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RCC e Teologia da Libertação - Onde houve Conversões, ou mera militância ?

Written By Beraká - o blog da família on quarta-feira, 31 de agosto de 2011 | 10:37



REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 


O Rosto plural da Fé – Da ambiguidade religiosa ao discernimento do crer.


Autor: Pedro Rubens Ferreira de Oliveira (Foto) - Doutor em Filosofia por Paris 1; professor do PGFilosofia PUCRS - Doutorando em Filosofia pela UFRGS.

A obra O Rosto Plural da Fé é o destacamento e a re-elaboração de modo a alcançar a autonomia conceitual e a unidade temática e estilística necessárias para a apresentação ao público brasileiro da tese de Doutorado em Teologia defendida pelo Prof. Pedro Rubens, junto ao Centre Sèvres,em Paris, sob a orientação de Christoph Theobald. O texto que ora se resenha é o primeiro dos três tomos, em que foi dividida a referida tese, e que, em breve, se fará disponível à comunidade brasileira em sua integralidade.


Dividiremos a presente resenha em dois momentos, primeiramente, se fará (1) revelar a estrutura temático-argumentativa do autor, apresentando, segundo a ordem do discurso, os principais temas e problemas trazidos ao debate e as constatações a que se chegou e, após esta fase, (2) analisaremos as conclusões do autor, de modo a avaliar o potencial de produtividade estabelecido pelo livro e suas conclusões. 




I. A estrutura temático-argumentativa

A delimitação do modo e do escopo da ação da presente obra enquadra-se em um ponto de partida que se situa através do reconhecimento da legitimidade e da justificação dapergunta acerca da situação do Crer, enraizado na experiência dos contextos de seu desenvolvimento e manifestação, sem que, com isso, seja legada a um segundo plano a experiência pessoal como fundamento da fé, para, a partir das respostas a que se chega a esta pergunta, erigir uma Teologia Fundamental de nota pneumática.



O autor claramente nos indica que o espaço das razões, ou o contexto de inserção e desenvolvimento do ato de Fé, é um imbricado correlacionar-se da recepção por nós da fé e a assunção de seu desenvolvimento em nós, inserindo, na legitimidade da pergunta acerca dos contextos nos quais a fé aflora e se desenvolve, o papel fundamental que exerce o seu destinatário singularmente tomado.

Neste sentido, a busca pelo crer contextualmente avaliado e justificado se constitui na exata medida em que também é a procura das razões daqueles que vivenciam a experiência do sagrado, unindo as demandas propriamente sócio-hermenêuticas aos padrões de exigência e resposta de uma pesquisa fenomenológica.

Somos instados, pela tessitura do texto e mediação do autor, a passarmos da pergunta pelo que significa crer à constatação de uma das mais singulares nuances de nosso ethos contemporâneo, qual seja: a inaceitação pelo cristão da justificação de sua vivência do sagrado, pelo mero apelo ao antes simbolizado na tradição com seus ritos e interditos, ou pelo acima inscrito através da relação de normatividade hierárquica do cristão em face de sua Igreja e da estrutura piramidal que a compõe.

Reconhecer “a unicidade do ato de Cristo e a diversidade das situações humanas” é o que profeticamente nos coloca Pedro Rubens como pórtico daquilo que se anunciará como eixo de força ou núcleo duro e estruturante a ser desenvolvido na obra. Relacionar discernimento e ambiguidade, ou, Teologia e seus modos de expressão e vir-a-ser é a forma que encontramos perpassando a proposta do livro e que se afirma já pelo corte metodológico de estudar o ambíguo, o plural, aquilo que nos compõe e, ao mesmo tempo, a racionalidade, o discernimento, elemento de centralidade de uma fé que é capaz de dar e pedir razões, que nos instiga a ir além e a vivenciar o mundo, não apenas como um dado realisticamente posto, porém, como uma experiência rica e plena de sentido, irredutível às suas múltiplas significações.


Estudar a ambiguidade e a racionalidade nos quadros de uma Teologia contemporânea, certamente, é um tema deveras atraente, mas muito amplo, e o autor fecha seu corte com a experiência dos contextos cristãos no Brasil pós-Concílio Vaticano II, de modo a que, epistemicamente, lhe interessam sobretudo aquelas expressões que se auto-intitulam reveladoras do Espírito Santo entre nós, especificamente, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Renovação Carismática Católica (RCC) e o movimento Pentecostal.


Afirmar a ambiguidade da experiência da fé cristã através de uma delimitação de seus modos privilegiados de manifestação no contexto brasileiro é tarefa que seguramente melhor se desenvolveria, mediante a apresentação do estado da arte que conduziu a esta circunstância, ambíguo e polissemântico, e o autor o faz.

Primeiramente, através da estruturação e da abordagem notadamente analítica da realidade sócio-histórica, onde, sem renunciar à tradição teológica latino-americana, reconhece-lhe seus méritos, especialmente a permanente exigência de se manter no compromisso, engajamento e na atualidade do discurso teológico.

O autor, ao mesmo tempo, afirma o ponto fraco desta mesma teologia, o qual reside na tormentosa passagem da análise sócio-histórica à própria Teologia, como disciplina unitária acerca do discurso do divino cristão, meta que a Teologia da Libertação, por exemplo, fazia, mas com um “necessário” recurso a “saltos” no seio de seu próprio discurso.

Construir uma “hermenêutica das experiências contextuais constitui o ponto de partida do livro” e é mediante a compreensão da racionalidade que conduz a tais experiências e dirige os modos de sua manifestação, que, segundo o autor, se pode conectar o discurso de análise dos dados empíricos à expressão do Divino em sua univocidade pneumo-soteriológica.

O autor mesmo afirma que o “(...) discernimento precisa ser feito; mas somente uma interpretação das experiências, tais como elas se manifestam, possibilitará uma abordagem pertinente, responsável e digna de crédito” (p. 30).


O autor acentua como as três figuras – CEBs, RCC e Pentecostalismo – se autodefinem como experiências do Espírito Santo e declaram-se portadoras do novo para a vivência cristã, expressando, respectivamente, um jeito novo de ser Igreja e um modo novo de manifestação dos signos da experiência cristã diretamente ligada à liturgia.

Estas figuras ou configurações da vivência cristã canalizam, sob diversos modos, aquele elemento de unidade e constituição da vivência religiosa brasileira, qual seja, o catolicismo popular, o qual encontra sua potencialização maximal do princípio Católico no Brasil mediante sua capacidade de sincretismo e re-significação ritualística, que paradoxalmente atinge seu maior estágio, pois último, segundo o autor, através do Pentecostalismo de feição protestante.


Estas figurações ou momentos fenomenológico-existenciais do sagrado, que se manifestam no discurso salvífico e redentor daquelas, coincidem opositivamente, constituindo a delimitação do contexto brasileiro tal como posta pelo autor, através de sua irredutível singularidade e inevitável radicalidade.

Três figuras e um único pano de fundo, o catolicismo popular, pelo qual e no seio do qual se diferenciam e singularizam suas e nossas experiências do sagrado.

Mas o que constitui para o autor esta matriz da religiosidade popular denominada Catolicismo Popular? Informa-nos Pedro Rubens (p. 39), no primeiro capítulo de seu livro, que se compõe da tensão entre o Catolicismo Oficial e sua recepção no Brasil e do seu amálgama com os elementos afro-brasileiros e ameríndios, sendo a matriz que compõe a “(...) a memória viva da evangelização do país ao longo de sua história”.

Reconstituindo as faces da conformação histórica desta matriz da religiosidade viva e popular brasileira, somos lucidamente postos sobre algumas bases constituídas desde a pesquisa genealógica operada pelo autor, que resumiríamos a:
a) o catolicismo não-oficial é figura por excelência da nossa religiosidade popular,

b) a natureza matricial do catolicismo popular compõe-se de uma feição dúplice, tanto como forma específica da religiosidade brasileira, quanto como uma forma específica do próprio Catolicismo,

c) o seu desdobramento interno em três novas figuras (CEBs, RCC e Pentecostalismo) é parte do movimento mesmo de autocompreensão, resignificação e recomposição do cristianismo, como religião viva. Por fim, o autor acena-nos para a conclusão de que esta frenética efervescência do Catolicismo popular, ambíguo, e que clama pelo discernimento no seio de tantos rostos é a dimensão essencial da Fé cristã e quiçá das configurações do crer cristão.


O autor, sensatamente e de maneira a situar o neófito no debate acerca da apropriação e constituição de um consenso acerca do que é o catolicismo popular, retoma as tipologias de base weberiana que marcaram os trabalhos de Riolando Azzi e José Comblin, pioneiros no Brasil, que partiam de um pressuposto dicotômico entre um Ser (o catolicismo popular) e o dever-ser (o Catolicismo Oficial de Roma), e, desde esta oposição, acrescentavam um elemento distintivo e reconstituíam assim historiograficamente tipos de catolicismo entre-nós.


Reconhecendo a fecundidade do tipo ideal, porém apontando suas deficiências, o autor prefere uma Teologia plural, onde o tipológico persista, mas se priorize a experiência de fé, “(...) em sua tríplice dimensão, questionando-se sobre a autenticidade da experiência, a justeza das relações com as outras e a verdade do próprio crer” (p. 72).

Em seu percurso de mapeamento desta matriz do catolicismo popular naquilo que lhe constitui como ambíguo e que nos impele ao seu discernimento à luz da unidade teológico doutrinal, somos afrontados ao descortinamento de três figurações essenciais para a constituição desta teologia do crer, isto é, as CEBS, a RCC e o Pentecostalismo.

II. As figurações do catolicismo popular


As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) constituem-se como uma figura nitidamente fruto da experiência religiosa posterior ao Concílio Vaticano II, que atuavam tanto na dimensão prática quanto na elaboração de uma reflexão teológica singular, de base fortemente ideológica, onde a experiência da Fé se fazia indissociável do seu contexto social e político.

As CEBs promoveram a aproximação do povo com a Igreja, reaproximando o Clero e as comunidades, através de um cristianismo ativo, em que a comunidade possuía vez e voz. Segundo Rubens (p. 75): “Assistia-se assim, à emergência do sujeito e à irrupção histórica dos pobres na cena socioeclesial”.


As CEBs são concebidas pelo autor no seio de uma tríplice formação, onde se sobrepõem os momentos de ser uma Igreja em gênese, de optar pelos pobres e de assumir o desafio do pluralismo cultural e religioso. O fazer-se Igreja que é operado pelas CEBs é a reação a um estado de coisas insustentável no contexto político – a Ditadura – e inadiável no contexto eclesial, e que converge, no plano da ação pastoral, para um maior protagonismo social.
Passa-se do fazer da Igreja que anuncia para uma Igreja que é escuta e clamor pelos desfavorecidos. O agir cristão e a ação política associam-se ao ponto de constituírem o ponto fraco deste tipo teologal, buscando a solução da ambiguidade de um momento historicamente conturbado.

As CEBs se conduzem para o seio mesmo deste modo de discernir a realidade vivenciada sem refletir sobre o próprio percurso que está sendo trilhado e o elemento político da Igreja é socialmente cooptado por sua face política.

Ao fim da análise da constituição e da destinação da primeira figura da ambígua expressão do catolicismo popular no Brasil, Pedro Rubens nos brinda com a elaboração de um conceito para as CEBs que aglutina sua base teórica à sua prática eclesial, através da união da:
a) forma: celebração da palavra, conselho comunitário e grupo de estudo bíblico como modo estruturante de ser Igreja viva política e comunitariamente, e do :
b) conteúdo, presente no pressuposto teológico advogado pelas CEBS, de constituir-se como um novo jeito de ser Igreja e de ser a base de interpretação litúrgica da fé nas comunidades e pelas comunidades.

Com as CEBs vivencia-se uma Igreja que se pauta na centralidade dos Dogmas Católicos, mas que os reinterpreta segundo suas experiências, anseios e projetos mais imediatos. Pedro Rubens registra (p. 95) que as CEBs são “(...) uma reestruturação da paróquia sob a forma de uma rede de comunidades”.


A transição da primeira figura expressiva de nosso catolicismo popular pós-Concílio Vaticano II à sua segunda figura é uma negação, pois a Renovação Carismática Católica (RCC) não postula a realização da fé pela política, ao mesmo tempo em que é uma conservação do espírito profético do anúncio do Espírito Santo à luz de uma re-interpretação das Escrituras.

Em sua estruturação histórica e tipológica, Pedro Rubens nos mostra a RCC esmiuçada, desde seu matiz nos EUA, em 1966, à sua introdução no Brasil, no ano de 1969, pelo Jesuíta Harold Rahm.

Apresentando, em seguida, seu impulso definitivo em nossas terras conferido pelo também Jesuíta Pe. Edward Dougherty, que consolida a nova forma de viver a esperança no Cristo Crucificado pela predominância da vivência dos Dons do Espírito Santo.

No seu vir-a-ser, esta emblemática figuração do catolicismo popular recebe, pelo autor, uma caracterização cronológica de três tempos:
1) seu surgimento e constituição (1966-70),
2) seu crescimento e expansão (1972 a fins dos anos 80) e
3) sua ofensiva midiática com apelo e apoio do marketing religioso (1983 aos anos 90).

A ambiguidade da RCC se potencializa pelo fato singular de que suas fases se sobrepõem entre si, assim como se interconectam com o próprio desenvolvimento do culto oficial da Santa Sé e das CEBs, como expressão deste mesmo catolicismo popular.

A afirmação da RCC no Brasil dá-se em paralelo à ditadura militar, porém incólume a seus olhares, tendo um expressivo crescimento exatamente no momento de transição ao regime democrático, fazendo-nos concluir que a Renovação Carismática surge como alternativa ao já crescente estado de desilusão face às utopias marxianas em geral.


Segundo o autor, a RCC passa do carisma à institucionalização por um fenômeno anômalo de constituição, o qual, sem uma organicidade prévia em seu ponto de partida, difunde-se mediante os grupos de oração por todo o Brasil.

Ao mesmo tempo, a estrutura da RCC vai complexivamente avolumando-se até adquirir a autonomia de um verdadeiro movimento religioso com características, ritos, e signos bem particulares, especialmente distintivos dos demais grupos catolaicos, pelo uso da glossolalia, profecias, exorcismos e curas.

Contudo, a afirmação definitiva da RCC vem com sua ofensiva televisiva, a qual se estrutura em torno da assunção de seu modus operandi no reconhecimento da CNBB, o que lhe confere status institucional, mesmo na laicidade, e afirmando sua catolicidade, e no empenho e profissionalismo do leigo João Monteiro e de sua família.

Começa assim a investida do catolicismo popular como fogo do Espírito Santo que se lança à conquista de fiéis.
Apoiados no vazio da Teologia da Libertação, tanto pelo descontentamento que esta causou no seio do Catolicismo Oficial, como por sua melancolia e impotência frente ao cumprimento de suas pautas pós-abertura militar, e ancorados na reivindicação de uma experiência pessoal do Espírito Santo que se converte numa participação comunitária nos dons de Deus, a RCC se firma no catolicismo do Brasil.

De forma análoga, se torna ponto forte da ofensiva da Santa Sé face ao crescente alargamento das fronteiras pelas seitas pentecostais.

A consolidação da RCC consegue afirmar-se mesmo face às críticas que lhe são dirigidas por setores internos e externos à Igreja de não conferir a devida importância ao engajamento do cristão, ao afastar-se em demasia da Diocese, às acusações de ser um fenômeno fugaz e mesmo à sua tendência a uma fenomenalização da fé e de suas expressões que priorizam o maravilhoso sobre a ascese, a emoção sobre a reflexão etc.


Se as Comunidades Eclesiais de Base constituíram o primeiro novo jeito de crer em Igreja do catolicismo popular brasileiro após o Concílio Vaticano II, a Renovação Carismática, como segunda figuração fundamental do catolicismo popular, possui a nota fundamental de se mover por um espírito de renovação.

Enfrentaremos, em continuidade, guiados pela percuciente análise do autor, a exegese acerca da terceira figura do catolicismo popular, o pentecostalismo.

Aqui, é necessária uma pequena digressão, pois o autor busca exatamente descortinar o discernimento no seio da ambiguidade que compõe o catolicismo popular e empreende sua hermenêutica pelo desvelar concêntrico de três figuras, já citadas, mas aqui repetidas: as CEBs, a RCC e, paradoxalmente, o pentecostalismo!

Saltam aos olhos a ousadia e o destemor do autor, um Jesuíta, em entrincheirar entre as figuras do catolicismo popular, uma figura híbrida – o Pentecostalismo –, que, declaradamente, se opõe ao Catolicismo Oficial da Santa Sé Romana.

Em sua rememoração do percurso formativo do pentecostalismo, somos brindados com uma análise que vai da historiografia à tipologia e desta a uma fenomenologia da religião.

Fundados no batismo do Espírito Santo e em sua expressão via glossolalia e numa experiência mais imediata de Deus pela intercessão presentificada do Espírito Santo, o pentecostalismo adentra o Brasil a partir do ano de 1910 com a chegada da Congregação Cristã e da Assembleia de Deus, as quais se notabilizam até a década de 40 por sua restrita atuação e nítida influência americana e de suecos americanizados entre os seus pastores e precursores.

Na década de 50 e seguintes, com a crescente urbanização brasileira, a consolidação da imprensa e dos meios de comunicação e a facilidade de mobilidade de pessoas, ocorre um verdadeiro Deuteropentecostalismo, correspondente à segunda fase de fixação da doutrina pentecostal entre nós e que se notabiliza pelo ingresso no Brasil das seguintes denominações:

Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), Brasil para Cristo (IBPC), Deus é Amor (IDEA), as quais se constituem por um núcleo duro de práticas como: a pregação em locais seculares, para pessoas de baixa renda e formação, com proposta de massificação e o início do uso dos meios de comunicação de massa, especificamente o rádio, bem como de um forte apelo pietista na pregação, vinculando a fé ao sentimento, à cura divina, ao exorcismo, à salvação e ao retorno de Cristo.


Com o início da década de 80, prepara-se o momento de transição do pentecostalismo ao neopentecostalismo, o qual acompanha as características das duas gerações anteriores, mas que se faz notadamente por uma feição midiática e televisiva, com a completa passagem do culto do templo à TV, radicalizando-se os processos de massificação da Fé e de suas expressões, submetendo as manifestações do sagrado aos interesses da mercantilização quantitativa, tanto pela busca de fieis como pela superação das denominações ditas concorrentes.

Outra nota característica desta terceira onda é que suas duas principais representantes, a Igreja Universal (IURD) e a Igreja da Graça Internacional (IGI), se adjetivam o caráter universal, não por uma simples coincidência com o Katholikós da Igreja Apostólica de Roma, mas porque em ambas, seus propósitos se coordenam no sentido da máxima expansão, eficácia e eficiência na aquisição, manutenção e perpetuação de seus quadros de seguidores, universalizando seu princípio.

A passagem da segunda à terceira geração do catolicismo popular sob a égide do pentecostalismo suprassume, negando e afirmando, a fase dos milagres e da glossolalia como expressões do Espírito Santo para erigir o sucesso econômico e a prosperidade financeira como sinais de ação e ratificação das bênçãos divinas.

Quanto ao aspecto propriamente doutrinal do pentecostalismo, Pedro Rubens (p. 146) assinala que:

1)- Em geral a teologia pentecostal põe um forte acento no pecado e no mal, dentro de uma visão dualista de mundo e do ser humano, o que implica a necessidade de uma intervenção divina para a libertação do poder demoníaco (...).

2)- Finalmente, a experiência pentecostal compreende-se como inspirada pelo Espírito Santo, sinal de um novo pentecostes, postulando assim a possibilidade de uma experiência imediata de Deus.

3)- O movimento de missões, evangelizações e marketing e sua mercantilização fecham, em conformidade com o autor, com a terceira onda do pentecostalismo, exacerbando as ambiguidades do catolicismo popular e suas imaturas estruturas imagéticas e teologais, resultantes em grande parte de um baixo padrão de formação educacional da população, associada a uma tradição paternalista do Estado e da sua insuficiência no cumprimento de suas pautas, o que abriu um campo imenso para esta teologia da prosperidade e do sucesso imediato.

O Divino se revela pelas bênçãos que se adquirem no mercado, inclusive a salvação, porém, o Espírito sopra onde quer e a ambiguidade transforma o dualismo entre Bem e Mal em uma tênue linha em que sagrado e profano, templo e rua se mesclam e obliteram o discernimento acerca do crer.

III. Problematização e conclusões

Pedro Rubens afirma que a conclusão requerida “não é tanto da ordem de uma resposta, mas propriamente da elaboração de uma pergunta” (p. 162) e também não se trata de “fazer um julgamento teológico ou dogmático das experiências vividas, sem ter circunscrito a coisa mesma do crer, imerso numa situação de ambiguidade religiosa” (p. 161).

A partir deste pressuposto, o autor estabelece o método de sua análise com o auxílio de uma metáfora: “Como em uma eclusa, tentaremos passar do nível sócio-histórico ao nível especificamente teológico.

Seguindo o curso das águas, nossa reflexão será levada en aval (‘rio abaixo’: perspectiva sócio-histórica para análise da situação do crer) e en amont (‘rio acima’: perspectiva teológica rumo às fontes da fé)” (p. 162).

1)-De início, o autor aplica, criticamente, ao caso brasileiro, este método, fazendo a releitura sociológica das três figuras do catolicismo popular, através da abordagem tipológica de Ernst Troeltsch que explica o processo de socialização do cristianismo a partir de três categorias: Igreja, seita e espiritualismo místico.



2)- Depois, opera-se a releitura teológica das referidas figuras, concluindo que “a exigência de uma regula fidei para realizar o discernimento do crer exige uma abertura, superando preconceitos e quebrando nossas categorias cristalizadas”, isto é, “só uma ‘normatividade aberta’ revela-se capaz de discernir a fé na ambiguidade do religioso” (p. 177).

3)- E, no entanto, perdura a questão: “Numa situação marcada pela ambiguidade das experiências religiosas, como discernir o crer em sentido cristão” (p. 175)?

4)- O objetivo da pesquisa, responde o autor, “não é tanto justificar ou julgar as experiências, mas relançar a reflexão, na perspectiva do futuro do próprio ato de crer” (p. 177).


6)- A obra O rosto plural da fé tem, na experiência plural e na ambiguidade religiosa, o desafio de posicionar-se face ao debate, ao mesmo tempo das sociedades plurais e do pluralismo religioso, que se entrecruzam na experiência da ambiguidade humana.

7)- O questionamento teológico defronta-se com o estatuto da verdade, ou seja, o que é a verdade cristã numa sociedade plural? Ou ainda, a verdade é por natureza intolerante?

8)- Estas questões são cruciais para todas as religiões, na medida em que se engajam no debate entre verdade dogmática e hermenêutica, entre confessionalidade e cidadania face à opinião pública secularizada e emancipada.



FONTE: http://www.franciscanos.org.br/itf/revistas/reb/282_12.php

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