Na Casa Folha, mesa
discutiu a linguagem de 'Os Sertões' de Euclides da Cunha.
A
esquerda idealizou a Guerra de Canudos e, "talvez por falta de
modelos", elevou Antonio Conselheiro, líder do grupo que resistiu ao
Exército, "a um papel que talvez nunca tenha tido".
Com essa provocação, o
jornalista Mario Cesar Carvalho apimentou "A Linguagem de ‘Os Sertões’”, na
mesa da Casa Folha, parte da programação da Flip, sobre a narrativa de Euclides
da Cunha sobre o conflito. Ele debateu com escritor e colunista da Folha Sérgio
Rodrigues.
Não
custa lembrar que Conselheiro era um monarquista ressentido com a República,
que tirara das mãos da Igreja Católica a função de emitir registros de
nascimento e morte. "Me parece estranho, uma loucura, que a esquerda adote
monarquista como modelo", disse. Mais surpreendente que isso, só um
folheto que viu dia desses de um grupo autointitulado "monarquistas
esquerdistas".
Nesse momento,
Rodrigues interrompe e brinca que é a Ursal daquele tempo, referência à sigla
de uma suposta União das Repúblicas Socialistas da América Latina, que alas
direitistas dizem ser uma conspiração progressista no continente. Claro que
Canudos tinha um forte viés contestatório, afirmou Carvalho, que organizou o
livro inacabado de Roberto Ventura, um dos maiores especialistas na obra de
Euclides, o homenageado nesta edição da festa literária. Ventura, autor de “A
Terra, o Homem, a Luta —Um Guia para a Leitura de ‘Os Sertões’, de Euclides da
Cunha”, da Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, morreu aos 45 anos num
acidente de carro quando retornava da Semana Euclidiana de São José do Rio Pardo,
no interior paulista.
"Canudos
começa a incomodar o Estado sobretudo por duas razões: contestam os aparelhos
republicanos dos cartórios e começam a não pagar impostos." Há ainda de se
considerar que a querela "atrai tanto a população que os fazendeiros da
região começam a perder a mão de obra barata que tinham". E o governo
brasileiro, naquele começo de República e fim do século 19, recorreu a
"fake news" amplamente difundidas pelos jornais da época para
convencer a população de que famílias europeias monarquistas, por exemplo,
financiavam os rebeldes.
Um dos objetivos da
conversa era fazer as pessoas perderem o medo de Euclides da Cunha, disse o
mediador da mesa, o jornalista da Folha Mauricio Meireles.Rodrigues contou que
só foi "ler de verdade mesmo" a obra-prima do escritor nos anos 1980.
"Nossa
percepção de hoje acaba inevitavelmente comprometida pela consciência de que
[muito dali] não é uma ciência sólida", afirmou, lembrando que Euclides se
valeu de jargões científicos ultrapassados, inclusive teorias racistas de seu
tempo.
Carvalho deu um
conselho:
O
"melhor jeito de lidar com teorias ultrapassadas é entender o contexto
histórico", ou você "joga tudo no lixo", a obra de Euclides e de
vários colegas. Sexismo, racismo ou preconceitos de qualquer tipo, isso vai ter
de sobra no período."Seria uma pobreza horrível excluir essas pessoas dos
cânones por terem crenças que eram comuns à época", disse.
Rodrigues criticou
certa visão utilitarista de quem talvez se pergunte:
"Para
que dedicar tanto esforço intelectual nos jargões se nem é correto mais?".
Mas "a arte é inútil, e é bom que seja assim", disse.
Para o colunista da
Folha, "o livro vai te premiando pelo esforço". Começa com uma
linguagem pedregosa, mas no fim é bem mais acessível, de uma clareza que lhe
remete a Graciliano Ramos e Fernando Sabino. "Ao fim da travessia, você
tem um Éden, uma história saborosa, que é a luta [dos revoltados contra os
militares]." Outros escritores fizeram parecido: um início prolixo demais.
Caso de Umberto Eco em seu "O Nome da Rosa":
"Esse
cara tá se exibindo, não está colocando o conhecimento a serviço do
leitor". Euclides lhe passa a mesmíssima impressão, disse Rodrigues.
Carvalho, que foi amigo
do pesquisador Roberto Ventura, disse que ele era fascinado com uma imagem de
Euclides, que esteve em Canudos primeiramente para cobrir o conflito como
jornalista, ao lado do Exército, e anos depois lançou o livro que denunciou as
barbaridades cometidas ali: "No primeiro dia, ele sai pra andar com outros
jornalistas vestindo terno branco de seda, coisa mais belle époque, Veneza, e
uma bota de verniz". Ventura queria mostrar que "Euclides era sempre
o inadequado", sempre "meio sobrando", disse.
Fonte:https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/07/esquerda-idealizou-canudos-ao-idolatrar-o-monarquista-conselheiro-diz-jornalista.shtml
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