(Por: HELIO GUROVITZ )
Em “The righteous mind”, o psicólogo Jonathan
Haidt enxerga diferenças profundas na forma como os dilemas morais se
apresentam à direita e à esquerda.
Há um novo esporte na academia, na imprensa e entre
os intelectuais: explicar a ascensão do nacionalismo populista e do conservadorismo, que
tem surpreendido nas urnas mundo afora. Pode escolher: Donald
Trump, Brexit, Farc e até mesmo João Doria em São Paulo. Em todas
essas votações, saiu vencedor o campo que se convencionou associar à “direita”.
Em todas, o eleitorado se dividiu de modo apaixonado e, incentivada pelas redes
sociais, a polarização política atingiu níveis jamais vistos. Nos
Estados Unidos, ambos os lados trocaram a civilidade e o respeito mútuo por
ira, agressividade e repulsa ao adversário. Política se tornou assunto
proibido em ceias de Natal, festas familiares e reuniões corporativas. Com
tantas democracias rachadas, houve até quem argumentasse que a própria
democracia rachou e, diante dos desafios contemporâneos, não funciona mais.
Duas linhas de pensamento foram adotadas para explicar a ascensão do novo populismo:
1)- Há aqueles que chamam a atenção para a
economia. Dizem que a globalização, embora tenha tirado centenas de milhões da
pobreza, não entregou o que prometeu à classe média dos países ricos. A reação
natural foi o apoio a quem prometia fechar fronteiras, com políticas
protecionistas e anti-imigração.
2)- Há, do outro lado, os que preferem destacar a
cultura. Sustentam que as sociedades ocidentais foram incapazes de integrar
milhões de imigrantes na utopia multicultural do pós-guerra. Afirmam que as
políticas de ação afirmativa e proteção a minorias tiveram efeitos colaterais
indesejados, exacerbaram racismo, preconceito e ressentimento na “maioria
silenciosa”. A reação natural foi então o repúdio a qualquer medida
classificada como “politicamente correta”, e o apoio a líderes autoritários.
Há algo de verdadeiro em ambas as
explicações. Mas nenhuma delas responde por que tais reações têm ocorrido de
modo tão violento, nem por que a polarização só faz crescer.
As redes sociais têm relevância
nessa dinâmica:
1)- Primeiro, por contribuir para segregar a
população em grupos homogêneos, onde divergências são combatidas com
virulência.
2)- Segundo, por servir de veículo à disseminação
de informações com viés partidário, não raro falsas, e também ao questionamento
da imprensa profissional, que exerceu ao longo da história o papel de praça
pública para o debate civilizado.
Mas
mesmo as redes não explicam tudo. Se
catalisaram uma reação química explosiva, é porque os reagentes já estavam lá.
Há fatores mais relevantes. “Se trouxermos a psicologia moral para a história e
a acrescentarmos às demais explicações, é possível dar conselhos para reduzir a
onda recente de conflitos”, escreveu o psicólogo Jonathan Haidt, da
Universidade de Nova York, antes mesmo da vitória de Trump. Ele expõe suas
ideias em The righteous mind (algo como A mente moral), lançado há meia década.
Haidt enxerga diferenças profundas na forma como os dilemas morais se
apresentam à direita e à esquerda (nos Estados Unidos, a “conservadores” e
“liberais”).
Na narrativa esquerdista, a política deve corrigir injustiças sociais, combater desigualdades, miséria e opressão. É uma moral que se resume a duas dimensões: justiça (para todos) e liberdade (da opressão).
Na narrativa conservadora, a política deve resgatar o país
das amarras burocráticas, destaque aos valores morais e religiosos, punir os
criminosos, retirar privilégios distribuídos a quem não merece, pôr ênfase na
estrutura familiar, cuidar dos símbolos nacionais e exercer o poder externo,
quando necessário, por meio das armas. É uma moral que se irradia por múltiplas
dimensões: justiça (para quem merece), liberdade (do governo), lealdade (à
nação), autoridade (da tradição e da família) e sacralidade (religiosa).
Como a paleta moral dos conservadores é mais ampla, diz Haidt, eles levam
vantagem ao fazer política. “Os republicanos entendem a psicologia moral. Os
democratas não”, escreve. “Os republicanos já perceberam há muito tempo que o
elefante (a intuição) é quem comanda o comportamento político, não o cornaca (a
razão), e eles sabem como elefantes funcionam.”
É uma ótima explicação para a eleição de Trump. E também para a dificuldade de cada lado para ouvir e entender os argumentos do outro. “Os obstáculos à empatia não são simétricos”, diz Haidt. Nos Estados Unidos, os esquerdistas resistem a compreender a moral da direita, simplesmente porque não valorizam na mesma medida as dimensões de autoridade, lealdade e sacralidade. No Brasil, a gama moral da esquerda talvez se estenda ao campo do sagrado – basta lembrar o culto a Getúlio ou Lula – e embasa uma narrativa de inegável sucesso num país de crônica desigualdade social. Mesmo assim, à medida que a narrativa conservadora ganha corpo também por aqui, a polarização crescerá ainda mais, e o diálogo entre os rivais será um desafio ainda mais complexo.
Revista Época
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