BULA "UNAM SANCTAM" - (Papa
Bonifácio VIII – Bula Infalivelmente proclamada em: 18/11/1302)
Una, santa, católica e
apostólica: esta é a Igreja que devemos crer e professar já que é isso o que a
ensina a fé.
Nesta Igreja
cremos com firmeza e com simplicidade testemunhamos. Fora dela não há salvação,
nem remissão dos pecados, como declara o esposo no Cântico:"Uma só é minha
pomba sem defeito. Uma só a preferida pela mãe que a gerou" (Ct 6,9). Ela
representa o único corpo místico, cuja cabeça é Cristo e Deus é a cabeça de
Cristo. Nela existe "um só Senhor, uma só fé e um só batismo" (Ef
4,5).
De fato,
apenas uma foi a arca de Noé na época do dilúvio; ela foi a figura antecipada
da única Igreja; encerrada com "um côvado" (Gn 6,16), teve um único
piloto e um único chefe: Noé. Como lemos, tudo o que existia fora dela, sobre a
terra, foi destruído.A esta única
Igreja, nós a veneramos, como diz o Senhor pelo profeta: "Salva minha vida
da espada, meu único ser, da pata do cão" (Sl 21,21).
Ao mesmo tempo
que Ele pediu pela alma - ou seja, pela cabeça - também pediu pelo corpo,
porque chamou o seu corpo como único, isto é, a Igreja, por causa da unidade da
Igreja no seu esposo, na fé, nos sacramentos e na caridade.Ela é a veste sem
costura (Jo 19,23) do Salvador, que não foi dividida, mas tirada à sorte.
Por isso, esta
Igreja, una e única, tem um só corpo e uma só cabeça, e não duas como um
monstro: é Cristo e Pedro, vigário de Cristo, e o sucessor de Pedro, conforme o
que disse o Senhor ao próprio Pedro: "Apascenta as minhas ovelhas"
(Jo 21,17). Disse "minhas" em geral e não "esta" ou
"aquela" em particular, de forma que se subentende que todas lhe
foram confiadas.
Assim, se os
gregos ou outros dizem que não foram confiados a Pedro e aos seus sucessores, é
necessário que reconheçam que não fazem parte das ovelhas de Cristo pois o
Senhor disse no evangelho de São João: "Há um só rebanho e um só
Pastor" (Jo 10,16).
As palavras do
Evangelho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão
em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última
deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela
Igreja.O espiritual deve ser
manuseado pela mão do padre; o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o
consenso e segundo a vontade do padre. Uma espada deve estar subordinada à
outra espada; a autoridade temporal deve ser submissa à autoridade espiritual.O poder
espiritual deve superar em dignidade e nobreza toda espécie de poder terrestre.
Devemos reconhecer isso quando mais nitidamente percebemos que as coisas
espirituais sobrepujam as temporais. A verdade o atesta: o poder espiritual
pode estabelecer o poder terrestre e julgá-lo se este não for bom.Ora, se o
poder terrestre se desvia, será julgado pelo poder espiritual. Se o poder
espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder superior.Mas, se o
poder superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não o homem. Assim
testemunha o apóstolo:"O homem espiritual julga a respeito de tudo e por
ninguém é julgado" (1Cor 2,15).Esta
autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é
humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e
seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a
Pedro: "Tudo o que ligares..." (Mt 16,19).
Assim, quem resiste a
este poder determinado por Deus "resiste à ordem de Deus" (Rm 13,2),
a menos que não esteja imaginando dois princípios, como fez Manes, opinião que
julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés, não é "nos princípios",
mas "no princípio Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1).
Por isso,
declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à
salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice.
*Dada no
Vaticano, no oitavo ano de nosso pontificado [18 de novembro de 1302].
“Fora da Igreja não há salvação”
O que esta
frase quer dizer? Esta sentença é dos grandes Padres da Igreja, como Santo
Agostinho (430), São Justino (165), Santo Irineu (200), etc., e mostra que a
Igreja é fundamental para a nossa salvação.
Como entender esta afirmação?
De maneira
positiva, ela significa que toda salvação vem de Cristo-Cabeça através da
Igreja que é o seu Corpo, explica o Catecismo da Igreja: “Apoiado na Sagrada
Escritura e na Tradição, [o Concílio Vaticano II] ensina que esta Igreja
peregrina é necessária para a salvação”. Jesus Cristo é
o único mediador e caminho da salvação, mas Ele se torna presente para nós no
seu Corpo, que é a Igreja. Ele, mostrando a necessidade da fé e do batismo para
a nossa salvação [Mc16,16 – “Quem crer e for batizado será salvo...”], ao mesmo
tempo confirmou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo batismo,
como que por uma porta. Diz o Catecismo que:“Por isso não
podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus
através de Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disso não quiserem
nela entrar, ou então perseverar (LG 14)”. (Cat. §846). Quando a
Igreja nos toca pelos Sacramentos, é o próprio Cristo que nos toca. Jesus disse
aos Apóstolos (hoje os bispos):
“Quem vos ouve a mim
ouve, quem vos rejeita a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me
enviou’ (Lc 10,16).Desprezar a
Igreja e seu magistério sagrado, é desprezar a Cristo. Disse o Papa Paulo VI
que “quem não ama a Igreja, não ama a Jesus Cristo”.São Paulo na
Carta a S. Timóteo diz que: “Deus quer que todos se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), e afirma em seguida que: “A Igreja é a
coluna e o fundamento da verdade”. (1Tm 3,15).O Catecismo afirma que:
“A única Igreja de Cristo… subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor
de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele… (LG 8).” (§870).A Igreja é
apostólica: está construída sobre “Os doze Apóstolos do Cordeiro” (Ap 21,14);
ela é indestrutível (Mt 16,18); é infalivelmente mantida na verdade (Jo 14,25;
16,13; §869). Para manter a Igreja
isenta de erros de doutrina “Cristo quis conferir à sua Igreja uma participação
na sua própria infalibilidade, ele que é a Verdade.” (LG 12; DV 10).
Mas o Catecismo explica que:
“Aqueles, portanto, que
sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas buscam a Deus com o
coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a sua
vontade conhecida através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação
eterna”. (§848)
Prof. Felipe
Aquino
São Cipriano de Cartago, (†258) Bispo de
Cartago e Mártir- «A Unidade da Igreja»
I Parte:
1 - VIGIAI, O INIMIGO VEM DISFARÇADO
(1) "Vós
sois o sal da terra" (Mt 5,3), diz o Senhor, e ainda nos recomenda que
sejamos simples pela inocência e prudentes na simplicidade [Mt 10,16]. Nada
pois é mais importante para nós, irmãos diletíssimos, quanto vigiar com todo o
cuidado para descobrir logo e, ao mesmo tempo, compreender e evitar as ciladas
do inimigo traiçoeiro. Sem isso, embora sejamos revestidos de Cristo [Rom
13,14; Gál 3,27], que é a Sabedoria de Deus Pai [1Cor 1,24], nos mostraríamos
menos sábios na defesa da salvação.
(2) De fato,
não devemos temer só a perseguição e os vários ataques que se desencadeiam
abertamente para arruinar e abater os servos de Deus. Quando o perigo é
manifesto, a cautela é mais fácil. O nosso espírito está mais pronto para lutar
contra um adversário abertamente declarado. É mais necessário ter medo e
guardar-nos do inimigo que penetra às escondidas, e se vai insinuando oculta e
tortuosamente com falsas imagens de paz. Bem lhe convém o nome de serpente! Essa
foi sempre a sua astúcia, esse foi sempre o tenebroso e pérfido engano com que
tenta seduzir o homem.
(3) Já no
começo do mundo mentiu e enganou as almas crédulas e ingênuas (dos nossos
primeiros pais), acariciando-as com palavras falazes [Gen 3,1ss] . Igualmente
ousou tentar a Cristo, nosso Senhor, e se aproximou dele insinuando,
disfarçando, mentindo. Foi contudo desmascarado e repelido. Desta vez, foi
derrotado porque foi reconhecido e descoberto [Mt 4,1ss].
2 - ACIMA DE TUDO: CUMPRIR OS MANDAMENTOS DE
CRISTO
(1) Sirvam-nos
estes exemplos. Evitemos o caminho do homem velho, para não cair no laço da
morte. Sigamos as pisadas de Cristo vencedor, para que, usando cautela diante
do perigo, alcancemos a verdadeira imortalidade.
(2) Mas, como
poderíamos chegar à imortalidade, sem observar os mandamentos de Cristo? São
eles os únicos meios para combater e vencer a morte. Ele nos avisa: "Se
queres chegar à vida, observa os mandamentos" (Mt 19,17), e, de novo:
"Se fizerdes o que vos mando, já não vos chamarei servos, mas amigos"
(Jo 15,15).
(3) Esses são
os que ele diz serem fortes e firmes. Esses têm fundamento sólido na pedra, e
gozam de inabalável resistência contra todas as tempestades e as rajadas do
século.
"Quem ouve as minhas palavras - diz ele - e as cumpre é semelhante ao
homem sábio que construiu a sua casa sobre a pedra. Desceu a chuva, desabaram
as correntes, sopraram os ventos, batendo contra aquela casa, e ela não caiu
porque fora fundada na pedra" (Mt 7,25).
(4) Devemos,
pois, prestar atenção às suas palavras, devemos aprender e praticar o que ele
ensinou e o que fez. Como poderia asseverar que acredita em Cristo aquele que
não cumpre o que Cristo mandou? E como conseguirá o prêmio da fé aquele que
recusa a fé no que foi mandado? Fatalmente ele irá vacilando, à ventura, e,
arrastado pelo espírito do erro, será varrido como pó agitado pelo vento.
(5) Nunca poderão conduzir à salvação os passos
daquele que não adere à verdade da única via que salva.
3 - O DEMÔNIO É O AUTOR DOS CISMAS
(1) Devemos
pois guardar-nos, irmãos caríssimos, não só dos males que aparecem claramente
como tais, mas também, como já disse, daqueles que nos enganam pela sutileza da
astúcia e da fraude.
(2) Pois bem,
vede agora a que ponto chega a astúcia e a sutileza do inimigo. Veio Cristo ao
mundo. Veio a luz para os povos e resplandeceu para a salvação dos homens [Lc
2,32]. Com isto ficou descoberto e derrotado o antigo adversário. Os surdos
abrem os ouvidos às graças espirituais, os cegos abrem os olhos a Deus, os
enfermos ficam são ao ganhar a saúde eterna, os coxos correm à Igreja, os mudos
soltam as suas línguas na oração [Mt 11,5; Lc 7,22]. Aumenta dia a dia o povo
fiel, abandonam-se os velhos ídolos, tornam-se desertos os seus templos.
(3) Então, o
que faz o malvado? Inventa nova fraude para enganar os incautos com o próprio
título do nome cristão. Introduz as heresias e os cismas para derrubar a fé,
para contaminar a verdade e dilacerar a unidade. Assim, não podendo mais segurar os seus na
cegueira da antiga superstição, os rodeia, os conduz ao erro por novos
caminhos. Rouba à Igreja os homens e, fazendo-lhes acreditar que alcançaram a
luz e se subtraíram à noite do século, envolve-os ainda mais nas trevas: não
observam a lei do Evangelho de Cristo e se dizem cristãos, andam na escuridão e
pensam que possuem a luz, nisto são iludidos e lisonjeados pelo adversário,
que, como diz o Apóstolo, "se transfigura em anjo de luz" (2Cor
11,14).
(4) Disfarça
seus ministros em ministros de justiça, ensina-lhes a dar à noite o nome de
dia, à perdição o nome de salvação, ensina-lhes a propalar o desespero e a
perfídia sob o rótulo da esperança e da fé, a apregoar o Anticristo com o nome
de Cristo. Mestres na arte de mentir, diluem com as suas sutilezas toda a
verdade.
(5) Isto
acontece, irmãos caríssimos, porque não se bebe à fonte mesma da verdade, não
se busca aquele que é a Cabeça, nem se observam os ensinamentos do Mestre
celestial.
4 - "TU ÉS PEDRO, E SOBRE ESTA
PEDRA “EDIFICAREI A MINHA IGREJA..."(Mateus 16,18):
(1) Quem
presta atenção a estes ensinamentos não precisa de longo estudo, nem de muitas
demonstrações. A prova da nossa fé é fácil e compendiosa.
(2) Assim fala
o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as
chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos
céus, e tudo o que desligares na terra será desligado também nos céus" (Mt
16,18-19).
(3) Sobre um só edificou
a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder
a todos os Apóstolos, dizendo: "Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós.
Recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a
quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar
manifesta a unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade
procedesse de um só.
(4) É verdade
que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de
honra e de poder, mas a primeira urdidura começa pela unidade a fim de que a
Igreja de Cristo aparecesse uma só.
(5) O Espírito
Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja única quando diz no
Cântico dos Cânticos: "Uma só é a minha pomba, a minha perfeita, única
filha da sua mãe e sem igual para a sua progenitora" (Cant 6,9).
(6) Aquele que
não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste
e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda está na Igreja?
(7) Paulo apóstolo
inculca o mesmo ensinamento e mostra o sacramento da unidade, dizendo: "Um
só corpo e um só espírito, uma é a esperança da vossa vocação, um Senhor, uma
fé, um Batismo, um só Deus" (Ef 4,4-5).
(8) E, depois
da ressurreição, diz ao mesmo: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo
21,17). Sobre ele só constrói a Igreja e lhe manda que apascente as suas
ovelhas. Embora comunique a todos os Apóstolos igual poder, todavia institui
uma só cátedra, determinando assim a origem da unidade.
(9) É verdade
que os demais [Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a
Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são
pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser apascentado por todos os
Apóstolos em unânime harmonia.
(10) Aquele
que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá pensar que
ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi
fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja?
“Eles saíram de nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem
dos nossos, teriam
permanecido conosco...”(1Jo 2,19)
5 - A IGREJA ÚNICA E UNIVERSAL! MUITOS SÃO OS
RAIOS, UMA A LUZ!
(1) Esta
unidade devemos guardar e exigir com firmeza, especialmente nós, bispos, que na
Igreja presidimos, para dar prova de que o episcopado também é um e indiviso.
Ninguém engane os irmãos com mentiras, ninguém corrompa a pureza da fé com
pérfidos desvios.
(2) Uma só é a
ordem episcopal e cada um de nós participa dela completamente. Mas a Igreja
também é uma, embora, em seu fecundo crescimento, se vá dilatando numa multidão
sempre maior.
(3) Assim
muitos são os raios do sol, mas uma só é a luz, muitos os ramos de uma árvore,
mas um só é o tronco preso à firme raiz. E quando de uma única nascente emanam
diversos riachos, embora corram separados e sejam muitos, graças ao copioso
caudal que recebem, todavia permanecem unidos na fonte comum.
(4) Se
pudéssemos separar o raio do corpo do sol, na luz assim dividida já não haveria
unidade. Quando se quebra um ramo da árvore, o ramo quebrado já não pode
vicejar. Se separamos um regato da fonte, ele secará.
(5) Igualmente
a Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios no mundo inteiro,
mas a sua luz, difundindo-se em toda a parte, continua sendo a mesma e, de modo
nenhum, é abalada a unidade do corpo.
(6) Na sua
exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra, derrama as suas
águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte, uma a mãe, tão
rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é dela o leite que
nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica.
6 - ÚNICA ESPOSA DE CRISTO: NÃO PODE TER DEUS POR
PAI, QUEM NÃO TEM A IGREJA POR MÃE.
(1) A Esposa
de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e casta [Cf Ef
5,24-31]. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor, a inviolabilidade
de um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e torna partícipes do Reino os
filhos que gerou.
(2) Aquele
que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica privado dos
bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos
prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo.
(3) Não pode
ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar
fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja [nota: aqui Cipriano
fala dos obstinados que, conhecendo a verdade, insistem, por ódio ou comodismo
pagão, em se apartar da Igreja de Cristo].
(4) O Senhor
nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não
recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo
trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa
a Igreja de Cristo.
(5) Diz ainda
o Senhor: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30), e do Pai, do Filho e do
Espírito Santo está escrito: "Estes três são um" (1Jo 5,7). Como
poderá alguém pensar que esta unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza
da unidade divina, e tão conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e
sacrificada ao arbítrio de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não
observa a lei de Deus, não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a
vida, nem a salvação.
7 - A TÚNICA INCONSÚTIL DE CRISTO
(1) Este
sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviolada e sem rachadura, é
figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como lemos no Evangelho,
ela não foi dividida, nem, de modo algum, rasgada, mas sorteada. Isto quer
dizer que quem toma a veste de Cristo e tem a dita de se revestir do próprio
Cristo [Rom 13,14; Gál 3,27], deve receber a sua túnica toda inteira e
possuí-la intacta e sem divisão.
(2) Diz a divina
Escritura: "Quanto à túnica, visto que, desde a parte superior, era feita
de uma única tecedura, sem costura alguma, disseram: não a dividamos, mas
lancemos-lhe a sorte para ver a quem toca" (Jo 19,23-24). A unidade da
túnica derivava da sua parte superior - em nosso caso, do céu e do Pai celeste.
Aquele que a recebia e guardava não podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela
era resistente e sólida por ser constituída de um modo inseparável.
(3) Não pode
possuir a veste de Cristo aquele que rasga e divide a Igreja de Cristo.
(4) O
contrário aconteceu à morte de Salomão, quando o seu reino e o povo deviam ser
divididos. O profeta Aías, indo ao encontro do rei Jeroboão no campo, cortou o
seu manto em doze partes, dizendo: "Toma para ti dez partes, porque assim
diz o Senhor: eis que eu divido o reino da mão de Salomão, a ti darei dez
cetros e dois ficarão para ele, por causa do meu servo Davi e de Jerusalém, a
cidade eleita em que eu pus o meu nome" (1Rs 11,30-36). Para separar as
doze tribos de Israel, o profeta dividiu o seu manto.
(5) Mas o povo
de Cristo não pode ser dividido, e por isso a sua túnica, que era um todo feito
de uma só tecedura, não foi dividida por aqueles que a deviam possuir. Ficando
uma só, bem firme na sua contextura, ela mostra a união e a concórdia do nosso
povo, isto é, daqueles que são revestidos de Cristo. Por este sinal sagrado da
sua veste, proclamou ele a unidade da Igreja.
8 - FIGURAS DO ANTIGO TESTAMENTO: RAABE, O
CORDEIRO PASCAL
(1) Portanto
quem será tão celerado e pérfido, tão louco pelo furor da discórdia, para
pensar como possível ou até para ousar romper a unidade de Deus, a veste do
Senhor, a Igreja de Cristo?
(2) Ainda uma
vez nos avisa ele no Evangelho dizendo: "E haverá um só rebanho e um só
pastor" (Jo 10,16). E como se pode pensar que, num mesmo lugar, existam
muitos pastores e muitos rebanhos?
(3) O apóstolo Paulo,
por sua vez, inculcando esta mesma unidade, suplica e exorta: "Rogo-vos,
irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais as mesmas
coisas e não se dêem cismas entre vós. Sede unidos no mesmo sentimento e no
mesmo pensamento" (1Cor 1,10) E de novo: "Sustentando-vos mutuamente
no amor, esforçando-vos por conservar a unidade do Espírito na união da
paz" (Ef 4,2-3).
(4) Achas tu
que alguém pode afastar-se da Igreja, fundar, a seu arbítrio, outras sedes e
moradias diversas e ainda perseverar na vida? Ouve o que foi dito a Raabe, na
qual era prefigurada a Igreja: "Recolhe teu pai, tua mãe, teus irmãos e
toda a tua família junto de ti, na tua casa, e qualquer um que ouse sair fora
da porta da tua casa, será ele próprio culpado da sua perda" (Jos
2,18-19).
(5) Igualmente
o sacramento da Páscoa [antiga], como lemos no Êxodo, exigia que o cordeiro, morto
como figura de Cristo, fosse comido numa só casa. Eis as palavras de Deus:
"Seja comido numa só casa, não jogueis fora da casa carne alguma
dele" (Ex 12,46). A carne de Cristo, o Santo do Senhor [Nota:
"Sanctum Domini" O Santo do Senhor - era como os primeiros cristãos
chamavam a Eucaristia - O Corpo e Sangue de Cristo Jesus], não pode ser jogado
fora. Para os que nEle crêem, não há outra casa a não ser a única Igreja.
(6) O Espírito
Santo anuncia e significa esta casa, esta morada da união dos corações, dizendo
nos salmos: "Deus faz habitar na casa aqueles que são unânimes" (Sl
67,7). Na casa de Deus, na Igreja de Cristo, os moradores são unidos e
perseveram na concórdia e na simplicidade.
II Parte:
9 - A POMBA, EXEMPLO DE SOCIABILIDADE E CONCÓRDIA
(1) Por isto
também o Espírito Santo desceu em forma de pomba [Mt 3,16; Mc 1,10], animal
simples e alegre, sem amargura alguma de fel, incapaz de se enfurecer; não
morde, não arranha com as unhas. Prefere as moradias dos homens e gosta de
habitar numa mesma casa. Quando criam, as pombas cuidam dos filhotes
juntamente, quando viajam, voam pertinho umas das outras. Passam o tempo em
tranqüilos arrulhos, manifestam a concórdia e a paz beijando-se no rosto.
Enfim, em todas as coisas seguem a lei da boa harmonia.
(2) Esta é a
simplicidade que deve reinar na Igreja, essa a caridade que devemos realizar: o
amor fraternal imite as pombas, a mansidão e a brandura sejam iguais às dos
cordeiros e das ovelhas.
(3) Como podem
estar no coração de um cristão a ferocidade dos lobos, a raiva dos cães, o
veneno mortífero das serpentes ou a crueldade sanguinária das feras?
(4) Devemos
alegrar-nos quando os que têm esses sentimentos se separam da Igreja. Assim as
pombas e as ovelhas de Cristo não serão contagiadas pela sua maldade e pelo seu
veneno. Não podem conciliar-se e juntar-se amargura e doçura, trevas e luz,
chuva e céu sereno, guerra e paz, esterilidade e fecundidade, secura e
manancial, tempestade e bonança.
(5) Não
acreditem que os bons possam deixar a Igreja: não é o trigo que o vento
carrega, o furacão não arranca as árvores que têm sólidas raízes. Ao contrário
são as palhas vazias que a tormenta agita, são as árvores vacilantes que a
força dos turbilhões abate. Contra esses o apóstolo São João manifesta a sua repulsa,
dizendo: "Saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido
dos nossos, sem dúvida teriam ficado conosco" (1Jo 2,19).
10 - ORIGEM E MALDADE DAS HERESIAS
(1) A origem
de onde nasceram freqüentemente e continuam nascendo as heresias é a seguinte:
há mentes perversas e sem paz, que, discordando em sua perfídia, não podem
suportar a unidade. O Senhor, por seu lado, respeita a liberdade do arbítrio
humano, permite e tolera que isto aconteça, a fim de que o crisol da verdade
purifique os nossos corações e as nossas mentes, e, na provação, resplandeça
com luz inequívoca a integridade da fé.
(2) O Espírito
Santo nos previne, por meio do Apóstolo: "Convém que haja heresias para
que entre vós se tornem manifestos os que resistem à prova" (1Cor 11,19).
Assim, aqui mesmo, antes do dia do juízo, são divididas as almas dos justos e
dos perversos e as palhas são separadas do trigo.
(3) Esses são
os que, por própria iniciativa e sem chamamento divino, se põem a encabeçar
temerários grupinhos. Contra toda a lei da ordenação, se constituem superiores
e, sem que ninguém lhes dê o episcopado, se atribuem a si mesmos o nome de
bispos. A eles faz alusão o Espírito Santo, no Salmo, falando dos que estão
sentados em cátedras de pestilência, porque são peste infecciosa da fé. Mestres
na arte de corromper a verdade, eles enganam com bocas de serpente, vomitando
de suas línguas pestilentas peçonhas mortíferas. Os seus discursos brotam como
chaga cancerosa, o trato com eles deixa no fundo de cada coração um veneno
mortal.
11 - O BATISMO CISMÁTICO
(1) Contra
esses homens brada o Senhor, para afastar ou retirar deles o seu povo desviado:
"Não
escuteis os sermões dos pseudo-profetas, porque vivem iludidos pelas
alucinações do seu coração. Falam, mas não as palavras do Senhor. Aos que
rejeitam a palavra de Deus dizem eles: tereis a paz, vós e todos os que andam
segundo as próprias vontades. Não virá mal algum, ainda sobre aqueles que seguem
os erros do próprio coração. Eu não lhes falei e eles vão
"profetando". Se tivessem atendido ao meu conselho, ouvido as minhas
palavras e as tivessem ensinado ao meu povo, eu os teria convertido dos seus
perversos pensamentos" (Jer 23,16-22).
(2) E de novo
fala deles o Senhor: "Abandonaram a mim, que sou a fonte da água viva, e
escavaram para si covas escuras, que nem podem dar água" (Jer 2,13 [Nota:
Tradução literal do texto latino antigo. As versões tiradas do hebraico dizem:
"cisternas fendidas, que não retêm a água"]).
(3) Enquanto
não pode haver senão um Batismo, eles pensam que podem batizar. Abandonaram a
fonte da vida e ainda prometem a graça da água que dá a vida e a salvação. Lá
os homens não são purificados, mas, ao contrário, mais poluídos. Lá os pecados
não são perdoados, mas, antes, aumentados. Aquele nascimento não gera filhos
para Deus, mas para o demônio [Nota: Esta recusa do batismo dos hereges é
conseqüência do pensamento vigente. Este pensamento afirmava que qualquer
violação na unidade da Igreja significava perversão total da fé. Hoje, a Igreja
aceita o batismo das denominações protestantes tradicionais].
(4) Os que
pretendem nascer por meio da mentira não recebem absolutamente as promessas da
verdade. Gerados pela perfídia, não alcançam a graça da fé. Aqueles que, no
delírio da discórdia, quebraram a paz do Senhor, não podem chegar ao prêmio da
paz.
12 - "ONDE DOIS OU TRÊS..." (MT 18,20)
(1) Alguns se
enganam a si mesmos com uma presunçosa interpretação das palavras do Senhor, que
disse: "Onde quer que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu
mesmo estou com eles" (Mt 18,20).
(2) São falsificadores
do Evangelho e intérpretes mentirosos. Apegam-se ao que é dito depois,
esquecendo o que foi dito antes, lembram-se de uma parte da frase e,
astutamente, deixam do lado a outra. Assim como eles se separaram da Igreja, do
mesmo modo truncam o sentido de uma única sentença.
(3) De fato, o que
queria dizer nosso Senhor? Para inculcar aos seus discípulos a união e a paz,
diz ele: "Eu vos afirmo que, se dois de vós
concordarem na terra em pedir qualquer coisa, ela lhes será outorgada
por meu Pai que está nos céus" (Mt 18,19). E continua: "Onde quer que
se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com eles",
mostrando que o que mais vale na oração não é o número dos que oram, mas a sua
união de espírito.
(4) "Se
dois de vós concordarem na terra", diz ele. Antes exige a união, põe na
frente a paz: o seu primeiro e mais firme preceito é que entre nós haja acordo.
E como poderá estar de acordo com alguém aquele que está em desacordo com o
corpo da Igreja e a totalidade dos irmãos?
(5) Como
poderão estar reunidos dois ou três em nome de Cristo, se é patente que estão
separados de Cristo e do seu Evangelho? De fato não somos nós que nos apartamos
deles, mas eles de nós. E quando, em seguida, formando entre si vários grupos,
deram origem a heresias e cismas, abandonaram a cabeça e a fonte da verdade.
(6) O Senhor
quer falar da sua Igreja e dirige aquelas palavras àqueles que estão na Igreja,
dizendo que, se dois ou três deles estiverem concordes, como ele ensinou e
mandou, e se reunirem em um só espírito para rezar, embora sejam só dois ou
três, impetrarão da majestade de Deus o que pedem.
(7) "Onde
quer que se encontrem reunidos em meu nome dois ou três, eu mesmo estou com
eles", quer dizer com os simples, com os pacíficos, com os que temem a
Deus e observam os seus preceitos. Com esses, ainda que não fossem mais do que
dois ou três, prometeu que estaria, assim como esteve com os três jovens na
fornalha ardente, e, porque permaneciam simples com Deus e unidos entre si, até
no meio das chamas, os animou com uma brisa de orvalho (Dan 3,50).
(8) Do mesmo
modo esteve presente aos dois Apóstolos encerrados na cadeia, porque eram
simples e unânimes. Ele mesmo abriu as portas do cárcere e os conduziu de novo
à praça para que pregassem à multidão a palavra que tão fielmente anunciavam.
(9) Por conseguinte,
quando o Senhor coloca entre os seus preceitos estas palavras: "Onde quer
que se encontrem dois ou três reunidos em meu nome, eu mesmo estou com
eles", não quer separar os homens da Igreja, pois ele mesmo instituiu e
formou a Igreja, mas ao contrário, repreendendo os pérfidos pela discórdia e
encarecendo, com a sua própria voz, a paz aos fiéis, quer mostrar que ele está
mais com dois ou três que oram unânimes, do que com muitos que oram na
dissidência, e que obtém mais a prece concorde de poucos que a oração sediciosa
de muitos.
13 - NÃO ACHARÁ A DEUS PROPÍCIO QUEM NÃO ESTÁ EM
PAZ COM O IRMÃO
(1) Por isto,
quando ensinou o modo de orar, acrescentou: "Quando estiverdes em pé para
orar, perdoai, se por acaso tendes mágoa contra alguém, a fim de que o vosso
Pai que está nos céus vos perdoe também os pecados" (Mc 11,25). E se
alguém vier ao sacrifício, estando de mal com alguém, ele o afasta do altar e
ordena que, antes, se ponha de acordo com o irmão, e só depois volte em paz
para oferecer a Deus a sua dádiva [Cf Mt 5,24].
(2) Deus não
olhou aos presentes de Caim [Gen 4,5], porque aquele que, pelo rancor da
inveja, não tinha paz com o irmão, não podia encontrar a Deus propício.
(3) Que espécie
de paz podem pretender os inimigos dos irmãos? Que sacrifício pensam eles
oferecer, enquanto não são que rivais dos sacerdotes? Julgam que Cristo esteja
presente nas suas reuniões, enquanto se reúnem fora da Igreja de Cristo?
14 - NEM O MARTÍRIO LAVA A MANCHA DA DISCÓRDIA
(1) Ainda que
esses homens fossem mortos pela confissão do nome cristão, o seu sangue não
lavaria esta mancha. O pecado da discórdia é tão grande e tão imperdoável, que
não se apaga nem pelos tormentos. Não pode ser mártir quem não está na Igreja,
não pode alcançar o Reino quem abandonou aquela que nasceu para reinar.
(2) Cristo nos
deu a paz. Ele nos mandou que fôssemos concordes e unidos, ordenou que os laços
do amor e da caridade fossem conservados intactos e sem rachadura. Não pode
iludir-se de ser mártir aquele que não conservou a caridade fraterna.
(3) O apóstolo
Paulo ensina e testemunha isto mesmo quando diz: "Ainda que eu tivesse fé
para remover as montanhas, mas não tivesse a caridade, eu nada seria, ainda que
distribuísse em alimento dos pobres tudo o que é meu, e entregasse o meu corpo
às chamas, mas não tivesse a caridade de nada adiantaria. A caridade é
magnânima, a caridade é benigna, a caridade não rivaliza, não faz mal, não se
pavoneia, não se irrita, não pensa com maldade, tudo ama, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. A caridade jamais termina" (1Cor 13,1-9).
(4) A caridade
nunca termina, ela estará sempre no Reino, durará eternamente pela unidade dos
irmãos em mútua harmonia. A discórdia não entra no Reino dos céus. Quem, com
pérfida divisão, violou a caridade de Cristo, não poderá chegar aos prêmios do
mesmo Cristo, que disse: "Este é o meu mandamento, que vos ameis
mutuamente como eu vos amei" (JO 15,12).
(5) Quem vive
sem caridade está sem Deus. Eis a voz do bem-aventurado apóstolo João:
"Deus é amor. Quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele"
(1Jo 4,16). Não podem permanecer com Deus os que não quiseram estar unidos na
Igreja de Deus. Ainda que, lançados no fogo, fossem consumidos pelas chamas ou
perdessem a vida sendo expostos às feras, tudo isto não seria uma coroa da fé,
mas, antes, um castigo da sua perfídia, não seria o desfecho glorioso de uma
vida religiosa intrépida, mas um fim sem esperança.
(6) Um homem
assim poderia ser morto, mas não coroado. Ele confessa que é cristão do mesmo
modo que o diabo, muitas vezes, engana dizendo ser ele o Cristo. Escutemos o
aviso do Senhor: "Muitos virão com o meu nome, dizendo: sou eu o Cristo, e
enganarão a muitos" (Mc 13,16). Como o diabo não é Cristo, embora tome
este nome, assim não pode passar por cristão aquele que não permanece na
verdade do Evangelho e na fé de Cristo.
15 - A LEI DO AMOR E A UNIDADE
(1) É
certamente coisa incomum e admirável profetizar, expulsar demônios e fazer
obras portentosas aqui na terra, mas quem faz todas essas coisas não conseguirá
o Reino celeste se não anda no caminho reto e certo.
(2) Ouçamos
ainda o Senhor: "Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não te
lembras que em teu nome profetizamos e em teu nome expulsamos demônios e em teu
nome fizemos obras portentosas? Eu porém lhes direi: jamais vos conheci,
apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade" (Mt 7,21-23). É
necessária a justiça para que alguém possa ser premiado por Deus. É necessário
obedecer aos seus mandamentos e aos seus avisos, para que os nossos méritos
alcancem a recompensa.
(3) O Senhor,
no Evangelho, querendo mostrar-nos em breve resumo a senda da nossa fé e da
nossa esperança, disse: "O Senhor, teu Deus, é um só", e continua:
"Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de
todas as tuas forças" (Mc 12,29-31). "Eis o primeiro mandamento. O
segundo é semelhante a ele: amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois
preceitos funda-se toda a lei e também os profetas" (Mt 22,39-40).
(4) Com a sua
autoridade ensinou, ao mesmo tempo, a unidade e o amor. Em dois preceitos
compendiou a lei e todos os Profetas. Mas que unidade observa, que amor pensa
praticar aquele que, como doido pelo furor da discórdia, divide a Igreja,
destrói a fé, perturba a paz, aniquila a caridade, profana o Sacramento?
16 - ESSAS ABERRAÇÕES FORAM PREDITAS
(1) Este mal,
ó irmãos fidelíssimos, já tinha começado algum tempo atrás, mas agora, como
triste calamidade, foi crescendo dia a dia e a venenosa praga da heresia e dos
cismas aparece e pulula sempre mais. Assim deve acontecer no fim do mundo, como
nos vaticina e nos avisa o Espírito Santo por meio do Apóstolo: "Nos
últimos dias, diz ele, chegarão tempos difíceis e haverá homens que só buscam
os próprios gostos, soberbos, arrogantes, avarentos, blasfemos, desobedientes
aos pais, ingratos, desalmados, sem afeição e sem respeito de compromisso,
caluniadores, incontinentes, violentos, sem nenhum amor ao bem, traidores,
atrevidos, estupidamente altivos, amando mais os prazeres que Deus, ostentando
um verniz de religiosidade, mas conculcando todo valor religioso. Deles são os
que se insinuam nas casas e conquistam mulherzinhas carregadas de pecados, que
se deixam levar por várias volúpias e se mostram sempre curiosos de saber, mas
nunca chegam ao conhecimento da verdade. E como Jamnes e Mambres fizeram
resistência contra Moisés, assim estes resistem à verdade. Mas não serão bem
sucedidos, porque a sua incapacidade será a todos manifesta, como aconteceu
àqueles" (2Tim 3,1-9).
(2) Tudo o que
tinha sido preanunciado se está cumprindo e, enquanto se aproxima o fim do mundo,
tudo se realiza nas pessoas e nos acontecimentos.
(3) O
adversário está solto. Cada vez mais, o erro vai espalhando os seus enganos. A
insensatez gera orgulho, arde a inveja, a cobiça chega até à cegueira, a
impiedade deprava, a soberba incha, a discórdia exaspera, a ira enfurece.
III Parte:
17 - NÃO CEDER AO ESCÂNDALO. EVITAR OS HEREGES
(1) Porém não
nos impressione nem perturbe essa desmedida e temerária perfídia de muitos. Ao
contrário, torne-se mais forte a nossa fé ao constatarmos a verdade do que foi
profetizado. Alguns fizeram-se traidores, porque assim fora predito; os demais
irmãos, em virtude da mesma profecia, acautelem-se contra essas coisas,
escutando a voz do Senhor, que diz: "Vós, porém, acautelai-vos, porque eis
que eu vos predisse tudo" (Mc 13-23).
(2) Evitai,
pois, eu vo-lo peço, irmãos, esses homens e repeli, de vosso lado e de vossos
ouvidos suas perniciosas conversas, como se repele um contágio mortífero. Está
escrito: "Cerca os teus ouvidos com uma sebe de espinhos e não ouças a
língua maldosa" (Eclo 28,24). E ainda: "As péssimas conversas
corrompem até as pessoas de boa índole" (1Cor 15,33). O Senhor nos
recomenda que evitemos essa gente. "São cegos, diz ele, e guias de cegos.
Quando é um cego que conduz outro cego, caem juntos na fossa" (Mt 15,14).
(3) Convém
estar longe e fugir de qualquer um que se separou da Igreja. É um transviado,
um culpado, ele se condena por si próprio [Cf Ti 3,11]. Poderá pensar que está
com Cristo aquele que está tramando contra os sacerdotes de Cristo e se separa
da comunidade do seu clero e do seu povo? Ele levanta armas contra a Igreja e
resiste às ordens de Deus. Adversário do altar, rebelde contra o Sacrifício de
Cristo, traidor na fé, sacrílego na religião, servo intratável, filho ímpio, irmão
inimigo, despreza os bispos e abandona os sacerdotes de Deus e ousa erguer um
outro altar, pronunciar com voz ilícita uma outra prece, profanar, com falsos
sacrifícios, a Hóstia do Senhor, e esquece que quem vai contra as ordens de
Deus será punido com os divinos castigos pela sua atrevida audácia.
[Nota: Parece
até intolerância de S. Cipriano, mas defender a fé não é intolerância. A culpa
não é tanto estar fora da Igreja "in-fidelis", mas em ter saído da
Igreja e teimar numa fé espúria e pervertida "perfídia". S. Cipriano
deseja defender os que permanecem na Igreja, das falsas doutrinas dos hereges,
e não incitar um preconceito gratuito].
18 - CASTIGOS DOS PROFANADORES DO CULTO
(1) Assim
Coré, Datã e Abirão receberam, sem demora, o castigo da sua presunção, porque,
violando as ordens de Moisés e do sacerdote Aarão, pretenderam usurpar o
direito de oferecer sacrifícios [Cf Num 16,31-35]. A terra perdeu a sua
firmeza, fendeu-se numa profunda voragem, e o chão, assim aberto, os engoliu
vivos e em pé. A justiça indignada de Deus não atingiu só os autores daquele
gesto, mas também os outros duzentos e cinqüenta, seus companheiros, que foram
cúmplices e solidários com eles. De repente saiu do Senhor um fogo punitivo e
os consumiu. Isto deve valer como demonstração e sinal de que foi ofensa contra
Deus tudo o que aqueles perversos tentaram, com suas vontades humanas, para
frustrar as ordens do próprio Deus.
(2) Assim
aconteceu também ao rei Ozias, quando segurou o turíbulo e, com violência,
pretendeu oferecer ele mesmo o incenso, violando a lei de Deus e desobedecendo
ao sacerdote Azarias, que a isto se opunha [Cf 2Crôn 26,16-20]. Lá mesmo foi
confundido pela divina indignação e acometido por uma espécie de lepra na
fronte. Pela sua ofensa a Deus, foi punido justamente naquela parte do corpo,
onde recebem o sinal (da cruz) os eleitos de Deus.
(3) Também os
filhos de Aarão, por ter colocado no altar um fogo profano, contra os preceitos
do Senhor, foram mortos no mesmo instante pela divina vingança [Cf Lev 10,1-2;
Num 3,4].
19 - MENOS GRAVE É O PECADO DOS LAPSOS*
(1) São esses
os exemplos que seguem e imitam os que buscam doutrinas estranhas, introduzem
ensinamentos de invenção humana e desprezam a divina tradição. A eles
aplicam-se as repreensões e as censuras do Evangelho: "Rejeitais o
mandamento de Deus para apegar-vos à vossa própria tradição (pagã)" (Mc
7,90).
(2) Este crime
é pior do que aquele que se pensa terem cometido os lapsos, ao menos se
falarmos dos que estão arrependidos e rogam a Deus perdão do seu pecado,
dispostos a dar completa satisfação. Os lapsos, com súplicas, procuram a
Igreja, os cismáticos combatem-na. Os primeiros podem ter sido vítimas de
alguma pressão, os segundos erram no pleno uso da sua liberdade. O lapso,
pecando, se prejudicou unicamente a si mesmo, ao passo que aquele que tenta criar
heresias e cismas engana a muitos, arrastando-os à sua seita. Lá há detrimento
de uma só alma, aqui o perigo é de muitos. O lapso reconhece que certamente
pecou, disto lamenta-se e chora, o cismático, cheio de orgulho no seu coração e
comprazendo-se dos seus próprios erros, arranca os filhos à mãe, afasta, com
aliciamentos, as ovelhas do Pastor, arrasa os divinos Sacramentos.
(3) O lapso
pecou só uma vez, o outro continua pecando a cada dia. Por fim, o lapso, mais
tarde, poderá enfrentar o martírio e conseguir as promessas do Reino, o
cismático, ao contrário, se for morto enquanto está fora da Igreja, não
alcançará os prêmios da Igreja.
[nota: *
Lapsos era o nome dado aos cristãos que durante a perseguição tinham
sacrificado incenso aos ídolos, o que significava renúncia à fé. Para serem
reintegrados na comunidade da Igreja deviam se submeter às penitências
prescritas].
20 - CONFESSORES* QUE NÃO PERSEVERARAM
(1) Não deveis
estranhar, irmãos diletíssimos, que até entre os confessores haja alguns que caíram
nestes crimes. Acontece também que alguns deles cometam outros pecados graves e
vergonhosos. A confissão da fé não torna uma pessoa imune das ciladas do
demônio. A quem ainda vive neste mundo ela não comunica uma perpétua segurança
contra as tentações, os perigos e o ímpeto dos ataques mundanos. Se assim
fosse, não veríamos, em confessores, os roubos, os estupros e os adultérios,
que agora, com imensa tristeza, devemos lamentar em alguns deles.
(2) Quem quer
que seja um confessor, ele não poderá ser maior, melhor e mais amigo de Deus
que Salomão. Entretanto, este, durante o tempo em que se manteve nos caminhos
do Senhor, conservou a benevolência com que o mesmo Senhor o tinha favorecido,
mas quando se desviou destes caminhos, perdeu também a benevolência do Senhor
[3Rs 11,9].
(3) Por isto
diz a Escritura: "Segura o que tens, para que um outro não tome a tua
coroa" (Ap 3,11). Se lá o Senhor ameaça tirar a alguém a coroa da justiça,
é sinal que quem renuncia à justiça fica privado também da coroa.
[nota: * Os
confessores eram os cristão que afirmavam a fé perante os perseguidores, e por
um motivo ou outro, não eram condenados a morte. Alguns deles, cheios de
soberba pelo ato de fé que praticou, achavam que tinham o direito de dar o aval
aos lapsos (ver nota acima) e reintegrá-los na comunidade sem as penitências.
Alguns confessores se tornaram cismáticos].
21 - A HONRA DA "CONFISSÃO" AUMENTA O
DEVER DO BOM EXEMPLO
(1) A
confissão da fé é um preâmbulo da glória, mas não é ainda a posse da coroa. Não
é a glória definitiva, mas só o início do mérito. Está escrito: "O que
perseverar até o fim, este será salvo" (Mt 10,22). Tudo pois o que fazemos
antes do fim é só um passo com o qual vamos subindo ao monte da salvação, mas
só ao fim da subida chegaremos à posse perfeita do cume.
(2) Trata-se
de um confessor? Ora, depois da confissão da fé, o perigo torna-se maior,
porque o adversário está mais enraivecido contra ele.
(3) É
confessor? Por isto, mais do que nunca, deve permanecer fiel ao Evangelho do
Senhor, ele que pelo Evangelho conseguiu esta honra. Diz o Senhor: "A quem
muito é dado, muito será pedido e a quem é concedida maior dignidade, deste
exigem-se maiores serviços" (Lc 12,48). Ninguém se deixe levar à perdição
pelo mau exemplo de algum confessor. Ninguém aprenda, do seu modo de proceder,
a injustiça, a arrogância ou a perfídia.
(4) É
confessor? Seja humilde e tranqüilo em todo o seu comportamento, seja disciplinado
e modesto, de modo que, como é chamado confessor de Cristo, imite também aquele
Cristo que confessa "Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será
exaltado" (Lc 18,14). Assim disse ele, e foi exaltado pelo Pai, porque,
sendo ele a Palavra, a Virtude e a Sabedoria de Deus Pai, se humilhou a si
mesmo na terra. E como poderia amar a altivez, ele que, com a sua lei nos
preceituou a humildade, e, em prêmio da sua humildade, recebeu do Pai o nome
mais sublime? [Cf Flp 2,9]
(5) Alguém foi
confessor de Cristo? Muito bem, mas, depois, por sua culpa, não sejam
blasfemadas a majestade e a santidade do próprio Cristo. A língua que confessou
a Cristo não seja maldizente nem sediciosa, não se ouça vociferando em
altercações e brigas; depois de palavras tão divinas de louvor não vá vomitando
veneno de serpente contra os irmãos e contra os sacerdotes de Deus.
(6) Em suma,
se alguém, depois da confissão, se tornou culpável e detestável, se aviltou a
sua confissão com maus comportamentos, se manchou a sua vida com torpezas
indignas, se, afinal, abandonou a Igreja, na qual se tornara confessor, e,
quebrando a harmonia da unidade, trocou a fé de então com a perfídia, um tal
homem não pode lisonjear-se, presumindo da sua confissão, de ser como que
predestinado ao prêmio da glória. Ao contrário, por isto mesmo, aumentaram seus
títulos para o castigo.
22 - ELOGIO DOS CONFESSORES
(1) Vemos
também que chamou a Judas entre os Apóstolos, e este Judas, em seguida, traiu o
Senhor. A fé e a perseverança dos Apóstolos não esmoreceram pelo fato que Judas
traidor tinha pertencido ao seu grupo. Igualmente em nosso caso: a santidade e
a dignidade dos confessores não ficam destruídas, se naufragou a fé em alguns
deles.
(2) O
bem-aventurado apóstolo Paulo diz numa das suas cartas: "Se alguns
decaíram da fé, será que a sua infidelidade tornou vã a fidelidade de Deus? De
modo algum. De fato, Deus é verídico e todo homem é mentiroso" (Rom 3,3-4;
Sl 115,11).
(3) A maioria
e a parte melhor dos confessores mantém-se no vigor da sua fé e na verdade da
lei e da disciplina do Senhor. Lembrando-se de ter alcançado a graça e a
benevolência de Deus na Igreja, não se afastam da paz da mesma Igreja. Nisto
merecem mais amplo louvor pela sua fé, porque, desligando-se da perfídia
daqueles que já foram seus companheiros na confissão, resistiram ao contágio do
mal. Iluminados pela luz verdadeira do Evangelho, brilhando na pura e cândida
claridade do Senhor, mostram-se tão dignos de encômio na conservação da paz de
Cristo, quanto o foram no combate, quando se tornaram vencedores do demônio.
23 - APELO AOS QUE FORAM ENGANADOS
(1) Quanto a
mim, irmãos diletíssimos, não deixo de exortar e insistir, porque desejo que,
se for possível, nenhum dentre os irmãos pereça, e a mãe feliz (a Igreja)
abranja no seu regaço o seu povo, unido na concórdia como um só corpo. Se,
todavia, este salutar conselho não consegue reconduzir ao caminho da salvação
certos chefes de cismas e certos autores de dissensão, preferindo eles
obstinar-se em sua cega demência, ao menos os demais, os que foram
surpreendidos na sua simplicidade, ou se deixaram desviar por algum equívoco,
ou foram enganados pelo ardil de uma astúcia dissimulada, ao menos vós sacudi
os laços falaciosos, livrai dos erros os vossos passos extraviados, sabei reconhecer
o caminho reto que conduz ao céu.
(2) Ouvi a voz
do Apóstolo, que clama: "Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, nós vos
mandamos, diz ele, que vos afasteis de todos os irmãos que andam
desordenadamente e não segundo a tradição que receberam de nós" (2Tes
3,6). E de novo: "Ninguém vos engane com vãs palavras. Por causa disto
veio a ira de Deus sobre os filhos da contumácia. Não estejais, pois, ao lado
deles" (Ef 5,6-7).
(3) Deveis
evitar os delinqüentes e até fugir deles, para que não aconteça que,
juntando-se aos que trilham os caminhos do erro e do crime, alguém se desvie
também da verdade e se torne culpado de igual delito.
(4) Deus é um,
Cristo é um, uma é a sua Igreja, uma a fé e o povo (cristão) é também um,
aglutinado pela concórdia como na compacta unidade de um corpo. Esta unidade
não pode ser quebrada. Um corpo não pode ser dividido, desarticulando as suas
junturas. Não pode ser reduzido a pedaços, dilacerando e arranhando as suas
vísceras. Tudo o que se separa do centro vital não pode continuar a viver ou a
respirar porque fica privado do alimento indispensável à vida.
24 - BEM-AVENTURADOS OS PACÍFICOS
(1) O Espírito
Santo assim nos fala: "Quem é o homem que quer viver e deseja ver dias
excelentes? Refreia do mal a tua língua, e os teus lábios não falem
insidiosamente. Evita o mal e faze o bem, busca a paz e segue-a" (Sl
33,13-15). O filho da paz deve buscar a paz, deve procurá-la. Quem conhece e
ama o vínculo da caridade deve guardar a sua língua do flagelo da dissensão.
(2) O Senhor,
já próximo à paixão, entre outros preceitos e ensinamentos salutares,
acrescentou o seguinte: "Eu vos entrego a paz, eu vos dou a minha
paz" (Jo 14,27). Esta é a herança que nos deixou. Todos os dons e todos os
prêmios das suas promessas estão incluídos nisto: a inviolabilidade da paz.
(3) Se somos
co-herdeiros de Cristo [Cf Rom 8,17], permaneçamos na paz de Cristo. Se somos
filhos de Deus, sejamos pacíficos. "Bem-aventurados os pacíficos, diz,
porque serão chamados filhos de Deus" (Mt 5,9). Convém, pois, que os
filhos de Deus sejam pacíficos, mansos de coração [Cf Mt 11,29], simples quando
falam, concordes nos afetos, sempre ligados uns aos outros pelos laços da
unidade de espírito.
25 - O EXEMPLO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS
(1) Essa
unidade reinou ao tempo dos Apóstolos e a nova plebe, o povo dos que
acreditaram, guardava os preceitos do Senhor e ficava fiel à sua caridade.
Prova-o a divina Escritura, dizendo: "A multidão daqueles que acreditaram
se comportava como se fossem todos uma só alma e uma só mente" (At 4,32).
(2) E antes:
"Estavam perseverando todos unânimes na oração com as mulheres e Maria, a
mãe de Jesus, e seus irmãos" (At 1,14). Por isto oravam de modo eficaz e
podiam confiar em alcançar o que estavam pedindo à misericórdia divina.
26 - EXORTAÇÃO PARA UMA VIDA CRISTÃ INTEGRAL
(1) Entre nós,
ao contrário, esta união está demasiado relaxada, e ao mesmo tempo aparece
muito enfraquecida a generosidade nas obras (boas). Então vendiam as suas casas
e as suas propriedades e entregavam o preço aos Apóstolos, para que fosse
distribuído aos pobres: assim colocavam seus tesouros no céu [Cf Mt 6,19]. Hoje
nem se dão os dízimos dos patrimônios e, enquanto o Senhor diz "vendei"
[Cf Lc 12,33], nós preferimos comprar e possuir mais. Como, entre nós, murchou
o vigor da fé, como esmoreceu a força daqueles que crêem!
(2) Por isto o
Senhor, falando destes nossos tempos, diz no Evangelho: "Quando vier o
Filho do homem, pensas que encontrará fé na terra?" (Lc 18,8). Vemos que
está acontecendo o que ele predisse. No que diz respeito ao temor de Deus, à
lei da justiça, ao amor, às obras, não há mais fé. Ninguém se preocupa com as
coisas que hão de vir, ninguém pensa no dia do Senhor, na ira de Deus, nos
futuros suplícios dos incrédulos, nos eternos tormentos destinados aos
pérfidos. Se crêssemos, a nossa consciência teria medo de tudo isto. Se não
temos medo é sinal que não cremos. Quem acredita se acautela, quem se acautela
se salva.
(3)
Despertemos, irmãos diletíssimos, quebremos o sono da inércia rotineira e, por
quanto for possível, sejamos vigilantes em guardar e cumprir os preceitos do
Senhor. Sejamos prontos, como ele seja, quando diz: "Estejam cingidos os
vossos rins, e as lâmpadas acesas nas vossas mãos, e vós sede semelhantes a
homens que esperam o seu dono, quando voltar das núpcias, para lhe abrirem logo
que ele chegar e bater. Bem-aventurados os servos que o Senhor, chegando,
encontrar vigilantes" (Lc 12,35-37). É necessário que estejamos cingidos,
a fim de que, quando vier o dia da partida, não sejamos surpreendidos cheios de
impedimentos e de embaraços. Fique sempre viva a nossa luz e brilhe em boas
obras, para nos guiar da noite deste mundo aos esplendores da claridade eterna.
Sempre solícitos e cautos, fiquemos à espera da chegada repentina do Senhor.
Quando ele bater, encontre a nossa fé vigilante com uma tal vigilância que
mereça receber o prêmio do mesmo Senhor.
(4) Se forem
observados esses mandamentos, se forem postas em prática essas exortações, não
acontecerá que sejamos vencidos, no sono, pela falácia do demônio, mas, como
servos bons e vigilantes, reinaremos com Cristo glorioso.
FONTE:veritatis.com.br
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