,
inata como tal, na humanidade” (Husserl, Krisis, 6,apud Nicola
Abbagnano, Storia della Filosofia, TEA, Milano,1995, Vol. VI, p.440).Que
estranho conceito esse que identifica Filosofia com uma revelação.E
revelação de que?Revelação
da razão universal da humanidade.E essa “razão
universal da humanidade” tem todo o jeito de ser a Divindade oculta, o Deus
absconditus, de tantos sistemas gnósticos.Se a
Filosofia é tida como uma revelação, não é de estranhar que, para Husserl, a
Fenomenologia, como filosofia, se identifique com a Teologia. Pois diz Husserl:
“ [Filosofia] como idéia que jaz no infinito, é “teologia”. Assim a
Fenomenologia científica é “caminho a-religioso à religião ”seu “caminho a-teu
para Deus” (Monsenhor Urbano Zilles, Introdução à obra de Edmund Husserl, A
Crise da Humanidade Européia e a Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996,
p.53).E Husserl
manifestava – “modestamente” -- que considerava a sua Filosofia, a
Fenomenologia, a única verdadeira filosofia, que exigia o abandono de todo o
pensamento anterior a ela. Era preciso colocar entre parênteses, fazer a
epoché –esquecer – tudo o que a Filosofia já ensinara no decorrer dos séculos.
Seria preciso esquecer toda filosofia e tudo o que ela elaborara sobre o ser.
Colocar entre parênteses, fazer uma epoché de algo, dizia Husserl, não
significava nem negar nem afirmar a realidade desse algo, mesmo que esse algo fosse
o ser, mas apenas deixar esse problema de lado. Só com esse método a nova
Filosofia de Husserl conseguiria alcançar o verdadeiro conhecimento.“Mas
não é possível estender-me sobre este ponto aqui, pois nenhuma
conferência poderia exauri-lo. Contudo, espero ter mostrado que aqui não se
trata de restaurar o antigo racionalismo, que era um naturalismo absurdo
e incapaz de compreender, em suma, os problemas do espírito, que nos tocam mais
de perto. A ratio de que agora se trata não é senão a compreensão realmente
universal e realmente radical de si, do espírito, na forma de uma ciência
universal responsável, na qual se instaura um modo completamente novo de
cientificidade, na qual tem seu lugar todas as questões do ser, as questões da
norma, assim como as questões do que se designa como existência. É minha
convicção de que a fenomenologia intencional fez, pela primeira vez, o espírito
como em campo de experiência e ciência sistemáticas, determinando assim a
reorientação total da tarefa do conhecimento. A universalidade do espírito
absoluto abrange todo o ser numa historicidade absoluta, dentro da qual se
situa a natureza como obra do espírito. Só a fenomenologia intencional, e
precisamente a transcendental, trouxe clareza graças a seu ponto de partida e a
seus métodos. Só ela permite compreender, e pelas razões mais profundas, o que
é o objetivismo naturalista, e, em particular, mostra que a psicologia,
condenada devido a seu naturalismo, a carecer da atividade criadora do
espírito, que é o problema radical e específico da vida espiritual” (Edmund
Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia, Ed. cit., p. 84.
O negrito sublinhado é de nossa responsabilidade).Como se
vê, Husserl considerava a Fenomenologia como a Ciência perfeita, contrária quer
ao empirismo objetivista e ao racionalismo, quer como oposta ao puro idealismo.
Ele a tinha como uma nova ontologia centrada no eu, na subjetividade,
fundamentada na experiência e não na abstração, e que, por isso mesmo recusava
afirmar definições, fazendo apenas descrições.Essa nova
Filosofia superaria todas as anteriores, e ela seria a revelação da Razão
universal. Ela teria como objeto último “A universalidade do espírito
absoluto [que] abrange todo o ser numa historicidade absoluta,
dentro da qual se situa a natureza como obra do espírito”.Como
diferenciar essa Gnose da de Hegel e da de Teillard de Chardin?Também Max
Scheler expõe um estranho conceito de Fenomenologia, pois diz:"A
fenomenologia não é o nome de uma nova ciência, nem uma palavra de substituição
para filosofia, mas uma postura espiritual, como que se recebe algo para ver ou
para viver, algo que sem ela permaneceria oculto, um dirigir-se para aqueles
"fatos puros" que o homem e em geral, e mesmo o cientista, não sabe
captar" (Max Scheler, Phänomenologie
und ErkentntnistheorieAos cuidados de M.S. Frings -- München, 1957, p. 381,
apud Anna Escher di Stefano, Max Scheler, a Dimensão Fenomenológica do Sagrado,
in nella Filosofia del Sécolo XX, Ed. Queriniana, Brescia, 1993, organ. por
Giorgio Penzo e Rosino Gibellini, trad, Ed Loyola, São Paulo, 1998, p. 161). ,
in Schriften aus dem Nachlass.Fenomenologia,
mais que ciência, seria uma “postura espiritual”, que permitiria ver ou
viver, “algo que sem ela permaneceria oculto”...Uma
Filosofia que permite ver um mundo oculto...Ver uma
supra realidade oculta por trás do mundo visível.A
Fenomenologia era uma Gnose. Não é de surpreender que ela fosse ecumênica.A
Fenomenologia seria um caminho ecumênico para um Deus ecumênico,
transcendentalmente fenomenológico. O ecumenismo moderno e os cristãos anônimos
de Rahner vão nascer da Fenomenologia modernista de Husserl
A
Fenomenologia é anti metafísica
A
Metafísica clássica tem o ser como objeto. A Fenomenologia tem como objeto não
o ser, mas a manifestação dos fenômenos na mente humana, as vivências ou
experiências da consciência.Essa
estranha postura filosófica, que recusa estudar o ser, obriga a colocar a
questão: afinal, o ser objetivo que Husserl chama de “transcendente”, empírico,
o fato exterior à mente, existe ou não?
Tiremos,
por um instante, os parênteses com que Husserl embrulha o ser no papel
camuflante da epoché... Embrulha e surrupia.Para
Husserl, o que vale não é o que há fora da mente, mas sim o eterno fluxo das
vivências, na consciência. E essa consideração faz da Fenomenologia de Husserl
uma espécie de heraclitismo, pois toma, de fato, o ser – e, em conseqüência, o
próprio conhecimento --como fluxo, como puro devir.É
afirmação fundamental de Husserl: “O método fenomenológico considera o ser
no devir” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, Editora 34,
São Paulo, 1998, p. 33).De tal
modo que André de Muralt escreve: “Voltamos, portanto, sempre a esta
conclusão fundamental: nada é estranho ao devir, tudo é devir, na medida em que
é” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, Editora 34, São
Paulo, 1998, p. 57).André de
Muralt cita a seguinte afirmação retirada da obra de Husserl Formale und
transzendentale Logik, comprovando a qualificação heraclitana da Fenomenologia
de Husserl:“Da
mesma forma que o um se dissolve no múltiplo, o ser identifica-se com o devir.
O único ser um é, pois, a totalidade infinita do devir, ou seja, o próprio
devir” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, ed. 34, São
Paulo, 1998, p. 39-40).Por isso,
o conhecimento seria também devir:“O conhecimento é,
assim, necessariamente devir, seu ser é devir” (E.Husserl Formale und
Transzendentale Logik, p.285, apud André de Muralt, A Metafísica do
Fenômeno, Editora 34, São Paulo, 1998, pp. 37-38).“A
última conseqüênia da identificação da forma e do fim é a
identificação do ser e do devir. Desse modo retornamos a um fluxo
“heraclitano” infinito, e, idealizando-o, tentamos dele escapar. Tal é, com
efeito, o resultado do método fenomenológico: ele parte do devir;
procurando escapar-lhe, imagina encontrar um elemento estável idealizando-o na
totalidade, e, desse modo, permanece necessariamente enclausurado nele. Ele
define o mesmo pelo mesmo. Diferentemente concebido. Isso significa que,
finalmente, ele não define, descreve. Assim como o devir tende para o seu telos
e permanece devir no infinito em virtude da idealidade de seu telos, a
descrição que tende para a definição permanece pura e simples (blossen),
descrição em devir infinito: pois a definição é o telos ideal da descrição”
(André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, ed. 34, São Paulo,
1998, p. 38).Estas
outras citações comprovam que a Fenomenologia de Husserl, embora se diga anti
idealista, é, na verdade, uma nova forma de idealismo.“Husserl
tende a sublinhar o caráter imanente da idéia: a idéia é absorvida no
fato cuja totalidade nada mais é do que a propria idéia. O fato é a idéia
realizada, e a idéia é o fato idealizado” (André de
Muralt, A Metafísica do Fenômeno, editora 34, São Paulo, 1998, p. 39).“A
Fenomenologia de Husserl é uma forma de idealismo, porque lida com objetos
ideais, com as idéias das coisas em sua essência, tal como os idealistas
Platão, Hegel e outros (Cobra, Rubem Queiróz. - Fenomenologia. Filotemas,
Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001, rev. 2005. www.geocities.com/cobra_pages" é "Mirror Site" de www.cobrapages.nom.br).Não
haveria ser objetivo que a mente possa conhecer e definir. Teríamos apenas
vivências que tentamos descrever e não coisas definíveis.Daí, as
descrições intermináveis dos fenomenologistas que jamais definem o que
descrevem. O fluxo não se fixa em definições. É fluido. O descrever
fenomenologico é extenso e nada claro.Então,
para a Fenomenologia, o ser não existe. Só existe o fluxo. Portanto também não
existiria um conhecimento real, objetivo. O conhecimento também seria puro
fluxo.E como
então pode haver uma conciliação da Fenomenologia – por essência fluida e em
fluxo—com o catolicismo que é definido petreamente?“Husserl
buscou restabelecer a antiga relação entre Ser e Pensamento – relação que havia
garantido ao homem um lar neste mundo – por intermédio de um desvio pela
estrutura intencional da consciência. Dessa forma, a questão da realidade,
completamente abstraída da essência das coisas, pode ser “suspensa”; tenho todo
o Ser como aquilo de que estou consciente e como consciência sou, à maneira
humana, o Ser do mundo. (A árvore vista, a árvore como objeto de minha
consciência, não precisa ser a árvore “real”, ela é, em todo caso, o objeto
real da minha consciência).” (Hannah
Arendt, , A Dignidade da Política – Ensaios e Conferências -"O
que é a filosofia da Existenz?",Editora: Relume-Dumará, 1993,
Tradução: Helena Martins e outros, pág. 15).Com a Fenomenologia
de Husserl, o homem se tornaria o Criador do mundo, assumindo o lugar de Deus.
Essa é a conclusão que Hanaah Arendt chega ao comentar a doutrina husserliana
da susbstituição da abstraç~ ao pela intencionalidade que
transpostaria a realidade para o interior da cosnciência humana: “(A
fenomenologia) Em sua descrição da consciência ela apreendeu com precisão essas
coisas isoladas e arrancadas de seu contexto funcional como conteúdos de atos
arbitrários da consciência e pareceu havê-las conectado novamente com o homem
através do “fluxo da consciência”. De fato, Husserl afirmou que por meio deste
desvio pel consciência e iniciando por uma apreensão completa de todos os
conteúdos factuais da consciência (uma nova mathesis universalis) ele seria capaz
de reconstruir o mundo que havia se despedaçado. Tal reconstrução do mundo a
partir da consciência igualar-se-ia a uma segunda criação, já que nessa
reconstrução seu caráter contingente, que é ao mesmo tempo seu caráter de
realidade, seria removido, e o mundo não mais apareceria como algo dado ao
homem, mas como criado por ele” (Hannah
Arendt, , A Dignidade da Política – Ensaios e Conferências -"O
que é a filosofia da Existenz?",Editora: Relume-Dumará, 1993,
Tradução: Helena Martins e outros, pág. 17).Para
Heidegger, a Fenomenologia consistiria em “... fazer ver o que se manifesta
tal qual isso se manifesta” (M. Heidegger, Sein und Zeit, p. 34,
apud Tahis Curi Beaini, Heidegger: Arte como Cultivo do Inaparente,
Editora da Universidadede São Paulo, Nova Stella, São Paulo, 1986, p. 82, nota
1).Mais
ainda. Para esse filósofo do existencialismo, para o qual o ser seria nada,
a Fenomenologia seria uma investida contra a Metafísica tradicional
aristotéilca e contra a escolástica tomista.“Em sua
obra fundamental Sein und Zeit, que data de 1927, o objetivo de
Heidegger é buscar o Ser em sua originariedade, liberando-o em seu sentido—que
ultrapassa a esfera do ôntico --, refletindo sobre ele. A destruição
fenomenológica busca o Ser enquanto fenômeno, recuperando sua anterioridade em
relação à verdade metafísica subjetivista e representativa, que reduz o
compreender ao conhecer e ao teorizar. Engendra-se então sua investida contra a
metafísica” (Tahis Curi Beaini, Heidegger: Arte como Cultivo do
Inaparente, Editora da Universidadede São Paulo, Nova Stella, São Paulo,
1986, p. 67). Beaini
mostra que a Fenomenologia pretende realizar “a construção de uma nova
ontologia”. (Tahis Curi Beaini, Heidegger: Arte como Cultivo do
Inaparente, Editora da Universidadede São Paulo, Nova Stella, São
Paulo, 1986, p. 67). Uma nova ontologia que nega o objeto próprio da ontologia:
o ser.E não
menos estranha é esta outra definição da Fenomenologia.A
Fenomenologia é definida como “a análise da consciência em sua intencionalidade”
(Nicola Abbagnano, Storia della Filosofia, TEA, Milano,1995, Vol.
VI, p.424).Entretanto,
mesmo se essa definição for entendida no sentido comum das palavras, ela
enganará.Pois o que
é “consciência”, para a Fenomenologia?Não é o
que se entende comumente por essa palavra.Para os
filósofos dessa corrente de pensamento, “consciência” também não é uma “realidade”,
ao mesmo título das coisas deste mundo, e nem é também simplesmente fonte ou
princípio das demais realidades, como pretendiam os idealistas alemães
anteriores a Husserl.Para
Husserl “a consciência é “uma corrente de experiências vividas”, num
rio heraclitano, que se colhe a si mesmo” (Monsenhor Urbano Zilles,
Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia,
EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, pp.28-29).O que se
tem como realidade do mundo seria apenas um dos modos em que o objeto pode ser
dado à consciência. Face ao mundo, consciência deveria assumir a atitude de um
“espectador desinteressado”, a quem os objetos estão presentes como
fenômenos, isto é, nos modos específicos em que eles mesmos se dão, sem o
espectador se envolver praticamente em suas vicissitudes.Entretanto,
tais objetos careceriam de ser. Seriam apenas impressões dos fenômenos na
consciência. E esses fenômenos também não seriam reais. Eles captariam o que
Husserl chama de “essência” e que ele define como o “existente”.“Husserl
distingue entre percepção e intuição. Alguém pode perceber e estar
consciente de algo, porem sem intuir o seu significado.“A
intuição eidética é essencial para a redução eidética. Ela é o dar-se conta [por
intuição, não por abstração] da essência, do significado do que
foi percebido. O modo de apreender a essência é, no jargão dos fenomenólogos, o
Wesensschau, a intuição das essências e das estruturas essenciais. De comum, o
homem forma uma multiplicidade de variações do que é dado. Porém, enquanto
mantendo a multiplicidade, o homem pode focalizar sua atenção naquilo que
permanece imutável na multiplicidade, isto é, a essência, esse algo
idêntico que continuamente se mantém durante o processo de variação, e que
Husserl chamou "o Invariante". (Rubem Queiroz Cobra,Site
original: www.cobra.pages.nom.br).“A
Fenomenologia pura não é uma ciência de fatos, mas de essências (é uma ciência
eidética) e os fenômenos dos quais ela se ocupa não são reais, mas irreais (Ideen, I, p. 6). Para atingir o plano da Fenomenologia é,
pois, indispensável uma mudança radical de atitude, uma mudança que consiste
essencialmente no suspender a afirmação ou o reconhecimento da realidade, que é
implícito em toda atitude natural, com todo o seu acompanhamento de
interesses práticos, e no assumir a atitude de espectador, interessado apenas
em colher a essência dos atos mediante os quais a consciência se reporta à
realidade ou a significa. Essa mudança de atitude é a époché fenomenológica” (N.
Abbagnano, op. cit., pp. 430. Os destaques em negrito são nossos).E por
suspender—na realidade por negar-- o reconhecimento da realidade, a Fenomenologoa
é anti Metafísica.Toda
indagação racional permitiria aos objetos de consciência revelarem-se no seu “verdadeiro
ser”, ou na sua “essência”. (Porém, não se perca de vista que,
para a Fenomenologia, ser e essência têm sentido diferente, e até oposto, ao
significado corrente desses termos). Haveria uma como que revelação do ser na
consciência, embora esse “ser” propriamente nem exista. Husserl dizia que a
Fenomenologia é ciência teorética, intuitiva, não objetiva, pois que prescinde
de todo fato ou realidade; ciência da subjetividade, porque coloca o eu como
pólo unificante de todas as intencionalidades; e ciência impessoal que não
exige sabedoria. (Cfr. N. Abbagnano, op. cit., pp. 424-425).Alguns se
deixam enganar pela expressão equívoca de Husserl de pretender “ voltar às
coisas em si”.“A
fenomenologia opunha-se às abstrações metafísicas e preconizava um regresso à
reflexão sobre o concreto, traduzido na famosa sentença: “De volta às coisas em
si”, algo que a filosofia kantiana dominante não tinha sido capaz de fazer,
porque não incluía a pesquisa sobre a forma como é possível aceder ao
conhecimento dos objetos exteriores à consciência” (Carlos Ceia, Crítica
Fenomenológica,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).E muitos
concluem, iludidamente, que ele queria voltar à realidade objetiva do ser.Nada mais
falso.O “voltar
às coisas em si” não significava voltar a considerar as coisas tais quais
existem objetivamente no mundo real. Pelo contrário, para Husserl, “voltar
às coisas em si” queria dizer voltar-se apenas para o fenômeno tal como
ele aparece subjetivamente à consciência.Muitos
ilusoriamente julgam que Husserl queria um retorno à objetividade. Só que, para
Husserl, a “volta às coisas mesmas”, a volta ao objeto, era a volta
ao objeto na consciência, enquanto experiência intuitiva, nunca ao
objeto fora da mente.“Edmund
Husserl considera inaceitável o postulado de que aquilo que aparece na
experiência atual não é a verdadeira coisa. Deu novo significado à
fenomenologia, encerrando o fenômeno no campo imanente da consciência. Husserl
não nega a relação do fenômeno com o mundo exterior, mas prescinde dessa
relação. Propõe a ”volta às coisas mesmas”, interessando-se pelo puro
fenômeno tal como se torna presente e se mostra à consciência. Sob este aspecto
deu um sentido mais subjetivo à palavra fenômeno, elaborando uma fenomenologia
que faça, ela mesma, às vezes de ontologia. Segundo ele o sentido de ser e
fenômeno são inseparáveis. A Fenomenologia husserliana pretende estudar, pois,
não puramente o ser, nem puramente a representação ou aparência do ser, mas o
ser tal como se apresenta no próprio fenômeno. E fenômeno é tudo é tudo aquilo
de que podemos ter consciência, de qualquer modo que seja. Fenomenologia no
sentido husserliano, será pois o estudo dos fenômenos puros, ou seja , uma
fenomenologia pura” (Monsenhor Urbano Zilles, Introdução à obra de Edmund
Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia, EDUPUCRS, Porto
Alegre, 1996, p. 17).Hannah
Arent considera que há algo de mágico nessa fórmula de Huserrl de “voltar às
coisas mesmas”:“O “de
volta às próprias coisas” de Husserl é tanto uma fórmula mágica quanto as
“pequenas coisas” de Hoffmansthal. Se ainda se pudesse obter algo por mágica –
em uma época cuja única virtude foi ter varrido toda mágica -, então certamente
ter-se-ia que começar com as coisas menores e aparentemente mais modestas, com
as “pequenas coisas” domésticas, com as palavras domésticas.“
“Foi
com essa domesticidade [homeliness] mágica que a análise da consciência
empreendida por Husserl (que Jaspers achava sem importância para a filosofia,
já que ele não tinha qualquer inclinação pela magia ou pelo classicismo)
influenciou decididamente tanto o jovem Heidegger quanto o jovem Scheler, muito
embora Husserl tenha contribuído pouco sem seu conteúdo concreto para a
filosofia da Existenz.” (Hannah
Arendt, A Dignidade da Política – Ensaios e Conferências -"O
que é a filosofia da Existenz?",Editora: Relume-Dumará, 1993,
Tradução: Helena Martins e outros, pág. 17).Em vez de
considerar os entes como objeto primeiro do conhecimento, a Fenomenologia
procura focalizar o que o homem experimenta em seu interior. A
Fenomenologia não busca a adequação do pensamento aos objetos, isto é, a
verdade no sentido escolástico. Ela se preocupa só com a impressão interior,
com a experiência vivencial originária produzida pelos objetos na mente humana,
e não com esses mesmos objetos, ou com a verdade sobre eles. Por isso é que a
Fenomenologia não define as coisas. Descreve-as.A
Fenomenologia de Husserl se opunha à consideração natural do homem face ao
mundo objetivo real. Ela queria se substituir à Ontologia. Ela será uma
proposta de substituição da Metafísica clássica.Em vez de
focalizar o ser como objeto do conhecimento, ela visava conhecer a experiência
interior: a Erlebnis.“Esta
modalidade [filosófica] provém da filosofia
da experiência [Erlebnis], fundada modernamente pelo alemão Edmund
Husserl, num momento histórico em que a filosofia neokantiana ainda dominava as
universidades alemãs. A preocupação fundamental da Fenomenologia não é estudar
questões metafísicas, mas fenômenos ou, no sentido grego do termo, as
aparências das coisas, a forma como as coisas se tornam presentes, um mundo
governado pela consciência”. (Carlos Ceia, Crítica fenomenológica,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).Além de
recusar conhecer metafisicamente o ser, a Fenomenologia recusava a ciência.“Husserl
igualmente duvidava do conhecimento científico dos fatos e, para ele, o que devia
ser procurado era o conhecimento científico das essências”.(Rubem Queiroz Cobra, Fenomenologia, www.cobra.pages.nom.br).Ora,
nesses textos é preciso considerar que o termo “essência” não tem o
sentido filosófico normalmente entendido: aquilo que torna o ser o que ele
é. Para a Fenomenologia, “essência” é o que existe, e não aquilo
que é. Como veremos mais adiante, essência seria o existente.Deve-se
esclarecer ainda que a palavra “experiência” – Erlebnis - tem também um
sentido fenomenológico muito particular, diverso do sentido comum dessa
palavra.“Uma
Erlebnis, na Fenomenologia, não é um mero ato de introspecção, mas uma
experiência auto-iluminativa da consciência. Propriamente falando, é um ato da
consciência reflexiva explicitamente dirigida para o discernimento dos sentidos
intencionais (essências) que os objetos (noemata), tais como são percebidos na
consciência potencialmente podem ter” (Padre John Kobler, Vatican II,
Theophany and Phenomenon of Man, Ed. cit., p. 162. O sublinhado é
nosso).
“Erlebnis, no contexto fenomenológico,
significa um estado mental concreto” (Padre John Kobler, Vatican II and
Phenomenology, – Reflections on the Life-World of the Church,
Martinus Nijhoff Publishers 1985, Dordrecht,, p. 187).Experiência
seria sinônimo de vivência, termo aquele adotado pela heresia modernista
condenada na Pascendi de São Pio X .Convém
notar que, na Fenomenologia, objeto não inclui a noção de entidade real:“Fenômenos
são objetos de atos intencionais: “Objetos”, aqui, não devem ser tomados como
entidades reais ou eventos; de todo modo eles estão presentes por meio dos atos
de percepção” (John F. Kobler, Vatican II and
Phenomenology, Ed.cit., p, 52, nota 23).A
Fenomenologia troca a objetividade dos seres pela “vivência” dos fenômenos,
na consciência.“A
Fenomenologia é um movimento radicalmente oposto ao positivismo, porque se
centra na experiência intuitiva capaz de apreender o mundo exterior, e porque
abala a crença mantida pelo homem comum de que os objetos existiam,
independentemente de nós mesmos, nesse suposto mundo que nos seria estranho”
(Carlos Ceia, Crítica Fenomenológica,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).Focalizemos
ainda o que a Fenomenologia entende por “vivência”.“Franz
Brentano, mestre de Husserl, afirma: "Podemos assim definir os fenômenos
psíquicos dizendo que eles são aqueles fenômenos os quais, precisamente
por serem intencionais, contém neles próprios um objeto". Isto
equivale a afirmar, como Husserl, que os objetos dos fenômenos psíquicos
independem da existência de sua réplica exata no mundo real porque contêm o
próprio objeto. A descrição de atos mentais, assim, envolve a descrição
de seus objetos, mas somente como fenômenos e sem assumir ou afirmar sua
existência no mundo empírico. O objeto não precisa de fato existir. Foi um uso
novo do termo "intencionalidade" que antes se aplicava apenas ao
direcionamento da vontade” (Cobra,
Rubem Q. - Fenomenologia. Filotemas, Site www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2001, rev. 2005. "www.geocities.com/cobra_pages" é
"Mirror Site" de www.cobrapages.nom.br).A recusa
das abstrações metafísicas coloca a Fenomenologia em oposição à Filosofia
escolástica tomista, recomendada por São Pio X, e odiada pelos modernistas.
Desse modo, a Fenomenologia se aliava ao Modernismo em sua cegueira anti
metafísica, que levará os fenomenologistas a negarem a possibilidade de o homem
aceder ao ser, e mesmo, a afirmarem que o ser é nada, e,
conseqüentemente, negando a existência de uma verdade metafísica objetiva.Husserl
não se opunha apenas à Metafísica escolástica. Ele criticava também o empirismo
moderno, acusando-o de ter uma presunçosa e falsa objetividade por não
considerar a subjetividade. A pretensão da objetividade teria sido, para
Husserl o pecado original da Crise “européia”.Na
palestra Krisis, Husserl procura demonstrar o fracasso da Modernidade
como tendo origem na ingenuidade do conhecimento objetivo, que, por se
pretender objetivo, necessariamente excluia o sujeito da esfera do
conhecimento.Ele elogia
Dilthey que tentou harmonizar a relação entre espírito e natureza, mas
sem conseguir atingir esse objetivo, e então diz:“Mas a
situação nunca melhorará enquanto não se colocar em evidência a
ingenuidade do objetivismo surgido de uma atitude natural em relação ao
mundo circundante e não se estiver convencido da absurdidade da concepção
dualista do mundo, segundo a qual natureza e espírito devem ser considerdos
como realidades de sentido homogêneo, embora uma edificada sobre a outra de
maneira causal. Julgo, com toda a seriedade, que nunca existiu nem existirá uma
ciência objetiva acerca do espírito, uma doutrina objetiva da alma, objetiva no
sentido de atribuir às almas, às comunidades pessoais, uma inexistência,
submetendo-as às formas espaciais-temporais.“O
espírito é só o espírito, é o que existe em si mesmo e para si mesmo, só o
espírito é autônomo e pode ser tratado nesta autonomia, e só nesta, em forma
verdadeiramente racional, de um modo verdadeiro e radicalmente científico.
Quanto à natureza, considerada na verdade que lhe conferem as ciências
naturais, ela só tem uma autonomia aparente, e só aparentemente oferece um
conhecimento racional de si nas ciências da natureza. Pois a verdadeira
natureza, no sentido das ciências da natureza, é obra do espírito que a explora
e pressupõe, por isso, a ciência do espírito”.(Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia,
Ed. cit., p. 82-83).Combatendo
a “ingenuidade do objetivismo”, Husserl se opõe à concepção da
Modernidade quanto à ciência, e quanto a superioridade do mundo visível sobre o
espírito, e procura inverter essa situação, colocando o espírito em posição
superior quanto à objetividade e realidade sobre a natureza da realidade
concreta visível.Prossegue
Husserl reivindicando o verdadeiro caráter científico para o espírito,
recusando-o para as chamadas ciências naturais objetivas:“O
espírito é, por essência, capaz de exercer o conhecimento de si mesmo, e como
espírito científico é capaz de exercer o conhecimento de si, e isto reiteradamente.
Só no puro conhecimento científico-espiritual o cientista escapa à objeção de
que se encobre a si mesmo em seu saber. Por isto, é errôneo, da parte das
ciências do espírito, lutarem com as ciências da natureza por uma
igualdade de direitos [entre elas]. Logo que aquelas reconhecem às
últimas uma objetividade que se basta a si mesmas, elas mesmas sucumbem no
objetivismo” (Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a
Filosofia, Ed. cit., p. 8. A nota entre colchtes é nossa).E conclui Husserl
afirmando: “Só quando o espírito deixar a ingênua orientação para o exterior
e retornar a si mesmo e permancer consigo mesmo e puramente consigo mesmo,
poderá bastar-se a si” (Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e
a Filosofia, Ed. cit., p. 82-83).Uma defesa
desse porte do espírito contra o objetivismo das ciências naturais só podia
atrair espíritos anti materialistas, que se deixavam iludir por esse
subjetivismo de fundo gnóstico que se opunha ao panteísmo racionalista,
materialista da Modernidade. Para fugir do materialismo panteísta, muitos
deixaram-se conduzir à Gnose espiritualista de Husserl, filha da Gnose do
Romantismo.Husserl
mostra, então, como essa crise causada pela ingênua objetividade das ciências
modernas conduziu à elaboração do método fenomenológico, à Fenomenologia:“A
eleboração de um método efetivo para comprender a essência fundamental do
espírito em sua intencionalidade, e a partir daí, construir uma teoria
analítica do espírito que se desenvolveu de modo coerente ao infinito, conduziu
à fenomenologia transcendental. Esta supera o objetivismo naturalista e todo
objetivismo em geral da única maneira possível: o sujeito filosofante parte do
seu eu, mais precisamente, ele se considera apenas como o executor (Vollzieher)de
todos os atos dotados de validade, tornado-se um espectador puramente
teórico (Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia,
Ed. cit., p. 83).Com essa
nova ciência do espírito seria possível anular a separação entre sujeito e objeto,
passando cada eu a ser no outro, fundindo, pois, sujeito e objeto, o eu e o tu,
o eu e o mundo:“Nessa
atitude consegue-se construir uma ciência do espírito absolutamente autônoma,
no modo de uma conseqüente compreensão de si mesmo e compreensão do mundo como
obra do espírito. Aí o espírito não é espírito na natureza ou a seu lado. Mas a
própria natureza entra na esfera do espírito. O eu então já não é mais uma
coisa isolada ao lado das outras coisas similares dentro de um mundo dado de
antemão; a exterioridade e a justaposição dos eus pessoais cede lugar a uma
relação íntima entre os seres que são um no outro e um para o
outro” (Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia,
Ed. cit., p. 84).E isto
coincide com a noção cabalista expressada por Martin Buber a respeito do EU-Tu
como palavra princípio.Veremos
mais adiante essa questão e sua repercussão, especialmente na reforma litúrgica
da Missa nova de Paulo VI- Bugnini.De
passagem também, notemos como essas palavras de Husserl fazem lembrar a
definição de Igreja da Lúmen Gentium que fala da união íntima dos homens com
Deus—com o Outro -- afim de que se faça “a unidade do gênero humano”...
Ut unum sint, como dizia João Paulo II, que foi fenomenologista.Como ser
um no outro? Tem se a impressão de delirio ou de ler texto de delirantes. Ou
textos de Gnose que pretendem ensinar como o eu de cada um pode se fundir com
todos os eus, com o mundo e com Deus.Não no
sentido em que Cristo pediu para os Apóstolos, mas no sentido em que o
Romantismo ou a Cabala desajvam fundir todos os eus no eu divino.Tudo isso
mostra como a Fenomenologia se enraiza na corrente da Gnose moderna que nega o
conhecimento humano, e, portanto, nega a Metafísica. Husserl, embora pretenda
ser original, tem suas idéias radicadas em Hegel, Kant, e Descartes.A
Fenomenologia é a Anti metafísica Moderna em linguagem subjetivista alemã.Uma
linguagem que quase se poderia dizer esotérica.
O
Metodo Fenomenológico: a epoché.
Husserl
propõe tapar os olhos para o mundo real com o véu da Sinagoga.E
ainda mais: depois de tapar os olhos, fecha também as pálpebras, para
nada mais ver ou entrever, na busca de uma misteriosa intuição interior. A
Fenomenologia é então como que um tapa-olhos, como aquele que se coloca em
alimárias para que não vejam onde estão.Para isso,
Husserl “ressuscitou” a epoché dos gregos, isto é, ele proporá colocar “entre
parênteses” o problema da existência, ou não, da realidade. Vai tratar do
conhecimento como ele se dá na consciência humana, sem discutir, sem afirmar e
nem negar, se as coisas exteriores à mente existem ou não.Como já
dissemos, ele dizia que propriamente não negava a existência do mundo objetivo
real, mas que colocava essa existência “entre parênteses”, -- fazendo
uma epoché, assim como a chamada “redução fenomenológica” --filosofando
como se as coisas do mundo real não existissem. Também era colocada “entre
parênteses” a existência do eu e de seus atos. Essa é a primeira epoché que
Husserl propõe: ainda que o mundo exista, fazer de conta que o mundo não
existe. Cobri-lo com o véu da epoché. Fazer da epoché uma venda para os
olhos, como o véu que tapa os olhos da Sinagoga, na Catedral de Strasburgo.“Para
chegar à fenomenologia transcendental pura, Husserl introduz a redução e a
epoqué. Assim como coloca entre parênteses a existência do mundo, não para
duvidar de sua existência, mas para suspender apenas o juízo em relação à sua
existência. A essa suspensão de juízo designou-a com o termo epoqué, já usado
pelos céticos pirônicos gregos para significar a suspensão ou abstenção de
qualquer assentimento, por não reconhecerem razões suficientes para eliminar a
incerteza” (Monsenhor Urbano Zilles, Introdução
à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia,
EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p.32).E não
apenas o mundo real é posto “entre parênteses” por Husserl, mas também
todo saber racional. Toda visão do real é colocada “entre parênteses”. A
Fenomenologia é assim a filosofia da cegueira, do esquecimento e do
estranhamento. Para ela ,só vale a intuição pessoal interior.Os
fenomenoóloos são aqueles que voluntariamente “hanno perduto Il ben
dell’intelletto” (Dante, Divina Commedia, Inferno, III, 18 ).A epoqué
fenomenológica é filha da dúvida. Filha da incerteza metafísica dessa nova
filosofia.Fenomenologia
é assim uma espécie de retorno ao pirronismo.
Ela busca
uma nova forma de conhecimento. Uma nova forma de cegueira que é velhíssima.Uma Gnose.Como a
Gnose, ela pretende ter um misterioso conhecimento pessoal interior.“Para
alcançar seu objeto próprio, o eidos, a fenomenologia deve praticar não a
dúvida cartesiana, mas a denominada epoché. Quer isto dizer que a fenomenologia
“coloca entre parênteses” certos elementos do dado e se desinteressa deles.
Importa distinguir várias espécies destas reduções. Em primeiro lugar, a epoché
prescinde de todas as doutrinas filosóficas; ao fenomenólogo não interessam as
opiniões alheias; ele investe contra as próprias coisas. Após esta eliminação
preparatória, temos a redução eidética, mediante a qual a existência individual
do objeto estudado “é colocada entre parênteses” e eliminada, porque à
fenomenologia não interessa senão a essência. Eliminando a individualidade e a
existência, eliminam-se igualmente todas as ciências da natureza e do espírito,
suas observações de fatos não menos que suas generalizações. O próprio Deus,
enquanto fundamento do ser, deve ser eliminado. Também a lógica e as demais
ciências eidéticas ficam submetidas à mesma condição: a fenomenologia considera
a essência pura e põe de lado todas as outras fontes de informação”.(J. M.
Bochenski,Edmund Husserl, tradução de Antônio Pinto de Carvalho in
A filosofia contemporânea ocidental, Herder, 1968).A
Fenomenologia, para fazer o que ela chama de redução transcendental, exige
então colocar “entre parênteses” toda a realidade exterior, toda
filosofia e ciência, toda religião. E, como lembrou Bochenski, até mesmo Deus.Só que,
como bem lembrou Bento XVI, a Fé não cabe entre parênteses. Deus não cabe entre
parênteses. É impossível colocar o Infinito “entre parênteses” (Cfr.
Bento XVI, Apresentação-prefácio ao livro de Marcelo Pêra, Perché dobbiamo
dirci Cristiani, Mondadori, Milano , 2008).
A epoqué
fenomenológica é assim filha da dúvida e mãe da cegueira voluntária. É uma nova
filha da incerteza metafísica da filosofia moderna.Colocando “entre
parênteses” todos os conhecimentos recebidos pelas filosofias anteriores,
pelas ciências, tradições, educação, etc, fazendo tábula raza de todo conhecimento
anterior, Husserl visava atingir a coisa como ela apareceria puramente na
consciência.Claro que
Husserl recusava a doutrina tomista do conhecimento. Ele negava a abstração,
preferindo examinar—dizia ele – a experiência que a consciência tem das coisas
(existentes, ou não, pouco importa). A experiência individidual, pessoal,
interior seria também única e inefável.
Uma
revelação da razão universal na mente de cada um.Uma
revelação de um conhecimento intuitivo experimental.A
revelação de uma Gnose.
Doutrina
fenomenológica do conhecimento intuitivo
A
Fenomenologia é principalmente uma teoria do conhecimento humano, -- seria mais
preciso dizer do não-conhecimento – visto que ela nega o conhecimento racional.Como
tantos outros filósofos da Modernidade, para chegar ao saber, Husserl propunha
substituir a abstração pela intuição.A
Fenomenologia nega a possibilidade de se alcançar o conhecimento objetivo da
realidade concreta. Recusa a abstração. Recusa, portanto, o conceito de verdade
do tomismo como sendo a adequação da idéia do sujeito conhecedor ao objeto
conhecido.“Husserl
afirma que, ao nível da consciência, podemos ter a certeza sobre a forma como
apreendemos os fenômenos em si mesmos, ilusórios ou reais, mesmo que não exista
evidência sobre a existência independente das coisas. Toda a consciência é
consciência de alguma coisa, isto é, não há consciência sem um objeto de
referência, porque um pensamento está sempre “voltado para” algum objeto. O
mundo exterior fica assim reduzido àquilo que se forma na nossa consciência, às
realidades que constituem os puros fenômenos, num processo a que Husserl chama
a redução fenomenológica. Se não pode existir um ato de pensamento consciente
sem um objeto de referência, também não pode existir um objeto sem existir
também um sujeito capaz de o interpretar e apreender”(Carlos
Ceia, Crítica Fenomenológica,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).O que fica
de fora desta correlação fundamental deve ser excluído, porque não está
“imanente” à consciência e porque não é real — “os fenômenos são reais,
enquanto parte do mundo que a nossa consciência concebe. Isto significa que os
fenômenos só existem porque os compreendemos, na exata medida em que lhes
conseguimos atribuir um significado. Esta perspectiva coloca o
objeto da filosofia na "experiência vivida" do sujeito, em vez de
concepções metafísicas que escapariam ao trabalho da consciência e às quais não
seria possível atribuir uma intencionalidade”. (Carlos Ceia, Crítica
Fenomenológica, http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html. O
destaque nosso).Para a
Fenomenologia, pois, a verdade não seria objetivamente apreensível pelo homem.
Da verdade dos objetos teríamos uma percepção fenomenológica puramente
aproximativa. Ninguém poderia então afirmar que tem a verdade.“O
conhecimento transcende incessantemente em direção da realidade independente
que constitui o seu objeto. Mas isto significa também que o conhecimento não
realiza jamais a posse completa de seu objeto. Além daquilo que ela
apreende dele, resta sempre um resíduo incognoscível (transobjetivo), enquanto
está além daquilo que da própria realidade foi objetivado. O limite da
cognoscibilidade pode ser deslocado indefinidamente, mas sempre permanece um
limite” (Nicola Abbagnano, op. cit., Vol. VI, p. 445. O destaque é nosso).O
conhecimento seria como um horiznte do qual nos aproximamos, mas a cada passo
que damos em direção a ele, ele se afasta outro tanto. O conhecimento é um
horizonte sempre buscado e jamais alcançado.“O mundo
da vida-- Lebenswelt--, que é aquele no qual
vivemos intuitivamente com as suas realidades, tais como elas se dão, mais ou
menos válidas, ou mesmo aparentes, é “uma espécie de rio heraclitano
meramente subjetivo e aparentemente inapreensível” (Husserl, Die
Krisis der europäischen Wissenshaften, 44, apud N. Abbagnano, op. cit.,
Vol. VI, p. 436).Na
Fenomenologia o conjunto das experiências recebidas por alguém constitui a sua
vida do mundo—a sua Lebenswelt—a sua cosmovisão experimental. Ela seria “um
acúmulo de experiências prévias”, as experiências pessoais originárias
imediatas, assim como todas as experiências transmitidas a cada um por seus
pais, amigos, professores, nação, etc. Seria o conjunto das experiências de
alguém, que daria a sua explicação pessoal do mundo. (Cfr. Padre John F. Kobler, Vatican II and
Phenomenology, ed. cit., p. 132).Com essa
afirmação, se compreende como a Fenomenologia, filosofia subjetivista, se
enquadra na Gnose, pois que a negação do ser de Heráclito é tipicamente gnóstica.Assim como
há um ego pessoal, cada um com sua Lebenswelt pessoal única e inefável, haveria
também um ego transcendental, do qual os “eus” particulares seriam
subsistências concretas. E esse ego transubjetivo ou transcendental teria, ele
também, a sua Lebenswelt transcendental. A cada “nós”, ou ego transcendental
superior, corresponderia uma Lebenswelt transcendental correspondente (Cfr.
Padre John F. Kobler, Vatican II and Phenomenology, ed. cit., p. 133).O Ego
transcendental nâo deve, porém, ser concebido como algo substancial. O
“conhecimento” fenomenológico seria produto de um experiência interior
intuitiva: a Erlebnis.Para a
Fenomenologia, a experiência – a Erlebnis-- propiciaria uma forma de
conhecimento superior ao conhecimento racional, abstrato e discursivo.
Particularmente em matéria religiosa, a experiência daria um conhecimento
superior ao racional, pois seria um conhecimento obtido através de algo vivido.
(Cfr. Padre
John F. Kobler, Vatican II, Theophany and the Phenomenon of Man, ed. Peter
Lang,New York, San Francisco,Bern, Frankfurt,, Paris , London 1991, p. 46).A
experiência (Erlebnis ) seria uma auto iluminação da consciência:“Uma
Erlebnis na Fenomenologia não é um mero ato de introspecção, mas uma
experiência auto iluminante da consciência. Falando mais propriamente: ela é um
ato da consciência reflexiva explicitamente apontada para o discernimento dos
sentidos intencionais (essências) que os objetos (os noemata) podem ter
potencialmente quando são percebidos na consciência” (Padre John F. Kobler,
Vatican II, Theophany and the Phenomenon of Man, ed. Peter
Lang,New York, San Francisco,Bern, Frankfurt, Paris, London 1991, p. 162).A
Fenomenologia tem uma teoria do conhecimento abstrusa.Veja-se
como o insuspeito Monsenhor Urbano Zilles explica a doutrina do conhecimento
humano, segundo Husserl:“Nosso
olhar, suponhamos, volta-se com um sentimento de prazer para uma macieira em
flor num jardim....(Husserl, Ideen, I, § 88). Na atitude comum ou
natural, tal percepção consiste em colocar primeiro a existência da macieira no
jardim, depois em relação a essa macieira real a macieira representada na
consciência correspondente à real. Como conseqüência haveria duas macieiras:
uma no jardim e outra na consciência. Para Husserl, as coisas não acontecem
assim. Recorrendo à análise intencional, não partimos da macieira em si,
porque dela nada sabemos, nem da macieira representada, porque
também dela nada sabemos. É preciso partir das coisas mesmas, isto é,
da “macieira-enquanto-percebida”, ou seja, do ato da percepção da
macierira no jardim, pois essa é a vivência originária. Através da epoqué só
atendemos à percepção como vivência, prescindindo de suas relações reais. A
única “coisa” que permanece é a percepção e o percebido, o visto desde um ponto
de vista eidético na “ pura imanência” da consciência de minhas
vivências. A vivência de percepção, fenomenologicamente reduzida, também é
percepção da ”macieira em flor”, vivência que nela conserva todos os matizes
com que aparecia realmente. Assim, a “macieira em flor”, como
objeto de minha vivência de percepção, é o correlato intencional da vivência,
seu conteúdo noemático, resultante da noese, do ato da consciência, pelo qual
se reduz à unidade de sentido a muliplicidade de dados da sensação (hylé).
Enquanto a noese e a hylé são elementos da própria vivência, o noema é seu
conteúdo intencional ou componente intencional” (Monsenhor Urbano Zilles,
Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a
Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p.27. Os negritos são nosos. Os
sublinhados são do autor).E, para
auxiliar o nosso paciente leitor a entender essa doutrina abstrusa, adiantamos
que por noesis se deveria entender o ato de percepção, e por noema
aquilo que é percebido como experiência (Erlebnis).“Na
redução fenomenológica, a Noesis é o ato de perceber. Aquilo que é percebido, o
objeto da percepção, é o noema. A coisa como fenômeno de consciência (noema) é
a coisa que importa, e refere-se a ela a conclamação "às coisas em si mesmas"
que fizera Husserl. (Cfr. Rubem Queiroz Cobra, Site original:
www.cobra.pages.nom.br).“De acordo
com a teoria fenomenológica a consciência envolve dois elementos correlatos: o noema
(isto é, o objeto, eidos, essência), e a noesis, (isto é, o ato, a experiência
intencional referente ao objeto) (Padre
John F. Kobler, Vatican II and Phenomenology – Reflections on the Life-World
of the Church, Martinus Nijhoff Publishers 1985, Dordrecht,, p. 93,
nota 26).A noesis
seria então o ato de apreensão dos fenômenos, enquanto o noema seria o
apreendido, a impressão que o fenômeno produz na consciência.Com essa
distinção, Husserl queria superar o antigo problema da oposição entre ser e
fluxo, que vinha desde Heráclito e Parmênides, assim como a distinção entre
sujeito e objeto, que angustiara os românticos e idealistas.Como isso
contrasta com a simplicidade claríssima da epistemologia escolástica!Como isso
faz lembrar o comentário de São Paulo, quando disse: “Virá um tempo em que
os homens não suportarão a sã doutrina, mas multiplicarão para si mestres
conformes a seus desejos, pelo prurido de ouvir. Afastarão os ouvidos da
verdade, e os aplicarão às fábulas” ( II TIM. Iv, 4).Exatamente
o que fizeram os Bispos modernistas: acolheram as fábulas de Husserl. Fecharam
a sabedoria católica “entre parênteses” para dar ouvidos à sereia
fenomenológica.Disso saiu
o modernismo relativista, como fiho da epoché que pôs a fé, e até Deus, entre
parênteses.
Como
conseqüência, a Fé ficou obnubilada e a crise conciliar auto-demoliu a Igreja,
permitindo que a fumaça de Satanàs, sob forma fenomenológica entenebrecesse a
Luz da Verdade.Como
Husserl é tido como um grande gênio, um “filósofo”, ---e alemão por cima –
engolem-se suas fábulas, que, na verdade, são um xarabiá para fraudar
presunçosos e fazer triunfar a Gnose modernista. Pois como se pode aceitar que
se explique sua doutrina, afirmando: “não partimos da macieira em
si, porque dela nada sabemos, nem da macieira representada,
porque também dela nada sabemos”, e, depois, que se afirme
gratuitamente que “É preciso partir das coisas mesmas, isto é, da
“macieira-enquanto-percebida”, e todo o blá-blá-blá posterior dessa
citação de Monsenhor Urbano Zilles?Assim como
se nega a existência da macieira se negou a existência de Cristo.O mundo,
tendo perdido a Sabedoria, tem medo de recusar um palavreado enganador, pseudo
filosófico. E alemão. Falando de Erlebnis e de epoché.Pois, como
já vimos, em lugar de estudar as coisas, a Fenomenologia pretendia estudar o
que a consciência humana apreende por intuição.A
Fenomenologia afirma que o órgão da razão como meio de conhecimento, seria a
intuição (Cfr. N. Abbagnano, op. cit., Vol. VI, p. 439) e que o conhecimento
humano não é perfeito. Na Fenomenologia, há uma negação de que se possa chegar
à verdade sobre o real.Da
realidade teríamos uma impressão pessoal, uma experiência inefável impossível
de ser comunicada intelectualmente. Exatamente como diziam os modernistas.
Exatamente como foi condenado por São Pio X na Pascendi.A
Fenomenologia em vez de estudar os seres—ela os coloca entre parênteses-- dizia
que se deveriam estudar apenas os fenômenos da conciência:“Fenomenologia
(do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou que se mostra, e logos,
explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência os quais
devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a
esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado
por uma palavra que representa a sua essência, sua
"significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos
apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas
essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas
(noema) (Cfr. por Rubem Queiroz Cobra, Site original: www.cobra.pages.nom.br).Husserl
designa como “fenômeno tudo o que está presente intencionalmente à
consciência, sendo para esta uma significação” (Monsenhor Urbano
Zilles, Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia
e a Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p. 7).E “mundo”,
para Husserl, seria o conjunto dessas significações para a consciência.Note-se
que os termos “intencionalmente”, “significação”, “Mundo”
são usados num sentido particular que não é logo definido, deixando o leitor
envolto em brumas terminológicas que vão tendo significados vagos e equívocos,
fora do sentido normal, próprio. É isso que gera confusão. É isso que faz da
Fenomenologia uma filosofia esotérica.Tais
fenômenos experimentados na conciência como experiências pessoais vividas,
seriam as vivências, intuições inefáveis, que Husserl denominava com o termo
alemão “Erlebnis”.A
Erlebnis é que nos daria o verdadeiro conhecimento, e não a abstração.O termo
“experiência” (Erlebnis) fará carreira notável na terminologia modernista, e
será condenado por São Pio X na encíclica Pascendi.Como fará
carreira também no Modernismo aplicado à arte.
Toda a
Arte Moderna desprezava a razão e, por isso mesmo, buscava reviver na pintura
as experiências infantis anteriores ao uso da razão. Como também se
agradava com a arte dos loucos –que não usam a razão –e com a arte dos
selvagens, que, como as crianças, a usam pouco, ou imperfeitamente. A escola
naïve é um exemplo claro disso. Ela buscava exprimir uma experiência
originária, infantil, em que a racionalidade ou é banida, ou pouco aparece.
Husserl distinguia duas atitudes face às
coisas extra mentais:
1.
Uma atitude “natural”—empírica –
diante das coisas, como faz o comum das pessoas, acreditando na existência do
mundo exterior;
2.
Uma atitude transcendental –
filosófica – na qual evidente seria só o mundo enquanto consciente, no homem.
E
repare-se que, na Fenomenologia, transcendente seria a coisa concreta
(existente ou não, não se discutia isso); e transcendental seria a intuição, o
noema da coisa, na consciência. E esse é outro exemplo de arbitrária atribuição
de significados a termos usados em sentido fora do normal, e que confunde o
leitor não iniciado.Dessas
arbitrariedades terminológicas veio a ilusão de muitos que julgaram que a
Fenomenologia seria objetivista e anti idealista, pois que Husserl iludia
exigindo uma “volta às coisas mesmas”. Voltar às coisas como apareceram
na mente infantil, nas “impressões primeiras” - “A
tarefa da Fenomenologia é, pois, estudar a significação das vivências da
consciência” (Monsenhor Urbano Zilles,
Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a
Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p. 18).Veja-se,
na seguinte explicação de Monsenhor Urbano Zilles, como a Fenomenologia de
Husserl não é realista e nem puramente idealista:“Como
filósofos, segundo Husserl, devemos orientar-nos para o mundo interior, que [ele]
chama de transcendental enquanto chama o mundo exterior de transcendente.
Deste modo, o ser transcendente é o ser real ou empírico, enquanto o
transcendental é o irreal ou ideal, mas não fictício. Propõe-se explorar as
riquezas da consciência transcendental, pois, segundo ele, o filósofo não
precisa recorrer ao mundo transcendente [real]. Cabe-lhe buscar a
evidência apodítica indubitável na subjetividade transcendental [ideal]
através da descrição dos fenômenos puros. Só na volta “às coisas mesmas”
o filósofo encontrará a realidade plena. Portanto, a fenomenologia não se propõe
estudar puramente o ser, nem puramente a representação do ser, mas o ser tal
como e enquanto se apresenta à consciência como “fenômeno” (Monsenhor
Urbano Zilles, Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade
Européia e a Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p. 18).Portanto,
nem empirismo objetivista, nem idealismo subjetivista, mas só as “Erlebnis”.
A Fenomenologia pretende se colocar num ponto de encontro dialético do
empirismo ingenuamente objetivista como um novo idealismo subjetivista das
Erlebnis.Vejamos
como a Fenomenologia procurava unir objetivismo e subjetivismo, empirismo e
novo idealismo, Parmênides e Heráclito.
Husserl distingue três elementos no
processo fenomenológico da apreensão experimencial dialética entre os dados da
sensação e as vivências deles:
1.
os dados de sensação que esboçam o
objeto;
2.
o sentido do objeto realizado pela
experiência doadora de sentido através da análise intencional;
3.
o próprio objeto como
finalidade (telos) de toda Leistung subjetiva.
O
que Husserl considera ser o sentido do objeto seria a sua essência.Na
escolástica, essência é o que torna o ser o que ele é.Na
Fenomenologia, essência é o existente concreto.Vejamos
como:“A
intuição da essência (...) é a visão do sentido ideal que atribuimos ao
fato”, nos diz Monsenhor Urbano Zilles, expondo a doutrina de Husserl
(Mons. Urbano Zilles, A Fenomenologia Husserliana como Método Radical,
in Introdução à obra de Edmund Husserl, A Crise da Humanidade Européia e a
Filosofia, EDUPUCRS, Porto Alegre, 1996, p. 21).E haveria
tantas essências quantas significações nossa consciênca pode dar aos fatos ou é
capaz de produzir (Cfr Mons. Urbano Zilles, ob cit, p. 22).Na
concepção escolástica a essência é algo abstrato. Para Husserl, a essência é
concreta.Para a
escolástica, o conhecimento sensível é diferente do conhecimento por abstração.Para a
Fenomenologia de Husserl a diferença entre o conhecimento sensível e o
intelectual é somente de grau e não de natureza.Para a
Fenomenologia, se a essência é o individual concreto, o existente, entâo “as
coisas só podem ser individuais, o conhecimento perfeito, absoluto, só pode ser
o conheciemnto do individual e coincidência com este. A essência nada mais é do
que um meio para atingir o individual, um intermediário que Husserl definiria
de bom grado como um intermediário dialético, ou seja, um momneto destinado a
ser ultrapassado por uma visâo pura” (André de Muralt, A Metafísica do
Fenômeno, editora 34, São Paulo, 1998, p. 74).Para
Husserl a essência—o sentido dado ao objeto—faz a consciência possuir o próprio
objeto ao intui-lo na sua experiência interior. Desse modo a essência do objeto
é o objeto existente. E isso coloca a Fenomenologia como um nominalismo
existencial muito semelhante ao de Guilherme de Ockham. Por isso escreveu
Muralt:“A
idéia de intencionalidade é o próprio existir concreto. A essência
identifica-se ao individual, a filosofia das essências à descrição existencial.
O idealismo fenomenológico é um empirismo nominalista” (André de Muralt, A
Metafísica do Fenômeno, editora 34, São Paulo, 1998, p. 83).Cada
existente seria único. Seria o único indivíduo de sua espécie. Cada indivíduo
concreto seria o universal de sua espécie. Por isso, Husserl falava de
universal-concreto. Consideramos
bem útil esclarecer o que Husserl entende por essência, porque também no uso
desse termo ele pratica uma anfibologia terminológica que ilude a muitos.De um
lado, Husserl pretendia ter descoberto um novo empirismo.Para isso,
ele criou o método fenomenológico, no qual admitia “um “concreto-universal”
- o noema -- servindo como meio de ligação entre a necessidade de sentido
no homem, e a experiência esmagadora de que os fenômenos estão em estado
de fluxo. A historicidade era, então, para Husserl, uma dessas
conceitualizações de via média que só obtém melhor sentido no fitar da
contemplação fenomenológica. Embora os noemata (e sua constituição) sejam
derivados da temporalidade, envolvidos com a polaridade, e mesmo progressivos
com a temporalidade (duração, fluxo), entretanto eles são repositórios de sentidos,
e, por conseguinte, implicam num “sentido” estrutural no fluxo da experiência”
(Padre John F. Kobler, Vatican II and Phenomenology – Reflections on the
Life-World of the Church, Martinus Nijhoff Publishers 1985,
Dordrecht,, p. 128. Os destaques são do autor).“A
redução eidética.
Reconhecido o objeto ideal, o noema, o objeto da percepção, o passo seguinte é
sua “redução eidética”, redução à idéia (do grego eidos, que significa idéia ou
essência). Consiste na sua análise para encontrar o seu verdadeiro significado.
Isto porque não podemos nos livrar da subjetividade e ver as coisas "como
são" – o que é o real, uma vez que em toda experiência de consciência está
envolvido o que é informado pelos sentidos e também o modo como a mente enfoca,
trata, aquilo que é informado. Portanto, dar-se conta dos objetos ideais,
uma realidade criada na consciência, não é suficiente - ao contrário: os varios
atos da consciência precisam ser conhecidos nas suas essências, aquelas
essências que a experiência de consciência de um indivíduo deverá ter em comum
com experiências semelhantes nos outros” (Cobra,
Rubem Queiroz, Fenomenologia. Filotemas, Site www.cobra.pages.nom.br,
Internet, Brasília, 2001, rev. 2005 - www.geocities.com/cobra_pages" é
"Mirror Site" de www.cobrapages.nom.br).Como
vimos, Husserl suspende o juízo sobre a existência ou não do mundo exterior
[trancendente] por meio da epoché. Diz que não duvida de sua existência. Mas
também não a afirma. Coloca o mundo exterior “entre parênteses”.
Desinteressa-se dele. Não quer saber se existe ou não existe esse mundo
exterior. Husserl o reduz a fenômeno da consciência por meio da redução
fenomenológica que faz o transcendente tornar-se transcendental, interior, vivência.
A epoché permite reduzir o transcendente à esfera transcendental.A
Fenomenologia é pois análise descritiva das vivências interiores.Daí que,
para a Fenomenologia, assim como o objeto do conhecimento é algo em fluxo,
assim também o conhecimento é também um devir que jamais alcança seu objeto.
Jamais se teria a verdade, mas teríamos apenas uma aproximação dela. Ninguém
teria o conhecimento da verdade. Ela seria um devir inalcançável.Esse
problema nos é esclarecido melhor pelo que escreveu André de Muralt, quando nos
diz que, segundo a Fenomenologia de Husserl, “ o quid essencial da coisa não
está na própria coisa, mas fora dela” (André de Muralt, A Metafísica
do Fenômeno, ed. cit., p. 33).Entre a
idéia e o real haveria uma identidade dialética em perpétuo fluxo:“Isso
porque a dialética da idéia e do real nos ensinou que o fato se define
extrinsecamente pela idéia: o fato não possui em si mesmo sua essência, mas
tende a realizá-la mais ou menos adequadamente. O que significa dizer
que a transcendência da idéia incita uma operação de realização da qual
ela mesma é o termo. E Husserl afirma muitas vezes que a idéia é um fim,
uma idéia –fim (Zweckidee, Zielidee). Ora a idéia nada mais é que a
essência do fato ( das reine Wesen) e, ao mesmo tempo, o telos de sua
realização essencial; a essência é ao mesmo tempo forma e fim do fato)
(André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, ed. cit., p. 34).Para
Husserl, há uma reciprocidade dialética entre idéia e fato:“É
desse modo que podemos compreender a ambiguidade própria da idéia, ao mesmo
tempo, imanência intencional e transcendência irreal. A idéia é essênca, forma
do fato, o fato participa, portanto, da idéia, ou seja, possui intrinsecamente
uma participação da idéia. Ora, precisamente o fato não é sua essência, ele
apenas a possui, dela participa. O em si, a forma essencial do fato, é,
portanto exterior ao próprio fato, a idéia é portanto transcendente e, por
isso, medida e forma a priori do fato” (André de Muralt, A
Metafísica do Fenômeno, ed. cit., p. 35).“Idéia e
fato são, com efeito, simultâneos e implicados constitutivamente um no outro.
As duas dimensões da intencionalidade não devem nos conduzir a uma escolha
arbitrária entre o fato e a idéia: ambos são recíprocos, participam da mesma
unidade dialética e, portanto, da mesma identidade “real” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, ed. cit., p.
49).“Eis
porque o exemplarismo de Husserliano é recíproco: o fato constitui a idéia, e a
idéia constitui o fato” (André de
Muralt, A Metafísica do Fenômeno, ed. cit., p. 50, nota 16).Para
Husserl, somente a idéia seria evidente e racional, e o fato concreto,
por isso mesmo, seria dialeticamente não evidente e irracional ( Cfr. A.de
Muralt, op. cit ., p. 45).Esse mesmo
autor -- André de Muralt—vai afirmar que “O princípio fenomenológico da
primazia absoluta da subjetividade é salvaguardado sob um modo puramente
prático” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, editora 34, São
Paulo, 1998, p. 59).A
Fenomenologia é, pois, uma tentativa de síntese dialética entre o fixismo de
Parmênides e o fuxo de Heráclito, por meio dos noemata, isto é, da concepção de
um “universal-concreto” que uniria objetividade e subjetividade,
platonismo e nominalismo, na consciência, mas sempre recusando entidade aos
fenômenos.Pode-se
pois afirmar que, para a Fenomenologia, a essência é o existente concreto. O
que conduz ao nominalismo e ao existencialismo.É o que
nos explica André de Muralt:“’Não
há essência independente da existência. Ao contrário, a essência do homem é
existir, razão pela qual nenhuma essência está aí a priori (não precede) a fim
de orientar esse exercício de ser. A existência será essencialmente
liberdade. Portanto, o homem existe antes de ser este ou aquele, mas quem
determina o que ele quer ser senão ele mesmo, isto é, sua liberdade? É pois a
existência quem determina a essência do homem, a existência precede a
essência, o que já é uma afirmação autenticamente husserliana, na medida em
que a fenomenologia reduz a dualidade das dimensôes da intencionalidade tão
somente à dimensão descritiva, ou, mais exatamente, identifica uma e outra
dimensão. A existência prescreve a essência, assim como o devir prescreve
a idéia. Sendo o devir dessa existência a eclosão da liberdade, o homem
torna-se aquilo que ele quer ser. Ele se cria livremente, é para si mesmo
sua própria medida, assim como a fenomenologia é para si mesma sua própria
lógica, como a subjetividade transcendental é a medida de toda objetividade
constittuída. O homem é “seu artista” e seu agir moral adquire, assim,
um modo estético e exemplar” ( André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno,editora
34, Sâo Paulo, 1998, p. 59).
Da
Fenomenologia, claramente nominalista, tinha que derivar o Existencialismo
A
Fenomenologia, assim como toda a Filosofia moderna é governada por uma teoria
do conhecimento ou gnóstica irracionalista e intuitiva, como a de Mestre
Eckhart, ou pela teoria do conhecimento racionalista e nominalista
nascida de Ockham.
A doutrina
da Gestalt ou a Ilusão do Conhecimento
As teorias
modernas da Gestalt nasceram no século XIX, quer na Psicologia, quer na
Filosofia, e tiveram papel importante na Fenomenologia, na Teologia, e na Arte
Moderna, particularmente no Surrealismo de Salvador Dali.Não
pretendemos estender-nos aqui na exposição dessa teoria, e dos problemas
surgidos entre a Psicologia gestáltica e a Fenomenologia de Husserl. Diremos
dela apenas o mínimo necessário para se compreender em que sentido ela teve
relação com a doutrina do conhecimento da Fenomenologia .“A Gestalt
é a dinâmica “figura e fundo” que opera no interior dos processos de
auto-regulação organísmica junto ao meio” (Marcos
José Muller-Granzotto e Rosane Lorena Granzotto, Gênese Fenomenológica da
Noção de Gestalt na revista do X Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica,
Número 10, 2004).Os autores
desse artigo acima citado reconhecem que foi “a partir da investigação
fenomenológica do conhecimento que a noção de Gestalt adquiriu status teórico
e, na teoria de Perls, o nome de self”.Foi Franz
Brentano, o mestre de Husserl, quem primeiro procurou distinguir entre o objeto
físico e objeto psíquico, isto é, como se dava a percepção dos objetos como
imagem nas consciências. Brentano admitia que os objetos eram, em certo
sentido, “construções da subjetividade”.Os
fenômenos físicos seriam relacionados com a experiência material, enquanto que
os fenômenos psíquicos eram produto de uma experiência totalizante interior. Os
fenômenos psíquicos seriam produto de um “modo intencional de nossa existência”.Para
Husserl, assim como os objetos matemáticos eram constituídos por intuições, e
não a partir de fenômenos físicos, assim também se daria com os fenômenos
psicológicos. É o que se nos explica no artigo citado de Marcos José
Muller-Granzotto e Rosane Lorena Granzotto.Para
Husserl, assim como para Brentano, nossas intuições não são ocorrências às
quais podemos atribuir características positivas. Elas são vivências de cada um
de nós e desde as quais nossos atos podem constituir objetos.A psicologia
descritiva de Husserl visava descrever intuições que fossem, em verdade,
fenômenos psíquicos intersubjetivos.Em 1923,
Wertheimer apresentou os princípios da organização da percepção. Esses
princípios e suas respectivas definições são os seguintes:
“ 1)
proximidade: os elementos próximos no tempo ou no espaço tendem a ser
percebidos juntos;
2)
similaridade: sendo as outras condições iguais, os elementos semelhantes tendem
a ser vistos como pertencentes à mesma estrutura;
3)
direção: tendemos a ver as figuras de maneira tal que a direção continue de um
modo fluido;
4)
disposição objetiva: quando vemos um certo tipo de organização, continuamos a
vê-lo, mesmo quando os fatores de estímulo que levaram à percepção original se
tornam agora ausentes;
5) destino
comum: os elementos deslocados, de maneira semelhante de um grupo maior, tendem
eles próprios, por sua vez, a serem agrupados;
6)
pregnância: as figuras são vistas de um modo tão “bom” quanto possível, sob as
condições de estímulo, de onde se segue que a boa figura é uma figura estável,
que não pode se tornar mais simples ou mais ordenada por um deslocamento
perceptual” (Marcos José Muller-Granzotto
e Rosane Lorena Granzotto, Gênese Fenomenológica da Noção de Gestalt
na revista do X Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Número 10, 2004).Husserl
procurou separar a doutrina da Fenomenologia sobre a percepção dos objetos, do
que dizia a teoria da Psicologia Gestáltica.Edgar
Rubin - um discípulo de Husserl -- manteve-se fiel ao projeto de uma psicologia
eidética – com relação ao binômio “figura-fundo”. O interesse de Rubin
era compreender nossas vivências de percepção espacial. Ou, por outras
palavras, Rubin queria entender as essências implicadas no processo de
construção de representações objetivas do espaço.Rubin
introduziu “as expressões “figura” – para designar o correlato objetivo do
ato de visar, em um dado material, uma unidade de sentido – e “fundo” – para
indicar a ocorrência intuitiva de um campo de presença formado por perfis que,
como tais, não são experimentados materialmente. No experimento do vaso, Rubin
mostra como a representação de uma certa figura (por exemplo, o vaso), depende
do que eu ofereça, para um certo dado material (a parte branca do desenho), um
certo horizonte (fundo) de perfis, em detrimento dos outros dados matériais
presentes ao lado do dado visado (e que assim se tornam quase imperceptíveis,
como é o caso das partes pretas, no experimento de Rubin). Ademais, em favor de
sua teoria, Rubin mostra que posso tranqüilamente visar, na mesma base
material, uma outra figura, desde que eu escolha outro dado material, fazendo
desaparecer o dado de antes em proveito de outros perfis retidos. E eis que
posso, na mesma configuração material em que percebi um vaso, reconhecer duas
faces desenhadas de perfil” (Marcos José Muller-Granzotto e Rosane
Lorena Granzotto, Gênese Fenomenológica da Noção de Gestalt na revista
do X Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Número 10, 2004).( Ver a figura
desse vaso, pouco mais adiante).Contra a
posição da Psicologia gestáltica, Husserl recusava partir do que se tem como
coisa, ente, substância. Queria partir apenas das vivências, por meio do ponto
de vista transcendental e não empírico. Devia-se partir da visão transcendental
e não dos objetos. “Husserl
propôs uma “redução” do domínio da fenomenologia, o que significou limitá-la à
descrição estritamente dinâmica dos processos de constituição de objetos a
partir de intuições (redução eidética) e à descrição estritamente dinâmica da
vivência (subjetiva e intersubjetiva) dessas intuições (redução
transcendental). De onde se depreendeu uma fenomenologia das essências, agora
entendidas não como vividos “dos sujeitos psicofísicos, mas como vividos
constituidores da subjetividade empírica. Trata-se, em verdade, de processos
transcendentais, que Husserl reuniu sob o título de “ego transcendental”,
querendo com isso designar não a minha individualidade, mas a minha implicação
no todo” (Marcos José Muller-Granzotto e Rosane Lorena
Granzotto, Gênese Fenomenológica da Noção de Gestalt na revista do X
Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, Número 10, 2004).Tudo isso
visava negar que o homem fosse capaz de captar o real. Assim como os sentidos
materiais não conseguem alcançar a realidade fenômenica—existisse ela, ou
não—assim também a consciência não teria possibilidade de conhecimento
objetivo.Daí, os
“sofismas” fenomenológicos levaram à elaboração de inúmeras figuras que,
empregando ilusões óticas,—especialmente na obra de Salvador Dali – visavam
provar que os sentidos enganam o homem.Esse jogo
de ilusões e enganos fez sucesso, tanto os homens amam a mentira.
Multiplicaram-se as figuras enganosas.O objetivo
dessa figura seria significar que aquilo que se vê não existe. O que nâo se vê,
existe. Noutras palavras, o ser não existe, mas o não-ser existe.Esse jogos
de ilusão ótica serviram ao Surrealismo, movimento gnóstico que condenava o
mundo criado e que buscava outrra realidade supoerior àquela feita por Deus. E,
para que nâo se julgue que exageramos, confira-se a declaração de André Breton,
líder do Surrealismo, que, num manifesto datado de 1953, confessou que para se
entender essa nova escola de arte, dever-se-ia seguir o fio condutor da
Gnose:“(...)
o grande recurso de que dispõe é a intuição poética. Ela, enfim, libertada no
Surrealismo, apresenta-se não só como assimiladora de todas as formas
conhecidas, mas ousadamente criadora de novas formas – ou seja, em posição de
abranger todas as estruturas do mundo, manifestado ou não. Só ela nos
provê o fio que remete ao caminho da Gnose, enquanto conhecimento da realidade
supra-sensível, “invisivelmente visível num eterno mistério” (André Breton,
Do Surrealismo em suas Obras Vivas, in Manifestos do Surrealimo, Editora
Brasiliense, Sâo Paulo, sem data, p.231).Talvez o
maior pintor surrealista, Salvador Dali, tenha sido o mais hábil em fazer
esses jogos de ilusâo ótica.
A
Intencionalidade e a adequação fenomenológicas
A
Fenomenologia usou vários termos da filosofia escolástica, mas em sentido
completamente diferente. Assim, na teoria do conhecimento e dos juízos, ela
usou termos como intencionalidade e adequação, mas dando-lhes uma conceituação
completamente diferente da tomista.A
Fenomenologia tem como doutrina central a idéia de intencionalidade. Husserl
herdou tal idéia de Franz Brentano.O termo
intencionalidade provém da escolástica, que o usava no estudo dos atos da
vontade, mas que será usado por Husserl em outro sentido.Para São
Tomás, no ato da vontade, se dá uma tendência da vontade para com o objeto
desejado como coisa real que o sujeito quer possuir. “A intenção quer ter a
coisa desejada; ela não a possui, ainda não a desfruta realmente, in re, mas
a possui em sua tendência mesma, incoativamente” (André de Muralt, A
Metafísica do Fenômeno, Editora 34, São Paulo, 1998, p. 63. Edição original
francesa Vrin, Paris, 1985).Já na
Idade Média, passou-se esta noção de intencionalidade para o ato
intelectivo, mas com adaptações, pois se no ato volitivo se dá um impulso da
vontade para o bem desejado, e a vontade só repousa quando possui o bem
desejado in re, no ato da intelecção, não se dá a posse do que é
conhecido in re, mas apenas formalmente, como idéia concebida por
um processo abstrativo. O intelecto possui o objeto entendido como conceito, e
não em si mesmo.Enquanto a
intencionalidade volitiva é uma tendência para um objeto real que a vontade
quer e pode alcançar imediata e realmente, a intencionalidade no intelecto é
uma tendência a apreender o objeto como conhecido apenas, enquanto idéia
correspondente à forma substancial do objeto conhecido. Há, pois, na
escolástica, uma diferença muito grande entre a intencionalidade volitiva e a
intelectiva.Para
Husserl, “a intencionalidade é a tendência constitutiva da consciência para
o objeto” (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, editora
34, São Paulo, 1998, p. 13).Para
entender isto, esse autor – Muralt – dá o exemplo de um cubo tal como ele é
visto por nós. Do cubo, à primeira vista, podemos ver apenas duas, ou no máximo
três faces. Como então fazemos idéia de que ele é um objeto de seis faces
iguais? Porque o que vemos jamais é o cubo inteiro. Nossa percepção do cubo não
é total. Não é completa. Jamais vemos o cubo de modo completo, porque, de cada
ponto de vista que o examinarmos, veremos somente partes dele, jamais o cubo
completo, de uma só vez.Para a
Fenomenologia, ou temos um conhecimento absoluto, como o de Deus, ou nada
conhecemos. Ou tudo, ou nada. Como na Gnose, para a qual ou o conhecimento é
divino, ou é totalmente falso. Todo conhecimento humano seria falso por se
basear nos sentidos materiais e na razão. No exemplo da percepção de um cubo
ver-se –ia o fracasso dos sentidos e da razão, incapaz de compreender o objeto.
Ela nos daria apenas elementos esparsos, e jamais o total do objeto.“A
intencionalidade husserliana, no presente caso, [do cubo] visa, através
de um ajuntamento de dados de sensação confusos e sem ordem, um objeto
transcendente do qual ela mesma constitui o sentido de maneira imanente. Pois é
realmente a consciência que elabora o dado de sensações, que dá sentido aos
“apareceres” sucessivos do objeto, ao unificá-los numa unidade intencional: é
ela, portanto, que constitui o sentido do objeto” (André de Muralt, A
Metafísica do Fenômeno, editora 34, São Paulo, 1998, p. 70).Seria,
pois, a intencionalidade que constitui o objeto como experiência da
consciência.A
intencionalidade husserliana tem como ponto de partida a subjetividade
transcendental (André de Muralt, A Metafísica do Fenômeno, editora
34, São Paulo, 1998, p. 13).De
passagem, percebe-se nesse delírio a origem da corrente cubista da Arte
Moderna, como tambem é a teoria da Gestalt que vai inspirar o Surrealismo.
Assim como a heresia do Modernismo teológico se fundamentou no kantismo e na
Fenomenologia, o mesmo se deu com o Modernismo na Arte. Não é à tôa que os
hereges modernistas gostam do Modernismo artístico. Na Filosofia, na Teologia e
na Estética, o Modernismo é o mesmo.Para a
Fenomenologia, só temos a visão completa do cubo pela intencionalidade.Salienta
Muralt que, “a partir dessa definição, foi possível acreditar num
realismo husserliano, realismo da consciência ordenada ao ser, realismo do ser
corrrelativo à consciência. De fato a noção de intencionalidade, numa certa
dimensão, não tem como defender-se de tal interpretação, e esperamos mostrar
quanto e porque ela é errônea, na medida em que conduz a uma descrição realista
de uma lógica idealista que apresenta, como iremos ver, indubitáveis
ressonâncias platônicas”. (André de Muralt, A Metafísica do
Fenômeno, editora 34, São Paulo, 1998, p. 13).“A
fenomenologia começa por descrever o objeto fáctico dado na experiência natural
reduzida. Apenas este objeto é dado intencionalmente, e a consciência, que é,
no entanto, a origem intencional do objeto, é apenas o pré –suposto
fundamental” - “O que se
deve entender aqui por objeto? De maneira geral,é o objeto überhaupt,
toda a objetividade, tanto o objeto da percepção, O Ding, quanto o
objeto categorial que é o juízo, quanto enfim, a própria ciênia enquanto
objetividade ideal. Este objeto se dá na experiência imediata, neste puro
espetáculo que o fenomenólogo se reserva instalado na epoché” (Apud André de Muralt, A Metafísicado Fenômeno, editora 34, São
Paulo, 1998, p. 16).Agora,
estudando Fenomenologia, compreendi o que é a famosa “Erlebnis”—a experiência
inefável, intuitiva, irracional, pessoal, inefável, interior -- de Husserl e
dos modernistas, condenada por São Pio X, na Pascendi.Uma ilusão
anti sapiencial, e, portanto, inumana.Bendito
seja Deus que nos fez à sua imagem e semelhança, ao nos dar inteligência e
vontade.Bendito
seja o Verbo de Deus encarnado, Jesus de Nazaré, Cristo Redentor que nos disse:
“A verdade vos libertará”.Bendita
seja a Sabedoria da Igreja que nos ensina a Verdade católica, que nos liberta
de toda ilusão, de toda miragem irracional da realidade criada por Deus,
realidade que é boa e verdadeira.Sem
ilusões inefáveis. Sem o falso maravilhoso do vidro que pretende passar por
brilhante.Que Deus
nos livre das lendas, dos mitos e das miragens. Infantis ou históricas
Só Deus
basta.
Só Deus,
que tudo fez sapiencialmente é bom.
Só Deus
não decepciona.
Só Deus
basta!
Os cegos gnósticos do Zen Budismo e os cegos fenomenológicos
Há um
conto zen budista que narra como cinco cegos procuravam conhecer um elefante.
Um deles se agarrou a uma das patas do elefante, e declarou que esse animal era
um tronco de árvore. Outro, pegando nas presas do elefante, contestou o
primeiro, dizendo que o elefante era, sim, um animal bis cornuto. Um terceiro
cego, apalpando o dorso do elefante, afirmou convicto que o elefante era uma
parede rugosa. O quarto cego, por sua vez, pegando o elefante pela tromba
garantiu com firmeza que o elefante era uma grande gibóia. Finalmente, um
quinto cego, tendo agarrado o rabicho do elefante, achou que ele era uma
pequena serpente com pelos na cabeça.Claro que
eles podiam conhecer ainda o cheiro do elefante e mesmo lambê-lo, para saber
que gosto ele tinha. Nenhum deles jamais conheceria a cor do elefante.Essa lenda
da Gnose oriental visa enganar o neófito, fazendo-o crer que o homem está
diante da realidade como esses cegos diante do elefante. A realidade seria
incognoscível para nós, que dela teríamos apenas aspectos parciais sem jamais
alcançarmos o que ela de fato é. Por isso, um homem convicto de seus
conhecimentos, um homem que tivesse certezas, seria ou um ignorante presunçoso,
ou um fanático que desejaria impor sua visão parcial e deformadora da realidade
como verdade objetiva e absoluta.Assim
também estariam as religiões face à Divindade: elas teriam da Divindade uma
visão parcial, conhecendo um ou outro aspecto dela, mas jamais teriam dela o
conhecimento pleno ou verdadeiro. E o homem religioso, que quisesse convencer a
outros de que sua religião seria a única verdadeira, seria ou um fanático, ou
um ignorante, senâo a soma de ignorância e de fanatismo.Foi o que
declarou no Osservatore Romano, em 1968, três anos após a desgraça conciliar,
Jean Sullivan, que no livro Matinales(Paris 1976) defendeu a
incompatibilidade da Fé com a certeza, conforme contou Romano Amerio em seu
excelente livro Jota Unum:“Os
crentes se imaginam que a Fé caminha com a certeza. Puseram-lhes isso na
cabeça. É preciso desconfiar da certeza. As certezas, em geral, se fundamentam
em quê? No não aprofundamento dos conhecimentos” (Apud Romano Amerio, Iota Unum, Riccardo Ricciardi Editore
, Milano- Napoli, 1985, p. 300). E ainda: “O Cardeal Léger na LXXXIV
Congregação (Osservatore Romano, 25-26 de Setembro de 1963) sustentou:
“Muitos reputam que a Igreja exige uma unidade muito monolítica. Nos últimos
séculos instaurou-se uma unidade exagerada no estudo das doutrinas” (Apud
Romano Amerio, Iota Unum, Riccardo Ricciardi Editore , Milano-
Napoli, 1985, p. 298).Em vez da
missão, fanática e ignorante, dever-se-ia estabelecer o diálogo inter
religioso, no qual cada religião contribuiria com sua visão, e estaria aberta a
todas as demais visões religiosas. Seria na complementação dos conhecimentos
obtida pelo diálogo que os homens se aproximariam do conhecimento da Divindade,
sem todavia jamais alcançar esse conhecimento que fugiria como um horizonte
foge diante de um observador.
A NOVA HERMENÊUTICA:
HANS GEORG GADAMER
Da
Fenomenologia de Husserl e do Existencialismo nihilista de Heidegger, nasceu a
Pós Modernidade. Também ela, pelo menos, por alguns de seus pensadores, recusa
que o homem possa conhecer o real e a verdade.Por isso
diz Tomás Melendo:“Interessa
insistir em que tudo isso se soma à crise de racionalidade que examinávamos
antes entre os epistemólogos de nosso século. Por que? Porque também a pós
modernidade débil implica sobretudo na anulação absoluta do sentido da verdade
e de qualquer racionalidade possível. Como queria Nietzsche, tudo é falso:
"simplesmente, já não existe razão alguma para imaginar um mundo
verdadeiro" [Nota 206: M. HEIDEGGER, Nietzsche, ed. francesa cit., vol.
II, p. 51. Apud T. Melendo, op. cit., p. 89).A
hermenêutica contemporânea de Hans-Georg Gadamer autor do livro Verdade e
Método (Wahrheit und Methode) opõe-se a E. D. Hirsch (Validity in
Interpretation) defendendo a tese de que o sentido de um texto objetivamente
não corresponde à intenção de quem o redigiu, visto que cada leitor se une
inseparavelmente ao texto que lê. Desse modo, todas as interpretações de um
texto resultam da consicência pessoal do leitor e não simplesmente do texto tal
qual ele aparece.Gadamer
ainda admite que seja possível uma certa aproximação da verdade do ser, não se
conseguindo, porém, jamais alcançar o real e sua verdade ontológica plenamente.Que se nos
perdoe a longa citação abaixo de Tomás Melendo, que colocamos aqui, pela
clareza de sua exposição:“Assim o
explica Pegueroles, manifestando simultaneamente as luzes e as sombras, e a
peculiaridade exclusiva, da Hermenêutica:
1.
A verdade hermenêutica é uma verdade sem critério. Não há critério de verdade
na hermenêutica. A beleza da Nona Sinfonia de Beethoven nem se pode verificar,
nem se pode demonstrar.
"2.
Como distinguir então entre a beleza e a não beleza, entre uma grande filosofia
e uma filosofia sem valor? Há dois caminhos. Primeiro, a experiência. Somente um
homem de muita experiência artística, filosófica… (um homem formado) será capaz
de julgar com acerto. Segundo, o diálogo. Dois homens entendidos (em arte, em
filosofia) é possível que cheguem a se por de acordo na verdade.
"3. A
verdade hermenêutica é uma verdade sem erro. Na hermenêutica, o contrário da
verdade não é o erro, mas sim a não verdade. A verdade hermenêutica se dá em
uma experiência (de beleza, de valor). Ora, pois, a experiência, ou se dá, ou
não se dá. Ou há experiência, ou não há experiência. Não há experiências
falsas. A experiência é sempre verdadeira."Aquilo
que viu um grande filósofo é verdade, disse alguém magistralmente. Depois, o
leitor de Platão verá ou não verá essa verdade que viu Platão. Não há um Platão
falso. O pedaço de chumbo dourado que eu tomo por ouro, não é ouro falso, é não
ouro (Heidegger).
"4. A
verdade é histórica e, portanto, finita. Está condicionada pela história e
especialmente pela linguagem do leitor do texto. A hermenêutica de Gadamer
afirma ao mesmo tempo, a verdade e sua finitude. O homem não conhece a verdade
absoluta (Hegel), mas apenas seu modo de se dar desde sua situação. Ora bem,
essa finitude é uma riqueza. Os modos de dar-se de uma grande obra de arte são
infinitos. Nunca chegaremos ao termo de nossa experiência da Nona Sinfonia ou
do Dom Quixote.
"5.
[…] Lia há pouco que na hermenêutica primeiro se dá a compreensão e,
depois, a valorização do compreendido. O autor não tinha entendido nada. Essa
distinção entre compreensão e crítica ou, o que dá no mesmo, entre sentido e
verdade, é própria da ciência, não da filosofia (ou da hermenêutica, que é seu
outro nome)."Se
compreendo Platão, me entusiasmarei com ele. Se não me diz nada é que não o
compreendi. A verdade hermenêutica somente é verdade, se é verdade para mim. A
verdade científica é verdade, ainda que para mim não me afete (é verdade para
todos). A verdade hermenêutica somente é verdade, se me aproprio dela, se a
aplico a mim."A
verdade hermenêutica é uma verdadeira revolução. A filosofia (e a arte) não são
uma ciência (como pretendeu a modernidade). E sua verdade é outra verdade. Esta
nova, revolucionaria verdade a descobrem, cada um por sua conta (sempre contra
a modernidade), Kierkegaard (a verdade subjetiva) e Newman (Grammar of assent), no
século passado. E, no nosso, Heidegger e com ele Gadamer e Pareyson (cada um a
seu modo) e a nova retórica de Perelman" [Nota 211- J. PEGUEROLES, "La Verdad Hermenéutica en Cuatro
Palavras", in Espíritu XLIV (1995), pp. 221-222. Apud T.
Melendo, op. cit., p. 93].Um dos
discípulos importantes de Husserl e que aplicou a Fenomenologia ao estudo
interpretativo de texros literários, foi o polonês Roman Ingarden, que em 1930
publicou A Obra de Arte Literária.Ingarden
se interessa em saber que é a obra literária, e o que de objetivo pode se
manifestar nela. Como fenomenologista, Ingarden recusa o dilema
posto na Filosofia Moderna entre objetividade e idealismo subjetivista. Como
Husserl, ele escapa do dilema citado adotando a teoria da intencionalidade intelectiva
da Fenomenologia de Husserl. Como explica Maria Manuela Saraiva na introdução
da edição da obra citada de Ingarden em português, o ser de uma obra literária
seria puramente intencional, pois que ele não seria algo autônomo, mas
inteiramente da consciência que o cria por sua intencionalidade. A obra de arte
literária, nascida da consciência pessoal de seu autor, é reativada e
interpretada pela consciência de cada leitor dela. Portanto, toda obra de arte
literária é reinterpretada por cada leitor segundo sua consciência. Desse modo,
cada leitura teria uma interpretação válida. Nenhuma interpretação poderia ser
excluída. Nenhuma poderia ser dita falsa. Nenhuma poderia ser dita
absolutamente objetiva.
Dessas teorias vai nascer o conceito de
obra aberta, tal como vai ser apresentado por Umberto Eco, em 1962.
Carlos
Ceia pergunta: “Que caminho hermenêutico escolher: o sentido da obra em si
mesma ou a variedade das concretizações que a obra permite? Se a opção for
estritamente husserliana, a obra só se concretiza, só se torna obra escrita a
partir do momento em que a lemos” (Carlos
Ceia,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html). Ceia
mostra ainda que um texto é uma materilaização de uma visão que o autor tem do
mundo. O texto de uma obra resulta dos fenômenos de consciência do autor.
Portanto são fruto de sua experiência, de sua intencionalidade intelectiva que
elaborará uma tomada de cosnciência inteiramente pessoal, não objetiva.“O
'mundo' de uma obra literária não é uma realidade objetiva, mas aquilo que em
alemão se denomina Lebenswelt, a realidade tal como é organizada e
sentida por um indivíduo. A crítica fenomenológica focaliza a maneira pela qual
o autor sente o tempo ou o espaço, ou a relação entre o eu e os outros, ou a
sua percepção dos objetos materiais." (Teoria da Literatura: Uma
Introdução, trad. de Waltensir Dutra, Martins Fontes, São Paulo, 1994, p. 64
apud Carlos Ceia,. http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).Jauss
(Hans Robert), seguindo Gadamer, julga que cada leitor, na leitura de uma
obra, funde seus próprios “horizontes de percepção”—suas experiências
, suas vivências--, com os do autor do texto. Haverá, segundo Jauss,
uma “fusão de horizontes’. Para Jauss, que nesse ponto segue Gadamer,
compreender um texto significa ter compreendido a que pergunta ele quer
responder. Para Gadamer e Jauss, compreender um texto exige a fusão dos
horizontes do autor com os horizontes de recepção do leitor.( Cfr. H.R.
Jauss, Pour Une Esthétique de La Réception, Gallimard,
Paris, 1978, pp. 65 -66).Também
Davi Bleich considera que cada leitor dá uma interpretação pessoal na leitura
que faz de uma obra. Todas as leituras feitas seriam “verdadeiras”. O autor de
um texto redige sua experiência de vida. O leitor registra sua
experiência de leitura.A aplicação
dessas teorias da Hermenêutica moderna vai criar a atual polêmica sobre o real
significado do Vaticano II: têm os textos do Vaticano II continuidade com o
magistério do passado, ou são eles uma ruptura com a tradição da Igreja?Bento XVI
condenou a hermenêutica de ruptura adotada pela leitura dos textos do Vaticano
II na linha do chamado “espírito do Concílio”. Bento XVI defendeu um leitura
segundo a “letra do Concílio,” numa hermenêutica de continuidade.Logo, no
exame dos textos do Vaticano II, deve-se abandonar a teoria fenomenológica da
hermenêutica moderna.Só assim
se pode evitar o relativismo hermenêutico e o caos doutrinário que envolveu a
Igreja depois da adoção da Fenomenologia, essa fumaça de Satanás que penetrou
no templo de Deus, obnubilando o sol da verdade católica.
Fonte: Montfort
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