Grifos
meus (Autor do blog O Berakash): No penso logo existo
em confronto com o sinto logo existo, leva-nos a questionar: Onde está a
verdade ? Naquilo que ela é, ou não é ? (Santo Tomás de Aquino), ou a verdade está
nos sentimentos ? Ou seja : O verdadeiro é aquilo que me comove e mexe com meus
sentimentos? Afinal a verdade está no observador ou no objeto observado? Qual
a medida dos sentimentos para discernir a verdade? Devemos negar os
sentimentos neste processo? O próprio Deus nos ordena: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de
todas as tuas forças.” ( Marcos 12, 30 ) - Na nossa relação com
Deus, Ele mesmo ordena que coloquemos o nosso coração (sentimentos afetivos) e
não somente o nosso entendimento.
PENSO
LOGO EXISTO, OU SINTO LOGO É VERDADEIRO?
Por *Dr. Antonio Marques
A arrogância e a
prepotência materialistas elegeram a sentença cartesiana “Penso, logo existo”
como fator primordial para o subsistir humano e, logo tornou-se o alicerce da
ciência baseada em evidência.Sob o primado dessa
ciência, chegamos ao fundo do poço do tecnicismo, com a lógica matemática e o
sucesso dos modelos informático-computadorizados.Em decorrência disso,
desde os primeiros anos de escola somos treinados como repositórios
intelectuais dos conhecimentos técnicos (física, matemática, etc); assim as
culturas desenvolveram-se com aquisições de novos saberes.Como conseqüência,
tornamo-nos “cidadãos” do mundo civilizado, pois comungamos os mesmos
pensamentos e usamos as mesmas palavras. Não resta dúvida de que somos
agradecidos por essa “evolução descendente”, para dentro das fimbrias da
materialidade.
Qual
o objetivo dessa decantada evolução?
Conhecer a matéria; e
como corolário, conquistamos a “liberdade” (liberdade das leis da natureza).
Tornamo-nos livres e julgamos criadores do mundo e do Universo, pois “basta
pensar para existir” (cogito ergo sum)...Corta! Vamos fazer um interregno a esse pensamento analítico-indutivo!Para isso vamos
recorrer, em primeiro lugar, ao próprio autor da sentença acima. Ele fez uma
retratação magistral no seu discurso:"E notando eu que, em
penso, logo existo, não há nada que me garanta que eu esteja dizendo a verdade,
do mesmo passo que vejo com clareza que, para pensar, é preciso existir"
(René Descartes, Discurso sobre o Método, São Paulo : Hemus, 1978, p. 68).
Já que “para pensar é
preciso existir” (palavras do próprio Descartes), pois afinal somos criaturas e
um dia fomos criados, deseja-se nestas linhas corrigir esse erro crasso, pois
como afirma Pascoal:"a maioria dos nossos
erros decorre de raciocínios bem estruturados baseados em fatos mal
observados".Nesse sentido, em
segundo lugar, precisamos observar melhor o ser humano, motivo de nosso tema.E
para isso é preciso fazer a pergunta: O que é o ser humano?
Platão dizia que nele
imperam 3 impulsos: logistikón, timokratikón e epitimetikón. O psicólogo dirá:
consciente, sub-consciente e inconsciente. Ou a Antroposofia: pensar, sentir e
atuar (ou vontade).São impulsos
presentes em nossa psique ou alma. Mas por detrás da alma impera outra força
poderosa, que ainda dormita, o nosso Espírito (nosso Eu, nossa essência).Por isso os gregos
diziam que o homem possui: corpo, psique e Noûs. Pode-se dizer: corpo, psique e
Self ou falando claramente: corpo, alma e espírito.A alma é o nosso
referencial de atuação no mundo, pois através dela “pensamos, sentimos e atuamos”
na matéria. Quem está por detrás é o “espírito”, o agente dos impulsos
(pensamentais, sentimentais e corporais).Seria como uma luva na mesa.
Depois de calçada, adquire movimento.Mas se precisa de uma
mente para movimentá-la; ou seja: a mente (Eu), a mão (a alma) e a luva (o
corpo físico).Isso pode ser melhor
entendido através do símbolo da medicina: o bastão vertical segura a serpente,
a qual fica presa por 3 partes: pela cabeça, pelo meio e pelo rabo. Estas são
as 3 partes anímicas: Ego, sentimento e id (ou libido).Cabe ao espírito
(bastão) todo esforço e maestria para segurar esse ser animalesco (serpente),
vil, sorrateiro, ardiloso, beligerante, etc, que se chama “alma”. Através desta
parte do ser humano, o espírito espia o mundo, pois afinal esse animal tem
olhos, boca, estômago, sexo, etc. Só que o nosso bastão é ainda pequeno e não
consegue segurar totalmente a cobra. Esta está enrolada e se espichada fica
quase o dobro do bastão. Ou seja, a alma é mais antiga do que o espírito.Pode-se dizer que o
espírito nasceu há pouco tempo; enquanto a alma vem de um passado distante.
Como Platão fala: "Deus formou a alma antes do corpo: mais antiga pela
idade e pela virtude, para comandar e o corpo para obedecer" (Timeu 35).
Além
disso Aristóteles e Platão sentenciam:
“O espírito é
exterior e enraizado na alma; ele vem de fora”.
O espírito se imiscuiu na alma,
a qual é primitivamente animalesca e por isso não temos ainda a força noética
(sélfica ou do espírito), para segurar esse ser animalesco, chamado alma. Só
que não se pode comparar a alma do animal, “unimembrada” (existe somente a
parte inferior, o id ou instintiva), enquanto que a humana é “trimembrada”
(sub-dividida em três), como dito acima.Como se pode
constatar, através de um longo caminho evolutivo o ser humano conquistou o
“pensar cerebral” e com ele a liberdade, a cidadania e a atuação no mundo.No entanto, com esse
pensamento que nasce do cérebro, fica-se preso a um número limitado de
caracteres e símbolos (depositados na memória), que se utiliza para elaborar
pensamentos, com o intuito de transmitir, por meio da linguagem, uma imagem,
para que o outro o entenda.Portanto, não somos livres no
pensar intelectual, centrado na alma (na cabeça da cobra, o Ego), pois estamos
presos à uma civilização; somente no sentir e no atuar (vontade) somos nós
mesmos.Como
entender melhor isso?
Vamos recorrer, em
terceiro lugar, à Rudolf Steiner, em seu livro O Evangelho segundo Lucas (São
Paulo - Antroposófica, 2008, p.135-6), para melhor argumentar a assertiva
acima: “O
homem tem a possibilidade de fazer valer sua vontade própria, e o mesmo ocorre
com seus sentimentos. Sentimento e vontade foram liberados para o emprego
particular de cada pessoa; daí o aspecto individual do mundo dos sentimentos e
do mundo da vontade. Porém o individual cessa imediatamente ao nos elevarmos do
sentimento para o pensar; isto ocorre mesmo já nas expressões dos pensamentos,
nas palavras do plano físico. Enquanto cada pessoa possui seus próprios
sentimentos e sua própria vontade, passamos imediatamente a algo generalizado
ao nos elevarmos ao mundo das palavras e ao mundo dos pensamentos. Ninguém pode
produzir seus próprios pensamentos. Se estes fossem tão individuais quanto o
são os sentimentos, nunca nos entenderíamos. Por conseguinte, o homem foi
privado de usar arbitrariamente significado e pensamento, tendo estes ficado
provisoriamente recolhidos às esferas divinas, para somente mais tarde serem
entregues aos homens. Por este motivo podemos encontrar em qualquer lugar da
Terra pessoas individuais com sentimentos e impulsos volitivos individuais, mas
deparamos sempre com um pensar, uma linguagem comum nos povos. Onde existe uma
linguagem comum, reina uma divindade popular comum. Essa esfera ficou vedada ao
arbítrio humano; por ora, são os deuses que aí atuam.”
Como
se está vendo, o sentimento deve atingir a um degrau muito mais elevado nesta
atual época!
Temos que alçar vôo
através deste novo paradigma. São algo bem diferente de sentimentos piegas,
egoístas, interesseiros, apaixonados,concupiscentes, etc., os quais têm mais a
ver com instintos primitivos, animalescos, que se originam da esfera
inconsciente (centrada no abdômen) e não propriamente do sentimento em si
(centrado no coração).Para se atingir a
este novo patamar de sentimento, como pretendido aqui, precisa-se evoluir
muito, passar por todas as etapas culturais intelectivas, pois somente quem
atingiu a esse degrau, pode se candidatar a acolher o espírito dentro de si.É
como uma planta que se esforça para atingir à sua meta de “cálice floral”.A planta, quando
amadurecida, se abre para ser “tocado” pelo alto (pela alma cósmica), para ser
transformada em “flor”. Isso pode ser dito de outra maneira: da substância
Clorofila (no verde da folha), se abre para o novo e se metamorfoseia em
substância Alcalóide (que dá o colorido à flor). Dois princípios que se tocam
no “botão floral”.No homem são representados pelo
sentimento e Espírito. Pode-se nomear de
“sentimento crístico”, em que o sentir acolhe o Ser Superior. Por isso na monumental
pintura de Mathias Grünewald, aparece João batista dizendo: “Não eu, mas Cristo
em mim”.
Como
desenvolver esta nova qualidade humana através do sentimento?
Johann Gottlieb
Fichte sentenciava que devemos descer da esfera do “Eu Superior”, para nos
situarmos na esfera do “eu empírico”, cujo objetivo é tornarmo-nos “letrados”.
Somente assim poderemos compartilhar e transmitir aos outros o que recebemos
como dádiva.Também Friedrich
Schiller nas suas “Cartas Estéticas”, aborda a procura do Terceiro Elemento,
onde reina a Estética, a Beleza, na qual irá harmonizar os impulsos polares,
numa visão trimembrada do ser humano.(Vide
artigos deste autor (Impulso do Jogo e Kaspar Hauser) no
sitewww.vivendasantanna.com.br)
Como foi dito acima,
existe uma esfera mais elevada do ser humano, denominado de espírito (Eu),
representado pelo bastão. O espírito toca o homem através do coração.
CONCLUSÃO
Nessa esfera vigem duas forças polares:Sístole (contração) e
diástole (relaxamento). Na primeira instância, a “alma comprime” o coração
através das substâncias (sub+stare) sódio (Na) e cálcio (Ca). Por isso numa
excitação anímica muito grande podem ocorrer hipertensão, taquicardia ou morte
(é a sístole).Na segunda instância
o “espírito toca” o coração, através da substância potássio (K), período que
corresponde à parada cardíaca, ao “silêncio cardíaco” (é a diástole). Contração
(sístole) e parada (diástole). Duas forças que se tocam na esfera cardíaca =
alma e espírito, respectivamente. Portanto
é justificável dizer: Sinto, logo existo!
Porque somente
através do sentir tornamo-nos seres humanos (nós mesmos). Porque atrás do
sentimento atua o espírito, o qual nos dá existência (sentir + existir).Porque somente através do
sentimento é que atua o outro impulso que vem de cima, o Espírito = “Não eu,
mas Deus em mim”.Esta é a nova maneira
que se precisa cultivar a partir de então:O “sentir” deve se deixar
permear pelo “espírito”.Ou melhor, o sentir
deve ficar livre para que o espírito possa atuar. Ou seja, precisamos aprender
a olhar o mundo através do "sentir" (sentidos - ainda que estes possam nos enganar?...).
*Dr.
Antonio Marques - Médico antroposófico
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