Grifos meus: “Assim como afirmam alguns: Creio em Deus, mas não o Deus bíblico do Antigo Testamento, podemos parafrasear: Creio na Razão, mas não na razão Iluminista, que em nome desta mesma razão cometeu-se as atitudes mais irracionais no dito:Século da luzes .Os homens e mulheres da Idade Média, não perdiam tempo assistindo novela imorais e arenas das Bigs Rivalidades onde vale tudo,e não se aprende nada útil, mas iam sim assistir aos grandes debates, Lutero com suas 95 teses é a prova do interesse do homem da Idade média pelo uso racional da razão.O homem da Idade média era extremamente lógico e não tinha dúvidas sobre a verdade.Vivemos em uma época democrática, que se gaba de ter fornecido para as nações liberdade social e individual, Hipnotizado pela pseudoliberdade, o homem moderno se revolta contra qualquer regra, imposição ou lei. Estamos no tempo do “achismo”, do cada um faz e pensa o que quiser, mesmo que seja um absurdo, ninguém pode invadir esse “mundo egocêntrico” e sem verdade absoluta. E nesta pseudo tolerância, se devem tolerar todas a opiniões menos a da Igreja, que proibida,silenciada, e encurralada no âmbito religioso e particular ( Esquecem que a Academia de Ciências do Vaticano possuem 9 prêmios Nobel em Ciências).Proclama-se a liberdade política e chega-se ao extremo de exigir tolerância até para atividades francamente subversivas. Em flagrante contradição com o princípio generalizado da liberdade, quase todos os países livres admitem um partido que tem seu ideal na completa ditadura, nominalmente tirânica, que achou sua expressão inconfundível nos países comunistas. Nunca houve escravização tão completa, como debaixo do jugo comunista e sua inquisição moderna: Prisões sem proceder jurídico, torturas, execuções, campos de concentração, espoliação. Alucinados pela quimera da liberdade absoluta abrimos caminho e facilitamos o advento da nossa escravização.Exige-se hoje completa liberdade de opinião, assistimos com espanto ao crescimento da imoralidade nos meios de comunicação; os últimos quarenta anos trouxeram mais depravação dos costumes do que os séculos anteriores.Finalmente observa-se a apostasia da fé. Como todas as idéias devem ser respeitadas, cresce o número de pessoas que acreditam em gnomos, cristais, macumba, reencarnação, fantasmas etc.Será correta ou razoável essa orientação? Os nossos antepassados desejavam liberdade, porém liberdade que traz unidade, paz e eleva o homem. Os povos antigos viviam com menos bens materiais e com mais alegria, o homem moderno tem ao alcance todas as comodidades e vive em depressão, nunca se cometeu tanto suicídio na história como nos dias atuais. A Idade Média é pejorativamente chamada de idade das trevas,por Maçons e Iluministas de plantão na Universidades e instituições, quando na realidade trouxe inúmeros avanços para a sociedade: A verdade é que neste período o povo tinha fé e piedade profunda, por isso é atacada como época de obscuridades. Incrimina-se a mentalidade medieval por queimar alguns baderneiros, hereges violentos(Cátaros) e malfeitores na fogueira; mas será que os tempos modernos possuem uma mentalidade diferente? Nas últimas guerras quantos foram queimados pelos lança-chamas que atingem o inimigo a 100 metros de distância? Quantos abortos foram cometidos? Quantos idosos foram descartados pela eutanásia? Essa é a mentalidade moderna em que tudo é permitido, exceto aceitar a Verdade, o Caminho e a Vida.Nós reprovamos os procederes dos nossos antepassados, mas eles com certeza ficariam indignados com os métodos modernos atuais. Não vamos infligir ao povos do passado, admiráveis pela fé ardente, a injúria de compará-los com os pagãos modernos, encarnados principalmente nos nazistas, comunistas, terroristas, relativistas e abortistas. Abusus non est usus:O abuso não tolhe o uso,ora querer Condenar a Igreja Católica pelas falhas e abusos de alguns de seus dirigentes no passado é o mesmo que hoje querer condenar o povo Alemão por causa da segunda guerra, ou então querer condenar e mais ainda, acabar com a polícia, por ter policiais corruptos em seu meio,portanto este é um argumento revanchista e injusto. Não podemos comparar os crentes antigos e os materialistas modernos, porque os materialistas se colocam à margem da cultura e da moral, tornando manifesto a sua impostura hoje pela violência dizendo que os fins justificam os meios.”
Introdução - O Iluminismo: Trevas na época das
luzes
O século XVIII é
normalmente apresentado como a época do triunfo da razão. Pegando ao acaso um
desses livros de história geral e lendo o tópico Iluminismo, encontramos coisas
do tipo: “Os escritores franceses do século XVIII provocaram uma verdadeira
revolução intelectual na história do pensamento moderno. Suas idéias
caracterizavam-se pela importância que davam à razão: rejeitavam as tradições e
procuravam uma explicação racional para todas as coisas.”.[1] Isso não é,
entretanto, mais uma simplificação – para não dizer distorção – de manuais de
divulgação, mas um reflexo grosseiro do que os principais autores dessa época
afirmavam. Voltaire, por exemplo, afirmou que antes de Bacon ninguém conheceu a
filosofia experimental. Ao lembrar-se, porém, das grandes descobertas
científicas que foram feitas antes de Francis Bacon, apressou-se a declarar:
“foi na época da mais estúpida barbárie que essas grandes mudanças foram
feitas sobre a Terra: só o acaso produziu quase todas essas invenções e parece
que até mesmo o que se chama acaso participou muito da descoberta da
América;”.[2]
Em seu panfleto O que é o Iluminismo?, Emmanuel Kant
escreveu:
“O iluminismo é a libertação do homem de sua culpável incapacidade. A
incapacidade significa a impossibilidade de servir-se de sua inteligência sem o
direcionamento de outro. (...) Sapere aude! Tenha o valor de servir-te de tua
própria razão! Eis aqui o lema do iluminismo.”[3]
Sabendo disso, não
seria muito difícil imaginar como se construiu, com o passar do tempo, a idéia
de uma época da razão em oposição à outra de barbárie e de trevas. Como lembra
Paolo Rossi, um importante historiador da ciência, basta “ler o Discurso
preliminar à grande Enciclopédia dos iluministas ou também o início do Discurso
sobre as ciências e sobre as artes de Jean-Jacques Rousseau para ficar ciente
de como circulava com força, desde meados do século XVIII, a definição de Idade
Média como época obscura, ou como um ‘retrocesso para a barbárie’”.[4]
O que há de verdade nessa visão iluminista?
Paolo Rossi, apesar
de ser um relativista admirador dos modernos, não hesitou em declarar que:
“Hoje sabemos que o mito da Idade Média, como época de barbárie, era,
justamente, um mito, construído pela cultura dos humanistas e pelos pais
fundadores da modernidade.”.[5]
A afirmação de P.
Rossi é importante, visto que vem de um dos maiores historiadores da ciência
atualmente.[6] Contudo, ela diz respeito apenas à metade do problema. P. Rossi
esqueceu, como veremos nesse artigo, que iluministas e companhia não criaram
apenas o mito da Idade das Trevas, mas também o mito do Século das Luzes.
I.
Alguns mitos
Antes de analisarmos
o Século das Luzes, é importante tratarmos de alguns mitos iluministas sobre a
“ignorância” científica dos medievais. É interessante notar que as críticas aos
medievais oscilavam entre afirmações sutis e declarações grotescas. Chegou-se a
dizer que na Idade Média não houve ciência; os homens daquela época não
passavam de brutos e ignorantes. Depois, ao ficar evidente que afirmações como
essas eram inverossímeis de mais, declarou-se que os medievais eram
absolutamente submissos à autoridade dos antigos, e por isso seus conhecimentos
científicos nunca ultrapassaram os dos gregos e romanos. Por fim, como se
percebeu que era impossível afirmar que não houve desenvolvimento científico na
Idade Média, passou-se a dizer que os medievais misturavam ciência e religião,
acabando por obscurecer, com a teologia, o desenvolvimento da ciência.
Infelizmente,
afirmações do tipo não são encontradas apenas em manuais escolares. O próprio
P. Rossi, analisando o nascimento da ciência moderna, afirmou que: “o fato de
se estabelecer com firmeza que a verdade das proposições não depende de modo
algum da autoridade de quem as pronuncia e que não está ligada de forma nenhuma
a uma ‘revelação ou iluminação’ qualquer acabou constituindo uma espécie de
patrimônio ideal ao qual os europeus podem ainda hoje se referir como a um
valor impreterível.”.[7] Ora, P. Rossi repete exatamente as duas últimas
acusações que citamos.
Em vista disso, para tornarmos mais didática uma crítica
desses mitos, faremos um pequeno índice dessas acusações:
1. Na Idade Média não havia ciência.
2. Antes de Francis Bacon não se conhecia a
filosofia experimental. [8]
3. A ciência medieval baseava-se na autoridade.
4. Na Idade Média misturava-se confusamente
teologia e ciência.
Quanto à primeira
acusação,
é evidente que alguém que lhe de crédito não possui nem sequer um conhecimento
rudimentar de história. Neste caso, basta que a pessoa folheie qualquer manual
de história da ciência, ainda que bem rapidamente, para que seu problema seja
sanado. Quanto às demais acusações, separamos alguns textos do século XIII que
serão, pela sua clareza e exatidão, suficientes para refutá-las.
Sobre a segunda
acusação,
basta lermos o que Sto. Alberto Magno (1193-1280) escreveu em um escrito sobre
os meteoros, para constatarmos que ela baseia-se pouco na razão e muito na
imaginação. De acordo com Sto. Alberto: “A prova pelos sentidos [isto é, a
indução] é a mais segura no estudo da filosofia natural, e situa-se acima da
teoria sem observação (Meteoros 3, tr. 1, c. 21).”.[9] Ou ainda, em sua obra De
Animalibus, Sto. Alberto afirmou: “A experiência, através de repetidas
observações, é a melhor mestra no estudo da natureza (Sobre os animais 1. c.
19).”.[10].É difícil tornar mais evidente o erro da acusação. Porém, vale a
pena lembrar que ela vai contra o simples fato de que os medievais sempre
estudaram, em lógica, a indução, que nada mais é do que o processo de
conhecimento pelo qual nós passamos, através da consideração suficiente de
diversos dados particulares (individuais), que atingimos pela experiência
sensível, ao conceito, isto é, ao universal.[11]
Quanto à terceira
acusação,
Sto. Alberto Magno adverte: “Compete à ciência natural não aceitar simplesmente
o que foi narrado. Cabe-lhe, muito mais, a serviço da filosofia natural, buscar
as causas das coisas naturais (Sobre os minerais 2, tr. 2, c. 1).”.[12] O
absurdo da acusação é patente. Dispensa explicações. Sto. Alberto fez estas
afirmações não só porque sabia perfeitamente o que é o conhecimento científico,
mas também porque buscava conhecer cientificamente a natureza. A. C. Crombie,
estudando a ciência na Idade Média notou que:
“As seções zoológicas e botânicas das enciclopédias do século XIII de
Bartolomeus Anglicus, Tomás de Cantimpré e Vicente de Beauvais não careciam por
completo de observações, porém, neste ponto não podem comparar-se com as
digressões nas quais Alberto Magno descrevia suas próprias investigações
pessoais quando escrevia os comentários às obras de Aristóteles. (...) O De
Vegetabilibus et Plantis (escrito por volta de 1250) era um comentário ao
pseudo-aristotélico De Plantis, que traduzido por Alfredo de Sareshel, foi a
fonte principal de teoria botânica até o século XVI.”.[13] Sto. Alberto,
inclusive, contrapôs-se a Aristóteles, como no caso em que o Filósofo confundia
a crisálida com o ovo do inseto.[14] Ou ainda, no caso da alimentação das
enguias, as quais Aristóteles afirmava que se alimentavam de musgo, enquanto
Sto. Alberto declarou que elas alimentavam-se de animais, pois ele mesmo as tinha
visto comendo animais.[15]. Como avaliou Etienne Gilson:
“Se ele [Sto. Alberto] escreve tratados de omni re scibili [toda coisa
conhecível], e mesmo um manual do perfeito jardineiro, é porque, segundo diz,
isso é agradável e útil: Haec enim scire non solum delectabile est studenti
naturam rerum cognoscere, quinimo est utile ad vitam et civitatum permanentiam
[Pois saber estas coisas não só é agradável para aquele que se dedica a
conhecer a natureza das coisas, como é especialmente útil para vida e
permanência das cidades.]. Foi essa avidez heróica de todo o conhecer acessível
ao homem que a Igreja quis glorificar nesse santo, ao canonizá-lo. Por ao
alcance dos latinos toda a física, a metafísica e a matemática, isto é, toda a
ciência acumulada até então pelos gregos e seus alunos árabes e judeus, era
essa a intenção desse extraordinário enciclopedista: nostra intentio est omnes
dictas partes facere Latinis intelligibiles.”.[16]
Apesar do infeliz uso
do termo ‘enciclopedista’ – termo que pelo seu sentido histórico aproxima Sto.
Alberto Magno dos pobres iluministas do séc. XVIII – Gilson lembrou muitos
pontos importantes contra os mitos. Além disso, ao lembrar que os medievais
estudavam a natureza e consultavam os autores antigos, árabes e judeus, revela
um princípio fundamental que era adotado pelos homens dessa época, isto é:
“Não atentes a quem disse, mas o que é dito com razão e isto, confia-o à
memória.”.[17]
Esse princípio, que
nesse caso é também um conselho, foi dado por Sto. Tomás de Aquino (1224/25 –
1274) a um jovem dominicano que o indagava sobre o modo de estudar. Esse é um
princípio sábio e racional que não condiz de nenhum modo com o mito do
obscurantismo medieval. Além do mais, e antes de tudo, é preciso enfatizar que
esse princípio pressupõe outro sem o qual todo conhecimento humano é destruído,
a saber, o fato de que a verdade não depende do sujeito, mas é algo objetivo
cuja realidade é apenas conhecida pelo sujeito e jamais criada por ele. Portanto,
essa frase tão límpida desse frade dominicano condena claramente o
subjetivismo. Para o subjetivismo o fundamento do conhecimento é a idéia do
sujeito, enquanto a realidade e a razão são anuladas. Para Sto. Tomás, pelo
contrário, o fundamento do conhecimento humano é a capacidade que o homem tem
de adequar seu intelecto aos seres. As verdades que os antigos conheceram,
apesar dos séculos que os separavam de Sto. Alberto, não dependiam da
subjetividade deles, mas sim da realidade, por isso eram conhecidas e aceitas
também pelos medievais. Exatamente por isso, Sto. Alberto podia afirmar:
“Aceitamos dos antigos aquilo que eles afirmaram corretamente (Livro das
causas 1, tr. 1, c. 1).”.[18]
Passemos à quarta e última acusação. Vejamos o seguinte
texto: “Tome-se pois por princípio que, em questões de fé e de bons costumes,
Agostinho deve ser preferido aos filósofos, caso haja idéias diferentes entre
eles. Mas, em se tratando de medicina, tenho mais confiança em Galeno ou
Hipócrates que em Agostinho; e se ele fala sobre ciências naturais, tomo em
maior consideração a Aristóteles ou a outro especialista no assunto (II Sent.
d. 13, a. 2).”.[19]. Uma coisa é evidente: há uma distinção bem clara entre
Teologia e ciências em geral, incluído a Filosofia.
Os medievais
compreendiam perfeitamente que cada ciência possui o seu objeto específico, e
mesmo quando os objetos identificam-se, elas distinguem-se formalmente, isto é,
diferem segundo a determinação por meio da qual elas atingem o objeto. Por
exemplo, o homem pode ser estudado tanto pela biologia quanto pela sociologia,
mas o biólogo estuda o homem no funcionamento orgânico de seu corpo, enquanto a
sociologia estuda o homem enquanto ser social. O homem é o mesmo objeto material
para essas duas ciências, mas cada uma o estuda sob aspectos diferentes. Assim,
Teologia (revelada) e Filosofia atingem seu objeto cada uma ao seu modo: a
Filosofia atinge seu objeto pela luz da razão, enquanto a Teologia (revelada)
atinge seu objeto pela luz da autoridade de Deus que se revela. Como afirma J.
Maritain: “os princípios da Filosofia são independentes da Teologia, pois os
princípios da Filosofia são as verdades primeiras cuja evidência se impõe por
si mesma à inteligência, enquanto os princípios da Teologia são as verdades
reveladas por Deus. Os princípios da Filosofia bastam-se a si mesmos e não
derivam dos princípios da Teologia.”.[20]
Evidentemente, disso
não decorre uma separação entre fé e razão. Basta lermos a primeira parte da
Suma Contra os Gentios (os capítulos de III a VIII e o capítulo VII de modo
especial) para vermos que Sto. Tomás demonstra magistralmente que não há
contradição entre verdades de fé e verdades acessíveis à razão. Com isso,
saberemos também que os medievais compreendiam não apenas a distinção, mas
também a união harmônica entre fé e razão, entre Teologia e Filosofia.
Poderíamos citar
ainda mais textos; poderíamos, com relação à ciência, citar autores como Roger
Bacon (1215 – 1294), Roberto Grosseteste (1168 – 1253) entre outros. Mas, neste
caso, bastam-nos Sto. Alberto e Sto. Tomás, que por terem sido elevados a mais
alta dignidade pela Igreja, mostram que a Idade Média não foi as trevas do
conhecimento, mas pelo contrário, foi uma época onde buscava-se ardentemente
conhecer; foi uma época em que se soube valorizar o conhecimento, época em que
se deu a alcunha de Magno a um profundo conhecedor e mais do que amigo, amante
da Sabedoria.
II.
Os Fundamentos do Iluminismo
Quando estudamos o
iluminismo francês, ficamos impressionados com a influência de autores ingleses
sobre os franceses. Francis Bacon, David Hume, J. Berkeley, John Locke e Isaac
Newton são algumas das figuras que possuem maior destaque na literatura
francesa do século XVIII, literatura que é, em grande parte, divulgação das
doutrinas desses pensadores ingleses. Um desses ingleses, John Locke (1632 –
1704), é especialmente importante.
Sobre ele Paul Hazard nos diz o seguinte:
“Quando chegamos a John Locke ficamos varados de espanto. Com efeito, à
vista a sua realeza não tem rival nem suporta a mínima rebelião. Em 1690, o seu
Essay on human understading propôs uma nova orientação do pensamento: este
Ensaio mantem-se, até Kant, como livro de cabeceira da filosofia. A frase de
Helvétius ‘Analogia entre minhas opiniões e as de Locke’, no seu livro De
l’homme, corresponde à opinião da grande maioria; podemos contar pelos dedos
aqueles que não leram, praticaram e admiraram, ao passo que a multidão dos seus
discípulos é inumerável. Não sei se alguma vez terá existido um manejador de
idéias que, mais manifestadamente que ele, tenha moldado o século em que
viveu.”.[21]
Não por acaso ele é considerado
o pai do liberalismo político. A sua influência é profunda, não só sobre o
pensamento político, mas de modo especial sobre pensamento filosófico. Ernst
Cassirer afirma que: “A autoridade de Locke em todas as questões de psicologia
e teoria do conhecimento na primeira metade do século XVIII é pouco menos que
indiscutível. Voltaire o coloca acima de Platão, e D’Alembert declara em sua
introdução a Enciclopédia que ele é o criador da filosofia científica como
Newton foi o da física científica.”.[22] De fato, em Cartas inglesas, Voltaire
inicia a 13ª. Carta do seguinte modo:
“Talvez nunca tenha existido um espírito mais sábio, mais metódico, um
lógico mais exato do que o Sr. Locke;”.[23]
Portanto, é natural
que, para se conhecer mais profundamente o pensamento iluminista, seja
importante conhecer a doutrina de John Locke. Contudo, quando se chega a Locke,
chega-se também a um dos problemas mais importantes da Filosofia. De acordo com
Jacques Maritain, Hobbes e Locke são representantes do nominalismo no século
XVII.[24] E Michele F. Sciacca afirma que: “Locke faz seu o nominalismo de
Ockham.”.[25] Ora, analisando-se o terceiro livro do Ensaio sobre o
conhecimento humano verifica-se que “Locke professa abertamente o
nominalismo.”.[26] Sendo assim, tendo em vista a importância do pensamento de
Locke para o século XVIII, tanto em psicologia quanto em teoria do
conhecimento, saber que ele foi nominalista leva-nos, por uma questão de
clareza na exposição, a explicar sucintamente o que é o nominalismo, para que
possamos avaliar corretamente o pensamento de Locke e o Iluminismo.
III. O
nominalismo
O nominalismo é uma
pseudo-solução para o problema dos universais. Segundo Aristóteles: “Há coisas
universais e coisas particulares, e denomino universal isso cuja natureza é a
de ser afirmada de vários sujeitos, e de particular o que não pode tal, por
exemplo, homem é um termo universal, e Cálias um termo singular.”.[27] . Ou
seja, existem indivíduos e universais, sendo que esses últimos podem ser
afirmados de vários indivíduos. Por exemplo: existe o indivíduo Lulu, o cachorrinho
de minha vizinha, mas existe também ‘cachorro’, que no meu intelecto é um
conceito universal, embora exista em Lulu, em Rex e em qualquer outro cão.É
evidente que todos nós utilizamos o tempo todo termos universais e
particulares. Todavia, passando um pouco além dessa evidência, surge uma
dificuldade. Como afirmam Aristóteles e os tomistas: tudo que é real é
individual. Portanto, o universal pelo seu caráter de generalidade não parece
corresponder a nada de real.Neste sentido é que surge a famosa pergunta feita
por Porfírio no Isagogo: os universais são realidades em si mesmas, ou apenas
simples concepções do intelecto? Simplificando: quando dizemos ‘homem’
(universal), isso que dissemos existe realmente ou apenas no meu pensamento?
A – Solução
Para compreendermos
melhor o nominalismo e suas conseqüências, é importante expormos rapidamente a
solução da dificuldade apresentada acima.
A resposta a essa questão de Porfírio não poderia ser mais evidente. O
que dissemos (‘homem’) existe realmente, porém, individualizado. Como explica
Joseph Kleutgen S.J: “L’universel est défini par Aristote, et avec raison,
tantôt comme l’un qui peut être énoncé de beaucoup, tantôt comme l’un qui peut
exister en beaucoup d’individus. (...) Dans la première definition, Aristote
parle, par conséquent, de l’universel logique, tandis que, dans la seconde, il
a en vue l’universel métaphysique. Or il est évident que, d’après cette
définition, l’universel n’existe pas seulemnt dans nos représentations, mais
encore dans les choses.”.[28][
O universal é
definido por Aristóteles, e com razão, tanto como algo que pode ser enunciado
de muitos, como algo que pode existir em muitos indivíduos. (...) Na primeira
definição, Aristóteles fala, por conseqüência, do universal lógico, ao passo
que na segunda, ele tem em vista o universal metafísico. Ora, é evidente que,
segundo esta definição, o universal não existe somente nas nossas
representações, mas também nas coisas]. Portanto, o universal ‘homem’ que
existe em nosso intelecto, é o mesmo que existe em Pedro, José ou Francisco.
Contudo, em Pedro ele existe com as determinações particulares de Pedro, as
quais o individualizam.Esse fato torna-se mais evidente quando consideramos a
verdade de nossas afirmações.
Uma proposição é verdadeira quando diz o que a coisa é. Por exemplo,
pego algo e digo: isto é um lápis. A minha afirmação é verdadeira, obviamente,
se o objeto que estou segurando for realmente um lápis. Se digo ‘isto é um
lápis.’, enquanto considero uma galinha que seguro entre as mãos, certamente
estou louco ou mentindo. E não adianta tentar escrever com a galinha ou almoçar
o lápis, pois isso só confirmaria minha loucura.
Para que eu não passe
por lunático ou por mentiroso, devo saber que, quando afirmo ‘é’, expresso uma
identidade; aquilo que existe em meu intelecto de modo imaterial (universal) é
o que está individualizado pela matéria no objeto. Por exemplo, consideremos o
termo universal ‘homem’. Se afirmo ‘Pedro é homem.’, indico que fora
de mim existe ‘homem’. Isso é evidente. Se negássemos essa evidência, e
disséssemos que esse universal (‘homem’) não existe realmente em Pedro, nossa
primeira afirmação seria mentirosa ou louca, visto que atribuímos existência a
algo que só existiria em nosso intelecto. Desse modo, nós jamais poderíamos dizer ‘é’,
chegando assim à negação do conhecimento humano. Ora, como podemos perceber,
isso é um absurdo. É preciso deixar claro que quando digo ‘é’, indico algo
real, existente em ato. Logo, os universais existem no intelecto e
nas coisas; no intelecto existem sem as determinações particulares da
matéria, nas coisas são individualizados por elas.
B – Pseudo-solução nominalista
Para os nominalistas,
entretanto, o universal não passa de um nome. Os universais seriam apenas
termos inventados pelo nosso intelecto para abarcar um grupo de indivíduos. Para
Guilherme de Ockham, o pai do nominalismo moderno:
“... o único real é o particular, ou, as únicas substâncias são as
coisas individuais e suas propriedades. O universal existe na alma do sujeito
cognoscitivo, e somente nela. Teremos de nos perguntar em que medida podemos
atribuir-lhe uma existência no pensamento, mas deve-se colocar, de fato, que
não há nenhuma espécie de existência fora do pensamento: omnis res positiva
extra animam eo ipso est singularis.”[29]
Poderíamos afirmar
que as “idéias gerais são palavras arbitrariamente escolhidas para designar as
coisas”[30], mas não passam disso. Certamente, a muitos parecerá que tais
questões filosóficas, muito abstratas e difíceis, têm pouca importância para
nossa vida prática. Ledo engano. Os princípios que surgem desses problemas
são os fundamentos de uma visão de mundo. Ora, mudando-se a visão de mundo dos
homens, muda-se também a vida dos homens.
C – As Conseqüências
O nominalismo pode
nos levar a conseqüências bem graves. Tomemos, para facilitar a explicação, um
princípio qualquer das ciências naturais. Por exemplo: todo corpo tende a permanecer
parado ou em movimento a não ser que receba alguma força. Este é –
simplificando – o famoso princípio da inércia de Isaac Newton. Consideremos
essa afirmação. Notemos, por exemplo, os termos ‘corpo’ e ‘força’. Evidentemente,
estes são termos universais. Sendo assim, uma questão se impõe: se eles
só existem no intelecto e não na realidade, como esse princípio poderia ser uma
explicação do mundo? Ele versaria apenas sobre idéias criadas pelo sujeito e
não sobre as coisas do mundo.Com efeito, para Ockham e os nominalistas, “os
gêneros e espécies não são nada fora do pensamento.”.[31]
Ora, se não há na realidade algo que é comum a diversos indivíduos, ou
seja, o universal, os temos universais não corresponderiam a nada real. O homem
permaneceria preso em sua subjetividade e não conheceria o mundo.
Podemos notar, deste
modo, que o nominalismo nos abre um caminho lógico tanto para o subjetivismo
quanto para o idealismo. É verdade que Ockham afirmava a existência dos indivíduos
externos ao ‘eu’, declarando, entretanto, que a “única realidade que
corresponde aos universais é, pois, a dos indivíduos.”.[32] Sendo assim, Ockham
defende a existência de indivíduos, mas identificando-os com os universais.
Eis aí um dos grandes equívocos do nominalismo:
Para Ockham, então,
nosso intelecto teria a função de relacionar as imagens dos indivíduos
percebidos pelos sentidos, ou melhor, os objetos de nossa inteligência não
seriam os universais, mas os particulares. Ora, isso é confundir percepção
sensível e imaginação – coisas puramente materiais –com conhecimento
intelectual![33].Deste modo, vemos como o nominalismo também pode levar ao
materialismo, negado a espiritualidade da alma e fazendo do homem um ser
puramente material. Exatamente por isso, ao estudar o nominalismo chega-se à
conclusão de que essa “théorie sur l’origine des idées ressemble beaucoup au
matérialisme des philosophes grecs.” [essa teoria a respeito da origem das
idéias se assemelha muito ao materialismo dos filósofos gregos].[34]
Poderíamos, assim, identificar algumas conseqüências mais
imediatas do nominalismo:
A) As idéias, isto é,
os universais, seriam invenções do intelecto (subjetivismo).
B) O idealismo.
C) O materialismo.
[35]
D) O ceticismo.
É certo que o
idealismo, negando o conhecimento do mundo, já poderia ser tomado por pai do
ceticismo. Contudo, embora o nominalismo conduza logicamente ao idealismo, não
é uma afirmação explicita do mesmo, sendo também suscetível de um
desenvolvimento materialista. Todavia, como o que nos interessa nesse
artigo são os fundamentos do iluminismo, que é tido como racionalista,
cientificista e materialista, importa-nos saber como o materialismo leva ao
ceticismo.
Para compreendermos
bem como o materialismo leva ao ceticismo, é importante que saibamos o que é o
conhecimento científico. Podemos definir ciência como: “o
conhecimento certo das coisas pelas suas causas.”[36] Vejamos um caso
concreto:
“Vendo um corpo que em um determinado momento estava em repouso e depois
se encontra em movimento, posso concluir que ele recebeu uma força para
executar esse movimento, pois do contrário ele permaneceria imóvel. Portanto, posso afirmar que o
movimento ocorre por causa de uma força e isso não poderia ser de outra maneira,
sendo necessário que esse corpo para se mover tenha recebido uma força. Quando eu raciocino dessa forma, conhecendo
e explicando o movimento pela sua causa e verificando a necessidade desse fato,
eu conheço cientificamente o movimento. Eu conheço, como Newton, a lei da
inércia. Essa lei serve para todo
corpo, independente de eu ter contato experimental ou não com ele; basta ser
corpo para estar submetido a essa lei.
Agora vejamos. Todo
meu raciocínio, toda minha explicação e mesmo a própria definição da lei física
em questão, são formados por universais (‘corpo’, ‘força’, ‘movimento’ etc.). Ora,
como para os nominalistas os universais são apenas sinais que fazem, no
discurso, às vezes dos indivíduos que percebemos pelos sentidos, essa relação universal
de causa e efeito, que estabeleço na lei física, não existe realmente. Essa
relação foi perceptível sensivelmente nas experiências que tive, mas só nelas,
pois eu só percebo indivíduos, e por isso não posso nunca afirmar que o que
aconteceu nessa experiência acontecerá com outros indivíduos. Como estes
indivíduos não possuem natureza comum, ou seja, como não há universal existente
no indivíduo, a relação de causa e efeito é uma verificação experimental, mas,
cessada a experiência, essa relação não pode ser atribuída a outros
indivíduos.[37]
Como nos lembra Gilson, analisando a doutrina de Nicolau
de Autrecourt, discípulo de Ockham:
“Uma vez terminada a constatação experimental, resta a simples
probabilidade de que os mesmos efeitos se reproduzirão se as mesmas condições
forem de novo dadas.”.[38]
Para Nicolau: “A
proposição ‘aproximo o fogo da palha e não há nenhum obstáculo, logo a palha
pegará fogo’, não é evidente: é apenas uma probabilidade baseada na
experiência.”.[39] A ciência, portanto, apresenta-se como uma mera
descrição e enumeração de eventos individuais particulares, mas não como conhecimento
das coisas pelas causas.É certo, portanto, que essa confusão nominalista entre
sensibilidade e conhecimento intelectual, negando o conhecimento intelectual e
reduzindo o homem a um simples animal provido apenas de experiência sensível,
conduz ao materialismo e ao ceticismo.
Alguém, diante de
nossa exposição tão sucinta e esquemática, poderia ter dificuldade para
compreender como um mesmo princípio poderia levar a doutrinas opostas como
idealismo e materialismo. Erwin Panofsky, analisando essa questão, faz um
comentário que poderia ajudar-nos na compreensão do problema. Segundo ele:
“manifesta-se aí novamente o
eterno problema do empirismo: já que a qualidade do ‘real’ só se aplica ao
âmbito do que pode ser apreendido pelas notitia intuitiva, isto é, às coisas
individuais diretamente percebidas pelos sentidos e aos estados e processos
psíquicos específicos (alegria, tristeza, querer, etc.), que se conhece pela
experiência interior, então tudo o que é real, a saber, o mundo dos objetos
físicos e o mundo dos objetos psíquicos, jamais poderá ser racional, ao passo
que tudo o que é racional, a saber, os conceitos que se extraem desses dois
âmbitos, através da notitia abstractiva, jamais poderá ser real. É por isso que
todas as questões metafísicas e teológicas – inclusive a existência de Deus, a
imortalidade da alma e, pelo menos em um caso (Nicolau de Autrecourt), mesmo o
problema de causalidade – só podem ser discutidas com base no conceito de
probabilidade.”.[40]
O nominalismo
estabelece uma separação absurda entre o ‘eu’ com suas idéias e o mundo externo
dos indivíduos. Diante de tal problema, diferentes pessoas, de caracteres diferentes e
graus de compreensões distintos,poderiam optar pelo mundo do ‘eu’ ou pelo mundo
dos indivíduos. Num caso seria idealista, no outro materialista. Mas em ambos casos
seria cética.
IV – Iluminismo e Ceticismo
Como havíamos visto
acima, para compreendermos o que foi a filosofia iluminista é necessário
conhecermos John Locke. Basta, para lembrarmos sua importância, citar as
palavras de seu discípulo Pierre Coste. Segundo ele:
“o ensaio sobre o entendimento
humano é a obra prima dum dos mais belos gênios que a Inglaterra produziu no
último século. Esgotaram-se quatro edições em inglês sob vistas do autor, no
espaço de dez ou onze anos; e a tradução francesa que publiquei em 1700, fê-lo
conhecer na Holanda, França, Itália, Alemanha, pelo que tem sido e é ainda tão
estimado em todos estes países como na Inglaterra, onde nunca deixam de admirar
a extensão, a profundidade, a justeza e a nitidez que nele reinam do princípio
ao fim. Para cúmulo da glória, adotado de qualquer modo em Oxford e Cambridge, é aí lido e explicado aos jovens como o
livro mais próprio para lhes formar o espírito, para regular e estender os seus
conhecimentos; de modo que Locke conserva agora o lugar de Aristóteles e dos
seus mais célebres comentadores, nestas famosas universidades.”.[41]
Esse autor que formou
os espíritos dos homens de letras do século XVIII, como empirista que era, foi
nominalista. Como nos lembra J. Thonnard, Locke estudou em Oxford e ali,
“tomado de desgosto do método formalista do ensino, impregnou-se do espírito do
nominalismo de Ockham que ali reinava.”.[42] Realmente, analisando o que Locke
defendeu no Ensaio, chegamos a essa conclusão. No capítulo I do livro II do
Ensaio, onde Locke trata das idéias, podemos ler:
“Primeiro, nossos sentidos,
familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias
e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles
objetos os impressionaram. Recebemos, assim, as idéias de amarelo, branco,
quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as idéias que denominamos de
qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos levam para mente, entendo com
isso que eles retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu
estas percepções.”.[43]
Do texto podemos concluir que:
1. Nós não abstraímos
idéias, mas às recebemos.
2. Confunde intelecto
e sensação.[44]
Ora, nós não
recebemos idéias dos sentidos, mas imagens. Os cinco sentidos são materiais e
na percepção, como é evidente, recebem espécies materiais, sensíveis. Evidentemente,
Locke comete o mesmo erro nominalista e confunde intelecto com sensação. Essa
confusão levará Locke a defender o mesmo erro nominalista e empirista, ou seja,
afirmar que não podemos ultrapassar nossas percepções sensíveis, ao que
equivale negar o conhecimento.
“Visto que nossos sentidos não
são suficientemente agudos para perceber até os menores detalhes dos corpos e
obter-nos uma representação de seus efeitos mecânicos, temos que nos contentar
em permanecer na dúvida sobre suas qualidades e modos de atuar, sem nunca ir
mais além do que nos revelam nossos diversos experimentos. Jamais poderemos
estar seguros de que estes experimentos dêem, ao se repetir em outras
circunstâncias, absolutamente o mesmo resultado: eis aí porque não podemos
chegar nunca a um conhecimento seguro das verdades gerais sobre os corpos da
natureza e porque nossa razão não pode levar-nos nunca muito mais além do que
nos revelam os fatos particulares mesmos.”.[45]
Por isso, afirmará com razão E. Cassirer:
“Una verdadera ciencia del mundo
de la naturaleza y de los cuerpos, es imposible; lo único a que puede aspirar
este conocimiento es a una serie de conjecturas más o menos verosímiles, que
pueden ser echadas por tierra en qualquier momento, a la vista de un nuevo
hecho.”.[46]
E afirma M. Sciacca:
“Um empirismo coerente é sempre um subjetivismo empírico.”.[47]
O ceticismo,
portanto, será consequência lógica do empirismo.J. Kleütgen nota que “de tout
temps on a reproché au nominalisme de rendre incertaine la vérité de nos
connaissance et même de détruire toute science en tant que, comme spéculative,
elle est distincte de l’expérience.” [em todos os tempos se tem acusado o
nominalismo de tornar incerta a verdade de nosso conhecimento e memso de
destruir toda a ciência visto que, como especulativa, ela é distinta da
experiência.].[48] Ora, é exatamente isso que E. Cassirer conclui ao estudar
Locke. Como afirma: “Si examinamos a fondo la filosofia de Locke y la reducimos
a sus premissas últimas, vemos que encierra un elemento de escepticismo. La
meta final que Locke señala al conocimiento no pode alcanzarse por los medios
que él le asigna.”.[49]
Chegamos, assim, a uma conseqüência funesta do empirismo,
isto é, à negação do conhecimento:
O homem não mais
conhece o mundo. É verdade que os empiristas, assim como os nominalistas,
buscaram contornar essa conseqüência trágica de seus princípios, porém, ela é
inevitável. Como observou E. Cassirer, ao considerar o empirismo inglês: “El
empirismo matemático se encuentra aquí en el umbral del empirismo escéptico e
el paso de Newton a Hume es inevitable. Ambas concepciones no están separadas
más que por una delgada pared que el menor soplo puede derribar.”.[50]
Bastaria para quem tem bom senso
notar quão falsas são as
acusações de trevas à Idade Média, mas apenas mero revanchismo barato dos
opositores da Igreja. E Trevas nas quais estava submerso o dito Século das
Luzes, que foi divulgador e sistematizador dos princípios modernos, preparando
o triunfo da atual e confusa mentalidade moderna, que teve como fruto de seus
princípios a negação do intelecto, a negação da verdade e da própria razão que
afirmava defender. O Século das Luzes recusou a luz do intelecto e mergulhou os
homens nas trevas do ceticismo.
O falso século
Iluminista das falsas luzes (Pois nem
tudo que brilha é ouro), trouxe escondido na arrebatadora e otimista bandeira
do racionalismo, a deprimente e pessimista negação da razão, levando o Ocidente
ao agnosticismo e ao idealismo. Foi com razão, portanto, que Karl Popper
considerando o racionalismo afirmou:
“Seja, como for, poderemos descrevê-lo como uma irracional fé na
razão.”.[51]
V – As Duas Correntes do Pensamento Moderno
A) Origens remotas da Modernidade
Como vimos acima, o
Iluminismo, por ser nominalista, leva ao ceticismo. Contudo, o nominalismo tem
como conseqüência não só o ceticismo, mas muitas outras doutrinas tipicamente
modernas. Dentre essas doutrinas, está a separação entre fé e razão, que leva à
separação entre filosofia e teologia, terminado por criar duas tendências de
pensamento, uma baseada numa fé irracional e outra racionalista.Em sua obra A
Filosofia na Idade Média, Gilson deixa claro que no século XIII sempre se
acreditou e se buscou uma união entre fé e razão.[52] Porém, a despeito dos
ensinamentos dos grandes mestres do século XIII, Sto. Tomás, Sto. Boaventura,
Sto. Alberto Magno etc, o século XIV buscou exatamente o contrário:
“De fato, de um lado, Ockham restringe, mais ainda do que Duns Scot o
fizera, o domínio da demonstração filosófica e, pelas próprias noções que se
faz de Deus e do conhecimento, acentua a separação que já se anunciava entre a
filosofia e a teologia;”[53]
E. Panofsky, ao
analisar o declínio do gótico e suas causas filosóficas chega à mesma
conclusão, notando de modo mais explícito que esse processo inicia-se com uma
diminuição do valor da razão. Afirma-nos E. Panofsky que:
“Verifica-se que a confiança na razão, que tudo une, e que triunfou em
Tomás de Aquino, começa lentamente a declinar.”.[54]
Com a negação do
conhecimento, o idealismo se resolvia em um misticismo irracionalista, enquanto
a corrente empirista fazia uma pseudo-defesa da razão. [55] Essa oposição,
contudo, não podia ser absoluta, pois na realidade se anulava no fundamento
comum às duas correntes. Foi exatamente isso que Panofsky concluiu ao analisar
essas duas correntes. Segundo ele:
“O denominador comum dessas novas
correntes chama-se evidentemente subjetivismo – subjetivismo estético no caso
do poeta e do humanista, subjetivismo religioso no caso do místico e
subjetivismo epistemológico no caso do nominalista. No fundo, os dois extremos
– mística e nominalismo – Não passam, em certo sentido, dos dois lados de uma
mesma moeda. Tanto a mística como o nominalismo traçam linhas divisórias muito
nítidas entre fé e razão.”.[56]
Apesar de considerar
o nominalismo apenas pelo seu desenvolvimento racionalista,[57] E. Panofsky
identifica o fundamento comum às duas correntes, isto é, o subjetivismo, ou
seja, saímos do: “Penso logo existo, para o sinto ,logo
existo, ou seja, o critério da verdade, não é a verdade por si mesma, mas o que
sinto, se nada sinto, não é verdadeiro...”.Ora, foi exatamente o
subjetivismo a nota fundamental do Iluminismo. Foi partindo desse princípio que
o Iluminismo gerou, como veremos, o mesmo fenômeno das duas correntes.
B) Locke e as duas correntes
O século XVIII,
segundo E. Cassirer, é o século que descobriu a autonomia da razão; é o século
que venerou a razão como a suprema força do homem. É certo que muitos se
expressaram dessa forma ao referir-se ao século XVIII, porém, é preciso não
esquecer qual é o fundamento da razão iluminista. O empirismo é nominalista, e
levou o século XVIII aos mesmos erros que a ascensão da escola nominalista fez florescer
em fins da Idade Média. Para se assegurar essa autonomia da razão, “era
condicón previa que se cortara definitivamente el vínculo entre la teología y
la física.”.[58] Sendo assim: “Quien se dé cabal cuenta desto ya non puede
volver atrás. No es posible ningún compromiso ni conciliación; hay que escoger
entre libertad y servidumbre, entre conciencia clara y afecto turbio, entre
conocimiento y fe.”.[59] Essa
posição está intrinsecamente ligada, como estava no século XIV, com a negação
do conhecimento. É a “relatividad del conocimiento científico la que atrae a su
cauce a la religión misma. Nin una ni la otra pueden ser fundadas racional y
objetivamente; tenemos que contentarnos con derivarlas de sus fuente subjetivas...”.[60]
Encontramos aqui,
portanto, o mesmo problema que Panofsky havia notado no século XIV, isto é, a
negação do conhecimento e, em decorrência, o subjetivismo. O subjetivismo, como
vimos acima, é o fundamento comum de duas visões de mundo que se apresentam
como opostas.
A separação nominalista entre o ‘eu’ com seus raciocínios e o mundo dos
indivíduos, leva à separação entre a fé, que versa sobre coisas não acessíveis
aos sentidos, e o mundo empírico percebido pelos sentidos.
“Con arreglo a todos
los esfurzos críticos de Locke, el ser y el saber aparecen de nuevo como dos
mundos separados.”[61]
Exatamente por isso,
em Locke podemos encontrar as duas vias, uma que nos conduz ao idealismo
irracionalista e outra ao empirismo cético. Como nota J. Thonnard, Locke “opta
resolutamente pelo Empirismo; se ele próprio lhe não deduz todas as
conseqüências, é refletindo sobre as análises de seu “Essai” que Berkeley e
Hume vão realizar esse desenvolvimento doutrinal.”.[62] E o Pe. L. Franca
afirma: “Locke, aplicando à psicologia os métodos experimentais inculcados pelo
mestre funda um empirismo em cujo seio incubava os gemes do idealismo, do
fenomenismo e do ceticismo, pouco depois desenvolvidos por Berkeley e
Hume.”[63]
E. Cassirer, do mesmo modo, afirma que:
“Una comparación
entre Berkeley y Hume nos muestra con característica claridad a qué resultados
tan diferentes puede conducir el mismo punto de vista metodológico cuando es
abrazado por espíritus de diferente matiz intelectual y de tendencias y
orientaciones personales distintas, Los mismos hechos que mueven e incitan a
Berkeley a transcender por sobre el campo de las simples percepciones de los
sentidos son los que ahora se toman como base para sujetar-nos para simpre a este terreno.”.[64]
I. K. Luppol, em sua biografia de Diderot, considerando
esse problema concluí:
“A reflexão equivale sensação.
Daqui parte o conceitualismo de Locke. Daí procede o conflito interior de sua
filosofia entre dois aspectos da doutrina: o realista ou materialista e o
psicológico ou idealista.”.[65] O mesmo
autor diz ainda que: “Assim Diderot afirma a verdade do sensualismo. Outra
qualquer teoria do conhecimento seria inadmissível, visto como a impressão é o
primeiro passo para o saber. Mas o leitor deve se lembrar que o sensualismo
tem dupla face “Berkeley e Diderot saíram de Locke”, como diz Lênin no seu
Materialismo e Empireocriticismo.”.[66]
Temos, portanto, os
filhos de Locke: Berkeley, o idealista, e Hume, o cético. Ou ainda, Berkeley
idealista e Diderot materialista. A negação do conhecimento e do ser são
fundamentos do pensamento moderno. Esses princípios levam inevitavelmente ao
ceticismo, que, como vimos, possui dupla face.
Considerando o
movimento filosófico do século XVIII, que vai do fenomenismo da ciência natural
matemática até o ceticismo de Hume e passando evidentemente pelo idealismo de
Berkeley, é importante enfatizar, juntamente com E. Cassirer, que “no se trata
de una construcción puramente mental, sino de um processo histórico concreto
que podemos seguir paso a paso en el pensamiento del siglo XVIII y hacerlo
patente en sus más finas ramificaciones.”.[67].Um exemplo que corrobora a
constatação de E. Cassirer é o caso de Diderot.
C) O Caso de Diderot
Denis de Diderot
(1713 – 1784), o idealizador da Encyclopédie ou Dictionaire raisonné des
sciences, des arts et de métiers, alma do século, arquétipo do iluminista, tido
por muitos como materialista, é, segundo E. Cassirer, entre todos pensadores do
século XVIII o que tem o olfato mais fino para perceber todos os movimentos e
mudanças da época. Ora, Diderot, em 1749, escreveu uma obra intitulada Lettre
sur les aveugles (Carta Sobre os Cegos), na qual faz uma afirmação muito
interessante. Segundo ele:
“O idealismo bem merece por si
ser denunciado; e esta hipótese [a doutrina de Condillac] tem com o que
espicaçá-lo menos por sua singularidade do que pela dificuldade de refutá-la em
seus princípios; pois são precisamente os mesmos que os de Berkeley. Segundo um
e outro, e segundo a razão, os termos essência, matéria, substância, substrato
etc. não trazem quase por si mesmos luzes ao nosso espírito; aliás, observa
judiciosamente o autor do Ensaio Sobre a Origem dos Conhecimentos Humanos
[Condillac], quer nos elevemos até os céus, quer desçamos até os abismos, nunca
saímos de nós mesmos; e só percebemos nosso próprio pensamento: ora, este é o
resultado do primeiro diálogo de Berkeley, e o fundamento de todo o seu
sistema.”.[68]
Há nessa declaração três coisas que devemos notar:
1. Faz uma aparente
condenação do idealismo. [69]
2. Aceita como
racional o princípio idealista.
3. Afirma que
Condillac, um dos principais discípulos de Locke, aceita o princípio
fundamental do idealismo de George Berkeley.
O primeiro ponto é simples:
A condenação é
aparente porque, apesar de chamar o idealismo de absurdo, julga que seus
fundamentos estão de acordo com a razão. Note-se que a razão é o ídolo do século!
O segundo ponto é propriamente o paradoxo: o
irracionalismo é racional!
Por fim, o terceiro
ponto vem resolver, pelo menos explicar essas afirmações chocantes, isto é, vem
mostrar que realmente há uma lógica interna em tudo isso, já que Diderot
baseia-se na ‘razão’ iluminista, que sendo empirista pode tanto se apresentar
como racionalista (no fundo cética) quanto tomar a forma de um idealismo
irracionalista.I. K. Luppol, marxista do mais profundo da alma, crê firmemente
que Diderot tornou-se materialista. Porém, ao tratar dessa posição de Diderot
na Carta Sobre os Cegos, declara placidamente:
“Envolvidos em tal processo não
somos, entretanto, obrigados, parece-nos, a ultrapassar os limites de nossa
própria consciência. Diderot não resolve
este complexo problema suficientemente, nem dogmaticamente.”.[70]
A afirmação é
extremamente interessante, ainda mais vindo de quem vem. Ela indica a posição
marxista a respeito desse problema epistemológico, ou seja, indica a união
íntima entre idealismo e materialismo na doutrina marxista. Todavia, não
estamos aqui para tratar de Marx. Voltemos a Diderot. Para ser materialista,
Diderot deveria optar pelo mundo e não pela consciência. E segundo I. K. Luppol
ele escolhe o mundo. Mas como? Por quê? Qual seria o argumento que Diderot
teria para escolher um em detrimento do outro, sendo que o próprio I. K. Luppol
afirmou que não lhe parece necessário ultrapassar “os limites da nossa própria
consciência”?
O mesmo Luppol responde:
“Mas, dir-se-á, Diderot deu um
salto lógico e metafísico ao transpor o mundo de suas sensações, o que é
inadmissível. Mas, em que teria
consistido esse salto? O sujeito-conhecimento e os objetos conhecidos se
confundem. (...) O ser e o pensamento se opõem, o ser e o pensamento se
confundem. São dois atributos de uma mesma substância, a matéria.”.[71]
Que tal? A solução
dada por I. K. Lupool fundamenta-se na dialética hegeliana, que nega os
primeiros princípios da razão e a distinção entre sujeito e objeto, caindo no
mais perfeito idealismo. Talvez fosse melhor, para um materialista
convicto, afirmar simplesmente que Diderot “não resolve este complexo problema
suficientemente”. Enfim, não só o iluminista Diderot, mas também o materialista
Luppol, são conseqüências concretas do problema filosófico que gerou as duas
grandes correntes do pensamento moderno. Essa posição de Diderot é bem interessante,
pois o leva a uma situação extremamente dúbia e instável. E. Cassirer, ao
considerar a contradição do fatalismo defendido por d’Holbach, chega à
conclusão que essa não é a posição adotada por Diderot, o qual teria adotado
uma posição dialética, aceitando ao mesmo tempo liberdade e determinismo como
coisas constituintes da natureza humana.[72] Essa posição, que está ligada
profundamente ao problema do conhecimento, demonstra o desejo de Diderot de
unir as duas correntes. Contudo, Diderot não obteve sucesso, e permaneceu
errante, cambaleando de um lado para o outro.
“El siglo XVIII no
participa, en su totalidad, en esta vorágine de la dialética de Diderot, que le
lleva y le trae del ateísmo al panteísmo, del materialismo ao pampsiquismo
dinámico.”.[73]
A doutrina de Diderot
mostra, em um caso particular, não só os princípios, mas ainda os
desenvolvimentos e a ponte de trafego entre as duas correntes do espírito
moderno.
Conclusão:
Hoje o subjetivismo triunfa. Os princípios da Revolução Francesa, filha
do Iluminismo, espalharam-se por todo o mundo, com todas suas lastimáveis
conseqüências. O subjetivismo triunfa hoje porque o ceticismo venceu no século
XVIII, e a vitória do ceticismo é o triunfo do espírito moderno, que ao
repudiar a luz do conhecimento lançou o mundo nas mais profundas trevas.
É importante
notarmos, ainda que na conclusão, que todos esses princípios e formas do
pensamento moderno, poderiam ser vistos claramente na doutrina daquele que
ficou conhecido como o pai da filosofia moderna, isto é, René Descartes. J.
Kleütgen, estudando o surgimento da filosofia moderna, afirma que é com
Descartes que o subjetivismo assume importância em filosofia. E considerando o
método cartesiano, ele nota que:
“Cette méthode
engendra, en Angleterre, un scepticisme renouvelé des anciens ; en Alemagne
elle fit naître l’idéalisme critique avec toutes ses conséquences, et l’on se
vit ainsi arrivé aux plus tristes résultats.” [Este método gerará, na
Inglaterra, um ceticismo renovado dos antigos; na Alemanha ela fez nascer o
idealismo crítico com todas as suas conseqüências e, assim, chegou-se aos mais
tristes resultados.].[74]
Evidentemente, a
corrente vigorosa e preponderante no iluminismo francês foi a cética, de origem
inglesa. Contudo, tanto o idealismo quanto o ceticismo negam, com Descartes,
nossos conhecimentos evidentes. Essa negação das evidências faz com que o
homem, não encontrando nada certo e seguro fora de si, tenha apenas o ‘eu’(e
seus sentimentos) como fonte de da verdade e de todo seu conhecimento. [75]
Como bem notou um existencialista :
“A partir de
Descartes, la filosofía moderna no ha hecho sino pensar sobre ese problema :cómo
sacaremos el mundo exterior del pensamiento y del yo ?,cómo extraeremos el
mundo exterior del pensamiento?” [A partir de Descartes, a filosofia moderna
não tem feito senão pensar sobre esse problema: como tiraremos o mundo exterior
do pensamento e do eu?, Como extrairemos o mundo exterior do pensamento?].[76]
O ‘eu’ é o beco sem saída do pensamento moderno.
A existência do mundo
e outras coisas evidentes não podem ser demonstradas, pois o que é evidente não
se demonstra. Esse problema é tão notório, que é admitido mesmo por aqueles que
se declaram adeptos dos princípios modernos, como Ernst Cassirer, Karl Popper e
M. García Morente. Este último, apesar de existencialista, chega à mesma
conclusão que J. Kleütgen quando estuda Descartes:
“la marcha del
pensamiento cartesiano no puede tener más que uno de estos dos resultados: o
bien encallaba en la infructusidad completa, naufragando en el escepticismo
completo, y entonces terminaba la navegación filosófica en el piélago del
escepticimo; o bien forzosamante tenía que llegar a descubrir por primera vez
en la historia del pensamiento humano algo completamente nuevo: lo inmediato.
(...) Por eso Descartes, echándose a buscar qué es lo que sea indubitable, no
tine más remédio que hacer un cuarto de converción hacia dentro de sí mismo y
situar el centro de gravedad de la filosofia, no en las cosas, sino en los
pensamientos. Entonces Descartes a la pergunta de la metafísica: ¿qué es lo que
exite?, ¿quién existe?, no contesta ya: existen las cosas, sino que contesta:
exite el pensamsiento; exito yo pensando; yo y mis pensamientos.” [a
marcha do pensamento cartesiano não pode ter mais que um desses dois
resultados: ou encalhava na infrutuosidade completa, naufragando no ceticismo
completo, e então terminava a navegação filosófica no abismo do ceticismo; ou
teria que descobrir, forçosamente, pela primeira vez na história do pensamento
humano algo completamente novo: o imediato. (...) Por isso Descartes,
lançando-se à busca daquilo que é indubitável, não tem outro remédio senão
fazer um quarto de volta para dentro de si mesmo e situar o centro de gravidade
da filosofia, não nas coisas, mas nos pensamentos. Então Descartes à pergunta
metafísica: ‘o que é que existe?’, ‘quem existe?’, não responde já: existem as
coisas, mas responde: existe o pensamento; existo eu pensando; eu e meus
pensamentos.].[77]
O ceticismo
materialista é permitido, mas o termo último do pensamento moderno é o
idealismo.
“Il est donc hors de
doute que le nominalisme, poussé à ses dernières conséquences, se prend dans un
sceticisme idealiste.” [É, portanto, fora de dúvida que o nominalismo, levado
às suas últimas conseqüências, deságua em um ceticismo idealista.].[78]
Por isso, peço ao
leitor ainda um pouco de paciência para ler uma citação, pois além de ser clara
e muito elucidativa, por ser de um adepto da filosofia moderna, tem valor de
confissão. Vejamos:
“Espontánea y
naturalmente ustedes creen, como yo, que las cosas existen. Ustedes y yo y
todos los hombres somos espontáneamente y naturalmente aristotélicos (...) Pero
ahora se nos propone una actitude vertiginosa; se nos propone algo desusado y
extraordinário, como uma especie de ejercicio de circo. Se nos propone nada
menos que esto: que lo único de que estamos seguros que existe soy yo y mis
pensamientos; y que es dudoso que más allá de mis pensamientos existan las cosas.
De manera que el problema, para la filosofía moderna, es tremebundo, porque
ahora la filosofia no tiene más remédio que sacar del ‘yo’ las cosas. (...)
Ahora es cuando la filosofia empieza a ser difícil: porque ahora es cuando la
filosofia, por necessidad histórica y no por capricho, se ha vuelto de espaldas
al sentido común, se ha vuelto de espaldas a la propensión natural y nos invita
a realizar un ejecicio acrobático de una extrema dificuldad, que consiste en
pensar las cosas como derivadas del yo. He aquí a lo que llegamos con la nueva
tesis del idealismo...” [Espontânea e naturalmente vocês crêem, como
eu, que as coisas existem. Vocês e eu e todos os homens somos espontaneamente e
naturalmente aristotélicos (...) Porém agora, se nos propõe uma atitude
vertiginosa; se nos propõe algo desusado e extraordinário, como uma espécie de
exercício de circo. Se nos propõe nada menos que isso: a única coisa de que
estamos seguros que existe sou eu e meus pensamentos; e é duvidoso que além de
meus pensamentos existam as coisas. De maneira que o problema para a filosofia
moderna é assustador, porque agora a filosofia não tem mais remédio senão tirar
do ‘eu’ as coisas. (...) Agora é que a filosofia começa a ser difícil: porque
agora é que a filosofia, por necessidade histórica e não por capricho, volta as
costas ao senso comum, voltou-se de costas à propensão natural y nos convida a
realizar um exercício acrobático de extrema dificuldade, que consiste em pensar
as coisas como derivadas do eu. Eis aqui ao que chegamos com a nova tese do
idealismo...]. [79]
M. G. Morente é claro:
A filosofia moderna
renegou o senso comum e a propensão natural do homem. Poderíamos afirma,
portanto, que ela virou às costas ao bom senso e negou a evidência. Essa
posição absurda e antinatural não poderia senão estabelecer o caos. O
pensamento moderno negou a verdade claramente conhecida e deixou o homem
moderno à deriva, sendo lançado ao sabor das ondas de um lado para outro, do
materialismo ao idealismo e do idealismo ao materialismo, sem nunca encontrar a
paz.
J. Kleütgen, com
razão, analisando o que ele chamou de correntes do espírito moderno, afirmou:
“Les deux courants de l’esprit moderne, l’orgueil et le sensualisme s’y
réunissent et coulent en quelque sort dans le même lit. D’un côte, l’esprit de
l’homme s’elève au point de s’attribuer les perfections divines ; de l’autre,
cepandent, il s’abaisse jusqu’à se confondre avec la chair.” [As
duas correntes do espírito moderno, o orgulho e o sensualismo, aí se reúnem e
correm, de algum modo, no mesmo veio. De um lado, o espírito do homem se eleva
ao ponto de se atribuir as perfeições divinas; de outro, entretanto, ele se
abaixa até se confundir com a carne.].[80]
O século XVIII dos
Iluministas, portanto, não foi o século das luzes, mas pelo contrário, foi o
século que lançou as raízes das trevas subjetivistas e irracionalistas que
triunfam em nosso mundo contemporâneo.
NOTAS DE REFERÊNCIAS:
[1] José Jobson de A. Arruda. História Moderna
e Contemporânea. 19ª. ed. São Paulo: Ed. Ática, 1986, p. 115
[2] Voltaire. Cartas
Filosóficas. São Paulo: Ed. Landy, 2001, pp. 85-86 (o negrito é nosso)
[3] Emmanuel Kant.
Filosofía de la historia. 2ª. ed., México: Fondo de Cultura Económica, 2004, p.
25
[4] Paolo Rossi. O
nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: Ed. EDUSC, 2001, p. 14
[5] Paolo Rossi. op.
cit. p. 15 (o negrito é nosso)
[6] Quando Jacques Le
Goff foi encarregado por vários editores de organizar uma coleção de livros sob
o tema ‘Europa’, ele confiou a P. Rossi o volume sobre a ciência. Além do que,
P. Rossi é reconhecidamente um dos maiores especialista em Francis Bacon na
atualidade.
[7] Paolo Rossi. op.
cit. p. 14
[8] Essa é uma
afirmação de Voltaire que se encontra nas cartas inglesas (Voltaire. op. cit.
87).
[9] Cf. Luis Alberto
De Boni. Filosofia Medieval: texto. 2ª. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p.
173
[10] Cf. Luis Alberto
De Boni. op. cit. p. 173
[11] Como explica J.
Maritain, podemos definir a indução como “uma argumentação em que, de dados
singulares suficientemente enumerados, o espírito infere um verdade
universal.”. (Jacques Maritain. Elementos de filosofia II: a ordem dos
conceitos, lógica menor (lógica formal). Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1997, pp.
302-302 – o negrito é nosso).
[12] Cf. Luis Alberto
De Boni. op. cit. p. 172 (o negrito é nosso)
[13] A. C. Crombie.
História de la Ciencia: de San Agustín a Galileo. 4ª. ed. Madrid: Alianza
Editorial, S.A., 1983. p. 137
[14] A. C. Crombie.
op. cit. p. 143
[15] F.-J. Thonnard,
A. A. Compêndio de História da Filosofia. Bélgica: Sociedade São João
Evangelista, Desclée & Cia. 1953, p. 318
[16] Etienne Gilson.
A filosofia na Idade Média. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1995, p. 626 (o
negrito é nosso).
[17] Cf. Luiz Jean
Lauand. Cultura e educação na Idade Média: textos do século V ao XIII. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998, p. 304 (o negrito é nosso).
[18] Cf. Luis Alberto
De Boni. op. cit. p. 172 (o negrito é nosso)
[19] Cf. Luis Alberto
De Boni. op. cit. p. 173
[20] Jacques
Maritain. Elementos de filosofia I: Introdução Geral à Filosofia. 10ª. ed., Rio
de Janeiro: Ed. Agir, 1972, p. 82
[21] Paul Hazard. O
pensamento europeu no século XVIII. vol. I. Portugal / Brasil: Ed. Presença /
Ed. Martins Fontes, 1974, p. 62
[22] Ernst Cassirer.
La Filosofía de la Ilustración. 3ª. ed., México: Fondo de Cultura Econômica,
2002, p. 120
[23] Voltaire. op. cit. p. 91
[24] Jacques Maritain. Elementos de filosofia I: Introdução Geral à Filosofia.
op. cit. p. 106
[25] Michele F.
Sciacca. História da Filosofia. vol. II – Do Humanismo a Kant. São Paulo:
Editora Mestre Jou, 1962, p. 97
[26] Leonel Franca.
Noções de História da Filosofia. 10 ed. Rio de Janeiro: Companhia Editorial
Nacional, 1944, p. 202
[27] Cf. Pedro Leite
Junior. O Problema dos Universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 20-21
[28] Joseph Kleutgen.
La Philosophie Scolastique exposée et défendue. Tomo I. Paris: Gaume Frères et
J. Duphey Édituers, 1868, p. 327
[29] Cf. Etienne
Gilson. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995, p.
799 (o negrito é nosso).
[30] E. Gilson. op. cit. p. 804
[31] Idem. p. 802
[32] Idem. Ibidem.
[33] Esse erro provém
de uma falsa concepção de abstração e será desenvolvido pelos empiristas
modernos, de modo especial por John Locke, no qual ficará ainda mais evidente a
confusão entre intelecto e sensibilidade. Como nota J. Kleütgen: “On oppose
d’ordinaire à cette théorie que les representations intellectuélles ainsi
formées ne se distingueraient essentiellement des perceptions sensibles ni par
leur objet ni par leur principe. Si le concept se forme par la comparaison de
ce qui tombe sous les sens, il ne peut contenir que des choses perceptibles par
les sens (...) L’inteligence d’après Locke, ne serait donc distincte de la
sensibilité que par le nom.” [Opõe-se comumente a essa teoria que as representações intelectuais assim
formadas não se distinguiriam essencialmente das percepções sensíveis, nem pelo
seu objeto, nem pelo seu princípio. Se o conceito se forma pela comparação
daquilo que caí sob os sentidos, ele só pode conter coisas perceptíveis pelos
sentidos (...) A inteligência, segundo Locke, não seria distinta da
sensibilidade senão pelo nome.] (J. Kleütgen. op. cit. p. 135 – o negrito é
nosso).
[34] J. Kleütgen. op.
cit. 304
[35] “Ockham nega a
objetividade dos nossos conhecimentos intelectuais, reduzindo-os a puros
conceitos subjetivos, rejeita a necessidade das espécies impressas e da
inteligência ativa. (...) Essas doutrinas especulativas levam ao ceticismo e ao
materialismo.” (L. Franca. op. cit. p.147).
[36] Régis Jolivet.
Curso de Filosofia. ed. 14º. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1982, p. 76. Segundo
Aristóteles: “Julgamos conhecer cientificamente (έπίστασθαι) cada coisa de modo
absoluto e não à maneira sofística, por acidente, quando julgamos conhecer a
causa pela qual a coisa é, que ela é a sua causa e que não pode essa coisa ser
de outra maneira.” (Seg. Anal. I,2, 71b9-12. Cf. Oswaldo Porchat Pereira.
Ciência e dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 35).
Dessa definição decorre os princípios fundamentais do conhecimento científico,
ou seja, a causalidade e a necessidade.
[37] “Para ele
[Ockham], é suficiente um tipo de conhecimento provável, que, baseando-se em
repetidas experiências, permite prever que o que aconteceu no passado tem alto
grau de possibilidade de acontecer também no futuro. Abandonando, portanto, a
confiança aristotélica e tomista nas demonstrações metafísico-físicas, ele
teoriza certo grau de probabilidade derivada da pesquisa e, ao mesmo tempo, a
estimula em um universo de coisas individuais e múltiplas, não correlatas por
nexos imutáveis e necessários.” (Giovanni Reale. op.
cit. p. 620).
[38] Etienne Gilson. op. cit. p. 832.
[39] Idem, p. 833 (o
negrito é nosso).
[40] Erwin Panofsky.
Arquitetura Gótica e Escolástica. 2° ed. São Paulo: Editora Martins Fontes,
2001, p. 9 (o negrito é nosso). É Importante notar que Panofsky utiliza o termo
empirismo para se referir ao problema do nominalismo. Isso porque o nominalismo
só aceita o que ele denomina ‘conhecimento’ experimental, empírico. Por isso,
ao considerar os fundamentos da doutrina de Ockham, Gilson afirmou:
“Acrescentemos a essa severa concepção da demonstração um gosto vivíssimo pelo
fato concreto e pelo particular, que devia exprimir-se num dos empirismos mais
radicais que se conhece” (E. Gilson. op. cit. p. 796).
[41] Paul Hazard. A
Crise da Consciência Européia (1680-1715). Lisboa: Edições Cosmos, 1948, p. 194
[42] F.-J. Thonnard.
op. cit. p. 564
[43] John Locke.
Ensaio, II, 1, § 3. Mais à frente Locke afirma claramente sua posição
nominalista sobre os termos gerais, ou seja, sobre os universais. Segundo
Locke: “Ao retornar às palavras gerais, creio que, pelo que foi explicado,
ficou evidente que geral e universal não comportam a existência das coisas, mas
são criaturas e inversões do entendimento, formadas por ele para o seu próprio
uso e se referindo apenas a sinais, quer palavras, quer idéias.” (J. Locke.
op.cit. § 11).
[44] Considerando a
psicologia de Locke, Thonnard nos afirma: “Ainda aqui continua e amplia a
influência de Descartes; como este, já ele não distingue o domínio sensível do
intelectual;” (J. Thonnard. op. cit. p. 567).
[45] John Locke.
Ensaio, IV, 3, § 25 (o negrito é meu). Cf. Ernst Cassirer. El Problema del
Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas.Vol. II. México: Fondo de
Cultura Económica, 2000, p. 226
[46] E. Cassirer. El
Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas. op. cit. p.
225
[47] M. Sciacca. op. cit. p. 99
[48] J. Kleütgen. op. cit. p. 312
[49] E. Cassirer. op. cit. p. 237
[50] Ernst Cassirer. La Filosofia de la Ilustración. México: Fondo de Cultura
Económica. 2002, p. 80
[51] Raimund Karl
Popper. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1974,
p. 238
[52] “O século XIII
geralmente acreditou ser possível unir numa síntese sólida a teologia natural e
a teologia revelada, concordando a primeira com a segunda nos limites da sua
competência própria e reconhecendo sua autoridade em todas as questões
relativas a Deus que ela mesma não podia resolver.” (E. Gilson. op. cit. p. 794).
[53] E. Gilson. op. cit. p. 795
[54] E. Panofsky. op. cit. p. 7
[55] Idem, op. cit.
pp. 7-11
[56] E. Panofsky. op.
cit. p. 10 (o negrito é nosso).
[57] “Mas a mística
(...) procede dessa maneira para preservar a integridade do sentimento
religioso, ao passo que o nominalismo procura garantir a integridade do
pensamento racional e da observação empírica (Ockham condena expressamente
qualquer tentativa de submeter a ‘lógica, a física e a gramática’ ao controle
da teologia como ‘anti-racional’).” (Idem, op. cit. p.10).
[58] E. Cassirer. op.
cit. p. 64
[59] Idem, p. 157
[60] Idem, p. 81
[61] Ernst Cassirer.
El Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas. op. cit.
p. 227
[62] J. Thonnard. op. cit. pp. 583-584
[63] L Franca. op.
cit. p. 214
[64] E. Cassirer. op. cit. pp. 290-291
[65] I. K. Luppol.
Diderot. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1946, p. 142
[66] Idem, op. cit.
p. 153 (o negrito é nosso)
[67] E. Cassirer. La
Filosofía de la Ilustración. op. cit. p. 77
[68] Jacob Guinsburg
(org.). Diderot: Obras I – Filosofia e Política. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2000, p. 117 (o negrito é nosso).
[69] De acordo com
Diderot: “Chamam-se idealistas os filósofos que, tendo consciência apenas de
sua própria existência e das sensações que se sucedem dentro deles, não admitem
outra coisa: sistema extravagante que só podia, segundo me parece, dever seu
nascimento a cegos; sistema que, para a vergonha do espírito humano e da filosofia,
é o mais difícil de combater, embora seja o mais absurdo de todos.” (Idem, op. cit. p. 117).
[70] I. K. Luppol. op. cit. p. 153
[71] Idem, op. cit.
p. 158
[72] E. Cassirer. op.
cit. p. 91
[73] Idem, op. cit.
p. 91 (o negrito é nosso)
[74] J. Kleütgen. op. cit. p. 6
[75] “En partant du
point de vue adopté par Descartes ou de la simple conscience que l’esprit a de
lui-même et de sa pensée, a on se voyait dans l’impossibilité de parvenir à la
connaissance de la réalité qui existe hors de l’esprit. On arrivait ainsi
forcément à l’aveu si triste et cependant fait avec une incomprénhensible
suffisance que la connaissance scientifique de la verité est impossible à
l’esprit humain...” [Partindo do ponto de vista adotado por Descartes ou da simples
consciência que o espírito tem de si mesmo e de seus pensamentos, nós nos
veríamos na impossibilidade de chegar ao conhecimento da realidade que existe
fora do espírito. Chegar-se-ia assim, necessariamente, a tão triste confissão
e, entretanto, feita com uma auto-suficiência incompreensível, de que o
conhecimento científico da verdade é impossível ao espírito humano.] (J.
Kleütgen. op. cit. p. 9).
[76] Manuel Garcia
Morente. Lecciones Preliminares de Filosofía. 8º Ed. Buenos Aires: Editorial
Losada, S. A. 1962, p.141.
[77] Idem. op. cit.
p. 138 (o negrito é nosso).
[78] J. Kleütgen. op.
cit. p. 318 (o negrito é nosso).
[79] M. G. Morente.
op. cit. pp. 140-141 (o negrito é nosso).
[80] J. Kleütgen. op. cit. pp. 10-11
*Autor: Ronaldo Mota
- Montfort
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