Entrevista a Beatriz Buarque,
fundadora do Words Heal the World
"Nosso trabalho é único no mundo, pois somos a única ONG que coloca
os jovens como principais desenvolvedores de estratégias contra diferentes
tipos de extremismo", comenta Beatriz Buarque, fundadora do Words Heal the World.
Em entrevista ao
Portal IMPRENSA, Beatriz fala do papel da mídia no combate ao terrorismo, da
era dos radicalismos, e dos desafios e oportunidades na atuação do Words Heal
the World. Com atuação no Brasil, Reino Unido e América Latina, o trabalho feito
pela ONG inclui treinamento de alunos universitários, workshops em escolas de
ensino médio, produção de documentários e campanhas de mídias sociais. Além de ajudar a promover o trabalho de 23
organizações parceiras que trabalham pela paz no mundo todo:
1)-PORTAL
IMPRENSA: Você afirma que “a batalha atual contra o terrorismo passa pela
informação”. Qual é o papel da mídia neste sentido?
Beatriz Buarque: A mídia tem um papel fundamental no combate ao terrorismo porque apesar
da ausência de uma definição única para o termo, muitos pesquisadores concordam
que um ato terrorista é feito para enviar uma mensagem e atingir múltiplos
alvos. A relação entre mídia e
terrorismo é tão forte que alguns pesquisadores afirmam que ao falar de
terrorismo em sociedades democráticas, estamos falando de mídia porque ela é
frequentemente usada por grupos terroristas para amplificar ainda mais suas
mensagens. Vou dar um exemplo recente: quando aconteceu o atentado em
Christchurch na Nova Zelândia, o terrorista transmitiu sua ação ao vivo no
Facebook e instantaneamente várias pessoas passaram a compartilhar o conteúdo. Eu não dormi aquela noite, fazendo um
trabalho de formiguinha, tentando convencer as pessoas, uma a uma, a pararem de
compartilhar, pois elas estavam fazendo exatamente o que o terrorista queria.
Afinal, por que uma pessoa iria gravar um atentado em tempo real? Porque ela
quer ser vista e os terroristas querem ser vistos e ouvidos. Vivemos numa
sociedade onde as mídias sociais passaram a definir a agenda das emissoras e,
com isso, toda vez que um vídeo viraliza, ele frequentemente vai parar nas
telas da TV. Com o atentado em Christchurch não foi diferente. Ao noticiar o
assunto, várias emissoras brasileiras transmitiram parte do vídeo feito pelo
terrorista, ignorando o apelo da primeira ministra Jacinda Ardem para que as
pessoas parassem de replicar o vídeo. O
que chamamos de sistema simbiótico do medo formado por mídia e grupos
terroristas não é novo, mas ele parece estar sendo fortalecido com as mídias
sociais, entre outros motivos, porque os terroristas fazem imagens de locais
aos quais as emissoras não têm acesso e nas redações muitos jornalistas não
possuem consciência da existência dessa simbiose e quase que automaticamente
colocam no ar vídeos produzidos/distribuídos por terroristas. Se quisermos
realmente combater o terrorismo, precisamos conscientizar as grandes
corporações midiáticas (incluindo as redes sociais) e os jornalistas sobre o
impacto de suas ações. Passei mais de
dez anos da minha vida numa emissora de TV e sei que televisão é imagem. No
entanto, hoje em dia a informação se tornou uma arma e precisamos evitar a todo
custo servirmos de instrumentos para terroristas amplificarem suas mensagens. Vídeos
produzidos por terroristas possuem efeitos diversos nos espectadores, mas de
modo geral, vídeos com conteúdo violento podem provocar diferentes níveis de
ansiedade, desinibir alguém que já possua comportamento violento, motivar uma
pessoa a planejar uma ação para fazer justiça com as próprias mãos e inspirar
ações semelhantes.Alguém poderia, então,
dizer “mas no Brasil não temos terrorismo” e eu respondo “você tem certeza?” No
meu ponto de vista, os atentados em Realengo e Suzano foram ataques terroristas
porque ambos os atiradores queriam passar uma mensagem, ambos diziam que
estavam fazendo justiça e que queriam ser lembrados por seus atos. Isso
fica ainda mais evidente no ataque de 2011, pois o atirador gravou um vídeo com
as motivações, o qual foi reproduzido por nossas emissoras. Portanto, o papel da mídia no combate ao terrorismo atualmente é de
vital importância. Temos apenas duas escolhas: ou continuamos sendo usados
por grupos terroristas para amplificar suas mensagens ou passamos a avaliar com
mais critério os vídeos que reproduzimos de modo que eles não inspirem novos
ataques. Se queremos mesmo um mundo de
paz, precisamos treinar nossos jornalistas (de TV, jornais, rádios e mídias
digitais) para que eles reflitam duas, três vezes antes de reproduzir um
conteúdo produzido por terroristas.
2)-PORTAL IMPRENSA: Na
atualidade, o que mais traduz para você a “era dos radicalismos”, pensando na
ligação com a mídia e com as estratégias midiáticas?
Beatriz Buarque: Penso que a era dos radicalismos pode
ser entendida como um reflexo da era da pós-verdade, pois estamos numa
sociedade na qual qualquer pessoa pode criar um conteúdo e distribui-lo nas
redes sociais como se fosse verdade. Quanto maior for o apelo emocional da
mensagem, maiores parecem ser as chances de ser recebida pelo público como
verdade. Não é à toa que estamos assistindo a um crescimento no número de fake
news e mensagens com teorias da conspiração. Pessoas com uma visão radical
têm se aproveitado disso para conquistar adeptos e amplificar suas mensagens
que frequentemente atribuem a culpa de todos os males do mundo a alguns grupos
que, portanto, deveriam ser eliminados. Essas
pessoas, na verdade, criam justificativas para atos de violência contra alguns
grupos como homossexuais, judeus, muçulmanos, imigrantes, mulheres (grupos
ideológicos de direita e esquerda). São essas justificativas, os chamados
discursos de ódio, que estamos vendo se multiplicar nas redes sociais. Já é
comprovado que as redes sociais contribuem para a polarização na medida em que
colocam junto pessoas com pensamentos semelhantes e, com isso, não oferecem uma
maneira alternativa de pensar às pessoas que já possuem uma ideia
pré-concebida. Uma outra relação que também vem sendo estudada é entre
polarização e extremismo violento, uma vez que pessoas com ideias extremistas
tendem a frequentar os mesmos grupos nas redes sociais e acabam reforçando
entre si suas ideias e alimentando a crença de que a violência é necessária
para atingir ou eliminar as pessoas que são vistas como uma ameaça.
Portanto, ao propiciar que pessoas com
ideias semelhantes frequentem os mesmos grupos e recebam notificações de
pessoas que também compartilham das mesmas ideias, as redes sociais estão
alimentando a polarização, os discursos de ódio e o extremismo violento. Como
combatemos isso? As grandes corporações de mídias digitais já estão cientes
do impacto dos algoritmos e pode ser que venham a adotar alguma estratégia no
futuro para reduzir o impacto dos chamados “eco chambers”. Mas cada de um de
nós pode contribuir de algum modo para quebrar esse ciclo de ódio. Aqui vão algumas dicas:
1)-Não compartilhar material
produzido por terroristas ou grupos extremistas, sejam de direita ou esquerda.
2)-Não compartilhar mensagens que
incitem a violência contra quaisquer grupos de pessoas.
3)-Não compartilhar mensagens de
fontes as quais você não conhece porque podem ser fake news.
4)-Compartilhar mensagens que
promovam a paz, o diálogo, o respeito.
Há alguns anos, Nelson Mandela (que inegavelmente, viveu o extremismo de esquerda no começo de sua vida política), já falava sobre
ódio e amor, que se as pessoas aprendem
a ter ódio, elas também podem aprender a amar. Peço licença para
parafrasear Mandela ao dizer que se as
pessoas usam as redes sociais para promover o ódio, nós podemos e devemos
usá-las para promover a paz porque o amor comunica mais rápido ao coração do
que o ódio. Numa sociedade que é regida pela informação, ficar em silêncio
não é uma opção!
3)-PORTAL IMPRENSA: No contato
com a realidade do Brasil e de outros países, quais são os principais pontos
semelhantes e divergentes no combate às ideologias extremistas?
Beatriz Buarque: Acredito que a Europa e os
Estados Unidos estão muito mais avançados no combate ao extremismo do que a
gente. Lá as autoridades monitoram os crimes de ódio, atuam em conjunto com
entidades da sociedade civil para restringir o avanço de ideologias extremistas,
criaram programas de combate à radicalização e a mídia parece também ter
alterado – ainda que timidamente – sua atuação com relação à propaganda
produzida por terroristas. Aqui no
Brasil, a única entidade que eu conheço que faz um trabalho fascinante de
combate ao discurso de ódio na internet é a SAFERNET, oferecendo uma base de
dados muito importante sobre as mensagens de ódio veiculadas no Brasil.
Também temos algumas organizações que têm feito um trabalho muito bom de
promoção da empatia e do diálogo, como ferramentas para combater quaisquer
formas de extremismo e discriminação. Algumas delas são a Think Twice Brasil e
a Carlotas. No âmbito religioso, o Centro Cultural Brasil-Turquia e a FAMBRAS
têm procurado estimular o diálogo inter-religioso e a desconstrução de mitos
que associam o Islã com a violência.Com
relação aos jovens, o trabalho desenvolvido pela ONG que fundei, o Words Heal
the World, tem se destacado como pioneiro porque coloca os jovens como
principais desenvolvedores de estratégias de combate a diferentes tipos de
extremismo. Hoje somos ativos no Reino Unido, América Latina e Brasil, mas foi
aqui, no Rio de Janeiro que tudo começou. Como se vê, temos algumas
entidades da sociedade civil que estão trabalhando para combater o extremismo
no Brasil – à semelhança de outros países. No
entanto, no âmbito governamental e no âmbito midiático, o tema extremismo ainda
é pouco falado e, por isso, nosso país ainda carece de um programa de
radicalização, de monitoramento dos crimes de ódio, e de uma política de
educação que capacite crianças e jovens a lidarem com conflitos de modo
pacífico e a usarem as redes sociais de modo a promover a paz. Uma dessas
ausências, o Words Heal the World irá suprir: vamos lançar o Mapa do Extremismo
no Brasil ainda esse ano de modo reforçar a importância de monitorarmos os
crimes de ódio, uma vez que precisamos saber a geografia desses crimes para
podermos desenvolver estratégias mais eficazes de combate e, com isso, promover
a paz não só nas redes sociais, mas também com os jovens e nas localidades onde
os números são mais expressivos.
(Beatriz Buarque recebendo premiação) |
4)-PORTAL IMPRENSA:No trabalho
com o Words Heal the World, quais têm sido os maiores desafios e as
oportunidades?
Beatriz Buarque: O Words Heal the World foi registrado como ONG no Reino Unido
recentemente, em outubro do ano passado, então, nosso maior desafio tem sido conseguir um patrocinador. Todo o nosso
trabalho dentro e fora do Brasil tem sido feito sem recursos financeiros e isso
inclui treinamento de alunos universitários, workshops em escolas de ensino
médio, produção de documentários e campanhas de mídias sociais. Quanto às
oportunidades, como nosso trabalho é único no mundo, pois somos a única ONG que coloca os jovens como principais
desenvolvedores de estratégias contra diferentes tipos de extremismo e eles
também ajudam a promover o trabalho de 23 organizações parceiras que trabalham
pela paz no mundo todo, estamos concorrendo a dois prêmios internacionais: o
prêmio da Paz de Luxemburgo e o prêmio da ONU SDG Action Awards. Tenho sido
convidada para algumas conferências no exterior para apresentar a metodologia
que criei para combater o extremismo e isso tem sido muito enriquecedor!
Fonte: Portal
Imprensa - Gisele
Sotto, em colaboração
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