O problema de todos
os hereges que a Igreja já teve, e continuará tendo, é a falta de humildade em
acolher outros pontos de vista, mas somente em fechar-se ao seu, que considera
certo e todos os demais equivocados, incluindo todo o magistério da Igreja. Leonardo Boff, infelizmente não é a exceção, mas é a regra. Porém é preciso que se entenda quem nenhum herege é mal
intencionado ao propor sua visão de um entendimento particular para o universal. São até sinceros, embora sinceramente equivocados. Nos
consola saber que a Igreja SEMPRE saiu fortalecida em todos estes combates! O
bom seria que todos tivessem a humildade em reconhecer seus equívocos como
Agostinho ao escrever suas RETRATAÇÕES, ou como Tereza de Ávila e Tomas de Aquino que
mesmo sendo doutores da Igreja, ao termino de seus tratados sempre deixavam o
discernimento de seus escritos ao discernimento da Igreja, "coluna e sustentáculo
da verdade"(I Tim 3,15); a qual deve pesar tudo ficando com aquilo que é bom( I
Tessa 5,21).Tomas de Aquino sempre encerrava suas obras assim:
“Se, por ignorância,
ensinei algo errado e contrário a sagrada tradição dos apóstolos e ao sagrado
magistério Petrino, revogo tudo e submeto todos meus escritos ao julgamento da
Santa Igreja Romana...”
Porém, contrariamente a estes nossos humildes santos, para estes novos hereges, quem não aceita sua teologia, está excomungado da Igreja, sendo considerado um(a) fanático(a) alienado(a) e fundamentalista, pois só vale a interpretação deles.
A
Consciência de Jesus "segundo Leonardo Boff"
Por *Fr. Boaventura Kloppenburg, O.F.M - Doutor em Teologia,
Há alguns
meses vi-me inesperadamente envolvido num sério debate sobre a questão da
consciência de Jesus acerca de seu próprio ser e de sua missão. Surpreendeu-me
a destreza com que um grupo de estudantes de Teologia manejava as obras de Frei
Leonardo Boff, O.F.M., e argumentava, triunfante, com o velho “Magister dixit”,
para apresentar uma realmente estranha figura de Jesus de Nazaré. Sentia
dificuldades em acreditar que tais concepções pudessem estar em obras
teológicas católicas. Tive que conceder que não havia lido os escritos
cristológicos de meu famoso confrade petropolitano. Prometi estudá-los, com
atenção especial à questão da consciência de Jesus. Baseia-se o estudo nestes
dois livros de Leonardo Boff (= LB):Jesus Cristo Libertador. Ensaio de
Cristologia crítica para o nosso tempo. 9° edição. Editora Vozes, Petrópolis,
1983 (a primeira edição é de 1972). Será aqui citado abreviadamente: Libertador. Paixão
de Cristo – Paixão do Mundo. Os fatos, as interpretações e o significado ontem
e hoje. 2ª edição. Editora Vozes, Petrópolis, 1978 (a primeira edição é de
1977. Será aqui citado abreviadamente: Paixão.
1.
O modo como LB concebe a consciência que Jesus de Nazaré tinha de si mesmo e de
sua missão, se entende melhor a partir de sua doutrina sobre a divindade de
Jesus:
LB se
sente inteiramente à vontade para dizer e repetir catolicamente que “Jesus é
verdadeiramente Deus”. Eis, porém, como explica esta verdade de fé em
Libertador: Pensa LB que todo ser humano tem por sua natureza uma abertura tal
a Deus que o torna “capaz do Infinito” (p. 221). Este princípio da antropologia
transcendental é então assim aplicado: “Jesus realizou de forma absoluta e cabal
esta capacidade humana, a tal ponto de poder identificar-se com o Infinito.A
Encarnação significa a realização exaustiva e total de uma possibilidade que
Deus colocou pela criação dentro da existência humana”.Depois
esclarece: “O homem pode, pelo amor, abrir-se de tal modo a Deus e aos outros,
que chega a esvaziar-se totalmente de si mesmo e plenificar-se na mesma
proporção pela realidade dos outros e de Deus. Ora, isso se deu exatamente com
Jesus Cristo” (Libertador p. 221).Daí sua
repetida exclamação (que não é orinalmente sua): “Humano assim como Jesus só poderia ser Deus mesmo!” (pp.
171, 193, 269). Tanto se entusiasmou por esta formulação que a colocou como
título do capítulo décimo de Libertador. Mas o que se realizou em Jesus de
Nazaré poderia ocorrer igualmente em cada ser humano: “Nós outros, irmãos de
Jesus, temos recebido de Deus e dele o mesmo desafio: de nos abrirmos mais e
mais a tudo e a todos, para podermos ser, à semelhança de Cristo, repletos da
comunicação divina e humana” (p. 221).
Na
p. 269, LB explica o que entende por Encarnação:
“Abrir-se a Deus de tal forma que
(Jesus) pôde identificar-se com Ele. A encarnação designa exatamente a absoluta
e exaustiva realização desta possibilidade contida dentro do horizonte da realidade
humana, pela primeira vez concretizada por Jesus de Nazaré. Sua história
pessoal revelou um tipo de ser-homem, uma forma de comportamento, de falar, de
relacionar-se com Deus e com os outros que rompia os critérios comuns de
interpretação religiosa. Sua profunda humanidade deixou transparecer estruturas
antropológicas numa limpidez e transparência para o Divino que superaram tudo o
que até então na história religiosa da humanidade havia surgido. Humano assim
como Jesus só poderia ser Deus mesmo. Por causa de tudo isso Jesus de Nazaré
foi designado com justa razão de Cristo”. Já que
esta Encarnação pode ser repetida por todos os seres humanos, existe em todos
eles uma estrutura crística, que é anterior ao Jesus histórico e dele
independente, mas nele se manifestou de forma absoluta e exaustiva (p. 269).
Tal “estrutura crística” não tem nenhuma referência especial ou necessária ao
Mistério Pascal de Jesus, que é apenas seu grande modelo. “Todas as vezes que o
homem se abre para Deus e para o outro, sempre que se realiza verdadeiro amor e
superação do egoísmo, quando o homem busca justiça, solidariedade e perdão, aí
se dá verdadeiro cristianismo e emerge dentro da história humana a estrutura
crística” (p. 269s). Será,
pois, sempre um processo de autorredenção mediante a estrutura crística
virtualmente presente em cada ser humano. Eis o que de fato aconteceu com o
homem de Nazaré: “Jesus em sua humanidade viveu com tal radical idade a estrutura
crística que deve ser considerado como o melhor fruto da evolução humana… ;
como aquele homem que já atingiu a meta do processo de humanização do homem”
(p. 271).
Assim
LB pode estabelecer esta "tese":
“A plena hominização do homem supõe a
hominização de Deus” (p. 272, título). Daí a doutrina: “O homem mais perfeito, completo,
definitivo e acabado é aquele que pôde identificar-se e ser-um com o Infinito.
Ora, Jesus de Nazaré foi aquele ser humano que realizou essa possibilidade
humana até o extremo e assim logrou chegar à meta da hominização. Porque foi de
tal forma aberto a Deus a ponto de ser totalmente repletado por Ele, é que deve
ser chamado de Deus encarnado” (p. 272s).
Eis a Encarnação
Boffenta!
Mas todos
podem chegar a isso: “O homem, para tornar-se verdadeiramente ele
mesmo, deve poder realizar as possibilidades inscritas em sua natureza,
especialmente essa de poder ser um com Deus. Quando o homem chega a tal
comunhão com Deus a ponto de formar com Ele uma unidade sem confusão, sem
divisão e sem mutação, então atinge seu ponto máximo de hominização. Quando
isso se verifica, Deus se humaniza e o homem se diviniza, e surge na história
Jesus Cristo” (p. 273). Não sei se com estes conceito acima
o "Próprio Boff se enquadra neles aponto de considerar-se um ser divinizado", ou
seja: "sem
confusão, sem divisão e sem mutação", então atingiu seu ponto máximo de
hominização.” Tomando tudo isso a sério, deve-se concluir que "Jesus de Nazaré não era o Verbo
encarnado desde sua conceição, mas foi divinizando-se pouco a pouco" até ser
“totalmente repleto”. É
nesse lento processo de divinização ou plena hominização que devemos entender
também a progressiva consciência que Jesus de Nazaré não era o Verbo encarnado
desde sua conceição, mas foi divinizando-se pouco a pouco até ser “totalmente
repleto”. É nesse lento processo de divinização ou plena
hominização que devemos entender também a progressiva consciência que Jesus foi
adquirindo e que tinha de si mesmo.
2.
Mas, para podermos conhecer a autoconsciência de Jesus, não podemos, segundo LB,
recorrer sem mais às afirmações que os evangelistas lhe atribuem:
Pois,
segundo LB, os Evangelhos foram escritos numa mentalidade “pré-científica,
mítica e acrítica’ (p. 46); são “o resultado de um longo processo de reflexão,
pregação e catequese que a comunidade dos discípulos elaborou sobre Jesus” (p.
46); são “a cristalização da dogmática da Igreja primitiva” (p. 46); “contêm
POUCO do Jesus histórico, assim como ele foi e viveu” (p. 47); “retratam as
tradições e o desenvolvimento dogmático da Igreja primitiva” (p. 48).
Em suma, escreve LB em "Paixão" p. 73:
“A situação atual dos textos neotestamentários,
como ter-se-á evidenciado nas reflexões anteriores, vem cercada de tal forma
por interpretações teológicas que já não se permite a reconstrução histórica do
caminho de Jesus. O Jesus histórico só nos é acessível na mediação do Cristo de
nossa fé. Em outras palavras: entre o Jesus histórico e nós existem as
interpretações interessadas dos primeiros cristãos. Esta situação é objetiva e,
em sua globalidade, insuperável”.(Poderia ser uma citação de Bultmann).Insistindo
fortemente na distinção entre um fato histórico e seu significado ou sua
interpretação teológica posterior, LB, dizendo-se constantemente apoiado em
bons exegetas, recorre a um expediente relativamente fácil para determinar o
que é “histórico” e o que é “teológico” ou interpretação à luz do plano divino.
Quando nalgum texto atribuído pelos evangelistas ao Jesus histórico se
encontram elementos “teológicos”, ele é declarado simplesmente “não-histórico”
e creditado à reflexão teológica posterior e não mais ao Jesus histórico
(incapaz de ser teólogo).
Temos em LB um exemplo típico da "aplicação conseqüente da hermenêutica bíblica racionalista", que seria
"pseudo-científica”
Como Rudolf Bultmann, LB opina que sabemos
muito pouco sobre o Jesus histórico, mas, quando lhe convém, supõe, conhecer
tão bem seu pensamento que é capaz de afirmar serenamente que Jesus tinha sobre
tal ou tal ponto tal ou tal posição, que as comunidades palestinenses ou
helenísticas depois modificaram de tal ou tal maneira…
CONTEXTUALIZAÇÃO
SOBRE O “CRISTO HISTÓRICO E O CRISTO DA FÉ”
O termo Jesus histórico refere-se a uma série de reconstruções
acadêmicas do século I da figura de Jesus de Nazaré. Estas reconstruções são
baseadas em métodos históricos, incluindo a análise crítica dos evangelhos
canônicos como a principal fonte para sua biografia, juntamente com a
consideração do contexto histórico e cultural em que Jesus viveu.A pesquisa sobre o
Jesus histórico teve início no século XVIII e se desenvolveu, até os nossos
dias, em três ondas, preocupadas em reconstruir os
fatos históricos e a pessoa humana de Jesus, que ficavam como
que escondidos atrás das afirmações dogmáticas e de fé das Igrejas. Tal busca
teve como premissa uma mentalidade racionalística, que acredita poder
reconstruir a verdade histórica relacionada a Jesus por meio da razão, e foi
impulsionada pela descoberta da estratificação e fragmentação dos textos
bíblicos e sua consequente classificação.Um aspecto fundamental dessa busca é tentar inserir Jesus no contexto
histórico-sociocultural do judaísmo do século I na Palestina, por meio do
estudo de fontes canônicas, apócrifas e pseudepigráficas que lançaram novas
luzes sobre a complexidade da religião e da sociedade judaica daquela época.A busca pelo Jesus
histórico se apoia na literatura bíblica e extra-bíblica do século I; nas
descobertas arqueológicas; nos estudos sociológicos e historiográficos; para
reconstruir e entender o contexto histórico, sociológico e religioso do tempo
de Jesus, tentando entender e imaginar o impacto de sua pessoa e de sua
mensagem dentro deste mesmo contexto, portanto, parte-se do pressuposto que
Jesus deve ser lido dentro do contexto da Galileia daquela época.
Acredita-se portanto,que
o Jesus histórico:
1.Foi um homem que viveu na Galileia na
primeira metade do século I, que era filho de um carpinteiro, que provavelmente
tinha outros irmãos (Mt 13,55).
2.Provavelmente foi um dos discípulos de
João Batista, que o batizou.
3.Por um período menor que um ano como rabi
na região do Mar da Galiléia até a sua crucificação, que provavelmente ocorreu
na Páscoa do ano 30 por motivos políticos (conflito com a elite local ligada ao
Templo de Jerusalém).
4.Realizou pelo menos uma peregrinação a
Jerusalém - então parte da província romana da Judeia - durante o tempo da
expectativa messiânica e apocalíptica no final do Segundo Templo Judaico.
5.Foi um profeta apocalíptico e um professor
de ética autônoma, que contava parábolas, muitas delas sobre a vinda de um Reino de Deus.
Alguns estudiosos creditam as declarações apocalípticas dos Evangelhos a
Jesus, enquanto outros retratam o seu Reino de Deus como moral, e não de
natureza apocalíptica.Durante um tempo, Ele
enviou seus apóstolos a fim curar as pessoas e pregarem sobre o Reino de Deus. Mais
tarde, Jesus viajou para Jerusalém, onde causou uma perturbação no Templo.Era a
época da Páscoa, quando as tensões políticas e religiosas eram altas em
Jerusalém. Os Evangelhos dizem que os guardas do templo (acredita-se serem
saduceus) prenderam-no e entregaram-no ao governador romano Pôncio Pilatos para
execução. O movimento inaugurado por Jesus sobreviveu à sua morte, sendo liderado
por seu irmão Tiago, o Justo e pelos apóstolos que passaram a proclamar que
Jesus havia ressuscitado (proclamar uma mentira? Os seguidores
daquele que veio dar TESTEMUNHO DA VERDADE, e levar muitos a morrerem por esta
mentira?). Pouco depois, os seguidores de Jesus se dividiram do
judaísmo rabínico, dando origem ao que conhecemos como cristianismo primitivo.A busca pelo Jesus
histórico parte do pressuposto que o Novo Testamento não dá necessariamente uma
imagem histórica precisa da vida de Jesus. Nesse contexto, a descrição bíblica
de Jesus é conhecida como a do Cristo da Fé. Dessa forma, o Jesus histórico é
baseado em materiais históricos antigos que podem falar alguma coisa sobre sua
vida, como os fragmentos dos Evangelhos. A finalidade da
pesquisa sobre o Jesus histórico é examinar as evidências a partir de fontes
diversas, tratando-as criticamente e em conjunto para criar uma imagem composta
de Jesus. Para alguns, o uso do termo Jesus histórico implica que o
Jesus reconstruído será diferente do que se apresentou no ensino dos concílios
ecumênicos (o Cristo dogmático). Outros estudiosos afirmam que não há
nenhuma contradição entre o Jesus histórico e o Cristo retratado no Novo. (Craig Blomberg. Jesus e os Evangelhos. São Paulo: Vida Nova, 2009).
Eis
alguns exemplos desta pulverização Boffenta dos evangelhos em seu livro Paixão:
– Na p.
42: todo o processo contra Jesus era reflexão teológica posterior: “A
historicidade de todos estes dados é assaz discutida sem possibilidade de um
consenso por causa da precariedade das próprias fontes. Acresce ainda que não
constam da parte dos evangelistas testemunhos oculares do processo contra
Jesus. O que os evangelistas referem, é reflexão teológica com forte acento em
textos do AT”.
– Na p.
45: a entrada de Jesus em Jerusalém é um fato que “foi depois da ressurreição
embelezado. Estamos, pois, mais diante de teologia do que de história
fatual”.
– Na p.
46: o texto da purificação do templo, principalmente sobre o Filho do Homem que
virá como juiz e libertador, “já é reflexão pós-pascal”.
– Na p.
46s: a cena da última ceia é colocada num “marco teológico e não histórico”.
Os textos eucarísticos não são de Jesus histórico. Mas sobre isso haverá
depois informações mais detalhadas.
– Na p.
49s: a tentação do Getsêmani: “O atual relato vem urdido de teologia em função
das necessidades parenéticas da Comunidade primitiva”. “As palavras da oração
de Jesus parecem ser elaboração da Comunidade primitiva” (p. 50). A
recomendação de vigiar e orar “é muito provavelmente um lógion parenético das
primeiras comunidades”. Depois: “A consciência da tentação de Jesus, de como
suportou e venceu na oração, levou a comunidade a elaborar a cena do Getsêmani.
Seu conteúdo não se cinge a fatos históricos concretos, nas concerne à reflexão
cristológica sobre Jesus” (p. 51).
– Na p.
52, sobre todo o processo da condenação de Jesus: “Historicamente certos são os
fatos da crucificação, de condenação por Pilatos e da inscrição no alto da cruz
em três línguas conhecidas dos judeus. Os demais fatos ou são urdidos de
teologia ou constituem pura teologia, elaborada à luz da ressurreição e da
reflexão sobre o AT”.
– Na p.
56: “As cenas de Herodes, de Barrabás, do ecce Homo e do lavar das mãos, como
sinal de inocência, parecem estar a serviço de um motivo apologético da Igreja
primitiva. Devem mostrar que o cristianismo não é perigoso ao Estado romano”.
– Não p.
58: as sete palavras de Jesus na cruz, com exceção da de Mc 15,34 (à qual
voltaremos depois), “possuem valor histórico discutível”.
– Na p.
58: “Os sinais que se seguem à morte de Jesus constituem outros tantos
procedimentos literários para recalcar o significado e a importância do fato”.
A informação sobre o véu do templo que se rasgou de cima para baixo não refere
um fato histórico, é um código literário. A confissão da fé do centurião romano
ao pé da cruz “é profissão de fé do evangelista e de sua comunidade”.
– Na p.
62s: o texto de Mc 8,31 (sobre a “necessidade” do sofrimento de Jesus) “é
pregação da comunidade primitiva e não palavra do Jesus histórico”.
– Na p.
65, sobre o texto de Mc 10,45 (“O Filho do Homem veio para dar sua vida em
redenção de muitos”): “pertence ao código teológico de Marcos”. Particularmente
o importante inciso:“dar a vida em resgate” é um acréscimo posterior
“interpretando-se a vida e a morte de Jesus num sentido sacrifical” (p. 66).
– Na p. 67: Mc 14,6-8 (sobre a consciência de Jesus acerca de seu
sepultamento): é uma adição posterior.
3. Com tanta teologia nos textos e tão
poucos fatos históricos, já é evidente que não estamos em condições de saber
grande coisa sobre a consciência de Jesus acerca de si mesmo e de sua obra:
Tem-se a impressão
de que Jesus, segundo a ACHOLOGIA de LB, antes de sua ressurreição, era incapaz
de fazer “teologia” ou de conhecer a vontade do Pai a seu respeito. Pode-se sem mais conceder que os Apóstolos e discípulos de Jesus passaram por
um profundo processo evolutivo na compreensão da natureza e da missão de seu
Mestre. Para eles a gloriosa ressurreição do Senhor significou de fato uma
total reviravolta em suas concepções. Os dois discípulos
de Emaús, que, como os demais (cf. At. 1,6), tinham posto em Jesus suas ilusões
messiânicas terrenas, receberam esta enérgica repreensão de Jesus Ressuscitado:“Oh insensatos e lentos de coração para crer em tudo o que os profetas anunciaram! Não era preciso que o Cristo sofresse
tudo isso e entrasse em sua glória?” E, continua a informação do evangelista,
“começando por Moisés e por todos os Profetas, (Jesus) interpretou-lhes em
todas as Escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc 24,25-27).
E
aos Apóstolos o Senhor Glorificado se dirigiu nestes termos:
“São estas as palavras que eu vos falei,
estando ainda convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito
sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
E
continua o evangelista:
“Então(Jesus) abriu-lhes a mente para que
entendessem as Escrituras” (Lc 24,44-45). Foi também para isso que Jesus lhes
prometeu o Espírito Santo:“Ele vos conduzirá à verdade plena” (Jo 16,13);
“sereis revestidos da força do Alto” (Lc 24,29; At 1,4-5). E no dia de
Pentecostes Jesus “derramou” sobre eles a luz divina (At 2,33) e eles começaram
a entender a teologia. Mas é
necessário distinguir claramente entre este processo evolutivo dos seguidores
de Jesus e o tipo de conhecimento que o próprio Jesus foi adquirindo em sua
vida terrestre antes de sua glorificação: LB “acha”(portanto, mera Achologia), que
constantemente Jesus, antes da ressurreição, estava sujeito às mesmas
limitações dos Apóstolos e que até viveu profundamente afetado pelas falsas
concepções de uma imaginada mentalidade escatológica e apocalíptica de seu
ambiente e tempo.
É
evidente que não se pode igualar Jesus com os Apóstolos:
A
diferença é profunda e incomensurável. Jesus histórico é de fato e
historicamente “o Verbo que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).Não
podemos simplesmente desconhecer a inaudita graça da “união hipostática” no
Jesus histórico pré-pascal, que faz dele um ser totalmente diferente dos
Apóstolos.A maneira como LB imagina a lenta “divinização” de Jesus ou, como ele prefere, sua “plena hominização”(cf.
Libertador pp. 268-274), significa pura e simplesmente a negação do dogma da
união hipostática. Nem devemos esquecer o que aconteceu com o Jesus histórico logo depois do batismo, “como Deus o ungiu com o Espírito Santo
e com poder” (At 10,36; ct. Mt 3,16).Se os
Apóstolos ou as primeiras comunidades cristãs, por terem testemunhado a
Ressurreição e recebido o Espírito Santo, eram tão capazes de fazer teologia e interpretar
os fatos da vida de Jesus à luz do plano eterno do Pai, por que não podemos
admitir idêntica ou maior capacidade em Jesus? hipostaticamente unido ao Verbo,
especialmente ungido pelo Espírito Santo e intimamente identificado com o Pai?
O “XEQUE-MATE” NA ACHOLOGIA DE BOFF:
Se o Paulo histórico podia ser “arrebatado
até o paraíso, ouvir palavras inefáveis” e “receber revelações extraordinárias”
(cf. 2Cor 12, 1-7), que motivos haveria para negar ao Jesus histórico
conhecimentos verdadeiramente “teológicos” e “revelados”, sobretudo quando ele
mesmo afirma que os recebeu? “Não falo por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, me prescreveu o que devo dizer e o que
devo falar” (Jo 12,49). Se já antes da Ressurreição, o Pai revelava aos
infantes os mistérios do Reino (cf. Mt. 11,25; 13,11), por que o divino Infante
Jesus não podia receber revelações do Pai?
4. Em
sua obra anterior "Libertador" (de 1972), na p. 128, LB examina os textos segundo
os quais Jesus profetizou seus sofrimentos (Mc 8,31; 9,31; 10,32-34 par.) e
assume a morte sobre si como sacrifício para a redenção dos homens (Mc 10,45;
Lc 22,19s; Mt 26,26.28). Já que tais profecias supõem um conhecimento bastante
pormenorizado da paixão e ressurreição, conclui LB:
“Parece
que, realmente, são vaticinia ex eventu, formuladas posteriormente com o fito
de dar sentido ao problema teológico contido na pergunta: Se Deus se manifestou estar do lado de Cristo
pela ressurreição,por que não manifestou isso antes?”(em Paixão p. 63 LB repete
esta tese). LB insiste particularmente em Mc 10,45 (“… para dar a sua vida pela
redenção de muitos”) e afirma que esta formulação “foi colocada na boca de
Jesus pela comunidade”, já que o texto paralelo de Lucas não possui caráter soteriológico. LB passa então aos importantes textos eucarísticos (1 Cr 11,27-26; Mc 14,22-25; Lc 22,15-20; Mt 26,26-29),para dizer
que, “parece, supõem uma teologia e uma práxis eucarística da Igreja
primitiva”. Admite como “jesuânicas” (vocábulo por ele usado para textos
considerados autênticos e do próprio Jesus histórico) apenas as palavras
referidas por Lc 22,15-19a.29, por terem um caráter escatológico (e não
soteriológico, conceito que não cabe no divino Salvador… ). E por isso,
segundo o texto lucano, a última ceia tem um sentido escatológico para
significar “a antecipação da festa no Reino de Deus que Cristo quis celebrar
com seus amigos mais íntimos antes que irrompesse a nova ordem” (p.129). Pois,
e isso, sim, é, para LB, histórico e autêntico: Jesus vivia no ambiente apocalíptico e escatológico da época e acreditava firmemente que o Reino iria irromper em sua
vida (p. 129).
Mas
segundo LB a última ceia como momento da instituição da Eucaristia,com sentido
soteriológico, de fato não aconteceu antes da morte de Jesus:
Houve
apenas uma ceia, como tantas tinha havido antes, mas que agora veio a ser a última, com sentido simbólico escatológico. O próprio Jesus,
nesta última ceia, ainda não sabia que iria morrer ou que “devia” morrer. Ele ainda
desconhecia o plano de Deus.
5.
Para entender a consciência de Jesus, segundo a ACHOLOGIA de LB confere extrema
importância às últimas palavras de Jesus moribundo registradas por Mc 15,34:
“Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonaste?” Aliás, seriam, segundo LB, as únicas palavras
historicamente garantidas de Jesus na cruz (p. 58) e seu último grito. Ele
chega a escrever: “A cristologia e o tema da consciência messiânica de Jesus e
de seu caminho concreto deve, ao nosso modo de ver, ser pensado a partir de Mc
15,34” (Paixão p. 69).
Contava Jesus com a
morte violenta?
Segundo a ACHOLOGUA de LB em Libertador
p. 129, Jesus tinha a consciência de ser o instrumento determinante para a
vinda total do Reino. Embora intimamente unido à vontade do Pai, Jesus podia
ser tentado “e não sabia exatamente que futuro lhe estaria reservado. No ambiente
apocalíptico da época,dentro do qual Cristo mesmo se situa, acreditava-se segundo
sua achologia que o Reino iria irromper após uma renhida luta entre as forças
do mal( Os ricos) e do bem”(Os pobres).Jesus quer
cumprir a vontade do Pai, “que ele não conhece exatamente até o fim”. Ele
“entrevia a possibilidade da morte, mas não tinha a certeza absoluta dela. O
brado derradeiro, no alto da cruz: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?”
(Mc 15,34) pressupõe a fé e a esperança inabaláveis de que Deus não iria
deixá-la morrer, mas que, mesmo no último instante, iria enfim salvá-la. Agora, porém, na cruz, sabe com toda a certeza: Deus quer que
ele seja fiel até o fim com a morte” (p. 130).
Em
Paixão p. 68, LB comenta:
“Aqui estamos diante da máxima tentação suportada
e vivida por Jesus; poderíamos formulá-la assim: Será que não terá sido em vão
todo o meu compromisso? Será que o Reino não virá? Será que terá sido tudo uma
doce ilusão? Não haverá um derradeiro sentido para o drama humano? Será que não sou eu o Messias? As representações que Jesus
se fizera, homem que era, se desmantelaram completamento. Encontra-se nu,
desarmado, totalmente vazio diante do Mistério”.
Depois,
na p. 69, LB pergunta: “Como Jesus interpretou sua morte?”
E responde:
“Como resultou dos textos referidos acima, nenhum deles goza de autenticidade
jesuânica suficiente para nos abrir a porta da consciência e ciência prévia
acerca da sua morte próxima.Somos da opinião(ACHOLÓGICA) que Jesus,
somente no alto da cruz, deu-se conta de que seu fim realmente estava próximo e
que podia realmente morrer. Então num grande grito externa seu profundo
desamparo, quase diríamos de decepção, e se entrega ao Meu Deus”: Depois da
tentativa de reconstruir o caminho do Jesus histórico (aliás de valor
“precário, hipotético e caduco”, como ele mesmo reconhece na p. 73), LB torna a
interrogar na p. 82: “Que sentido Jesus deu à sua morte?” Já sabemos que o
forte de Jesus não era a teologia. LB acaba respondendo com H. Kessler que,
garante LB, “diz com acerto”: “Com toda a probabilidade a pesquisa atual
neo-testamentária pode dizer: Jesus não entendeu sua morte como sacrifício expiatório, nem como satisfação, nem como resgate. Nem estava
em sua intenção precisamente mediante sua morte redimir os homens”.Em
resumo: Jesus só tinha a consciência de ser o instrumento determinante para a irrupção iminente do Reino (“Jesus viveu a efervescência da irrupção iminente”, p. 71). Reino que ele, como vítima também
ele das concepções escatológico-apocalípticas de seu tempo, imaginava que iria
irromper em seus dias. Mas na cruz perdeu também esta consciência, aliás bem
equivocada, que merece nota insuficiente.Esta insistência
na equivocada expectativa do Jesus histórico de presenciar ele mesmo a irrupção
escatológica ou apocalíptica do Reino, merece uma observação crítica:
Em
1979 o estudioso Jean Carmignac, altamente especializado principalmente nos
manuscritos de Qumram, publicou sua interessante pesquisa:
Le Mirage de
l’Eschatologie, com o subtítulo: “Royauté, Régne et Royaume de Dieu… sans
Eschatologie”(Editora Letouzey et Ané, Paris).Desde
1955 ele vem estudando esta temática. Sua bibliografia pesquisada abrange 466
obras. Na primeira parte (pp. 13-130) estuda um por um todos os textos neo-testamentários que se
referem ao Reino de Deus, para ver exatamente em que sentido se emprega cada vez a palavra “basiléia”, que pode significar “realeza”,“reinado”
e “reino”.Mostra a grande originalidade de Jesus.
Na
segunda parte (pp, 131-201) investiga a questão da “escatologia”:
-Depois de
reunir “os delitos da escatologia” (cap. XV)
-Estuda no cap. XVI “a formação de
um erro: Reimarus, Strauss, Reuss, Renan”
-No cap. XVII descreve “o sucesso de
um erro: Johann Weiss e Loisy”
-No cap. XVIII analisa “o triunfo de um erro:
Albert Schweitzer”
-No cap. XIX vem “a lógica de um erro: Rudolf Bultmann”
-Segue, então o cap. XX, “a volta de um
erro: Charles-Harold Dodd”
-No cap. XXI vem “a libertação de um erro: Karl.
Barth”
-Para apresentar, no cap. XXII, “o balanço de um erro”
-Por fim, no cap.
XXIII, considera “objeções e conclusões”
O resultado é verdadeiramente espetacular. O
autor descobre que todo discurso teológico sobre a Escatologia, com o qual o
próprio Jesus histórico estaria profundamente envolvido, não passa de uma
verdadeira “miragem”! Mostra
que nem o AT, nem os Padres da Igreja, nem os teólogos até o início do séc. XIX
sentiram a necessidade deste funesto conceito. O termo “escatologia” foi
cunhado em 1804 por K. S. Bretschneider. Lá por 1890 Loisy e Johann Weiss identificam
o Reino de Deus e o Fim do Mundo, o que levou A. Schweitzer a confundir Reino
de Deus com Escatologia.
ATENÇÃO! O
“Messianismo”, que se relaciona com a vinda e a atividade do Messias, não tem
nada a ver com o Fim do Mundo nem deve ser confundido com Escatologia:
A
“Apocalíptica” é simplesmente um gênero literário que descreve o futuro com a
ajuda de revelações mais ou menos simbólicas, sem relação com a Escatologia. Um
amálgama progressivo combina a noção da “basiléia touthéou” com a do Fim do
Mundo, depois a noção do Fim do Mundo com a Escatologia, de modo que pouco a
pouco se chegou a confundir Reinado ou Reino de Deus e a Escatologia e assim a
adulterar completamente nas noções.
Na p. 191 escreve Jean
Carmignac:
“Num
século que se honra de ter desenvolvido o espírito critico, a Teologia deu um exemplo de verdadeiro espírito não-crítico. Pois as faltas de raciocínio acentuadas nesta obra, as deformações de textos, as petições de princípio ou os círculos viciosos,tudo
isso é praticado em pleno dia pelos teólogos mais ilustres ou mais influentes…
sem provocar enérgicas refutações.O mundo teológico se comportou, sobre este
ponto, como se estivesse anestesiado por uma “moda” onipotente. No meu
conhecimento, ninguém se assustou de ver evocar tão frequentemente uma
Escatologia da qual o NT jamais fala; ninguém se inquietou para conhecer a data de nascimento deste
conceito, nem para estudar suas diversas deformações"
Se quiséssemos assinalar todos os
autores que, de um ou outro modo, repetem “o Reinado de Deus é o Reino de Deus”
ou “o Reino de Deus é o Reinado de Deus”, seria necessário citar quase todos, a
começar por Harnack:
“Das Reich Gottes ist Gottesherrschaft, gewiss”. Até mesmo os trabalhos mais
meticulosos (os de Bultmann) foram realizados a partir de vagas noções
correntes, sem séria verificação. Tudo isso é na mesma proporção mais
assombroso considerando tantos cursos de universidades. Tantas teses de
doutorado, tantos artigos de revistas consagrados à Escatologia! A Escatologia
se transformou numa espécie de mito, que chegou a conquistar até os espíritos
mais eminentes”.
6.
Pela importância que têm os textos eucarísticos para a autoconsciência de
Jesus, será necessário examinar o que a este respeito ensina LB em sua obra
Paixão:
Ele se
refere a estes textos nas pp. 47-49, 65 e 97-98:
a) Nas
pp. 47-49, LB sustenta que “tudo indica que o texto atual foi introduzido de fora para dentro do relato da paixão” (p. 46), elaborado independentemente
deste relato e em ambiente helenístico. O fato de aparecer agora no contexto da
paixão lhe dá um “marco teológico e não-histórico”. Como Jesus tomou muitas
ceias com seus discípulos e outros, comendo pão e bebendo vinho, assim também a
“última ceia” podia muito bem ser “como outra refeição qualquer”, mas que
agora, de fato, seria a última, sem a intenção, porém, de relacioná-la com a ceia pascal judia.
De acordo com os textos que temos, nesta última ceia há dois elementos comuns:
a idéia da aliança e a da entrega sacrifical. LB admite que a idéia da aliança
se com pagina bem com a atuação do Jesus histórico (por causa do tema
escatológico, com o. qual Jesus se identificara). Mas, insiste LB, “o tema
sacrifical dificilmente pode ser atribuído a Jesus” (p. 48). O sentido
fundamental da ação da entregar o pão e de estender o vinho é apenas este: “sinal simbólico da irrupção iminente
do Reino”. Era esta, naquela noite, a obsessão de Jesus com sua “mentalidade
escatológica”. O sentido sacrifical da última ceia é um acréscimo posterior
feito pela comunidade. Pois o próprio Jesus nem sabia que sua morte teria um
sentido de sacrifício pela redenção dos homens.Neste contexto afirma LB como
bom católico: “Cristo institui a eucaristia como sacramento” (p. 49). Esta instituição, contudo, “deve ser
compreendida no contexto de todo o ministério de Jesus Cristo; não pode ser
reduzida apenas a gestos e a palavras do Jesus de Nazaré ao tempo em que vivia
entre nós”.E depois assevera: “A eucaristia como sacramento nasce da totalidade do evento Jesus Cristo,… nasce da atividade do
Jesus ressuscitado e da ação de seu espírito que moveram os Apóstolos a
refazerem sempre de novo a ceia do Senhor e a repetirem seus gestos e suas
palavras, dando-lhes um sentido sacrifical, eclesiológico, sentido este
inscrito dentro do contexto, de continuidade da história e da missão da Igreja
missionária pelo mundo.Portanto,
conclui LB, “os textos eucarísticos haviam já elaborado esta teologia sacrifica!”
e, por isso, foram depois inseridos nos relates da paixão.
b) Na p.
65, LB comenta Mc 10,45: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em redenção de muitos(todos)”. Declara que este texto
tem o seu Sitz im Leben num contextoeucarístico das comunidades primitivas, no
qual “se elaborou a temática do sacrifício”. E como tal “não seria
jesuânico”. Foi a reflexão sobre Is 53 (do Servo Sofredor; na p. 79
informa: “não parece que Jesus se tenha considerado Servo sofredor”) que permitiu aos cristãos ler sacrificialmente a norte de Cristo. Foi nesta linha que eles interpretaram os gestos de Jesus na ceia de despedida, já que “após a morte e
ressurreição entenderam que aquilo significava realmente um sacrifício a Deus”.
Mas o próprio Jesus não sabia nada disso. Por esta razão as palavras atribuídas
a Jesus em Mc 10,45 “não seriam palavras jesuânicas, mas teologia já bem
elaborada das comunidades primitivas, em contexto eucarístico”. Jesus mesmo, pois, antes de sua glorificação,
era, como os Apóstolos, incapaz de fazer reflexões “teológicas” sobre o
verdadeira sentido desua morte. Nem mesmo estava em condições de instituir a
Eucaristia.
c) Nas
pp. 97-99, LB volta ao conjunto dos textos eucarísticos, incluindo agora Jo 6,51-58, que é “uma meditação posterior, por volta do ano
100”; e afirma: “Nenhuma destas versões parece provir do Jesus histórico”.
Persiste em conceder que Jesus de fato celebrou uma ceia com os seus, mas
repete que não podemos saber o que Jesus então disse, já que as palavras que
lhe são atribuídas “surgiram pelo menos dez anos após a última ceia e a morte do Senhor”, refletindo as diferentes liturgias então celebradas nas várias comunidades. Foi apenas então que as
comunidades cristãs compreenderam o alcance soteriológico sacrifical da vida e
dos gestos de Jesus.
7. Estamos, na verdade, diante de
concepções peregrinas (ACHOLÓGICAS), que não soam como doutrina católica:
Suas
afirmações causam estranheza até mesmo em grandes e renomados teólogos protestantes, como Harvie Conn e Richard Sturz, que acabam de publicar
uma obra, Teologia da Libertação (Editora Mundo Cristão, São Paulo 1984), na
qual criticam fortemente as posições de LB. Na p. 90 escrevem:
“Mais que tudo, parece que Boff sofre a
influência do protestantismo contemporâneo. Nomes e conceitos como os de Bultmann, Tillich,
Barth, Moltmann e Pannenberg, junto com Kaesemann e Bonhoefter aparecem com
frequência nos seus escritos. Há uma porção de influências em termos
filosóficos sobre Boff que vem dos protestantes: o liberalismo moderno de Harnack,
o existencialismo de Barth e Tillich, o conceito de esperança e história de
Pannenberg e Moltmann e, sobreutdo, a evolução hegeliana de Teilhard de
Chardin”.
Nem é de
estranhar que os conceitos de LB causassem inquietações no ambiente católico.
Em fins de dezembro de 1979, os jornais noticiaram amplamente o “caso Boff” e o
“processo” que então lhe moviam por parte da Congregação para a Doutrina da Fé
sobre sua cristologia.O próprio LB escreveu depois um artigo
(“Aclarações acerca de alguns temas da Teologia”) publicado na revista Grande
Sinal, de junho de 1982, pp.357-369.Depois
ficamos sabendo que se tratava de “aclarações” feitas a pedido da Santa Sé. Neste artigo de consenso, LB se refere também às questões
relacionadas com a Eucaristia. Releva que a dimensão histórica da
instituição da Eucaristia não tem muita importância já que – escreve agora LB
no citado artigo – os textos eucarísticos “possuem um caráter historicamente
fidedigno”, por causa de seu caráter tradicional acentuado por 1 Cr 11,23 (“recebi
do Senhor o que vos transmiti: na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus…
“).LB
recorda ainda que tanto os Sinóticos como Paulo “indicam com toda certeza a
ocasião histórica em que Jesus pronunciou as palavras eucarísticas”. E
esclarece que, “apesar de seu caráter litúrgico-cultural, o valor histórico dos textos não pode ser negado”(como ele
negara), pois, “fundamenta-se em sua procedência de testemunhas qualificadas,
a saber, dos próprios participantes da última Ceia de Jesus antes de sua morte”
(p. 367).Aqui o tom e a argumentação são radicalmente diferentes dos modos de falar
e da maneira de argumentar que encontramos nos dois livros que estamos
estudando. Neste
artigo, LB chega a sustentar que, apesar de serem conservadas em duas tradições
litúrgicas diferentes (a de Jerusalém e a de Antioquia), “as diferenças
existentes são mínimas”. E afirma categoricamente: “O cerne essencial
se reporta ao Jesus histórico” (p. 367).Excelente Boff!!!
O
artigo, porém, está escondido numa revista de secundária importância, num
fascículo inteiramente dedicado à louvação do “mais fecundo e completo teólogo”
(veja o título do artigo que começa na p. 331.
Entrementes, os dois citados livros continuam
à venda em todo o Brasil. A obra Jesus Cristo Libertador já está na 9ª edição,
publicada um ano depois da “retractatio”, sem nenhuma correção, incutindo em nossos
seminaristas e agentes de pastoral a convicção de que o Jesus histórico, na
última ceia, apenas quis antecipar com seus amigos a festa do Reino de Deus e
que os textos eucarísticos não são “jesuânicos” (passe o horrível
neologismo), mas uma produção da comunidade cristã primitiva.Sem falar do livro Paixão, de Cristo – Paixão do Mundo, que continua inalterado
nas mãos de seminaristas e recomendado por professores de Teologia. E protegido
por poderosos anjos da guarda.
O enfoque da cristologia de Boff, como também o de outras
cristologias latino-americanas, está posto sobre a vida e o ministério de Jesus
como mera pessoa humana. As razões dadas por autores liberacionistas são estas:
1)- Meditar sobre a vida humana de Jesus, em vez de especular sobre a sua
divindade, é mais diretamente pertinente para uma situação de opressão.
2)-O contexto do ministério de Jesus na Palestina, ocupada pelos romanos, é
adequadamente semelhante ao contexto da América Latina de hoje.
3)-A vida humana de Jesus fornece pistas sobre como os latino-americanos podem
realizar o seu potencial humano amordaçado. Portanto, é crucial para Boff
apresentar Jesus como uma figura histórica e concreta.
ATENÇÃO! As
limitações no uso do “Método Histórico-Crítico”
Desde
o início de Jesus Cristo Libertador, Boff deixa claro como irá empreender a sua
busca do Jesus histórico. Ele irá essencialmente seguir os métodos e resultados
da crítica histórica e das várias disciplinas relacionados com a mesma, com
respeito aos Evangelhos. O método histórico-crítico é uma leitura do Evangelho
que procura ver o texto sagrado como se fosse um texto comum e o submete à
análise racional quanto ao seu conteúdo, e literária quanto à sua composição. Como
resultado do emprego dessa ferramenta, para Boff, os Evangelhos não se
constituem em biografias históricas mas em testemunhos da fé, o fruto da
meditação piedosa e subjetiva da comunidade primitiva. Os
Evangelhos são uma interpretação teológica dos eventos, ao invés de uma
descrição objetiva e desinteressada do Jesus histórico de Nazaré. Juntamente com outros estudiosos
histórico-críticos, Boff acredita que os Evangelhos são o produto final de um
longo processo de reflexão sobre Jesus e representam a cristalização do dogma
primitivo da igreja. Eles contêm muito pouco do Jesus histórico (como ele era e
como ele viveu), mas muitas coisas relativas à reação de fé dos seus
seguidores.Adotando
os pressupostos do liberalismo clássico, Boff afirma que a comunidade primitiva
de cristãos tomou grandes liberdades ao defrontar-se com as palavras de Jesus,
interpretando-as e modificando-as e também criando novos ditos, sempre no
esforço de fazer Cristo e sua mensagem presentes na sua vida (pp. 50-51). Chegaram
mesmo a criar interpretações e colocá-las na boca de Jesus (p. 49); as
predições de Jesus quanto à sua morte, foram vaticina ex eventu, isto é, foram
colocadas na sua boca pelos discípulos, após a sua morte (p. 128). A
suposição explícita de Boff é que, a fim de se conhecer Jesus, é preciso confrontar
criticamente os relatos literários sobre ele, os Evangelhos, usando os métodos
da crítica histórica, para peneirá-los em busca do significado original do
texto e ir além das interpretações posteriores (ver pp. 46-51).Severino
Croatto, outro conhecido teólogo católico da libertação que adota os
pressupostos do método histórico-crítico, mantém o mesmo ceticismo quanto à
historicidade (veracidade) dos relatos sobre a saída de Israel do Egito, como
contidos no livro de Êxodo. Ele sugere que o relato do Êxodo como o temos na
Bíblia, particularmente a vocação de Moisés, as pragas do Egito, a páscoa
apressada e a travessia do mar "não são episódios do acontecimento da
libertação, mas expressões de seu sentido, como projeto e atuação de Deus ou
como memória festiva." Insiste em que não se deve ler os fatos narrados
nos textos bíblicos "como se tivessem acontecido na forma em que estão
contados." Numa
postura típica de teólogos liberacionistas, Croatto adere ainda a um conceito
de cânon onde a inspiração é entendida como um fenômeno textual apenas,
resultado da tentativa da igreja cristã de "fechar" o sentido, e
o conceito de revelação é reinterpretado para significar toda manifestação de
Deus na história."A Bíblia é a leitura da fé
dos eventos paradigmáticos da história salvífica, a leitura paradigmática de
uma história de salvação que ainda não terminou," afirma Croatto. Ele
afirma ainda que o fenômeno da revelação e sua interpretação é um ciclo que se
repete na história da igreja.Entretanto, ele deixa sem resposta a questão se
uma leitura paradigmática moderna de eventos supostamente pertencentes à
história da salvação hoje, deveria ser recebida pela igreja como Escritura.A
concepção das Escrituras por parte de teólogos da libertação que se utilizam do
método histórico-crítico é geralmente a mesma: não reconhecem atributos das
Escrituras tais como inspiração, inerrância, necessidade, autoridade,
perspicuidade e suficiência. Boff não é exceção.Para ele, os Evangelhos não são
investidos de autoridade em sua forma canônica e nem são suficientes. Como será
discutido a seguir, outros elementos tais como análise social e compromisso com
a praxis são indispensáveis, segundo Boff, para
conhecer a Jesus.Essa abordagem histórico-crítica das Escrituras irá influenciar
toda a sua obra. Os
críticos em geral têm reconhecido que os teólogos da libertação se utilizam de
várias e diferentes fontes de análise e conhecimento. A sua abordagem é mais
"eclética." Eles normalmente se utilizam de diferentes métodos, com
pequena preocupação quanto a um sistema total coerente. Por exemplo, Boff se
utiliza de todo um espectro de abordagens, como se pode observar facilmente na
orientação bastante divergente das obras citadas na sua bibliografia.Sem dúvida, ele tenta tirar proveito
da erudição disponível. Porém, o seu compromisso com métodos histórico-críticos
tem levado os críticos a observarem que ele está usando uma ferramenta
desenvolvida na Europa para produzir uma obra que se jacta de ser algo
originário da América Latina. Embora o próprio Boff faça uma ressalva (ver pp.
56-7), a literatura predominantemente estrangeira citada na sua bibliografia
confirma essa crítica.Como um crítico comenta, "ao fim, a pessoa se
encontra dentro do mundo intelectual da teologia européia."A extrema
dependência de Boff de uma metodologia e teologia estrangeiras, e a sua
conseqüente falta de originalidade, tem suscitado a crítica de que a sua
cristologia não é nativa, sendo antes uma aplicação da moderna cristologia
européia a uma situação latino-americana.Deste modo, Boff é inconsistente com a
sua reivindicação de ter produzido uma cristologia nativa.Essa
inconsistência é típica de teólogos liberacionistas que insistem na
contextualização da hermenêutica latina mas que defendem suas idéias usando
ferramentas trazidas da academia européia. A tese de Croatto, por exemplo, de
que cada leitura traz a produção de um novo significado é ardorosamente
defendida a partir do estruturalismo de Ferdinand de Saussure (suíço), da
filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur (francês) e da hermenêutica reader-response de Hans-Georg Gadamer (alemão). O
que esses europeus produziram, sendo o resultado de suas próprias leituras,
serviria como base para uma hermenêutica latino-americana? Para uma resposta positiva,
é preciso admitir que há leituras e sentidos produzidos numa cultura que são
válidos para outras, e que não precisam passar por uma releitura – conceito que
vai de encontro à tese de Croatto e de outros estudiosos liberacionistas que se
utilizam das mesmas fontes.
Boff está consciente de que:
-A busca do Jesus histórico iniciada no século XVII por
estudiosos críticos produziu resultados "extremamente parcos".
-O Jesus da
história por eles reconstruído não tinha qualquer mensagem que pudesse ser
pregada pela igreja cristã.
-Boff está também consciente de que o método
histórico-crítico pode apenas nos provar que havia no século I vários
seguidores de Jesus que afirmavam que Ele ressuscitou...
-Assim, Boff destaca que a crítica histórica é limitada,
porque somente chega ao que Mateus, Marcos, Lucas, João e Paulo pensavam acerca
de Jesus. Dessa maneira, ela é inteiramente objetiva. Ela não pressupõe fé no
investigador e pouco se importa com a realidade que se oculta atrás de cada
interpretação (p. 51).
-Para se conhecer Jesus, porém, é necessário ir
além do esquema sujeito-objeto da pesquisa científica. Como Jesus é uma pessoa,
é necessária uma interação com essa pessoa antes que se possa compreendê-la (p.
37).
Seria
de se esperar que Boff, ao criticar o caráter "objetivo" do método
histórico-crítico, não dependesse muito do mesmo, concordam?
No
entanto, a sua análise dos Evangelhos é totalmente dependente da crítica da
forma e das fontes. Isto cria uma tensão interna na obra de Boff, pois
enquanto aceita uma ferramenta que considera objetiva, ele adota uma abordagem
hermenêutica de Jesus que é orientada para o leitor e, portanto, inerentemente
subjetiva. Isto introduz outra das importantes pressuposições hermenêuticas de
Boff, (a tão famosa ACHOLOGIA), que é a do "círculo
hermenêutico," conceito que começou com F. Schleiermacher e recebeu
fundamentação teórica do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer.
A Influência de Gadamer em Boff:
A
teologia da libertação surgiu como produto da hermenêutica reader-response. Esse tipo de
hermenêutica surgiu no final da década de 60 e tornou-se proeminente durante a
década de 70. Ela enfatiza a relação recíproca entre o leitor e o texto, como uma
reação à nova crítica literária e ao estruturalismo, que ensinaram a autonomia
do texto. Seu suporte filosófico vem das obras do filósofo alemão
Hans-Georg Gadamer. Elas são uma reação contra a idéia de que somente o método
científico é totalmente objetivo e capaz de chegar à verdade. Em reação,
Gadamer enfatizou o papel dos pressupostos para a consciência e a compreensão.
As idéias de Gadamer produziram diversos tipos de abordagens dentro dos estudos
bíblicos acadêmicos, entre elas as hermenêuticas liberacionistas. São aquelas
hermenêuticas que lêem o texto a partir de uma agenda definida, política ou
ideológica, via de regra. Os "leitores ideológicos" costumam
apelar para os princípios de Gadamer para justificar sua leitura do texto
sagrado.
Para
entender a “teologia” de Boff é preciso entender um pouco os 3 principais
conceitos de Gadamer:
-Primeiro, o conceito de fusão de horizontes.
"Horizontes" são os mundos vivos do autor e do intérprete que se
fundem quando os dois se encontram no texto. O leitor expande o horizonte do
texto ao apropriar-se dele em uma nova situação histórica. O texto, em
troca, questiona o leitor a desafiar e expandir as estruturas e pressuposições
que trouxe ao texto. Nesse processo surge a fusão dos horizontes. Em resumo, a
hermenêutica de Gadamer se move do autor e do texto para uma união entre o
texto e o leitor, com raízes no presente em vez do passado.
-Segundo, rejeição da intenção autorial. O sentido de um
texto não é encontrado na pesquisa diacrônica em busca do sentido original e
histórico mas através do diálogo com o texto no presente. Portanto, a intenção do autor não
é decisiva para se estabelecer o sentido de um texto para um determinado
leitor.
-Terceiro, a importância das pressuposições do leitor. Ao contrário da
perspectiva negativa que o racionalismo tinha sobre as pressuposições do leitor
na interpretação, Gadamer tem uma abordagem bem apreciativa e até afirma que as
pressuposições são a chave para a compreensão de um dado texto.
Como resultado, o sistema
interpretativo de Gadamer acaba inexoravelmente no círculo interminável do subjetivismo
especulativo (Achológico)!
Gadamer não estabelece qualquer critério para definir se
uma interpretação é falsa ou verdadeira! Na verdade, todas são verdadeiras para
quem lê! Aqui a relativização da verdade alcança expressão clara. Portanto, seu método é
irremediavelmente subjetivo, ou seja, cada nova leitura pode produzir sentidos
diferentes e inovativos até para o mesmo leitor, e nenhum deles conflitante com
os demais.
A crítica clássica feita a Gadamer vem
de E. D. Hirsch, em seu livro Validity
in Interpretation (Validade na Interpretação):
(Somos responsáveis apenas pelo que transmitimos, não pelo que os outros interpretam)
Hirsch
critica Gadamer veementemente por rejeitar a intenção do autor como norma para
determinar o sentido do texto. Ele defende que textos são expressões de
pessoas individuais reais. Portanto, o sentido dos textos não pode ser
dissociado dos seus autores. Hirsh também critica Gadamer por exagerar a
influência do contexto do leitor na percepção do sentido do texto. O exagero de
Gadamer acaba por transformar o que é apenas uma dificuldade numa
impossibilidade. Hirsch também aponta uma falácia da metodologia de
Gadamer, que é confundir sentido com significado. O texto só tem um sentido,
que é aquele conscientemente pretendido pelo seu autor, e é portanto uma
entidade determinativa. Entretanto, o impacto desse sentido nos leitores pode
variar de contexto a contexto. É isso que chamamos de significado. Admiradores
de Gadamer têm tentado defendê-lo da acusação de subjetivismo e relativismo,
mas sem muito sucesso. O que prevalece é a opinião generalizada de
que seu método é irremediavelmente relativista.
Os conceitos de Gadamer fazem parte da matriz
formadora da cristologia de libertação de Boff, como veremos a seguir:
Ao assumir a concepção acima, Boff parece negar
implicitamente qualquer continuidade no conhecimento de Deus e na resposta a
ele entre diferentes gerações ou culturas separadas no tempo ou
geograficamente. Pode-se observar que uma das inferências últimas desta
concepção é que fica impossível a comunicação dos conteúdos teológicos de um
modelo histórico entre diferentes gerações e culturas. Se
a revelação de Deus (proposta) somente pode ser entendida e corretamente
respondida dentro dos parâmetros de um determinado contexto (resposta), e se
contextos variam e diferem entre si, os conteúdos de um modelo cristológico
desenvolvidos em um certo momento da história e dentro de uma certa cultura,
não serão comunicados inteligivelmente fora do contexto original onde ele foi
produzido. Pode-se argumentar, então, que a cristologia liberacionista do
próprio Boff fica isolada de toda a reflexão cristológica anterior e não pode
ser julgada a partir de qualquer referencial histórico. Olhando de outra
perspectiva, não resta nenhuma base para Boff criticar qualquer outro modelo
cristológico. Todavia, uma das características destacadas na abordagem de Boff
é a crítica que faz às cristologias tradicionais.Este
conceito pode ser levado um passo adiante. Desde que os indivíduos são
diferentes e têm compromissos diferentes, com pressuposições derivadas de
diferentes contextos culturais e históricos, também pode-se argumentar que não
pode haver comunicação inteligível de um conteúdo teológico entre duas pessoas.A implicação da ênfase na
descontinuidade dos modelos históricos é que somente Boff realmente pode
entender a sua cristologia da libertação — e ninguém mais!!!Mais
do que outros teólogos da libertação, Boff afirma a primazia da fé na
interpretação dos Evangelhos. Assim sendo, ele censura a crítica histórica
porque ela não pressupõe a fé no investigador (p. 51). Em uma divergência
surpreendente da busca do Jesus histórico empreendida na Europa, ele diz que
qualquer cristologia que enfatize o Jesus histórico às custas de um Jesus
dogmático é inadequada. O Jesus histórico só pode ser entendido na dimensão da
fé, da mesma maneira que a Igreja Primitiva identificou o Jesus histórico
físico com o Cristo ressurreto em glória. A história, afirma, sempre vem a nós
em uníssono com a fé (pp. 25-6, 89-90).
Aqui Boff parece diferir dos seus
colegas da América Latina, que normalmente tomam o contexto social como o ponto
de partida:
Essa
divergência, porém, é apenas superficial. No jargão teológico de Boff,
"ser tocado pelo significado da realidade de Jesus" é algo que pode
acontecer sem a mediação das Escrituras. É assumir um compromisso ao lado dos
pobres e oprimidos, enquanto se reconhece que foi isto o que Jesus fez. Falar tendo Jesus como um ponto de partida não significa
conversão e submissão ao seu senhorio, como tradicionalmente se entende; antes,
significa falar a partir de um compromisso com a libertação social ou a praxis.
Assim, a fé, na teologia de Boff, não é sustentada pelas Escrituras, mas pela
praxis.
O conceito de "praxis em Boff" é, em
muitos aspectos, semelhante à concepção marxista!
É o poder humano básico para transformar o ambiente pela atividade
criativa, que em grande parte é determinado pelo modo existente de produção
econômica.A forma mais criativa de praxis é
a "praxis revolucionária," que desafia e transforma a praxis política conservadora das
sociedades capitalistas.Volf
pondera que, ao colocar a praxis como um pré-requisito essencial para o
entendimento, a teologia da libertação propõe inverter a relação tradicional
entre teoria e prática. Até recentemente, a teologia colocaria o entendimento
antes da praxis. A teologia da libertação coloca a praxis no centro, no qual a
reflexão teológica deve começar e para onde ela deve retornar. Essa rotação na
metodologia tem as suas raízes em Marx e Hegel.
A
estrutura do pensamento e da teologia de Boff (que inevitavelmente influenciam
sua hermenêutica) é basicamente Pelagiana (Desconsidera a
Graça de Deus):
Pelágio
foi condenado por heresia nos primórdios da igreja cristã por ensinar que o
homem nasce sem pecado e sem qualquer inclinação pecaminosa inata, e que é
essencialmente neutro,
podendo conhecer a Deus e praticar o que é reto, sem que necessariamente
necessite de uma intervenção divina(Conversão) para isto. A
"neutralidade" do homem é pressuposta na obra de Boff, bem como nas
obras dos eruditos liberais em todo mundo. No caso de Boff, em particular, o
pelagianismo era inevitável, não só por causa do seu background católico romano, mas
principalmente por causa da integração do seu pensamento com muito da erudição
européia moderna, cuja cosmovisão é distintamente pelagiana.
Em sua
epistemologia, Boff assume o conceito de "conhecimento inato”
De
acordo com esse conceito, todos os homens têm noções comuns vagas sobre Deus,
sobre si mesmos e sobre a realidade, que formam a base de uma área de
concordância para diálogo e interação entre sistemas filosóficos de homens não
regenerados e uma visão cristã do mundo. É somente a partir dessa base que
alguns dos princípios hermenêuticos de Boff podem operar, especialmente o uso
de uma ferramenta crítica como o marxismo. Boff
evidentemente não levou a sério o ensino das Escrituras acerca da queda do
homem e suas conseqüências para a sua epistemologia. De acordo com as
Escrituras, o intelecto do homem (como também a sua vontade e afetos) está hoje
em um estado anormal. O homem, como tal, não é "neutro." A razão do
homem continua funcionando, mas funciona de forma errada (ver 1 Co 2.14).O
homem natural se vê, e ao mundo ao seu redor, através de um conjunto de
pressuposições. Entre elas está a convicção de que o juízo último quanto ao que
pode ou não pode ser realidade, jaz dentro dele, na sua capacidade de
raciocínio. Outra convicção é que sua própria interpretação da realidade é
válida para si mesmo; e ainda, que os fatos existem como bruta facta ("fatos
brutos"), por si mesmos. Acredito que Cornelius Van Til
está correto ao afirmar que todos os homens não regenerados interpretam Deus, a
realidade e eles mesmos de um modo errado, porque rejeitaram a validade da
interpretação de Deus contida nas Escrituras. Qualquer sistema construído pelo
homem natural necessariamente trará as marcas destas convicções. Tudo no
sistema será filtrado por estas pressuposições. E o marxismo não seria uma
exceção.
O marxismo é um "bloco indivisível",
portanto, cujos elementos não podem ser separados um do outro:
Teoricamente,
Boff não poderia quebrar o marxismo em pedaços e escolher tudo que julga ser
verdade nele, sem correr o risco de adotar categorias anti-cristãs. Exatamente
porque não reconhece que o único verdadeiro conhecimento inato que todos os
homens têm em comum é o conhecimento de Deus (um conteúdo específico que é
suprimido nos corações dos homens caídos, cf. Romanos 1), Boff
permanece sem qualquer base para uma confrontação ética direta entre o homem e
Deus, e assim, ele também permanece sem um critério pelo qual venha a
diferenciar a verdade do que é falso em um sistema como o marxismo.
Ele
responde, citando Boaventura, "que a fé é o poder da fala gaguejante, quando o
homem é confrontado com o mistério de Cristo como o futuro da humanidade "(p.
31). Na cristologia de Boff, a fé não depende da revelação de Deus
(Escrituras), sendo somente uma resposta existencial ao Cristo.
Poder-se-ia inquirir como este Cristo pode ser
conhecido, à parte das Escrituras? Não há qualquer resposta clara na
cristologia de Boff para essa pergunta!
Tem-se a
impressão de que, para Boff, o Cristo exaltado se tornou uma realidade dentro da
história (a possibilidade de vitória sobre a morte, alienação, opressão e
pecado), realidade esta que pode ser invocada ou reavivada por qualquer um, a
qualquer hora, pela fé. Transparece do pensamento de Boff
que só há conversão quando alguém se entrega à causa dos pobres e dos
oprimidos. A fé acontece quando alguém se conscientiza de que Cristo é o futuro
do homem e a esperança de libertação.
A
cristologia de Boff, bem como a teologia da libertação em geral, não desfruta
mais do prestígio acadêmico que gozou em décadas recentes. Entretanto, os
pressupostos, métodos e ferramentas empregados continuam a ser usados em outras
manifestações teológicas modernas. Para muitos, o liberalismo teológico se
extinguiu. De fato, ele teve seu momento histórico. Mas os pressupostos que
motivaram seu surgimento, não somente os filosóficos, mas especialmente os
religiosos (o ateísmo, o evolucionismo e o agnosticismo são religiões!)
continuam a operar por detrás de movimentos e sistemas teológicos
contemporâneos. Mesmo sendo uma tentativa de reconstruir um Jesus histórico que
tivesse cara de latino-americano, a cristologia da libertação empregou as
ferramentas críticas nascidas no liberalismo alemão. O retrato do Jesus Cristo
libertador dos pobres latinos passou, mas as ferramentas que o criaram
continuam em atividade hoje.
*Fr. Boaventura Kloppenburg,
O.F.M - Doutor em
Teologia, exerceu até 1971 intensa atividade de magistério em Petrópolis (Convento
do Sagrado Coração de Jesus e sede do Teologado Franciscano) e de pregação no
Brasil inteiro. Dedicou-se especialmente, na área pastoral, ao
esclarecimento do público a respeito do espiritismo e da maçonaria; resultaram
destas campanhas obras notáveis referentes ao espiritismo, à reencarnação e à
maçonaria. Dom Boaventura foi também perito teólogo do Concílio do Vaticano II, cuja história minuciosamente documentada
ele publicou em cinco volumes. Desde 1971, foi Reitor do Instituto Teológico
Pastoral do CELAM em Medellin (Colômbia), onde exerceu o magistério e escreveu
obras teológicas. Em 1982 foi nomeado Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Salvador (BA). (N. da R.)
Fonte: Revista Communio. Vol. IV, ano IV, N°19, jan./fev.1985
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