Segundo o dicionário, antropologia significa a ciência do homem no
sentido mais amplo, que engloba origens, evolução, fisiologia, psicologia,
características raciais, costumes sociais e crenças. Mas não é só isso! A
antropologia vai muito mais além.
Precisamos fazer todo o percurso histórico,
filosófico e teológico para a reconstrução da antropologia Cristã do homem,
para isto precisamos vê-lo a partir do humanismo cristão, analisando-o dentro
da segura antropologia filosófica personalista. A sua singularidade e
universalidade da pessoa humana. Como o homem era visto dentro da Cultura grega
antiga, passando pelo Renascimento e o Personalismo. As condições favoráveis
para a plena realização do homem. Para explicar o homem é necessário falar de
Deus? É possível compreender o ser humano sem considerar esta relação? Se Deus
é um mistério, o homem também, é um mistério? Uma ciência antropológica que deixa Deus de fora é suficiente para
entender o homem em sua complexidade? Valendo-nos das Sagradas Escrituras,
da Doutrina Social da Igreja, fundamentação teórica de qualidade e da
experiência advinda do Carisma Shalom, oferecemos um percurso sobre o ser
humano segundo a antropologia cristã.
O homem, um
ser transcendente
Por *Elton Alves
Quem é o homem? Seria ele um ser igual aos outros? Um aglomerado de
células? Um conjunto de enzimas que se comportam conforme o estímulo? Haveria
alguma diferença entre o ser humano e um animal? Qual é o sentido do seu
existir?O
ser humano apresenta suas características ontológicas em todos os tempos da
história: a inteligência, vontade, liberdade, criatividade, engenhosidade,
sociabilidade, abertura ao transcendente, trabalho, etc. Acima de tudo,
esse ser traz em si, na sua essência, uma imensurável capacidade de
relacionar-se, de superar desafios, de sobrevivência; possui uma inventividade
incrível, que lhe permite viver e ultrapassar as provocações da sua
cotidianidade e do seu tempo.Uma
característica do ser humano que ultrapassa os séculos, é a interrogação acerca
do seu sentido, de quem ele é. A psicologia é uma das ciências que buscam
responder essa intrigante questão. São várias e diversas as abordagens, e cada
uma conceituará o homem de acordo com as suas premissas básicas. Para a
Psicanálise, por exemplo, o homem é um sujeito dividido, incompleto e remetido
a um outro lugar, a um outro plano da existência habitado pela dúvida e não apenas
pela certeza. O que predomina na Psicanálise é o princípio do prazer,
além das pulsões de morte e pulsão de vida.“Freud dá bastante destaque aos aspectos destrutivos do homem. A necessidade, colocada por ele, no sentido
de controlar e de coibir o indivíduo, devido ao perigo que ele poderá
representar para a sociedade, sobretudo na fase inicial, me leva a concluir que
o homem preconizado por Freud, não é, socialmente falando, muito digno de
confiança” (GUSMÃO, 2011, p. 55).Por
sua vez, as concepções humanistas buscam conhecer o homem, tentando humanizar
seu aparelho psíquico, o que contraria firmemente a concepção do ser humano
como aquele que pode ser condicionado pelo mundo externo.“Diríamos que a maior contribuição do Humanismo é a da experiência
consciente, a crença na integralidade entre a natureza e a conduta do ser
humano, no livre arbítrio, espontaneidade e poder criativo do indivíduo. Em meio as diferentes concepções de
homem, desde os gregos até os nossos dias há uma constante preocupação sobre o
“segredo” do homem, e acrescenta que, após o Iluminismo é possível identificar
a constante secularização da imagem humana. Uma preocupação com o que é
material, com o trabalho, com a busca do prazer, com a racionalidade.” (Vaz,
2004).“Contudo, se for retirado do
homem a sua dimensão especificamente humana e o foco se deter apenas nos
aspectos biológico e psicológico, ele sacrifica sua visão como um todo.
Essa redução ao plano biológico ressaltará apenas os fenômenos somáticos,
enquanto a restrição ao plano psicológico ressalvará somente fenômenos
psíquicos” (cf. Frankl, 1999).Uma
visão integral do ser humano, nas suas dimensões bio-psico-espiritual, permite
a esse mesmo ser humano a capacidade de relacionar-se e de amar, ressaltando
aquela dimensão genuinamente humana, ou seja, a dimensão espiritual.“Deparamo-nos aqui com um fenômeno humano que considero fundamental do
ponto de vista antropológico: a
autotranscendência da existência humana. O que pretendo descrever com isso é o
fato de que o ser humano sempre aponta para algo além de si mesmo, para algo
que não é ele mesmo, para algo ou para alguém: para um sentido que se deve
cumprir, ou para outro ser humano, a cujo encontro nos dirigimos com amor.
por conseguinte, só pode realizar a si mesmo à medida que se esquece de si
mesmo, que não repara em si mesmo” (FRANKL, 2015).
A
ANTROPOLOGIA BÍBLICA DO HOMEM:
Criado
à imagem de Deus (Gn 1,26), o ser humano é chamado à comunhão com o seu
Criador. Na dimensão antropológica compreendemos que essa comunhão se dá na
capacidade que Deus deu ao homem de transcendência e liberdade, características
ignoradas quando se nega a sua dimensão espiritual. Essa capacidade de
autotranscedência se contrapõe a toda tendência determinista acerca do ser humano
e lhe permite buscar a Deus.Se quisermos conhecer a antropologia cristã,
não podemos nos abster do encontro com a Sagrada Escritura. Desejamos
nestes dois primeiros artigos tratar do homem à luz dos capítulos 1 à 3 do
livro do Gênesis, para encontrar alguns elementos fundamentais, e imutáveis, a
respeito do homem.
Sabemos
que os dois primeiros capítulos do Gênesis tratam, com duas tradições
diferentes:
1)-
Uma tradição mais recente presente em Gn 1,1-2,4,
2)-
E uma mais antiga, retratada em Gn 2,4-25 (Tradição Sacerdotal e Javista; para o
estudo e aprofundamento destas tradições ver: F. García López, O Pentateuco, Editora
Ave-Maria, São Paulo 2006), da criação do homem.
Uma
análise atenta ao processo criador de Gn 1, nos faz perceber que Deus constrói,
passo a passo, um ambiente no qual o homem possa habitar: primeiramente há um processo de
separação (Termo bem característico da teologia sacerdotal); em
seguida, a criação dos seres, que vai como que em um caminho progressivo, do
inanimado (luzeiros do céu vv. 14-19) àqueles dotados de uma animação sempre
mais marcada, vegetais, animais, culminando na criação do homem.
Poderíamos resumir este processo criador, segundo os dias da criação, da
seguinte forma:
1°-
A luz é separada das trevas (vv. 3-5).
2°
– As águas superiores são separadas das águas inferiores (vv. 6-8).
3°
– O mar separado da terra seca (vv.9-10); a vegetação aparece sobre a terra
(vv. 11-13).
4°
– São criados os luzeiros no céu (vv. 14-19).
5°
– São criados os animais nas águas e no céu (vv. 20-23).
6°
– São criados os animais terrestres (vv. 24-25); o homem é criado (vv. 26-31) –
(P. Grelot, Homem quem és?, Editora Paulinas, São Paulo 1980, 42).
Este
esquema nos ajuda a constatar a particular colocação do homem no complexo da
ação criadora de Deus. Todavia, neste capítulo temos mais alguns elementos importantes
a serem analisados.Em Gn 1,26 vemos que o homem é o único “ente” a ser criado à imagem e
segundo a semelhança de Deus (Gn 1,26: «Deus disse: “Façamos o homem à
nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar,
as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que
rastejam sobre a terra”»). O fato de ser imagem, indica que pode
entrar em diálogo com Deus, e que não pode subsistir independentemente daquele
a quem deve exprimir. Em outras palavras, por ser imagem, o homem
deve «voltar-se para aquele cujos traços reflete» (P. Grelot, Homem
quem és?, 43). Por conseguinte, todo atentado contra o homem é, de certo modo,
uma ação contra o desígnio do Deus criador, e o homicídio é um crime contra a
imagem de Deus (cf. Gn 9,6). Um grande biblista Italiano, Gianfranco Ravasi,
faz um comentário que sintetiza o binômio “imagem-semelhança”, trazendo luz
para uma melhor compreensão de quem seja o homem aos olhos divinos. Assim
afirma:«Em hebraico o primeiro termo alude à uma estátua e sublinha a profunda
conexão com o objeto representado; o segundo, por sua vez, exclui a identidade
total. O homem é como Deus, mas não é Deus. Por conseguinte, a via privilegiada
para conhecer a Deus é o homem; é a sua representação mais semelhante» (G. Ravasi, El libro del Génesis (1-11), Editorial
Herder, Barcelona 1992, 50).Como
forma de enfatizar ainda mais a particularidade do homem no âmbito da criação,
o v. 26 conclui dizendo: «que eles dominem sobre os peixes do mar, as
aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que
rastejam sobre a terra». Ou seja, todo o criado foi destinado a ser
submetido àqueles nos quais foi impressa, de modo particular, a imagem divina.
Poderíamos dizer que é exatamente por graça da imagem divina, e por
conseguinte, de sua vocação particular, que tudo lhe foi submetido.Um outro
elemento importante pode ser percebido no v. 27, trata-se de um verbo hebraico
bᾱrᾱ‘. Este verbo, que indica o ato criador, comumente traduzido por criar, é
bem específico e possui ao menos três características que lhe atribuem um forte
sentido teológico:
1
– Só Deus é o sujeito de tal verbo.
2
– O resultado desta ação é algo novo e extraordinário.
3
– Deus age, neste verbo, sem nenhuma mediação (Cf. G. Trenker, «Creazione» in
Bauer J. B., Dizionario di teologia biblica, Morcelliana, Brescia 1969, 321).
Se
observarmos o texto hebraico do Gênesis perceberemos que no ato criador,
descrito em Gn 1,27, por três vezes aparece o verbo bᾱrᾱ‘. Tal insistência
também está a indicar a particularidade do homem, que foi criado, em um mesmo
ato, segundo Gn 1, como homem e mulher. Como que para coroar a ação criadora
realizada neste sexto dia, o Senhor não somente repete a sua admiração como
antes – dizendo: “é bom”, mas desta vez diz que «é muito bom» (Gn 1,31). O termo
hebraico aqui subjacente, comumente traduzido por bom, é tôb, que indica não
somente algo bom, mas também belo, nobre (Cf. L. Alonso Schökel, «טוֹב», in
Dizionario di ebraico biblico, San Paolo, Cinisello Balsamo 2013, 311).
sendo assim, a partir da contemplação
divina da criação, realizada ao final do sexto dia, compreendemos que o homem,
de certo modo, dá beleza, nobreza e mesmo bondade à toda obra criadora.Apesar
da brevidade do artigo, podemos concluir dizendo que estes elementos
apresentados nos permitem intuir a grandeza do homem e de sua vocação diante de
Deus; o Senhor o coloca como ápce da criação, lhe prepara um ambiente, cria-o
com um verbo hebraico cujo resultado é uma obra maravilhosa e, para completar,
o Senhor mesmo dá a sua percepção da criação dizendo: «é muito bom!». Através
do homem, algo de muito bom foi introduzido na criação; nele a criação é como
que coroada. Pela riqueza contida nas palavras de Deus: «é muito bom!», podemos
tocar algo da alegria divina, presente em seu ato ao criar alguém que é «sua
imagem e segundo a sua semelhança». No segundo relato da criação (Gn 2,4b-25) podemos
sublinhar algumas características com as quais o homem e a mulher são
apresentados:
A criação em Gênesis 2,4b-25
Enquanto
a ação criadora de Gn 1 ressalta a força da palavra divina que, ao ser
pronunciada, faz com que as coisas venham a existência, em Gn 2 apresenta a ação divina
de modo antropomórfico: Deus “tem mãos”, “toca o barro”, modela o homem.
O primeiro verbo utilizado em Gn 2,7 é ʽᾱśâ, que indica a fabricação manual,
como o oleiro que modela o vaso. Em seguida porém, vemos um ato divino
extraordinário: Deus «insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um
ser vivente». Daqui, podemos concluir que o homem é a unidade realizada
entre a fragilidade do barro e a nobreza do sopro divino. O fato do próprio
Deus modelá-lo e, soprando em suas narinas, lhe fazer um “ser vivente”, mostra
a sua relação com o mundo divino; todavia, o barro com o qual foi constituído
não lhe deixará esquecer a sua fragilidade.
A criação
da mulher (não foi gerada das partes superiores e nem inferiores, mas do lado de adão)
Os
vv. 21-22, que narram a criação da mulher, nos dá a ocasião de fazer algumas
breves considerações sobre a relação homem-mulher dentro do plano divino;
isso nos ajudará a compreender algumas dimensões essenciais da antropologia
bíblica:Primeiramente
percebemos que o homem busca alguém que lhe corresponda, mas não encontra este
“alguém” dentro das obras que o Senhor havia feito (cf. Gn 2,20). À “solidão”
provada pelo primeiro homem, faz eco, como que para confirmá-la, as palavras
pronunciadas pelo próprio Deus: «não é bom que o homem esteja só. Vou fazer
uma auxiliar que lhe corresponda» (Gn 2,18); mais uma vez, é o texto hebraico
que pode nos ajudar a compreender a fineza contida nestas palavras: Em
Gn 1,1-2,4a, por seis vezes aparece o termo tôb, sendo a última, intensificada
para expressar que era «muito bom» tudo quanto Deus havia criado. Agora, em Gn
2,18, pela primeira vez se rompe a sequência do hino divino “é bom” para o “não
é bom” (lōʼ–tôb) decretado pelo próprio Deus, referindo-se a solidão do homem. Ele
não foi criado para estar só, mas sim para se doar e receber o dom do outro. É
neste contexto que Deus decide fazer o primeiro homem dormir. O seu sono será
como o de tantos personagens bíblicos, uma manifestação divina. Deus
presenteia o homem por meio de alguém à quem possa se entregar e receber; em
outras palavras, que realmente lhe corresponda, eis o motivo de sua exultação:
«23esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne!» (Gn 2,23). Vale
ressaltar que estas são as primeiras palavras do homem em toda a Sagrada
Escritura; um louvor pelo criado, um reconhecimento da grandeza do Criador.Quanto
à criação da mulher, convém ainda dizer que, seguindo o antropomorfismo, próprio
do segundo relato da criação, o texto afirma que a mulher é “construída”, do
verbo bᾱnâ, com o lado de Adão (Gn 2,22). Sendo assim, ela é a primeira
construção narrada na Sagrada Escritura; para melhor compreender a grandeza
contida neste ato divino, basta mencionar que este mesmo verbo servirá para
indicar, por exemplo, a construção do templo de Jerusalém (cf. 2 Sam 7,7).
O pecado: tentação, liberdade, e colaboração
Após
ter narrado a criação da mulher, o autor sagrado relata a queda original. Estes
dois fatos estão intrinsecamente relacionados, sobretudo, por apresentarem
elementos antitéticos na relação do “casal original”, entre o antes e o pós
pecado; em outras palavras, a antítese está na passagem da harmonia para a
desarmonia. A tônica de Gn 3 muda sensivelmente em relação à Gn 2: à
busca da correspondência, da auxiliar, e ao grito de exultação por parte do
homem, é apresentado, em Gn 3, a acusação recíproca (cf. Gn 3,12-13). As
primeiras palavras do homem em Gn 2 são de exultação, em Gn 3 são de acusação;
estes elementos, e outros não mencionados, indicam que a harmonia original, não
completamente destruída, foi, todavia, muito comprometida. No que toca
a relação com Deus, e este é o princípio da desarmonia, ao invés de escutar os
passos de Deus no jardim e estar com comunhão com Ele, o casal se esconde da
face divina. No primeiro relato antes do pecado, integralidade, ou seja, homem
e mulher se viam por inteiro sem envergonhar-se. Após o pecado, perdem a visão
recíproca da integralidade, e se vêm por partes. Divisão e perca da
integralidade é uma das inúmeras consequências do pecado.Erraríamos,
porém, se apresentássemos estes fatos como um falimento, quase que absoluto, do
projeto do Criador. Na exata cena onde o pecado é cometido, vemos as marcas de
esperança fixadas pelo Senhor: enquanto Deus pergunta ao homem, quer
escutá-lo, a respeito do ocorrido, como que para conscientizá-lo de sua
responsabilidade no plano da criação, à serpente Deus não pergunta nada,
simplesmente dá o veredicto e a amaldiçoa (cf. Gn 3,14-15) – («Porque
fizeste isso és maldita entre todos os animais domésticos e todas as feras
selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua
vida. Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem
dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar»: Gn 3,14-15).Este
veredicto é já anúncio de Sua vitória; é já a condenação do mal, como que a
dizer que este não permanecerá impune. Outro sinal de esperança está no fato
que, não obstante o pecado, Deus não amaldiçoa o homem; Ele os abençoou (Gn
1,28) e não volta atrás dos seus dons. Por isso, a mulher não só não perde a
própria identidade após o pecado, como, aliás, é confirmada em sua missão: Eva,
significa mãe dos viventes. Não obstante ter oferecido o fruto da morte, ela
permanece como guardiã e selo da vida (Cfr. Ratzinger, A Filha de Sião, 13). Podemos
afirmar que o pecado não foi e, e não é, capaz de mudar o olhar divino sobre o
homem e a mulher por Ele criados; repousa sobre eles a promessa e a
benevolência divinas.Um grande sinal de que a beleza da ação criadora divina
não foi completamente ofuscada, está no fato de que a relação homem-mulher
continuará a ser – particularmente na literatura profética – como que
“sacramento” da relação entre Deus e o seu povo, por meio da simbologia
esponsal (No profeta Oseias, por exemplo, vemos Deus mesmo dizer à Israel: «me
chamarás: meu Esposo»- Os 2,4; 18ss).
*Elton Alves - Teólogo, Consagrado na Comunidade de Vida Shalom
Antropologia
e os direitos do homem
Por *Ana Carla Bessa
Criada pelo Deus Uno e Trino, a
pessoa humana é chamada a descobrir Nele a origem e a meta da sua existência,
sendo na revelação divina, que cada homem e cada mulher pode encontrar o
significado autêntico e pleno de sua vida pessoal e social, bem como responder
à tarefa que lhes foi confiada pelo Criador de ordenar o universo criado
segundo o Seu desígnio (Cf. Gn 1,26-31).O
Magistério da Igreja, respondendo à sua tarefa de formar a criatura humana para
responder plenamente e integralmente ao dom da vida (física, social, moral e
espiritual), e nesta resposta encontrar sua realização pessoal na plena
comunhão com Deus e com o próximo, afirma a inalienável dignidade da pessoa
humana em todas as suas dimensões: pessoal e social, espiritual e corpórea,
histórica e transcendente. Entretanto, afirma também, com base nas Sagradas
Escrituras, que a pessoa humana transcende o horizonte do universo criado, da sociedade
e da história, uma vez que seu fim último é o próprio Deus, sendo uma
das formas de recusa à própria dignidade deixar-se escravizar por estruturas da
realidade provisória, uma vez que “a figura desse mundo passa”(1Cor 7, 31).Por outro lado, não se pode esquecer que o desígnio de Deus para a
pessoa humana e sua própria realização passa pelas suas relações e pelo seu
empenho em melhorar o mundo criado, colaborando, em meio à realidade temporal,
para o bem comum, na verdade, na caridade, na justiça e na paz, antecipando
neste mundo, no âmbito das relações humanas, o que será realidade no mundo
definitivo.Com
base nas Sagradas Escrituras, a Igreja ensina que a pessoa humana recebeu do
próprio Deus uma incomparável e inalienável dignidade, pois “Deus criou o homem
à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher” (Gên 1, 27),
capaz de conhecer-se, de possuir-se, de doar-se livremente e entrar em comunhão
com outras pessoas, oferecendo ao Criador uma resposta de fé e de amor que
ninguém mais pode dar em seu lugar. A doutrina social da Igreja refere-se,
neste ponto, às várias dimensões da pessoa humana, dentre elas a unidade de
alma e corpo, ferida e dividida pelo pecado, mas redimida em Jesus Cristo e chamada
à união com Ele.Portanto, o respeito à dignidade humana, a par de todos os programas
sociais, científicos e culturais criados pelo homem para afirmá-la, nasce de
sua origem em Deus e em sua vocação última à santidade, de modo que todo
esforço humano por uma sociedade justa, pelo progresso, desenvolvimento e bem-estar,
a pessoa se mostra inútil quando contraria a própria essência.De
acordo com a Doutrina Social da Igreja, a pessoa não pode ser instrumentalizada
para projetos de caráter econômico, social e político, de modo que a dignidade
humana exige que o homem atue segundo sua consciente e livre escolha, mas esta
liberdade não é ilimitada.De fato, ao contrariar a lei maior da caridade, a pessoa humana
acorrenta-se a si mesmo, dissociando liberdade e responsabilidade pelo mal
cometido, destruindo a si e à própria sociedade.Uma
das formas de recusa à própria dignidade tem sido as competições entre homem e
mulher baseadas na lógica do egocentrismo e da auto-afirmação, em detrimento do
amor e da solidariedade. Uma outra forma de macular a própria
dignidade tem sido o descaso ou mesmo as propostas de eliminação da pessoas que
se encontram em fragilidade física como a criança no útero materno, a pessoa
enferma, ou deficiente e os idosos, muitas vezes desprezados no próprio
ambiente familiar, permeado por uma cultura materialista, ateia e utilitarista.
Neste sentido, é necessário compreender-se que a origem dos direitos
humanos não se situa na mera vontade histórica de seres humanos mas no mesmo
Deus seu Criador, sendo portanto direitos universais, invioláveis e inalienáveis:
1)-
Universais,
porque estão presentes em todos os seres humanos, sem exceção alguma de tempo,
de lugar e de sujeitos.
2)-
Invioláveis,
enquanto inerentes à pessoa humana e à sua dignidade.
3)-
Inalienáveis,
porque privar destes direitos um seu semelhante, significaria violentar a sua
própria natureza.
Em
conexão com os direitos da pessoa humana não se pode esquecer de sua correlativa
responsabilidade, o que se observa como contrassenso diante de uma
solene proclamação dos direitos do homem contradita por uma dolorosa realidade
de violações, guerras e violências de todo tipo, em primeiro lugar os
genocídios e as deportações em massa, a difusão quase que por toda a parte de
formas sempre novas de escravidão, tais como o tráfico de seres humanos e de
drogas, em nome de uma pretensa liberdade democrática.Em
corrente contrária a toda incoerência entre direitos e dignidade da pessoa
humana a igreja anuncia princípios que devem ser apreciados na sua unidade e
complementaridade, como aquele que regula o bem comum, como condições de vida
social que contemplem ao mesmo tempo a coletividade e os indivíduos, ou seja a
dimensão social e comunitária do bem moral, o bem do homem todo e de todos os
homens. Enfim, o estado a serviço do homem e não o inverso. Neste
sentido, a responsabilidade de contribuir para o bem comum compete às pessoas
consideradas individualmente, e ao Estado, que deve garantir coesão, unidade e
organização à sociedade civil da qual é expressão, de modo que o bem comum
possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos, como indivíduos ou
associados com outros, diretamente ou por meio de representantes, contribui
para a vida cultural, econômica, política e social da comunidade civil a que
pertence, de modo que sua participação é um dever a ser conscientemente
exercitado por todos, de modo responsável e em vista do bem comum.Para
tanto, o Magistério da igreja evoca os valores da verdade, da justiça, do amor
e da liberdade, os quais nascem e se desenvolvem da caridade, para a qual a
convivência humana é ordenada, sem a qual nenhuma legislação, nenhum sistema de
regras ou de pactos conseguirá persuadir homens e povos a viver na unidade, na
fraternidade e na paz.
*Ana Carla Bessa - Advogada, Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom
O HOMEM NA ANTROPOLOGIA SOCIAL DA IGREJA E NO CARISMA SHALOM
Por *Delcy Carvalho
O artigo a seguir, trata-se de uma breve resenha elaborada a partir da
leitura dos tópicos referentes à Dignidade e Direitos da Pessoa Humana, no Capítulo III do Compêndio de Doutrina
Social da Igreja.
Criados para a
Comunhão
Há
uma multidão de pessoas que desconhece essa verdade: são amados por Deus em
Jesus Cristo e chamados a viver uma comunhão plena de amor com Ele e com os
outros. E essa salvação é destinada a todos os homens e diz respeito ao “homem
todo: é salvação universal e integral. Diz respeito à pessoa humana em
todas as suas dimensões: pessoal e social, espiritual e corpórea, histórica e
transcendente” (DSI, 38).Uma visão integral do
homem e de sua dignidade exige uma reflexão livre de ideologias ou visões reducionistas
que empreguem na ação política a resolução de todos os problemas humanos. Tal visão não pode
ser desenvolvida esquecendo-se da dimensão reconciliadora do homem com Deus,
geradora da paz! A paz não é fruto do esforço e do engenho humanos, propriamente, mas
fruto de uma experiência de reconciliação com Deus, pois se a paz é
fruto da justiça, a justiça é fruto da conversão por meio de Jesus, o Shalom do
Pai:“Jesus, assim, é o próprio Shalom do Pai, Ele vem nos dar a perfeita
felicidade, a salvação. Ele é o Shalom que tanto os corações como o mundo
necessitam. É Ele quem nos conduz à única e verdadeira paz. Não a paz que o mundo oferece, ou que os
homens ingenuamente querem estabelecer, baseada somente em si próprios, como
uma simples conquista da humanidade, pelo estabelecimento da “justiça humana”,
ou apenas pela ausência de guerra. Não a paz que o mundo dá, pois ela não é
verdadeira, é uma ilusão que engana o coração do homem, mas a paz que Jesus
traz (Jo 14,27), a paz da conversão, do voltar-se para Jesus, de reconhece-lo
como Salvador e Senhor da humanidade, único caminho da verdadeira paz, da
verdadeira justiça (o Evangelho), do verdadeiro amor.” (Escrito Shalom, 03).O
desenvolvimento integral do homem, a partir do anúncio do Evangelho, da
promoção humana e da formação dos filhos de Deus para serem testemunhas no
mundo engloba dois polos: o polo ativo e o povo passivo. Ambos se enriquecem e
se retroalimentam de uma maneira extraordinária, causando forte impacto na vida
pessoal e social.O homem visto como agente da ação evangelizadora, “discípulo e ministro
da paz”, que indo ao encontro do homem ferido e necessitado, realiza-se na ação
missionária ao tocar as chagas de Jesus naquele irmão que sofre, sendo
verdadeiro consolo de Deus e agente de obras de misericórdia, dando de si, do
seu tempo e de suas forças e capacidades; e do outro lado, o homem alcançado
pela misericórdia divina, que se torna concreta na ação do missionário.Assim,
o progresso entendido como excelência (arethé, do gr.) da atividade humana nos
diversos campos da atuação na sociedade (ciência, trabalho, universidade, etc.)
deve ser buscado com todo o empenho. Entretanto, a busca pela excelência é consequência
da qualidade empregada na vida interior, ou seja, assim como uma ressonância do
Evangelho:“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas
coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6,33), o progresso exterior é uma consequência,
sendo obtido de forma oblíqua.A
reconquista, portanto, dos espaços da sociedade para Jesus Cristo, se consolida
a partir da comunhão entre homens livres, maduros e responsáveis, alcançados
pela experiência pessoal de reconciliação com Deus. Esse processo deve
ocorrer por meio da assunção de um estilo de vida missionário comprometido com
o bem comum, a dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento integral de cada homem. Além
disso, é necessário reconhecer que é uma mudança que deve ocorrer por meio da
assunção de um estilo de vida missionário comprometido com o bem comum, a
dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento integral de cada homem.
*Delcy Carvalho - Administrador, Consagrado na Comunidade de Aliança Shalom
Bibliografia
-AZEVEDO
FILHOS, Moysés L. Escritos da Comunidade Católica Shalom, Aquiraz: Ed. Shalom,
2011.
-PONTIFÍCIO
CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, São Paulo:
Paulinas 2012.
-GUSMÃO,
Sônia M. L. Comparando Freud e Rogers. João Pessoa: UFPB, 2011.
-FRANKL,
Viktor. O sofrimento de uma vida sem sentido.: caminhos para encontrar a razão
de viver. São Paulo: É Realizações, 2015.
-PETER,
RICARDO. Frankl, Viktor. A antropologia como terapia. São Paulo: Paulus, 1999.
Fontes:
Instituto Parresia e Comunidade Católica Shalom
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