O Papa emérito Bento
XVI em seu curto e frutuoso pontificado dirigiu um convite aos estudiosos de
Mariologia, dizendo que:
“É importante olharmos para
Maria, a Virgem imaculada, que o nosso modelo de plenitude e maturidade cristã
e assim vivermos com maior empenho e
coerência a nossa vocação de filhos de Deus chamados à santidade.
Infelizmente, muitos católicos, mesmo aqueles engajados na missão pastoral da
Igreja, não têm senão um conhecimento parcial e insuficiente do papel de Maria
no mistério de Cristo e da Igreja. Particularmente o dogma da Imaculada Conceição de Maria é
pouco entendido. Foi o desejo do
Beato Papa João Paulo II que ―o dogma da Imaculada seja sempre e ulteriormente
aprofundado nos seus aspectos bíblicos, espirituais e cultuais, a fim de poder
ser, depois, anunciado ao homem contemporâneo mediante iniciativas pastorais
apropriadas” (Discurso, 25 de março de 1994).
Este é, precisamente, o objetivo desta despretensiosa matéria, que não pretende encerrar o assunto, mas despertar e apresentar o significado eclesial e espiritual do mistério da Imaculada Conceição haurindo do riquíssimo tesouro milenar da Sagrada Tradição e magistério da Igreja. O vocábulo “conceição” é sinônimo de “concepção”. O dogma, proclamado por Pio IX no fim do século XIX, afirma que a mãe de Jesus, Maria, foi concebida sem a mancha do pecado original, isto é, de forma imaculada (pura). Todo ser humano nasce com o pecado original, mas Maria gozou do privilégio da concepção pura, porque ela estava predestinada a ser a mãe de Deus, isto é, a mãe de Jesus. É bom que se esclareça que os dogmas não significam a criação de uma nova doutrina. Eles estão sempre fundamentados na bíblia sagrada e na tradição sagrada, direta ou indiretamente. Por este motivo, o católico deve aceitar os dogmas como aceita qualquer verdade de fé revelada na bíblia e na tradição. Maria de Nazaré mãe do Deus encarnado e nossa mãe, dada pelo próprio Jesus na cruz como seus filhos adotivos na figura de João, o discípulo amado (João 19,27), desempenha um papel importantíssimo na vida do cristão. Ela não pode nos dar as graças, mas pode pedi-las ao seu filho, Jesus. Foi assim, historicamente, nas bodas de Canã, uma festa para a qual Jesus foi convidado e, a pedido de sua amantíssima mãe, transformou água e vinho. Jesus não costuma negar um pedido de sua mãe. No céu continua a mesma dinâmica: suplicamos a Maria e ela roga por nós a Jesus. Em virtude da concepção pura de Maria, os católicos lhe tributam um culto especial, denominado “hiperdulia”. Aos outros santos, cultuamos com a “dulia” e a Deus, com a “latria”.A Imaculada Conceição ou Nossa Senhora da Conceição é, segundo o dogma católico, a concepção da Virgem Maria sem mancha (em latim, macula) do pecado original. O dogma diz que, desde o primeiro instante de sua existência, a Virgem Maria foi preservada por Deus da falta de graça santificante que aflige a humanidade, porque ela estava cheia de graça divina. A Igreja Católica também professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado.A festa da Imaculada Conceição, comemorada em 8 de dezembro, foi inscrita no calendário litúrgico pelo Papa Sisto IV, em 28 de fevereiro de 1477. Atualmente, a solenidade da Imaculada Conceição de Maria (8 de Dezembro) é festa de guarda em toda a Igreja Católica, exceto em certas dioceses ou países onde, com a prévia aprovação da Santa Sé, a sua celebração foi suprimida ou transferida para um domingo. Festa de guarda significa que todos os fiéis católicos devem obrigatoriamente participar na missa, como se fosse um domingo. A Imaculada Conceição da Virgem Maria foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de dezembro de 1854. A Igreja Católica assegura que o dogma é apoiado pela Bíblia (por exemplo, Maria sendo cumprimentada pelo Anjo Gabriel como "cheia de graça"), bem como pelos escritos dos Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrósio de Milão. Uma vez que Jesus tornou-se encarnado no ventre da Virgem Maria, era necessário que ela estivesse completamente livre de pecado para poder gerar seu Filho.Em sua Constituição Apostólica Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854), que definiu oficialmente a Imaculada Conceição como dogma, o Papa Pio IX recorreu principalmente para a afirmação de Gênesis 3,15, onde Deus disse: "Eu Porei inimizade entre ti e a mulher, entre sua descendência e a dela", assim, segundo esta profecia, seria necessário uma mulher sem pecado, para dar à luz o Cristo, que reconciliaria o homem com Deus.
O verso "Tu és toda formosa, meu amor, não há mancha em
ti" (na Vulgata: "Tota pulchra es, amica mea, et macula non est in
te"), no Cântico dos Cânticos (4,7) é usado para defender a Imaculada
Conceição, outros versos incluem:
"Também farão uma arca de
madeira incorruptível; o seu comprimento será de dois côvados e meio, e a sua
largura de um côvado e meio, e de um côvado e meio a sua altura." (Êxodo 25,10-11)
"Pode o puro [Jesus] Vir dum ser impuro? Jamais!"(Jó 14,4)
"Assim, fiz uma arca de
madeira incorruptível, e alisei duas tábuas de pedra, como as primeiras; e subi
ao monte com as duas tábuas na minha mão." (Deuteronômio 10,3)
Outras traduções para a palavras incorruptível ("Setim" em hebraico) incluem "acácia", "indestrutível" e "duro" para descrever a madeira utilizada. Moisés usou essa madeira porque era considerada muito durável e "incorruptível". Maria é considerada a Arca da Nova da Aliança (Apocalipse 11,19) e, portanto, a Nova Arca seria igualmente "incorruptível" ou "imaculada"
Posição de Santo Tomás de Aquino
Sobre Santo Tomás de Aquino, criou-se um consenso de que ele teria, durante toda a sua vida, negado e repudiado completamente o dogma da Imaculada Conceição. Tal consenso é falso, porque, inicialmente, este doutor da Igreja declarou abertamente que a Virgem foi pela graça imunizada contra o pecado original, defendendo claramente o dogma do privilégio mariano, que seria declarado e definido séculos mais tarde. No livro primeiro dos comentários dos livros das Sentenças (Sent.), escrito provavelmente em 1252 e quando Santo Tomás contava apenas 27 anos de idade, ainda no início de sua atividade acadêmica em Paris, ele escreveu o seguinte:"Ao terceiro, respondo dizendo que se consegue a pureza pelo afastamento do contrário: por isso, pode haver alguma criatura que, entre as realidades criadas, nenhum seja mais pura do que ela, se não houver nela nenhum contágio do pecado; e tal foi a pureza da Virgem Santa, que foi imune do pecado original e do atual." (I Sent., d. 44, q. 1, a. 3).Depois, Santo Tomás adotou uma postura confusa sobre o dogma da Imaculada Conceição, presente em trechos do Compêndio de Teologia e da Suma Teológica. Como, por exemplo, pode-se encontrar nesta postura na segunda parte do Compêndio de Teologia (CTh.), que pertence a um período anterior ao da elaboração da III da Suma Teológica, escrita quando Tomás já contava com cerca de 42 anos de idade, sendo provavelmente do ano de 1267:"Como se verificou anteriormente, a Beata Virgem Maria tornou-se Mãe de Deus concebendo do Espírito Santo. Para corresponder à dignidade de um Filho tão excelso, convinha que ela também fosse purificada de modo extremo. Por isso, deve-se crer que ela foi imune de toda nódoa de pecado atual, não somente de pecado mortal, bem como de venial, graça jamais concedida a nenhum outro santo abaixo de Cristo... Ela não foi imune apenas de pecado atual, como também, por privilégio especial, foi purificada do pecado original. Convinha ser ela concebida com pecado original, porque foi concebida de união de dois sexos." (CTh. c. 224).Mas, no final da sua vida, Santo Tomás retornou à sua tese original favorável ao dogma mariano. A sua defesa encontra-se no texto Expositio super Salutatione angelicae, sermão de um período em que ele já contava 48 anos de idade, provavelmente do ano de 1273:Ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam, quia ipsa virgo nec originale, nec mortale nec veniale peccatum incurrit. ["Ela é, pois, puríssima também quanto à culpa, pois nunca incorreu em nenhum pecado, nem original, nem mortal ou venial."]. Este retorno à tese original encontra-se também em várias obras da época final de São Tomás, como, por exemplo, na Postiila Super Psalmos de 1273, onde se lê, no comentário do Salmo 16, 2: "Em Cristo a Bem-Aventurada Virgem Maria não incorreu absolutamente em nenhuma mancha” ou no Salmo 18, 6: “Que não teve nenhuma obscuridade de pecado".“É difícil falar e não menos difícil pensar acerca dos mistérios que a Igreja guarda escondidos nas profundezas de sua consciência interna. A Mãe de Deus nunca foi tema da pregação pública dos Apóstolos; enquanto Cristo era pregado até de cima dos telhados, proclamado para todos, para ser conhecido num ensinamento iniciatório dirigido ao mundo todo.O Mistério de Sua Mãe só era revelado para aqueles que estavam dentro da Igreja. Não era tanto um objeto de fé como é a fundação de nossa esperança em Cristo, um fruto da Fé, amadurecida na Tradição...” (V. Lossky, "Panagia," em The Mother of God, editado por E. L. Mascall, pg. 35).
A Mãe de Deus na Igreja Ortodoxa
Entre os Santos, uma posição especial pertence à Virgem Maria a quem os Ortodoxos reverenciam como a mais exaltada entre as criaturas de Deus, "Mais venerável que os querubins, incomparavelmente mais gloriosa que os serafins" (do Hino à Virgem, cantado na Liturgia de São João Crisóstomo). Note-se que nós a designamos "A mais exaltada entre as criaturas de Deus". Os Ortodoxos, como os Católicos Romanos, veneram ou honram a Mãe de Deus, mas em nenhum sentido os membros de ambas as Igrejas a consideram como a quarta pessoa da Trindade, nem asseguram a ela a adoração devida somente a Deus. Na teologia Grega a distinção é claramente marcada: existe uma palavra especial, latreia, reservada para a adoração de Deus, enquanto que para a veneração da Virgem, termos inteiramente diferentes são empregados (duleia, hyperduleia, proskynesis).Nos ofícios Ortodoxos a Virgem Maria é mencionada com freqüência e em cada ocasião lhe é dado seu título completo:"Nossa Santíssima, Imaculada, Bendita e Gloriosa Senhora, Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria."
Aqui estão os três principais epítetos aplicados para
Nossa Senhora, pela Igreja Ortodoxa:
1º)- Theotokos (Mãe de Deus):O primeiro desses títulos foi designado a ela pelo Terceiro Concílio Ecumênico (Éfeso, 431).O termo Theotokos é de particular importância, pois dele provem a chave para o culto Ortodoxo da Virgem. Nos louvamos Maria porque ela é a Mãe do Nosso Deus. Nós não a veneramos isoladamente, mas por sua relação com Cristo. Assim a reverência mostrada a Maria, longe de eclipsar a adoração de Deus, tem exatamente o efeito contrário: quanto mais estimamos Maria, mas vívida é a nossa consciência da Majestade de seu Filho, pois é precisamente por conta do Filho que nós veneramos a Mãe!
2º)- Aeiparthenos (Sempre Virgem):Este segundo título pelo Quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553). (A crença na Virgindade Perpetua de Maria pode parecer à primeira vista contrária às Escrituras, porque Marcos 3,31 menciona os "irmãos" de Cristo. Mas a palavra usada ali, em grego, significa também, meio-irmão, primo ou parente próximo).A Igreja Ortodoxa chama Maria de a "Toda Pura"; ela é chamada "Imaculada," ou "sem mancha" (em Grego, Achrantos); e todos os Ortodoxos concordam em acreditar que Nossa Senhora, foi livre do pecado durante sua vida terrena.
3º)-Panagia (Toda Santa): O Epíteto Panagia, apesar de nunca ter sido objeto de uma definição dogmática, é aceito e usado por todos os Ortodoxos.
A Mariologia é uma simples extensão da Cristologia!
Os Padres do Concílio de Éfeso insistiram em chamar Maria de Theotokos, não porque quisessem glorificá-la como um fim em si próprio, à parte do seu Filho, mas porque somente louvando Maria poderiam salvaguardar a doutrina correta da pessoa de Cristo. Qualquer um que pense nas implicações da grande frase: O Verbo se fez Carne, não pode deixar de sentir um respeito temeroso por aquela que foi escolhida como instrumento de tão extraordinário Mistério.Quando os homens se recusam a louvar Maria, muito frequentemente é porque eles não acreditam realmente na Encarnação de Cristo.Mas os Ortodoxos veneram Maria, não só porque ela é a Theotokos, mas também porque ela é a Panagia, Toda-Santa. Entre todas as criaturas de Deus, ela é o exemplo supremo de sinergia ou cooperação entre o propósito da divindade e a vontade livre do ser humano. Deus, que sempre respeitou a liberdade humana, não quis tornar-se encarnado sem o livre consentimento de Sua Mãe. Ele esperou pela resposta voluntária dela: "Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim, segundo a sua palavra" (Lc. 1,38). Maria poderia ter recusado: Ela não era meramente passiva, mas uma participante ativa no Mistério. Como Nicolau Cabasilas disse:
«A encarnação não foi trabalho só do Pai, de Seu Poder e de Seu
Espírito...
Mas foi também trabalho da vontade e da fé da Virgem...
Assim como Deus encarnou voluntariamente,
Ele também quis que Sua Mãe
O portasse livremente e com seu consentimento completo!"
(On the Annunciation, 4-5, Patrologia Orientalis.» vol.
19, Paris, 1926, pg. 488).
“Se Cristo é o Novo Adão, Maria é
a nova Eva, aquela que se submeteu à vontade de Deus contrabalançando a
desobediência de Eva no Paraíso! Assim o nó de Eva foi desatado pela obediência
de Maria; pois o que Eva, uma virgem, atou pela sua descrença, Maria, uma
virgem, desatou pela sua fé...”(Irineu,
Against the Heresies, 3, 22, 4).
"Morte por Eva, vida por
Maria" (Jerome, letter 22,21).
Foi Maria Santíssima livre também, do pecado
original?
Em outras palavras, a
igreja ortodoxa concorda com a doutrina católico-romana da Imaculada Conceição,
proclamada como dogma pelo Papa Pio, o Nono em 1854, de acordo com a qual “Maria,
desde o momento em que foi concebida por sua mãe Santa Ana, foi por decreto
especial de Deus liberada de toda mancha do pecado original..." A
Igreja Ortodoxa nunca de fato fez qualquer pronunciamento formal e definitivo
sobre o assunto. No passado Ortodoxos individualmente fizeram afirmações que
ainda que não confirmando definitivamente a doutrina da Imaculada Conceição, de
algum modo se aproximando dela; mas
desde 1854 a grande maioria dos Ortodoxos rejeitaram a doutrina, por várias
razões:
1)- Eles sentiam que
ela era desnecessária.
2)- Eles entendiam
que de qualquer modo, como definida pela Igreja Católico-Romana, ela implica
num falso entendimento do Pecado original.
3)- Eles suspeitavam
da doutrina porque ela parece separar Maria do resto dos descendentes de Adão,
colocando-a numa classe completamente diferente de todos os outros homens e
mulheres justos do Velho Testamento.
4)- Do ponto de vista
Ortodoxo, no entanto, a questão toda pertence ao Reino das opiniões teológicas;
e se um Ortodoxo individual sente-se impelido em acreditar na Imaculada
Conceição, ele não poderia ser classificado de herético por isso!
Mas a igreja ortodoxa, enquanto em sua grande maioria (portanto, não todas as igrejas ortodoxas) nega a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, acredita firmemente em sua Ascensão Corpórea (Imediatamente após o Papa ter proclamado a Assunção como dogma em 1950, alguns Ortodoxos (mais como reação contra a Igreja Católico-Romana) começaram a expressar dúvidas sobre a Ascensão Corpórea e mesmo a negá-la explicitamente. Mas certamente eles não são representativos da Igreja Ortodoxa como um todo).Para a Igreja ortodoxa, Nossa Senhora como o resto da humanidade, passou pela morte física, mas no caso dela, a Ressurreição do Corpo foi antecipada: depois da sua morte física, seu corpo foi elevado e "assumido" no céu, e seu tumulo foi encontrado vazio. Ela passou além da morte e do julgamento, e já vive no Tempo que há de vir. No entanto, ela não está por isso separada da humanidade, pois essa glória corpórea da qual Maria desfruta agora, todos nós esperamos dela partilhar um dia.A crença na Ascensão da Mãe de Deus é afirmada claramente e sem ambiguidade nos hinos cantados na Igreja ortodoxa em 15 de agosto, na Festa da Dormição de Nossa Senhora.Mas a igreja ortodoxa diferentemente de Roma, nunca proclamou a Assunção como dogma, nem nunca desejou fazer isso. As doutrinas da Trindade e da Encarnação foram proclamadas como dogmas, por elas pertencerem a pregação pública da Igreja; mas para a igreja ortodoxa, a glorificação de Nossa Senhora pertence a Tradição interna, e não pública da Igreja.O Hino ortodoxo Akathistos é comum a todos os cristãos de rito bizantino, ortodoxos e católicos. Constitui, pois, uma antiga e solene ponte para a plena comunhão entre a Igreja do Oriente e do Ocidente. A ortodoxa Revista 30 Dias pediu a S. Santidade Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, que comentasse o texto deste maravilhoso hino da Igreja Bizantina.
Abaixo reproduzimos, parte desta entrevista de Gianni
Valente, publicada na edição de janeiro/2005 da revista 30 Dias:
Revista 30
Dias: A Igreja
reconheceu desde o início que na virgindade de Maria se manifesta sua beleza
esplendorosa, que apaixona a Deus e o atrai entre nós. Como é expressa, nesse
hino, a predileção de Deus pela beleza virginal de Maria?
BARTOLOMEU I: “A virgindade da Mãe de Deus, como profundíssima, existencial, gratuita
e total dedicação de seu amor por Deus, como situação espiritual durante a qual
a mente e seu coração não são dirigidos para outro ser terreno, é continuamente
cantada no hino Akathistos, ao lado da predileção de Deus por essa dedicação
virginal da Toda Santa por Ele. Numa estrofe se diz até que o Senhor que
habitou em seu ventre, Ele, que contém todas as coisas, a "santificou e
glorificou". Numa outra se diz que o Criador do céu e da terra moldou a
ela, a Toda Pura, morando depois em seu útero.”
Revista 30
Dias: A Igreja
Católica lembrou em 2004 os cento e cinqüenta anos da proclamação do dogma da
Imaculada Conceição. Como é celebrada, na tradição cristã ortodoxa oriental e
bizantina, a Concepção de Maria e sua santidade plena e imaculada?
BARTOLOMEU I: “A Igreja Católica viu-se na
necessidade de instituir um dogma novo para a cristandade, cerca de mil e
oitocentos anos depois do aparecimento do cristianismo, porque aceitou uma percepção do pecado original, para nós, ortodoxos,
errada, segundo a qual o pecado original transmite uma mácula moral ou uma
responsabilidade jurídica aos descendentes de Adão, no lugar daquela
reconhecida como correta pela fé ortodoxa, segundo a qual o pecado transmitiu
hereditariamente a corrupção, provocada pelo distanciamento do homem da graça
incriada de Deus, que lhe dá vida espiritual e corporal. O homem moldado à
imagem de Deus, com a possibilidade e o destino de se assemelhar a Deus,
escolhendo livremente o amor a Ele e a observância de seus mandamentos, mesmo
depois da queda de Adão e Eva pode-se tornar, se tem essa intenção, amigo de
Deus; então, Deus o santifica, como santificou a tantos pais antes de Cristo,
ainda que o cumprimento de seu resgate da corrupção, ou seja, sua salvação,
tenha sido realizada depois da encarnação de Cristo e por meio dEle. Como consequência, segundo a fé ortodoxa, a
Toda Santa Mãe de Deus Maria “não foi concebida isenta da corrupção do pecado
original”, mas amou a Deus acima de todas as coisas e observou seus
mandamentos, e assim foi santificada por Deus por meio de Jesus Cristo, que por
ela se encarnou. A Ele obedecia como uma dos fiéis, e a Ele se dirigia com
confidência de Mãe. “Sua santidade e sua pureza não foram impedidas pela
corrupção, que também lhe foi transmitida pelo pecado original como a todos os
homens”, pois em Cristo renasceu como todos os santos, santificada acima de
todos os santos. Não é necessário que
sua reintegração à condição anterior à queda aconteça no momento de sua
concepção. Nós acreditamos que tenha acontecido depois, como consequência da
progressão, nela, da ação da incriada graça divina por meio da visita do
Espírito Santo, que operou nela a concepção do Senhor, purificando-a de
qualquer mancha. Como já se disse, o pecado original pesa sobre os
descendentes de Adão e Eva como corrupção, e não como responsabilidade legal ou
mancha moral. O pecado trouxe a corrupção hereditária e não uma responsabilidade
jurídica hereditária ou uma mancha moral hereditária. Como consequência, para a teologia da igreja ortodoxa, a Toda Santa
participou da corrupção hereditária, como todos os homens, mas, com seu amor
por Deus e sua pureza, entendida como uma dedicação imperturbável e sem
hesitações de seu amor a Deus apenas, conseguiu, com a graça de Deus,
santificar-se em Cristo e fez-se digna de se tornar habitação de Deus, como
Deus quer que nos tornemos todos nós, seres humanos. Por isso, na Igreja
Ortodoxa veneramos a Toda Santa Mãe de Deus acima de todos os santos, ainda que
não aceitemos o novo dogma de sua Imaculada Conceição. A não aceitação desse dogma não diminui
absolutamente nosso amor e nossa veneração pela Toda Santa Mãe de Deus...”
ADENDO:
“A TRANSMISSÃO DO PECADO ORIGINAL SEGUNDO A FÉ CATÓLICA”
Romanos 5,12: “Portanto, como
por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso, todos
pecaram.”
Deus criou o homem e
a mulher, ou seja, seres dotados de corpo material e alma espiritual – síntese do visível
e do invisível – e os colocou em um estado de harmonia e felicidade
grandiosas: o paraíso. Naquela condição, o Senhor lhes deu o dom sobrenatural
(que ultrapassa as exigências da natureza humana, por isso é pura doação) da
filiação divina, graça santificante que elevou nossos primeiros pais à condição
de filhos muito amados Seus. Presenteou-lhes também com os dons preternaturais
(que ampliam as capacidades da natureza humana), principalmente:
1)-Da imortalidade
(cf. Gn 2,17;3,3-4.19) – nunca morreriam, mas passariam, como quê em um sono,
para a eternidade.
2)-Da impassibilidade (cf. Gn 3,16) – não
sofreriam mal algum.
3)-Da integridade (cf. Gn 2,25;
3,7-11) – não padeciam da concupiscência ou da tentação ao pecado.
4)-Da ciência moral
infusa
– que os levava a viver, sempre, segundo a vontade de Deus.
Foi, contudo, solicitada dos primeiros pais uma prova condicionante!
Poderiam dizer “Sim” ou “Não” àqueles grandes dons de Deus (cf. Gn 2,16-17). Ele nos fez livres e, por isso só nos salva com o nosso pleno consentimento. Ora, o ser humano, refém da tentação, representada na sugestão da serpente, disse “Não” a Deus, julgando, em sua soberba, raiz de todos os pecados (cf. Eclo 10,15), que desobedecendo ao Criador seria igual a Ele (cf. Gn 3,5). Foi um pecado singular (não uma falta qualquer) que trouxe consequências muito sérias.Adão e Eva reconheceram que estavam nus (cf. Gn 3,7) – perderam (ou foram bloqueados) todos os dons sobrenaturais e preternaturais dados por Deus. Eis o pecado original originante.
Distingue-se do pecado original originante o pecado original originado, aquele que herdamos, por transmissão, dos primeiros pais. Embora se chame pecado original (está na origem), não é uma culpa pessoal ou falha cometida livremente, mas a falta da graça santificante e dos dons preternaturais já mencionados. Alguém poderia, aqui, acusar a Deus de injusto por nos ter privado desses dons. Tal acusação é falsa, pois os dons que não recebemos não eram da essência humana, mas como quê importantes anexos dados pelo Senhor. De modo oportuno, o Pe. Leo Treze, em sua obra A fé explicada (Quadrante), p. 40, diz o seguinte: “Se antes de eu nascer, um homem rico tivesse oferecido a meu pai um milhão de dólares em troca de um pequeno trabalho, e meu pai tivesse recusado a oferta, na verdade eu não poderia culpar o milionário pela minha pobreza. A culpa seria de meu pai, não do milionário”. Apesar de tudo, o Pai celeste enviou Seu Filho para nos redimir (cf. Rm 5,12-21; 1Cor 15,45-49). Na Igreja, o sacramento do Batismo apaga o pecado original (e atuais, se houver, no caso de adultos) elevando-nos, de novo, pela graça santificante, à dignidade de filhos(as) de Deus. Não recebemos os dons preternaturais reforçadores da nossa natureza, mas recuperamos o mais importante: o dom da vida eterna. Daí a necessidade de se batizar, o quanto antes, as criancinhas! Para um melhor aprofundamento magisterial, ver: Catecismo da Igreja Católica, n. 396-403; 415-420.
A
TRANSMISSÃO DO PECADO ORIGINAL (ANCESTRAL) SEGUNDO A FÉ ORTODOXA:
Muitas vezes os Cristãos ortodoxos, adotam fácil e indiscriminadamente, a linguagem da teologia ocidental! Sim, é sempre uma grande tentação, para aqueles que se converteram à fé Ortodoxa, vindos de denominações cristãs do Ocidente, trazer consigo a herança das suas crenças anteriores, em vez de abraçar a fé Ortodoxa como algo totalmente diferente do Cristianismo que deixaram para trás. Muitos são relutantes em aceitar que nem tudo o que havia no Ocidente, anteriormente ao Cisma, é parte integrante da Ortodoxia. Essa influência da teologia ocidental pode ser encontrada não somente entre os ortodoxos convertidos no Ocidente, mas também entre aqueles que foram educados na fé ortodoxa, em países tradicionalmente ortodoxos como a Grécia e a Rússia. As heresias tendem a encontrar-se, sempre, em polos opostos. Não é incomum que uma heresia surja como uma reação a outra. Tanto é que, enquanto uns reivindicaram a defesa da heresia de que Cristo não é Deus, outros, para contestá-los, defendeu a heresia de que Ele não é homem. Uma heresia condena a veneração da Virgem Maria como Mãe de Deus, outra faz-lhe livre da queda por uma imaculada conceição. Uns alegam que o homem é salvo apenas pela graça, outros que é salvo apenas pelas obras. Tais extremos não são abraçados pela Ortodoxia. A verdadeira Ortodoxia tende a ser o meio-termo entre os dois extremos. Isso vale, também, para a doutrina do “pecado original”. “Mas então, um protesto:“A Igreja Ortodoxa não acredita no pecado original!” Eu hesitaria em dizer isso, ao menos sem uma explicação mais séria. Prefiro dizer que a Igreja Ortodoxa acredita no “pecado ancestral” (πρωπατορικό ἁμάρτημα).
Mas isso não
é uma questão, meramente, semântica?
De forma alguma! Aquele
que diz “pecado original” é obrigado a valer-se da doutrina exposta por
Agostinho e, desde então, pela Igreja Latina, o que não é o ensino dos
Padres da Igreja Ortodoxa Oriental. O que se pretende esclarecer aqui, é que a
compreensão dos ortodoxos acerca do pecado ancestral é muito
distante da opinião de Agostinho e que, apesar do fato de a doutrina latina
sobre o pecado original nunca ter sido formalmente condenada como heresia no Oriente, ela não
pertence, no entanto, à Igreja Ortodoxa.
Agostinho e Pelágio
A doutrina de Agostinho sobre o pecado original nasceu da tentativa de combater a heresia do pelagianismo. A controvérsia começou em Roma, quando o monge britânico, Pelágio, opôs-se à oração de Agostinho: “Dai-me primeiro o que tu ordenas, e então, podes pedir-me o que Tu desejas”. Pelágio opunha-se à ideia de que o dom da graça divina seria necessário para realizarmos a vontade de Deus. Ele acreditava que, ao sermos todos responsáveis por obedecer aos mandamentos de Deus, então, todos nós, também, teríamos a capacidade de o fazer, sem o auxílio divino. Passou, então, a negar a doutrina do pecado ancestral, ao argumentar que as consequências do pecado de Adão não foram transmitidas para o resto da humanidade, de forma que o seu pecado teria afetado unicamente a si próprio e, assim, todos os homens, ao nascerem, encontrar-se-iam no mesmo estado que o de Adão antes da queda. Agostinho tinha uma visão totalmente diferente da queda e argumentava que a humanidade, desde então, tornou-se totalmente pecaminosa e incapaz de fazer o bem. Ele acreditava que o estado de pecado original deixou-nos numa tal condição que não somos capazes de abstermo-nos do pecado. A “imagem de Deus” no homem (ou seja, a livre vontade) foi destruída pela queda. Assim, ainda que possamos escolher fazer o bem, o nosso pervertido impulso para o mal corrompe a nossa livre vontade e obriga-nos a fazer o mal. Portanto, para Agostinho, somos totalmente dependentes da graça.Essa perspectiva fez com que Agostinho construísse a sua visão pessoal sobre a condição humana, de modo a defender que os efeitos do pecado original estabeleceram-se, sim, em todos os descendentes de Adão (em oposição ao pensamento de Pelágio) e que cada pessoa, desde então, é culpada do pecado original, desde o seu nascimento (a culpa original). Desse modo, consoante de Agostinho, as crianças são culpadas do pecado e, portanto, as que morrem antes do Batismo (o qual, segundo ele, retira a culpa do pecado original) são condenadas à perdição e não podem ser salvas. Agostinho formulou também um embrião sobre a doutrina da predestinação (a qual foi posteriormente retificada em sua obra Retratações).O fato é que a doutrina de Agostinho prevaleceu e Pelágio foi condenado como herege, por Roma, no Concílio de Cartago, em 418. Então, ao que parece, as opiniões de Pelágio foram vistas como mais repreensíveis à Igreja latina do que a idéia da predestinação, pontos de vista que a Igreja latina à época, não somente estava disposta não somente a tolerar, bem como a defender como uma doutrina ortodoxa!
São João Crisóstomo
Parecia, então, não haver, um meio termo no Ocidente. Contudo, no Oriente, uma visão diferente foi expressa pelo contemporâneo de Agostinho, João Crisóstomo. A disputa entre Agostinho e Pelágio não tinha atingido o Oriente e, assim, possibilitou a Crisóstomo não dirigir as suas atenções para as acirradas disputas e polémicas ocidentais. Se tivesse participado da disputa entre Agostinho e Pelágio, talvez a sua doutrina sobre o pecado ancestral pudesse ter prevalecido sobre as deles. Por outro lado, ao considerarmos que a única preocupação da Igreja Latina parece ter sido a condenação do pelagianismo, é mais provável que Crisóstomo fosse condenado como um “semipelagiano”. Seja como for, a sua visão sobre o assunto nunca recebeu a devida atenção e a disputa, no Ocidente, acabou por ter, como resultado, a vitória da doutrina do ‘pecado original’, defendida por Agostinho e considerada, então, a única resposta contra a heresia do pelagianismo. Embora afirmasse que todos os seres humanos são feitos à imagem de Deus, Crisóstomo acreditava que o pecado ancestral legou, sim, a corruptibilidade e a morte, não somente para Adão, mas, também, para todos os seus descendentes, enfraquecendo, assim, a sua capacidade de crescer à semelhança de Deus; contudo, tal mácula nunca destruiu a imagem de Deus (livre vontade). Este santo foi uma voz importante entre os escritores patrísticos gregos, os quais interpretavam a queda como “uma herança, essencialmente, da mortalidade, em vez de ser um pecado, uma vez que este dá-se, apenas, como uma consequência da mortalidade”.A posição de Crisóstomo é a mesma de Santo Atanásio, o Grande, e São Cirilo de Alexandria, os quais também afirmavam não sermos culpados do pecado de Adão e que, embora tenhamos herdado uma natureza corrompida, o nosso livre arbítrio permanece intacto. Essa interpretação patrística grega está fundada no texto de Romanos 5,12: “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso, todos pecaram.”
John Meyendorff explicou como a
tradução deficiente do texto pode ter contribuído para uma diferença tão
gritante na interpretação latina do pecado ancestral:
“Nesta passagem, há um grande problema de tradução (toda
tradução carrega em si uma traição) As últimas quatro palavras gregas foram traduzidas, em
latim, como em quo omnes
peccaverunt (“em quem – ou seja, em Adão – todos os homens pecaram”) e esta tradução foi usada, no Ocidente, para justificar a culpa,
herdada de Adão, a qual foi transmitida aos seus descendentes. Mas tal significado
não pode ser inferido do original grego.”
São Cirilo
de Alexandria explicou a passagem desta forma:
“Como muitos tornaram-se pecadores por causa de Adão, como poderíamos nós, que não éramos ainda nascidos, ser
condenados com ele, já que Deus disse: “Nem os pais devem ser condenados à
morte por causa dos filhos, nem os filhos, em razão dos seus pais, mas a alma
que pecar, essa morrerá” (Deut 24,18)? Ora, tornamo-nos pecadores, através da desobediência de Adão, da
seguinte maneira: ele foi criado para a incorruptibilidade e a vida e o modo de
existência que tinha, no jardim das delícias, era apropriado para a santidade.
A sua mente estava, sempre, a ver Deus, o seu corpo estava tranquilo e calmo,
com todos os prazeres naturais que lhe eram inerentes, sem quaisquer distúrbios
exteriores. Mas, em razão de ter caído
sob o pecado, decaiu em corruptibilidade, prazeres e imundícia, tendo
sido agredida a natureza da carne e os seus membros submetidos a uma lei
selvagem. A nossa natureza tornou-se, então, doente pelo pecado, pela
desobediência de um só, Adão. Assim,
tornamo-nos todos pecadores, não por sermos co-transgressores com Adão,
mas, sim, em razão da natureza humana ter adoecido por seu intermédio,
tornando-se sujeita à corruptibilidade pela desobediência e, portanto,
invadida pelas paixões”.
São João Cassiano
A grande verdade é que o Oriente deu pouca atenção a Santo Agostinho e isso deveu-se, em grande parte, às barreiras linguísticas. É preciso lembrar que os evangelhos e as cartas apostólicas foram escritos em Grego, e para os cristãos do Oriente, os teólogos sérios e confiáveis deveriam falar e principalmente, escrever em grego e, assim, eles prestavam pouca atenção aos escritores latinos, pois um latino tentar interpretar o grego, uma língua a qual não dominavam, seria a mesma petulância de alguém querer ensinar pai nosso a padre.A oposição que surgia do Oriente a esses escritos de Agostinho provinham de alguns teólogos ortodoxos orientais que, por uma razão ou outra, encontravam-se a viver no Ocidente.
Desses, o mais
proeminente foi São João Cassiano, o qual opôs-se ao ensino de
Agostinho em quatro pontos principais:
1) Houve, claramente, casos, nas Sagradas
Escrituras, nos quais as pessoas buscaram Deus pela sua própria vontade e que,
embora chamados por Cristo e auxiliados pela graça divina, optaram, também, por
mudar as suas buscas (por exemplo, Mateus, Paulo, Zaqueu).
Portanto, não é somente a graça que nos salva, mas também a disposição do homem
para se arrepender.
2) Mesmo depois da queda, Adão e os seus descendentes mantiveram
um conhecimento do bem e um impulso, porém enfraquecido, em prosseguir no bem. Logo, o
homem não se tornou, conforme afirmado por Agostinho, totalmente depravado e
incapaz de fazer o bem após a queda. Isto se revela em algumas passagens tais
como:
Lucas 2,14: "Glória a Deus
nas alturas, e paz na terra aos homens aos homens de boa
vontade”
Atos 10,34-35: “Diante disto, Pedro
começou a compartilhar: Agora sim, percebo verdadeiramente que Deus não trata as pessoas com qualquer tipo
de parcialidade, antes, porém, de todas as nacionalidades, recebe todo aquele que o teme e pratica a justiça”.
Romanos 2,11-15: “Porque, para com
Deus, não há acepção de pessoas. Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei
também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados.
Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a
lei hão de ser justificados. Porque, quando os
gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não
tendo eles lei, para si mesmos são lei; Os quais mostram a obra da lei escrita
em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus
pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os.”
3)-A “imagem” de Deus no homem é afetada, porém, não completamente
anulada. A imagem divina necessita de restauração, mas esta exige uma sinergia
(cooperação da vontade do homem com a graça divina).
4) Deus quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da
verdade e aqueles que não são salvos são os que livremente rejeitam a salvação,
contra a vontade de Deus. A predestinação deve ser entendida, portanto,
como um
conhecimento prévio e não como uma preordenação, ou seja, pelas minhas
obras deliberadamente praticadas, posso cair em predestinação (conf. Gal
5,20-21).
O Ocidente condenou esta percepção de São João Cassiano, ao considerá-la semi-pelagiana!
Mas, para os ortodoxos, ele foi um dos maiores expoentes da doutrina ortodoxa da theosis! Os seus pontos de vista foram apoiados, também, por Teodoreto de Antioquia:“Há necessidade de ambos, dos nossos esforços e da ajuda divina. A graça do Espírito não é concedida àqueles que não fazem qualquer esforço e, sem a graça, os nossos esforços não podem receber o prémio da virtude. ”
O Pecado Ancestral e o Batismo
A visão de Agostinho sobre o pecado original foi a razão para a sua justificação do Batismo infantil. Por acreditar que os bebés nascem culpados do pecado (conforme Rom3,24), argumentava que o Batismo seria necessário para a sua salvação. Ele considerava as crianças seres fisicamente fracos e, portanto, inocentes para, por si próprias, cometerem o pecado. Não obstante, deveriam ser culpadas, igualmente, pelo pecado de Adão. Os Padres gregos, por terem uma visão diferente da queda e do pecado ancestral, interpretavam o propósito do Batismo infantil duma forma, significamente, diferente, das interpretações de Agostinho e dos seus similares reformados do Ocidente. Os padres gregos acreditavam que os bebés recém-nascidos são inocentes, totalmente desprovidos do pecado. Mesmo que as crianças sejam herdeiras da mesma natureza humana (a qual é maculada, na sua totalidade, pelo pecado ancestral e nisso é enfraquecida, de um modo que cada pessoa é propensa ao pecado), são inocentes do pecado. Na quarta das suas homilias catequéticas sobre o Batismo, São João Crisóstomo afirmou: “Batizamos os bebés, embora eles não sejam culpados dos pecados”.
Para os
Padres gregos, o Batismo Cristão é:
Acima de tudo, uma
aceitação e a entrada da pessoa batizada no corpo redimido e santificado
de Cristo, o início de uma vida de combate espiritual e instrução, de uma
santificada viagem de aprofundamento no Reino de Deus.
Considerando-se, então, o contraste entre a doutrina ortodoxa do pecado ancestral e a doutrina agostiniana do pecado original, e, consequentemente, o diferente entendimento sobre o significado do Batismo que essas doutrinas possuem, não é estranho que alguns ortodoxos falem do Batismo em termos agostinianos, ou seja, como perdão do pecado original, especialmente se pensarmos que o serviço ortodoxo para o Batismo não faz sequer uma única referência a isso? O mais próximo que chegamos da menção do pecado ancestral (πρωπατορικό ἁμάρτημα) no Batismo é a primeira oração do serviço para a adesão de um catecúmeno (que, originalmente, era completamente separado do serviço de Batismo):“Afasta-lhe o erro antigo “(παλαιά πλάνη). Ora, se um dos principais propósitos do Batismo fosse o perdão do pecado original, valeria a pena mencioná-lo, certamente, no rito do Batismo! Portanto, a ideia de ‘pecado original’ e de ser “perdoado” pelo Batismo não pode ser encontrada no pensamento dos Padres gregos ou nos hinos e orações da Igreja Ortodoxa, pois é uma ideia estranha ao pensamento patrístico grego. O pecado ancestral é, principalmente, uma condição de mortalidade e corruptibilidade, que precisa de cura; uma “doença” herdada, o que significa que o livre arbítrio – ou a ‘imagem de Deus’, como os Padres gregos preferiam caracterizá-lo – embora seja intactamente mantido, precisa da graça divina, a fim de progredir ao longo do caminho, para alcançar então a “semelhança” de Deus, o caminho para a theosis ou “deificação”. Tendo em vista as diferenças significativas entre os pontos de vista ortodoxo e agostiniano acerca do ‘pecado original’, surpreende-me que alguns cristãos ortodoxos sejam, tão naturalmente, voltados a empregar este termo, alegando que a Igreja Ortodoxa mantém a doutrina do “pecado original”, ou tratando, simplesmente, de afirmar que a Igreja não abraça a doutrina do “pecado original”. Tais respostas, penso eu, são inadequadas para expor a posição ortodoxa acerca do tema.Embora Agostinho tenha sido reconhecido como santo pela Igreja Ortodoxa, a sua doutrina sobre o pecado original nunca foi aceite. Por tudo que foi exposto acima, conclui-se que a doutrina agostiniana do pecado original não é ortodoxa, tendo sido responsável, por uma série de derivações teológicas, para os ortodoxos, equivocadas na Igreja Latina, tais como, a predestinação, o purgatório, o limbo e a imaculada conceição.Para os Cristãos ortodoxos é estranha a posição agostiniana sobre o pecado original, preferindo os ortodoxos empregar um termo que lhes é mais familiar e de melhor compreensão: “pecado ancestral”. Não é apenas uma questão de semântica. Pois uma compreensão errônea da doutrina tem repercussões graves na nossa compreensão sobre o pecado e a queda, a graça e o livre arbítrio, o Batismo, a própria condição humana e a divinização do homem. (John Meyendorff: L’Église Orthodoxe hier et aujourd’hui. Paris, 1960, p. 169)
CONCLUSÃO
O Concílio Vaticano II reservou o último capítulo da Constituição Dogmática Lumen gentium, sobre a Igreja, para tratar de Maria. Ali se encontra o trecho seguinte:“Remida de modo mais sublime em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a sublime prerrogativa e dignidade de mãe de Deus Filho, e, portanto, filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo; com este dom de graça sem igual, ultrapassa de longe todas as outras criaturas celestes e terrestres. (…) é também saudada como membro supereminente e absolutamente singular da Igreja, e também como seu protótipo e modelo acabado da mesma, na fé e na caridade” (cf. LG, 53).A santidade de Maria, preservada de toda mancha de pecado, é meta para a Igreja, para cada cristão e para todos na unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja, pela identificação com Cristo Jesus desde o Batismo até a plenitude da vida nele pela ressurreição. Apesar da proclamação oficial dessa verdade de fé ter ocorrido somente em 1854, no sentir comum da fé da Igreja ela esteve sempre presente, no ensinamento, na piedade dos fiéis e, conseguintemente, na arte que se destina à liturgia e às devoções em geral. Vale a pena determo-nos em alguns aspectos consolidados na representação iconográfica do dogma da Imaculada Conceição. A iconografia da Imaculada continua ainda sua evolução, em meio a fortes disputas teológicas nos anos que precederam a declaração oficial do dogma. O motivo figurativo se desenvolve desde então seguindo um esquema no qual a Virgem é representada com elementos e atributos precisos. Eles fazem referência não somente ao texto bíblico de Apocalipse 12,1-10 (a mulher grávida revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas, que vence o dragão ou a serpente, símbolo do mal), mas também a uma leitura tipológico-alegórica do Cântico dos Cânticos 6,10 (bela como a lua, fúlgida como o sol) e do Livro da Sabedoria 7, 29 (mais bela do que o sol e do que as constelações dos astros). O modelo figurativo da Imaculada Conceição espelha, nesse sentido, a fundamentação bíblica do que reza o dogma e da evolução teológica acerca de Maria, sobretudo em sua relação com a Igreja. De fato, da interpretação da mulher do Apocalipse como imagem arquetípica celeste do povo de Deus na terra, ou seja, da Igreja, que, enquanto dá à luz os filhos na fé é perseguida por Satanás e salva por Deus, passa-se a uma leitura mariológica do texto bíblico, segundo a qual a figura feminina da aparição celeste torna-se imagem de Maria que, concebida sem pecado, revestida de Cristo, cheia da graça de Deus, triunfa sobre o pecado e o mal.
BIBLIOGRAFIA
-Council of Trent Denzinger Enchiridion Symbulorum,
definitionum et declarationum , Freiburg, 1957, document 833; "she was
free from any personal or hereditary sin", Pius XII, Encyclical Mystici
Corporis, 1943 in Dentzinger, D2291
-Bula Ineffabilis Deus, Papa Pio XI, 1854
-Ireneu de Lyon, Adversus haereses Book V, 19,3
-Ambrose of Milan, Expositio in Lucam 1640
-Paulo Faitanin, A Doutrina da concepção de Maria segundo
Tomás de Aquino
-Prof. Doutor Fernando Taveira da Fonseca, A Imaculada
Conceição e a Universidade de Coimbra, 2003.
https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/igreja_ortodoxa/a_igreja_ortodoxa_fe_e_liturgia5.html?fbclid=IwAR3Sl3QRPOzkm9zFaqPG6_sp2y1USRMhYqtRKR3JFnLhVmJ8i60lzZbc01s
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