A primeira intenção do presente estudo era apenas a
de oferecer uma tradução deste documento, que tem uma enorme importância e que
no entanto ainda hoje é praticamente desconhecido dos fiéis e até mesmo de
muitos padres! Quantos entre estes já o leram e estudaram?Alguns não sabem nem onde o
encontrar! Ora, sem mesmo lançar mão de grande bulário, basta
abrir o Missal de uso litúrgico e nas primeiras páginas o encontrarão impresso,
de modo aliás não muito agradável o que facilmente pode desencorajar o leitor:
nem um só parágrafo num texto que ocupa três ou quatro colunas grandes! É preciso também reconhecer que a
leitura desta Bula no original é bem difícil. Alguns termos são de custosa
tradução por causa do uso jurídico que lhes dá um sentido rigorosamente
preciso, por vezes fora do uso corrente. As frases também são de uma complexidade raramente
encontrada, devido às extensas enumerações com minuciosos pormenores e trechos
intercalados de difícil seqüência com orações subordinadas, umas dentro de
outras. Além disso, e quanto à matéria,
as decisões editadas pelo documento são de várias espécies e um leitor menos
atento poderia confundi-las não sendo conhecedor da tradição canônica em
matéria legislativa. Enfim, o sentido profundo da Bula só pode ser bem
apreendido se for situado na circunstância histórica que a provocou, exigindo
esta por sua vez ser esclarecida pela própria história do Missal Romano desde
suas origens até a época do Concílio de Trento.Por causa destas diversas considerações achamos
melhor dar à nossa tradução da Bula, uma introdução histórica e fazer no final
uma exposição jurídica como esclarecimento de muitas das diretivas da Bula de
São Pio V sobre o Missal Romano restaurado.Sim, porque trata-se somente de uma restauração e
não de uma reforma que teria modificado a economia do rito tradicional. O título de nossos missais de uso
litúrgico, dizem claramente: Missale Restitutum, Recognitum, isto é, restituído
à sua forma original, restabelecido e com este fim simplesmente revisto. Voltaremos a este ponto mas desde já devemos
assinalá-lo seja pelo menos para reparar na enorme distância entre a obra de
São Pio V e a que Paulo VI realizou ajudado por seus "peritos".
BREVE HISTÓRICO DO MISSAL ROMANO
Faremos um simples resumo, esforçando-nos de
lembrar apenas as linhas certas e essenciais desta longa história. Os que mais
profundamente a estudaram reconhecem modestamente que, em numerosos pontos, têm
de se contentar com conjeturas. Não seriam estes que se aventurariam a reformar
o rito usado até nossos dias sob pretexto de uma volta a um pretenso rito
"primitivo" artificialmente reconstruído!
Para bem compreender a Missa
Romana, tal com se apresentava aos Padres Conciliares de Trento e ao Papa São
Pio V, é necessário descobrir seu devido lugar dentro da evolução geral da
liturgia eucarística:
1 - Os Apóstolos tinham recebido do Senhor, na
véspera de sua Paixão, o poder e o mandamento de celebrar o Sacrifício da Nova
Aliança. Deveriam para isso refazer, em memória dele, ISTO que Ele mesmo tinha
feito naquele dia, oferecer sob as espécies do pão e do vinho transubstanciados
no Seu Corpo e no Seu Sangue em virtude de Suas palavras, a Vítima
propiciatória imolada na Cruz de uma maneira sangrenta.
2 - Os mais antigos documentos, nos mostram quão os
Apóstolos e seus sucessores observaram fielmente esta ordem. Pela própria natureza das coisas e com a autoridade
recebida do próprio Cristo ou do Espírito de Pentecostes, os Apóstolos deviam
completar a simples repetição dos gestos da Quinta Feira Santa com um conjunto
de ritos. Iam eles tornar solenes sua "comemoração" e fazer dela uma
verdadeira cerimônia religiosa. Esta cerimônia não tinha por fim
somente manter um sentimento interior de fidelidade à uma lembrança cujo mérito
variasse segundo as disposições subjetivas do celebrante e dos participantes.
Ela iria ter os efeitos objetivos de um ATO, efeitos esses realizados em
virtude da própria instituição de Jesus Cristo, que quis estar presente sob as
espécies sacramentais. Uma única condição: que o padre humano se faça
instrumento exato do Sacerdócio único e soberano, conformando-se por sua fé e
por sua intenção à Vontade Daquele que é Senhor de seus dons:"Fazei isto"!
3 - Houve assim, na origem, em todas as igrejas
locais do Oriente e do Ocidente, um rito mais ou menos uniforme, que vem
atestado por alusões dos mais antigos Padres da Igreja: Doutrina dos Doze
Apóstolos (Didachê), primeira Epístola de Clemente aos Coríntios, Epístola de
Barnabé, cartas de Santo Inácio, de São Justino, Santo Irineu, etc. Este rito, ainda um tanto
indeterminado nos pormenores, deixando lugar a certas improvisações, iria, no
correr dos três primeiros séculos, se cristalizar pouco a pouco em alguns
ritos-típicos que deveriam se fixar numa determinada forma em conformidade ao
gênio particular de cada povo.
4 - Assim é que, a partir do século IV, se conhecem
quatro tipos gerais de liturgia eucarística’ das quais três tiveram sua
formação ao redor das grandes igrejas patriarcais: Antioquia, Alexandria e
Roma. São estes os
"ritos-fontes". Com um quarto, o rito dito "galicano",
estão na origem dos ritos "derivados" que serão finalmente celebrados
em todo o mundo católico.
Preparação do lugar para a Santa Ceia,
conforme ordenou jesus em Lucas 22,7-13
“Chegou, porém, o dia da Festa
dos Pães Asmos, em que importava sacrificar a Páscoa. E mandou a Pedro e a
João, dizendo: Ide, preparai-nos a Páscoa, para que a
comamos! E eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos? Ele lhes
disse: Eis que, quando entrardes na cidade, encontrareis um homem levando um
cântaro de água; segui-o até à casa em que ele entrar. E direis ao pai de
família da casa: O mestre te diz: Onde está o aposento
em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos? Então, ele vos mostrará um
grande cenáculo mobilado; aí fazei os preparativos. E, indo eles,
acharam como lhes havia sido dito; e prepararam a Páscoa”.
O rito romano era, na origem, apenas o rito celebrado somente na cidade
de Roma!
Foi somente depois do século VIII que se espalhou
por todo o Ocidente com algumas exceções, suplantando
os outros ritos ocidentais dos quais sofrera influências e aos quais emprestara
detalhes. São estes ritos ocidentais, latinos mas não romanos, que foram reunidos
sob a apelação genérica de rito galicano! Título comum que compreende tanto o rito observado
na Gália quanto, com algumas variantes, na Espanha, na Bretanha, no norte da
Itália e em outras regiões. Os historiadores não estão de acordo sobre as
origens desse rito, mas parece certo que o mesmo constitui um uso diferente do
de Roma. Os dois de desenvolvem paralelamente, sofrendo influências recíprocas,
dos séculos VI ao VIII, até o momento em que o galicano é absorvido pelo romano
sob a influência de grandes missionários: Santo Agostinho, na Inglaterra (597)
e São Bonifácio na Germânia (+754); sob a influência também de Carlos Magno
que, desejando para seu reino uma uniformidade litúrgica, deu-lhe como base o
rito observado em Roma.Os únicos sobreviventes do rito
galicano comum foram o rito dito "mozarábico", usado em toda a Espanha
até o século XI e que subsiste ainda em Toledo e do rito denominado
"ambroziano", ainda hoje observado em Milão.
5 - Tendo se imposto definitivamente em todo o
Ocidente entre os séculos XI e XII, o rito Romano deveria no entanto sofrer em
diferentes graus depois dessa data, influências locais que iriam produzir
certas variantes as quais se podem a rigor qualificar como ritos mas que, na
verdade, são somente formas variadas muito secundárias oriundas da mesma fonte.
Assim em Lião, Treves, Salisbury, etc. Essas formas variadas que aqui mencionamos, são
mais conhecidas devido à importância das cidades, mas o estudo dos Missais da
Idade Média nos mostra que quase cada uma das catedrais tinha suas
particularidades litúrgicas cuja prática se estendia mais ou menos pelas
regiões vizinhas. Em que consistiram? Em acréscimos exuberantes
puramente ornamentais ou piedosos: festas locais, procissões, cerimônias
simbólicas, orações e cantos acrescentados, textos "recheados",
Sequências, Prefácios suplementares. A estas variedades segundo os lugares, se ajuntavam
outras próprias das famílias religiosas: Carmos, Cartuxos, Dominicanos. Mas frisamo-lo bem: nenhuma delas constituía um
rito distinto. Todos pertenciam indubitavelmente ao tronco comum original do
rito Romano tal como fora fixado no tempo do Papa São Gregório (590-604), se
bem que com alguns acréscimos "galicanos" posteriores. Os antigos
"sacramentais" romanos, o "Leonino", o
"Gelasiano", o "Gregoriano", que são como ancestrais do
nosso Missal e que foram escritos respectivamente entre o V e o VII séculos,
nos dão uma ordenação da Missa idêntica a que São Pio V devia canonizar na sua
Bula. Segundo o liturgista inglês Fortescue: "Desde o tempo de São Gregório, considera-se o
texto, a ordem e a disposição da Missa como uma tradição sagrada à qual ninguém
ousa tocar, senão em detalhes sem importância."
6 - Posta em paralelo a Missa Romana com todas as
liturgias orientais, sem exceção, tanto as "cismáticas" quanto as
"uniáticas", constata-se que certas cerimônias são rigorosamente
idênticas quanto ao essencial: intocadas, verdadeiramente sagradas porque
pertenciam à instituição de Jesus Cristo ou dos Apóstolos. Reconhecidas como
essencialmente necessárias para que o padre pudesse realizar "ISTO"
que o Senhor realizara na Ceia. E verdadeiramente indispensáveis para que a Missa
fosse e parecesse um sacrifício no sentido próprio e pleno do termo, isto é,
uma oblação atual, pessoal, feita em nome da Igreja por um padre ordenado, da
vítima imolada no Calvário; estando esta vítima realmente presente sobre o
altar em virtude da consagração do pão e do vinho que os converte
substancialmente no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo pelas palavras da instituição
repetidas, "em memória" Dele.
São quatro as partes imutáveis da liturgia eucarística mas com
diferentes graus de importância quanto à essência do rito:
1 - O ofertório: é a dedicatória prévia do pão e do
vinho, que assim se tornam "oblatas".
2 - O cânon, também chamado ação. É a
"prex" dos latinos e "anáfora" para os gregos: oração
consecratória que começa em forma de ação de graças para se conformar ao gesto
de Nosso Senhor que "deu Graças" a Seu Pai antes de "abençoar"
o pão e o vinho e de os consagrar.Nesta oração é que estão inseridas as outras partes do rito
consecratório, a saber:
a)- O memorial da Ceia que precede as palavras da
instituição: "Tomai... isto é meu Corpo".
b)- Antes ou depois uma invocação mais ou menos
explícita ao Espírito Santo, o epiclésio. Este é difícil de ser situado de modo
exato na Missa Romana.
c)- Depois das palavras da instituição que consagra
as oblatas, encontra-se uma oração que vem afirmar que o padre e todos os
participantes ao sacrifício agem, cada um em sua posição essencialmente
diferente, "em memória de Jesus Cristo como Ele próprio ordenou". É a
anamnese.
3 - Segue a fração: para repetir o gesto do Senhor
que "rompeu" o pão antes de distribuí-lo aos Apóstolos. A Fração é acompanhada da "commixão", pela qual um
fragmento do pão sagrado é mergulhado no vinho consagrado.
4 - Finalmente a comunhão. A maneira de dá-la e de
recebê-la, os cânticos ou orações que a precedem, a acompanham e a sucedem
variam segundo os ritos locais.
Aos quatro ritos que acabamos de
descrever e que estão diretamente ligados ao ato do Sacrifício, se ajuntavam
outros que os enquadravam, completando ou ornamentando sua significação
religiosa e inspiração cristã. Ritos que todo o mundo reconhecia como secundários
mesmo quando a fidelidade, fortalecida pelo uso, deles faria questão - Primeiramente: O ósculo da paz. Está quase sempre
presente com atribuições e maneiras variadas de fazê-lo. Em seguida: leituras,
ladainhas, procissões, hinos e a homilia. Não esqueçamos a divisão do
ofício entre "Missa dos catecúmenos" e "Missa dos Fiéis". E
de passagem observamos que a expressão "Liturgia da Palavra"
permanece totalmente desconhecida desde as origens até aos tempos do Vaticano
II. Aliás é contraditória nos próprios termos:
etimologicamente a palavra "liturgia" designa uma "ação".
Ora, exceção feita aos tagarelas, a palavra não é um ato. Certamente quando
esta palavra é divina, ela é "espírito de vida". A este título deve ter lugar eminente dentro do ato
da Missa, mas ela não é este ato. Se o fosse não se poderia despedir
(formalmente!) uma parte da assistência no momento preciso em que termina a
execução das leituras! Isto por que?Porque não estando ainda admitidos à comunhão
eucarística (os não batizados) ou tendo sido afastados ou excluídos (os
penitentes) julga a Igreja que então não deviam ser admitidos à liturgia
propriamente dita: que prepara formalmente para a comunhão. Provando assim que as Leituras
eram nitidamente distintas de "Liturgia". É melhor usar de franqueza: o lugar cada vez mais
preponderante dado, nas Missas pós-conciliares, à "palavra", divina
ou humana, é uma concessão feita aos protestantes para os quais a palavra é
tudo.
DIGRESSÕES SOBRE O OFERTÓRIO
Descrita a Missa Romana, em suas partes essenciais,
tal com era celebrada por todo o Ocidente antes do Concílio de Trento
(excetuando-se Milão e Toledo), devemos deter-nos a uma de suas partes: o
ofertório. Veremos melhor assim num exemplo característico, a distância
infinita que separa a "restituição" do antigo Missal feita por Pio V
e a "reforma" de Paulo VI.É sabido que os reformadores modernos do rito
milenar canonizado pelos Padres do Concílio de Trento e por Pio V, quiseram (ou
fingiram querer) "simplificar", como dizem, o Ofertório, qualificado
por eles, seja de redundante "duplicação", seja de réplica aberrante
da Oblação essencialmente única: a que é realizada na Consagração onde é
Cristo, e Ele somente, que é oferecido ao Pai, o qual não poderia aceitar outra
(dádiva) senão a do Seu Filho!
(esse padre precisa voltar a cadeira de liturgia)
Esta reclamação teria uma aparência de verdade se
os gestos e as palavras do nosso ofertório tivessem um valor absoluto
subsistente nele mesmo. Ora, seu significado é inteiramente outro e
expressamente ordenado a outra coisa. Tem uma realidade certa mas a realidade
das coisas relativas: "esse ad".
Em verdade o que se passa nesse momento?
O pão e o vinho, ainda comuns e profanos, são
trazidos ao altar e depois dados à Santíssima Trindade segundo um rito especial
de oferenda. Este rito os separa do uso comum e profano, os dedica e os
prepara. Para que? Para uma outra oblação: a oblação
propriamente sacrificial que será daí a pouco consumada no e pelo ato de sua
própria consagração. O ofertório, que Lutero iria procurar destruir, não
tem de modo algum o sentido do gesto da gratidão humana ao seu criador pelo pão
e pela uva nem o da restituição das premissas ao Senhor de todas as coisas,
conforme judeus e pagãos sempre tinham feito (é como a Missa de Paulo VI parece
querer "restituir", no seu novo rito ecumênico e teillardiano). Na liturgia romana da Missa, o pão e o vinho se
tornam pelo ofertório as oblatas, como são comumente designados em inúmeros
textos: isto é um verdadeiro sacrifício, MAS um sacrifício preparatório, um
sacrifício à espera, assim como um vir a ser.E são estas oblatas, já reservadas, que serão em
seguida santificadas, no sentido pleno do termo, que vão entrar no único
sacrifício agradável a Deus: o da Ceia e do Calvário!
Mas estas oblatas só entram aí para se perderem. Se perderem como?
a)- Não por uma "trans-finalização" ou
"trans-significação" que deixariam toda a sua natureza intacta, como
o imaginam os calvino-católicos da igreja holandesa: haveria então somente uma
mudança simbólica.
b)- Nem por uma simples transformação em sua
própria matéria, tal como acontece nas mutações físico-químicas que deixam,
estas sim, a matéria intacta: haveria então simples associação justaposta de
dois sacrifícios sucessivos, o do padre, humano, e o de Cristo.
c)- Nem por uma aniquilação das duas oblatas, que
apagaria então a oblação do padre, substituindo-a pura e simplesmente pela de
Cristo,mas por uma conversão total de substância em substância!
Então e somente então, o sacrifício do homem, real
atual, pessoal, está verdadeiramente confundido com aquele do Senhor; mas o
rito do ofertório os tinha antecipadamente e momentaneamente distinguido. O
homem trouxe sua parte e o Cristo a assumiu. Eis aí porque, sob formas bem variadas mas sempre
muito expressivas, este rito é encontrado sem exceção em todas as liturgias. E
é neste sentido que podemos dizer que o mesmo faz parte "integrante"
da Missa.Integrante, no sentido filosófico do termo: parte
de um ser que não constitui sua natureza mas que lhe dá o acabamento
conveniente e harmonioso. Porque, é preciso não esquecer: a
"essência" da Missa não é uma essência física, mesmo se esta é
profundamente real, de uma realidade que transcende infinitamente o plano dos
sinais e dos símbolos. Realidade Sacramental, a do "mistério de fé".
Invenção, sim, invenções de um outro mundo, cujos criadores são o Amor e a
Arte. Lembremo-nos da palavra do vinhateiro da parábola,
que repartia os salários de modo tão estranho (Mat.XX,15): "Não me é
permitido fazer aquilo que eu quero?"O que quero: o bel prazer dos músicos e dos
amantes. Esferas acima dos números racionais. Quem se lembraria então de falar
de "repetição"? Dizer que o ofertório é uma "duplicação"
(doublet) é visão não de liturgista, mas de sacristão. É como se dissesse que a
mão esquerda é uma duplicação da direita, porque afinal se pode segurar um
castiçal com uma só mão, ou se iluminar com uma só vela.
DA ANARQUIA LAICA DE LUTERO À RESTAURAÇÃO DO CONCÍLIO DE TRENTO
Tal era então a Missa romana, a que o Papa Gregório
o Grande tinha celebrado, e Agostinho de Cantorbery, Ambrósio de Metz, Bernold
de Constance, João Beletk, Tomás de Aquino, Durand de Mende, Gerson e uma
multidão de padrezinhos do interior cujos nomes estão inscritos no Livro da
Vida. E também o monge Martinho Lutero, durante quinze
anos, antes que seu demônio de guarda lhe revelasse que esta Missa era a
abominação da desolação (como ele próprio contou em narração inimaginável que
seria interessante publicar novamente nesses tempos perturbados).Mil anos de posse pacífica, feliz, a reconciliar,
consolar, confortar iluminar e santificar milhões de almas através das mais
variadas circunstâncias de uma história da Igreja por vezes catastrófica. Sobre
um monte, um ostensório imóvel e intacto.
Então veio Lutero com sua tropa disparatada e equívoca!
É preciso dizer, o que ainda não se fez
suficientemente, que a revolução protestante foi antes de tudo uma revolução
laicista e anti-sacerdotal. Se o monge agostiniano e os seus se lançaram tão
furiosamente contra a economia dos Sacramentos e da Missa, é principalmente
porque sua grande gana era o sacerdócio. E atacaram o padre porque o tinham sido e queriam
deixar de sê-lo. Toda sua "Teologia" de uma salvação puramente
interior, sem mediação humana, fora forjada simplesmente para mascarar sua
deserção. A teologia protestante da graça e da fé é uma
teologia de "defroqué" que procuram assim justificar sua própria
traição. A lógica desse laicismo, deveria ter conduzido Lutero a suprimir
qualquer culto exterior organizado. Escreve J.Paquier: "Seria seu passado católico e seu bom senso, que lhe
aconselharam de se contentar com uma redução e transformação do culto católico
prudente, tímida, conservando muita coisa do passado?" Não seria sobretudo, como o próprio Lutero
escreveu, o cuidado de conseguir "com segurança e felicidade" (tuto
et feliciter) o fim colimado procedendo por etapas, como outros entre nós o
disseram desde 1963? Criar assim, sem abalos violentos nos costumes seculares
dos povos, um culto novo que não seria mais sacerdotal? Os resultados dessas táticas
tateantes é o que conhecemos hoje no interior da Igreja desde o final de
Vaticano II: anarquia, caos, e abusos litúrgicos!
Ao mesmo tempo proliferação de ceias,
serviços, cultos, sem regra nem controle que iria fornecer um veículo
excepcional para os cismas e heresias. Era urgente unificar e purificar.
Foi o que fez o Concílio de Trento:
1)- Aqui, como em outras matérias, os padres
puseram como principal atenção à sua solicitude a obra doutrinal antes da
reforma disciplinar. Ensinar a teologia da Missa e do Sacerdócio: de uma
maneira, em primeiro lugar, positiva (os "capítulos") seguida das
condenações das heresias correspondentes (os anátemas dos "cânones").
2)- Do próprio culto, o mais urgente a dizer o fora
feito a propósito do Cânon, da língua litúrgica e da comunhão em uma só
espécie.
3)- Mas não era só isso: era preciso deter o
processo da desagregação protestante dos ritos da Missa. Esta estava favorecida
pela enorme variedade dos missais católicos e pelos abusos que os padres
designavam com nitidez e que enfeixavam em 3 principais: a superstição, a irreverência
e a avareza.
4)- Já em Bolonha em 28 de novembro 1547, uma
Comissão fora encarregada pelo Concílio de destacar os abusos ou erros
"relativos à Missa, às indulgências, ao Purgatório e aos votos
monásticos".
5)- Mas foi sobretudo em 1562 que as preocupações
ganharam precisão: uma nova Comissão de sete padres é formada em Julho, que
cataloga abusos de toda sorte, redige um resumo e por fim uma lista de nove
cânones que são submetidos em Setembro à discussão do Concílio.
Não se tratava mais do Missal como nos projetos anteriores, onde se
podia ler:
"que o sacrifício (res sacra) seja realizado segundo o mesmo
rito em toda a parte e por todos, para que a Igreja de Deus tenha somente uma
linguagem (unius labii sit) e que não se possa encontrar, entre nós, a
menor diferença (dissentio) nessa matéria. Para que se possa chegar a
este ponto desejado será talvez necessário tomar as seguintes providências: que
todos os Missais, depois de terem sido purificados de orações supersticiosas e
apócrifas sejam propostos a todos perfeitamente puros e nítidos (nitida) sem
defeitos (íntegra); que sejam idênticos, pelos menos entre todos os
padres seculares, salvaguardando os costumes legítimos não abusivos".
"Que certas rúbricas bem fixadas (certae) sejam
determinadas; os celebrantes deverão observá-las de maneira uniforme, a fim de
que o povo não possa ficar chocado ou escandalizado por ritos novos ou
diferentes".
(foto reprodução)
Para resumir:
"Que os Missais sejam restaurados segundo o uso e costume antigo
da Santa Igreja Romana". (2) O Concílio se separou antes de ter podido realizar
por si próprio as resoluções tomadas. Decidiu confiar a tarefa ao Santo Padre
para que ele terminasse a obra "segundo o que julgasse bom e sob sua
autoridade". O Papa que era então Pio IV, instituiu para isso
uma Comissão especial, mas morreu antes que os trabalhos estivessem concluídos.
Seu sucessor, Pio V, devia confirmá-la a fim de que viesse a realizar as
decisões do Concílio nos próprios termos em que foram expressas:
1)- Unificar os Missais.
2)- Purificá-los de qualquer erro.
3)-Reconduzir o rito romano ao tipo exemplar de
sua origem.
4)-Torná-lo obrigatório para todos!
5)-Respeitar, no entanto, os costumes legítimos!
A graça de realizar esta obra eminentemente
religiosa fora reservada pela Divina Providência ao Papa do Santo Rosário. O
organizador da vitória de Lepanto, deveria ser, ele próprio, o restaurador do
Missal.
FONTE: http://permanencia.org.br/drupal/node/634
BULA "QUO PRIMUM TEMPORE"
Papa S. Pio V - 14.07.1570
PIO BISPO - Servo dos Servos de Deus
Para perpétua memória
1 - Desde que fomos elevados ao ápice da Hierarquia
Apostólica, de bom grado aplicamos nosso zelo e nossas forças e dirigimos todos
os nossos pensamentos no sentido de conservar na sua pureza tudo o
que diz respeito ao culto da Igreja; o que nos esforçamos por preparar
e, com a ajuda de Deus, realizar com todo o cuidado possível.
2 - Ora, entre outros decretos do Santo Concílio de
Trento cabia-nos estabelecer a edição e correção dos livros santos: Catecismo,
Missal e Breviário.
3 - Com a graça de Deus, já foi publicado o
Catecismo, destinado à instrução do povo, e corrigido o Breviário, para que se
tributem a Deus os devidos louvores. Outrossim, para que ao Breviário
correspondesse o Missal, como é justo e conveniente (já que é soberanamente
oportuno que, na Igreja de Deus, haja uma só maneira de salmodiar e um só rito
para celebrar a Missa), parecia-nos necessário providenciar, o mais cedo
possível, o restante desta tarefa, ou seja, a edição do Missal.
4 - Para tanto, julgamos dever confiar este
trabalho a uma comissão de homens eruditos. Estes começaram por cotejar
cuidadosamente todos os textos com os antigos de nossa Biblioteca Vaticana e
com outros, quer corrigidos, quer sem alteração, que foram requisitados de toda
parte. Depois, tendo consultado os escritos dos antigos e de autores aprovados,
que nos deixaram documentos relativos à organização destes mesmos ritos, eles
restituíram o Missal propriamente dito à norma e ao rito dos Santos Padres.
5 - Este Missal assim revisto e corrigido, Nós,
após madura reflexão, mandamos que seja impresso e publicado em Roma, a fim de
que todos possam tirar os frutos desta disposição e do trabalho empreendido, de tal sorte que os padres saibam de que preces devem servir-se e quais
os ritos, quais as cerimônias, que devem observar doravante na celebração das
Missas.
6 - E a fim de que todos, e em todos os lugares,
adotem e observem as tradições da Santa Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as
Igrejas, decretamos e ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre, não seja
cantada nem rezada de modo diferente do que esta, conforme o Missal publicado
por Nós, em todas as Igrejas: nas Igrejas Patriarcais, Catedrais,
Colegiais, Paroquiais, quer seculares quer regulares, de qualquer Ordem ou
Mosteiro que seja, de homens ou de mulheres, inclusive os das Ordens Militares,
igualmente nas Igrejas ou Capelas sem encargo de almas nas quais a Missa
conventual deve, segundo o direito ou por costume, ser celebrada em voz alta
com coro, ou em voz baixa, segundo o rito da Igreja Romana, ainda quando estas
mesmas Igrejas, de qualquer modo isentas, estejam munidas de um indulto da Sé
Apostólica, de costume, de um privilégio, até de um juramento, de uma
confirmação apostólica ou de quaisquer outras espécies de faculdades. A não ser que, ou por uma instituição aprovada desde a origem pela Sé
Apostólica, ou então em virtude de um costume, a celebração destas Missas
nessas mesmas Igrejas tenha um uso ininterrupto superior a 200 anos. A estas
Igrejas Nós, de maneira nenhuma, suprimimos nem a referida instituição, nem seu
costume de celebrar a Missa; mas, se este Missal que acabamos de editar lhes
agrada mais, com o consentimento do Bispo ou do Prelado, junto com o de todo
Capítulo, concedemos-lhes a permissão, não obstante quaisquer disposições em
contrário, de poder celebrar a Missa segundo este Missal.
7 - Quanto a todas as outras sobreditas Igrejas,
por Nossa presente Constituição, que será válida para sempre, Nós decretamos e
ordenamos, sob pena de nossa indignação, que o uso de seus missais próprios
seja supresso e sejam eles radical e totalmente rejeitados; e, quanto ao Nosso
presente Missal recentemente publicado, nada jamais lhe deverá ser
acrescentado, nem supresso, nem modificado. Ordenamos a todos e a cada um dos
Patriarcas, Administradores das referidas Igrejas, bem como a todas as outras
pessoas revestidas de alguma dignidade eclesiástica, mesmo Cardeais da Santa
Igreja Romana, ou dotados de qualquer outro grau ou preeminência, e em nome da
santa obediência, rigorosamente prescrevemos que todas as outras práticas,
todos os outros ritos, sem exceção, de outros missais, por mais antigos que
sejam, observados por costume até o presente, sejam por eles absolutamente
abandonados para o futuro e totalmente rejeitados; cantem ou rezem a Missa
segundo o rito, o modo e a norma por Nós indicados no presente Missal, e na
celebração da Missa, não tenha a audácia de acrescentar outras cerimônias nem
de recitar outras orações senão as que estão contidas neste Missal.
8 - Além disso, em virtude de
Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula, concedemos e damos o
indulto seguinte: que, doravante, para cantar ou rezar a Missa em qualquer
Igreja, se possa, sem restrição seguir este Missal com permissão e poder de
usá-lo livre e licitamente, sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se
possa incorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isto para sempre.
9 - Da mesma forma decretamos e declaramos que os
Prelados, Administradores, Cônegos, Capelães e todos os outros Padres
seculares, designados com qualquer denominação, ou Regulares, de qualquer
Ordem, não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo que o por Nós
ordenado; nem sejam coagidos e forçados, por quem quer que seja, a modificar o
presente Missal, e a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser
revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua
força.
10 - Não obstante todas as decisões e costumes
contrários anteriores, de qualquer espécie: Constituições e Ordenações
Apostólicas, ou Constituições e Ordenações, tanto gerais como especiais,
publicadas em Concílios Provinciais e Sinodais; não obstante também o uso das
Igrejas acima enumeradas, ainda que autorizado por uma prescrição bastante
longa e imemorial, mas que não remonte a mais de 200 anos.
11 -Queremos e, pela mesma autoridade, decretamos
que, depois da publicação de Nossa presente Constituição e deste Missal, todos
os padres sejam obrigados a cantar ou celebrar a Missa de acordo com ele: os
que estão na Cúria Romana, após um mês; os que habitam aquém dos Alpes, dentro
de três meses; e os que habitam além das montanhas, após seis meses ou assim
que encontrem este Missal à venda.
12 - E para que em todos os lugares da Terra este
Missal seja conservado sem corrupção e isento de incorreções e erros, por nossa
Autoridade Apostólica e em virtude das presentes, proibimos a todos os
impressores domiciliados nos lugares submetidos, direta ou indiretamente, à
Nossa autoridade e à Santa Igreja Romana, sob pena de confiscação dos livros e
de uma multa de 200 ducados de ouro, pagáveis à Câmara Apostólica, bem como aos
outros domiciliados em qualquer outro lugar do mundo, sob pena de excomunhão
ipso facto e de outras penas a Nosso alvitre, se arroguem, por temerária
audácia, o direito de imprimir, oferecer ou aceitar esta Missa, de qualquer
maneira, sem nossa permissão, ou sem uma licença especial de um Comissário
Apostólico por Nós estabelecido, para estes casos, nos países interessados, e
sem que antes, este Comissário ateste plenamente que confrontou com o Missal
impresso em Roma, segundo a impressão típica, um exemplar do Missal destinado
ao mesmo impressor, que lhe sirva de modelo para imprimir os outros, e que este
concorda com aquele e dele não difere absolutamente em nada.
13 - E como seria difícil transmitir a presente
Bula a todos os lugares do mundo cristão e levá-la imediatamente ao
conhecimento de todos, ordenamos que, segundo o costume, ela seja publicada e
afixada às portas da Basílica do Príncipe dos Apóstolos e da Chancelaria
Apostólica, bem como no Campo de Flora. Ordenamos igualmente que aos exemplares
mesmo impressos desta Bula, subscritos pela mão de um tabelião público e
munidos, outrossim, do Selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica,
seja dada, no mundo inteiro, a mesma fé inquebrantável que se daria à presente,
caso mostrada ou exibida.
14 - Assim, portanto, que a ninguém absolutamente
seja permitido infringir ou, por temerária audácia, se opor à presente
disposição de nossa permissão, estatuto, ordenação, mandato, preceito,
concessão, indulto, declaração, vontade, decreto e proibição.Se alguém, contudo, tiver a
audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação
de Deus Todo-poderoso e de seus bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo. (Grifo meu: “A oposição não decreta
excomunhão sob nenhuma forma!”)
Dado em Roma perto de São Pedro, no ano da
Encarnação do Senhor mil quinhentos e setenta, no dia 14 de Julho, quinto de
Nosso Pontificado – Pio Papa V. No ano de 1570, indict. 13, no dia 19 de Julho, 5º
ano do Pontificado do nosso Santo Padre em Cristo Pio V, Papa pela Providência
divina, as cartas anexas foram publicadas e afixadas nas portas da Basílica do
Príncipe dos Apóstolos e da Chancelaria Apostólica e de igual maneira à
extremidade do Campo Flora como de costume, por nós Jean Roger e Philibert
Cappuis, camareiros, Scipico de Ottaviani, Primeiro Camareiro.
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