II Cor 4,7: "Trazemos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para que a
excelência do poder seja de Deus e não de nós."
A Congregação dos Legionários de Cristo, ou Legião de Cristo
(LC), é uma congregação religiosa católica de direito pontifício, fundada em
1941, na Cidade do México. A congregação declara como missão “a extensão do Reino de
Cristo na sociedade conforme as exigências da justiça e caridade cristã,
através da formação integral de leigos e sacerdotes, em colaboração com os
bispos”.A congregação mantém estreita ligação com o Movimento Regnum Christi,
que é um movimento de apostolado formado por leigos, leigas, diáconos e
sacerdotes. Após as denúncias, as investigações e as constatações
dos abusos, cometidos por seu fundador Marcial Maciel, a congregação foi
submetida a uma intervenção da Santa Sé. Após um período de visitação feita por
bispos nomeados pelo papa Bento XVI, a congregação ficou submissa a um delegado pontifício, Dom
Velasio De Paolis, que conduziu a reforma da congregação religiosa. O amor a Cristo é,
para os legionários, uma experiência pessoal. Por meio do Evangelho,
da cruz e da Eucaristia, os legionários conhecem a Cristo intimamente e o amam
de maneira apaixonada, abraçando-o como modelo de santidade. Sua espiritualidade é centrada em Cristo,
com uma ênfase particular no Sagrado Coração em sua vocação como religiosos e
sacerdotes. O amor por Maria flui da
imitação de Cristo; a Virgem Santíssima é amada como Mãe da Igreja e da vocação
individual do legionário. Os legionários
consagram suas vidas espirituais e apostólicas aos seus cuidados e procuram
assumir suas virtudes de fé, esperança, caridade, obediência a Deus, humildade
e cooperação com o plano de redenção e justiça de Cristo. O amor pelas
almas é expresso em um desejo ardente de espalhar o reino de Cristo neste
mundo. Os verdadeiros
legionários tentam usar todos os momentos de seu tempo para ajudar o
maior número de almas a conhecer e amar a Cristo.
*Comunicado do Capítulo Geral
Extraordinário dos Legionários de Cristo sobre o caminho de renovação que
estamos percorrendo após os escândalos de seu fundador:
1.O Capítulo Geral
Extraordinário, reunido em Roma sob a presidência do Delegado Pontifício, Card.
Velasio De Paolis, emite este comunicado sobre o caminho de renovação que estamos
percorrendo. Dirigimo-nos a todas as pessoas que seguiram com atenção os
recentes acontecimentos em nossa congregação religiosa e especialmente aos
nossos irmãos legionários de Cristo, leigos consagrados, as consagradas e aos
demais membros e amigos do Movimento Regnum Christi.
2. Esta é a primeira
reunião do Capítulo Geral desde 2005. Sendo o Capítulo a mais alta autoridade
interna que representa toda a congregação, vimos a necessidade de
pronunciar-nos sobre os acontecimentos significativos dos últimos nove anos.
Com isso, queremos definir de maneira conclusiva a postura da nossa congregação
sobre os comportamentos do Pe. Marcial Maciel e seu papel de fundador em
continuidade com as disposições da Santa Sé e com a anterior declaração de todos
os superiores maiores da Legião de Cristo[1]. Além disso, oferecemos algumas
reflexões iniciais sobre os pontos mais importantes do processo de renovação da
nossa congregação. Durante as próximas semanas, nós, padres capitulares,
continuaremos a análise dos diversos temas que devemos atender e daremos
orientações ao novo governo da Legião para o caminho futuro.
3. Ao ponderar a
gravidade do mal e o escândalo causado, nos vemos sob o olhar misericordioso de
Deus que com a sua providência continua guiando nossos passos. Unindo-nos a
Jesus Cristo, esperamos poder redimir nossa dolorosa história e vencer com o
bem as consequências do mal. Só assim podemos encontrar sentido evangélico aos
acontecimentos, e construir nosso futuro sobre os sólidos fundamentos da
confiança em Deus, da fidelidade à Igreja e à verdade.
4. Desta perspectiva
consideramos os comportamentos gravíssimos e objetivamente imorais do Pe.
Maciel que mereceram as sanções que no seu momento a Congregação para a
Doutrina da Fé justamente lhe impôs[2]. O nosso Fundador faleceu em 2008 e
suplicamos para ele a misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo queremos expressar
nosso profundo pesar pelo abuso de seminaristas menores de idade, os atos
imorais com homens e mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e
bens, consumo desmedido de medicamentos aditivos e o fato de apresentar
escritos de terceiros como próprios. É incompreensível a incoerência de
continuar se apresentado durante décadas como sacerdote e testemunha de fé
enquanto ocultava essas condutas imorais. Reprovamos tudo isso firmemente.
Dá-nos muita pena que muitas vítimas e pessoas afetadas esperaram em vão uma
petição de perdão e reconciliação por parte do Pe. Maciel e hoje queremos
fazê-la nós mesmos, expressando nossa solidariedade a todas elas.
5. Os padres
capitulares escutamos como os superiores maiores da congregação foram
conhecendo esses aspectos escondidos da vida do nosso fundador, como tentaram
discernir a resposta que deveriam dar, tendo em conta as exigências éticas e
morais, e como realizaram o processo de comunicação. Junto a eles, hoje
reconhecemos com tristeza a incapacidade inicial de acreditar nos testemunhos
das pessoas que foram vítimas do Pe. Maciel, o longo silêncio institucional e,
mais adiante, as indecisões e erros de juízo na hora de informar os membros da
congregação e as outras pessoas. Pedimos perdão por essas deficiências que
aumentaram a dor e o desconcerto de muitos.
6. Devido a esses
fatos e situações, nossa congregação religiosa poderia ter desaparecido se não
tivesse nos acompanhado a misericórdia de Deus e o amparo maternal da Igreja,
expressada através das decididas intervenções de Sua Santidade, o Papa Bento
XVI. O Papa considerou que a Legião de Cristo, em termos gerais, era uma
comunidade sã, mas que deveria fazer correções[3]. A ajuda da Santa Sé foi
imprescindível para descobrir como a personalidade e o modo de atuar do Pe.
Maciel estava afetando a nossa congregação religiosa. De fato, a visita
apostólica – realizada por mandato do Papa entre 2009 e 2010 – comprovou que “a
conduta do Pe. Marcial Maciel, causou serias consequências na vida e estrutura
da Legião, até o ponto de ser necessário um caminho de profunda revisão”[4]. Os
visitadores destacaram sobre tudo três campos: a redefinição do carisma, o
exercício da autoridade e a adequada formação[5]. O Papa quis “acompanhar,
sustentar e orientar esse caminho” por meio de um delegado, “confiando-lhe o
cargo de governar no meu [seu] nome tal instituto religioso durante o tempo que
fosse necessário para completar o caminho de renovação e conduzi-lo à
celebração de um Capítulo Geral Extraordinário que terá como principal fim
realizar a revisão das Constituições”[6].
(Marcial Maciel era amigo de São João Paulo II)
7. Os padres
capitulares escutamos os informes do Delegado Pontifício e do nosso pró-Diretor
Geral sobre o trabalho realizado nesses três anos e meio. Queremos compartilhar
sinteticamente a análise de alguns aspectos relativos ao que a visita
apostólica detectou e recomendou. Sabemos que este é o início do caminho e que
ainda há muito por fazer. Estamos comprometidos a continuar com humildade esse
processo de renovação e conversão.
a. No campo da
revisão do nosso carisma[7], o delegado pontifício nos guiou em primeiro lugar
a uma compreensão adequada do papel do Pe. Maciel e sua relação com a Legião. A
congregação esclareceu no passado que não pode propor o Pe. Maciel como modelo,
nem seus escritos pessoais como guia de vida espiritual[8]. Reconhecemos sua
condição de fundador. Contudo, uma congregação religiosa e suas características
essenciais não tem origem na pessoa do fundador; são um dom de Deus que a
Igreja acolhe e aprova e que depois vive no instituto e nos seus membros. Uma compreensão
inadequada do conceito de Fundador, a exaltação excessiva e a visão acrítica da
pessoa do Pe. Maciel, nos levou muitas vezes a dar um valor universal às suas
indicações e a basear-nos exageradamente nelas. Por isso, na revisão das atuais
constituições, uma das tarefas principais foi separar o que realmente expressa
o patrimônio carismático da nossa Congregação de outros elementos acidentais.
Além disso, asseguramos a conformidade de todo o nosso direito próprio com as
normais universais da Igreja. Os três anos de processo de revisão foram
semelhantes a um prolongado exame de consciência comunitário para descobrir e
purificar o que em nosso comportamento pessoal e institucional, não era próprio
da vida religiosa. Constatamos algumas tendências que ofuscaram a compreensão
do nosso carisma, entre outras coisas, a falta de uma maior inserção na Igreja
local e uma insistência desmedida no próprio esforço, na eficácia humana, no
prestígio externo e no comprimento minucioso das normas. Tudo isso exige não só
uma mudança de textos legislativos, senão uma conversão contínua da mente e
coração.Nesses anos chegamos
a uma compreensão mais adequada da nossa inserção no Movimento Regnum Christi,
a valorizar e a respeitar a vocação e a autonomia dos outros membros,
especialmente dos homens e mulheres consagrados. Junto com eles começamos uma
reflexão conjunta sobre o papel de cada ramo do Movimento, sobre o nosso
carisma comum e sobre o modo de levar adiante o nosso apostolado. Os numerosos
leigos do Regnum Christi são uma parte belíssima de nossa realidade eclesial e
queremos fomentar ainda mais a comunhão e sustenta-la através do nosso
ministério sacerdotal.
b. No exercício da
autoridade, o acompanhamento do delegado pontifício foi uma lição contínua e
eficaz para colocar em prática tudo o que a Igreja indica sobre o governo dos
institutos de vida religiosa. Buscamos introduzir uma clara separação entre o
âmbito da consciência (direção espiritual e confissão), o fórum interno e o
fórum externo (a guia do superior e a disciplina religiosa) para garantir
melhor a liberdade e a intimidade de cada religioso. Com uma maior rotação de
pessoas que ocupam diferentes postos de governo e com o acompanhamento no
exercício da sua autoridade por parte de um conselho que se reúne
periodicamente e analisa os assuntos mais importantes, tratamos de prevenir
possíveis arbitrariedades e abusos. O Delegado Pontifício e alguns dos seus
conselheiros pessoais participaram quase semanalmente nas reuniões do conselho
geral e contribuíram com seus conhecimentos e experiência. Também se eliminou a
fragmentação da autoridade, dada pela multiplicação exagerada de assistentes e
auxiliares dos superiores e as competências que tinham designadas. Além disso,
se instituíram consultas formais aos membros da congregação antes de realizar
as nomeações de superiores e, frente a uma mudança de comunidade ou missão
apostólica, se procura envolver o interessado para discernir melhor a vontade
de Deus. Finalmente, graças à supressão de um dos votos particulares e às
numerosas reuniões comunitárias para a revisão do texto constitucional, estamos
aprendendo como compartilhar e debater livremente com os nossos irmãos,
reflexões e sugestões sobre qualquer tema que abarque a vida e a missão da
congregação.
c. Na formação dos
nossos religiosos, se verificou sobre tudo a necessidade de melhorar o
acompanhamento vocacional para que os noviços e religiosos amadureçam sua
decisão pessoal diante de Deus antes de emitir sua profissão religiosa. Os
informes mostraram que nesses últimos quatro anos não poucos sacerdotes e um
grande número dos nossos irmãos deixaram a congregação. Em alguns casos, a
causa foi o impacto negativo relacionado com as notícias sobre o fundador e o
modo informa-las, mas também comprovamos carências no programa formativo e no
nosso estilo de vida. Entre outras, devemos fomentar uma vivência mais profunda
dos conselhos evangélicos, e o discernimento espiritual e a vida fraterna. A
formação e a vida religiosa continuam sendo objeto de reflexão desse Capítulo e
será uma das prioridades do próximo governo geral.
8. Nos primeiros dias
do Capítulo escutamos também o informe das duas comissões que o delegado
pontifício instituiu:
a. A “comissão de
aproximação” atendeu as pessoas que solicitaram alguma ação por parte da Legião
de Cristo por causa dos fatos que direta ou indiretamente estão relacionados
com o Pe. Marcial Maciel. O presidente da comissão, Mons. Mario Marchesi,
informou-nos sobre os 12 casos que se apresentaram. A comissão terminou o seu
trabalho e nenhum caso da sua competência fica aberto. A congregação atuou em
cada caso segundo a proposta da comissão. A escuta e a ajuda material às
vítimas contribuiu – no humanamente possível – a aliviar suas feriadas e a
fomentar a reconciliação.Agradecemos a todos
os legionários pelo seu esforço de se aproximar a outras pessoas também
afetadas e por se encontrar pessoalmente com elas. Pedimos ao novo governo que
mantenham esse compromisso de continuar procurando a reconciliação.
b. A “Comissão para o
estudo e revisão da situação econômica da Congregação dos Legionários de
Cristo” tinha a finalidade de analisar a gestão econômica e a situação
financeira da congregação. O informe apresentado ao Capítulo por Mons. Mario
Marchesi, membro da comissão, destaca que não se encontrou apropriação indevida
de dinheiro ou outras irregularidades nos exercícios fiscais revisados.O primeiro aspecto
urgente a atender nesse campo é a redução da dívida bancária, resultada de
vários fatores: a expansão muito rápida das obras da congregação, a crise
imobiliária mundial e a diminuição de doações. Em alguns países a dívida
equivale a uma soma elevada, mas continua sendo manejável com as entradas e
bens da congregação.Por outro lado, a
comissão destacou a necessidade – e isso será tarefa do próximo governo geral –
de ajustar e simplificar a estrutura administrativa para fomentar a
responsabilidade própria dos superiores territoriais e locais, ambos os ramos
consagrados do Regnum Christi e os diretores das obras de apostolado.O Capítulo Geral,
como autoridade suprema da congregação, também teve à sua disposição uma ampla
e detalhada documentação preparada pelo administrador geral e o informe das
auditorias internas e externas das operações financeiras da congregação no
mundo todo.
9. As considerações
de todos esses temas nos levaram a concluir que o caminho de uma “renovação
autêntica e profunda”, confirmada pelo Papa Francisco[9], progrediu, mas ainda
não terminou. Os acontecimentos desses anos marcarão a identidade e a vida da
nossa congregação. À luz da providência divina, podemos acolhê-los, afrontá-los
e transformá-los em um elo para uma nova etapa da nossa história. Nas próximas
semanas das reuniões capitulares concluiremos a revisão das nossas constituições
para submetê-las à aprovação da Santa Sé e estabeleceremos prioridades e
orientações para seguir com uma esperança renovada o caminho que a Igreja nos
marcou, sob o cuidado atento das autoridades competentes.
10. Concluímos essa
mensagem com um agradecimento a Deus pelo seu amor misericordioso, à Igreja que
nos guiou na pessoa do Sucessor de Pedro, à Sua Eminência o Cardeal Velasio De
Paolis e aos seus quatro conselheiros pessoais, Sua Excelência Dom Brian
Farrell LC, Pe. Gianfranco Ghirlanda SJ, Mons. Mario Marchesi e o Pe. Agostino
Montan CSI, sua presença firme e respeitosa entre nós. Ao mesmo tempo
agradecemos a todos os Legionários de Cristo por seu testemunho de fé, de
entrega e de caridade fraterna que nos une apesar das nossas diferenças. De
modo especial, pensamos naqueles sacerdotes mais velhos que durante tantos anos
nos ofereceram um exemplo de autenticidade e de entrega à missão. Não podemos
“perder de vista que sua [nossa] vocação, nascida do chamado de Cristo e
animada pelo ideal de dar testemunho do seu amor no mundo, é um autêntico dom
de Deus, uma riqueza para a Igreja e o fundamento indestrutível sobre o qual
construir seu futuro pessoal e da Legião”[10].
Finalmente
agradecemos aos membros do Regnum Christi e a tantas pessoas que nos
acompanharam durante esses anos com sua oração e caridade.A todos aqueles
nossos irmãos, religiosos e sacerdotes, que durante este período abandonaram a
congregação, queremos expressar nosso pesar por já não tê-los entre nós.
Pedimos-lhes sinceramente desculpa se não lhes escutamos e acompanhamos
evangelicamente, e gostaríamos manter a amizade e o diálogo fraterno.Queremos pedir perdão
e reafirmar nosso esforço de reconciliação com todos os que de um modo ou de
outro foram feridos pelos tristes eventos desses anos e por nossas
deficiências.
Maria, Nossa Senhora
das Dores, foi testemunha do poder redentor de Cristo que vence o mal e o
pecado. Confiamos o nosso futuro a Ela, nossa Mãe, com muita esperança.
*Este texto foi
aprovado na reunião plenária do Capítulo Geral do dia 20 de janeiro de 2014.
[1] SUPERIORES
MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da
Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010.
[2] SALA DE IMPRESSA
DA SANTA SÉ, Comunicado 19 de maio de 2006.
[3] CF. BENTO XVI,
Luz del Mundo, Barcelona, 2010, pag. 51 (Edição espanhola).
[4] SALA DE IMPRESSA
DA SANTA SÉ, Comunicado 01 de maio de 2010.
[5] Cf. Ibid.
[6] BENTO XVI, Carta
de nomeação do Delegado Pontifício, 16 de Junho de 2010.
[7] Cf. Ibid.
[8] CF. SUPERIORES
MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da
Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010 e DIRETOR
GERAL DA LEGIÃO DE CRISTO, decreto sobre critérios e disposições relacionados
com a pessoa do Pe. Marcial Maciel, L.C., 06 de dezembro de 2010.
[9] FRANCISCO, Carta
ao Cardeal Velasio De Paolis, 19 de junho de 2013.
[10] Exortação do
Papa Bento XVI, cf. SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ, Comunicado de 01 de maio de
2010.
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