Comentários do Blog Berakash: O Papa Francisco, em sua recente Exortação Apostólica "Gaudete et
Exsultate", nos faz perceber que, talvez
sem estarmos cientes do que está acontecendo com muitos cristãos, na realidade
estamos vivendo nosso cristianismo à custa de recuperar e dar nova vida a erros
(e heresias) que foram rejeitados pela Igreja séculos atrás. Mas acontece que
agora esses erros do passado estão sendo reabilitados como se fossem a solução
para os nossos problemas.Por isso, o Papa fala agora sobre o “pelagianismo
atual”. Qualquer cristão, medianamente cultivado, sabe muito bem que o
pelagianismo é uma heresia disseminada pelo monge Pelágio no século V. Em
resumo, o que Pelágio ensinava é que o pecado original não existe e negava a
necessidade da graça de Deus. Porque o monge Pelágio entendia que a vontade
humana tem poder e autonomia que lhe bastam. Assim, os pelagianos relativizavam, ou até mesmo negavam, a necessidade
da recepção de sacramentos ou da observância de práticas religiosas. Exatamente
o que muitas pessoas pensam e fazem hoje. São aquelas que não rezam ou não vão
à missa, trocam a religião por terapias de auto ajuda, o confessionário pelo
divã. Porque estão persuadidas de que têm vontade e liberdade para serem
cidadãos exemplares. Outra coisa é se de fato o são. Porque infelizmente
não temos visto bons frutos por parte destas pessoas.Diante dessas ideias, o Papa Francisco insiste, com toda razão, em que
os pelagianos (antigos e modernos) “no fundo confiam apenas em suas próprias
forças e sentem-se superiores aos outros”. Por isso, na minha opinião,
aqueles que pensam e vivem assim cumprem o que o Papa diz na carta. São aqueles que têm “a ideia de que tudo
pode ser feito com a vontade humana”. É o que eles pensam e dizem seus
Gurus. Mas eles o fazem?
OBSERVANDO OS TRÊS LADOS DA MOEDA NUMA
PERSPECTIVA PROBLEMÁTICA DE ORDEM: MORALISTA – FILOSÓFICA – RELIGIOSA
Autonomia e liberdade
Por Samuel Santana
É certo que todo
desejo é precedido por uma expectativa de prazer, este que proverá, ou não, da
experimentação (empírica) de um novo estado de coisas que se tornará real para
o sujeito. O que está posto aqui, então, é que a realização da matéria da faculdade
de desejar pode causar em nós, seres racionais finitos, a sensação de prazer ou
dor. Com efeito, essa matéria, que é externa à razão, causa em nós a
inclinação sensível a realizá-la, isto é, o desejo, este que solicita à razão
que prescreva a regra prática segundo a qual possa determinar o arbítrio a agir
com o fim de tornar real o objeto. A vontade (razão prática), se condiz com
esse desejo e somente pela condição por ele posta dá a regra prática que
determina o arbítrio, é, então, vontade empiricamente, ou patologicamente,
condicionada. Quanto à regra prática, nesse caso, na qual funda-se no objeto do
desejo, é uma regra prática material. A vontade, a
faculdade de querer, nessa situação, sujeita-se, ainda que por sua própria
escolha, a uma condição externa a ela e, portanto, aquela independência aos
impulsos sensíveis não se faz presente, assim, vez que esta seja condição para
a liberdade em sentido negativo, sequer há aqui liberdade e o que se tem é um
arbítrio patologicamente determinado. Em respaldo a isto, verifica-se, também,
que todo princípio prático material baseia-se na causalidade pela natureza,
isto é, uma vez que queiras o efeito se prontificará a agir como sua causa.
Assim, o papel da razão é meramente instrumental e limita-se a prescrever a regra
segundo a qual a ação do sujeito poderá ser causadora do tal efeito desejado;
consequentemente, nem livre nem racional, a vontade que se determina dessa
forma sujeita-se ao que a ela é estranho, a saber: a heteronomia. Por heteronomia da vontade, entendemos a capacidade da razão prática de
determinar-se segundo um preceito que a ela não pertence, não obstante seja por
ela mesma prescrita, segue a ordem de uma lei causal da natureza necessária à
realização do objeto desejado, e este é posto como fundamento da vontade.
Tomemos como exemplo o princípio da felicidade própria, o homem que tão somente
por esse princípio se determina obedece às leis que a natureza o impõe para
obtenção de sua própria satisfação, reduzindo a própria razão apenas ao papel
de produtora de regras que ditem os meios para tal fim. Quando falamos de
regras práticas e princípios práticos, nem sempre é lícito tomá-los como
sinônimos – não obstante, até aqui, em tudo o que foi dito, a relação de
sinonímia seja válida, faremos uma distinção entre os dois conceitos doravante
– considerando que há, entre eles, uma sutil distinção (que coloca-os numa
relação análoga à de gênero e espécie). Sobre isso, para fins do que será
discutido adiante, ressaltamos que por princípios práticos entendemos serem
“proposições que encerram uma determinação universal da vontade” (KANT, 2004,
p. 41), isto é, preceitos gerais da razão prática, enquanto que as regras
práticas são preceitos específicos dessa mesma faculdade e que estão
subordinados aos gerais. Assim, princípios práticos materiais são axiomas que o
sujeito tem para si mesmo e que determina-se a cumpri-los ao longo de sua
existência (ou em parte dela se considerarmos as possíveis mudanças em sua
visão de mundo ao longo da vida), fundados sempre em objetos desejados e,
sobretudo, como já explicamos, no princípio da satisfação pessoal, da
felicidade. As regras práticas materiais, em sua vez, são determinações
pontuais e específicas que seguem os princípios e visam a um fim específico a
valer como meio para o cumprimento do objeto fundante do princípio. Distinções
devidamente feitas. A essa altura, já resta evidente o grande problema da
heteronomia da vontade, o qual está em fundamentar a razão prática em algo que
lhe é externo (o objeto do desejo) e, por conseguinte, determiná-la meramente
por uma lei que lhe é estranha, a saber, a lei da natureza.O conceito negativo
de liberdade traz a ideia de um arbítrio capaz de ser independente de qualquer
coação dos impulsos sensíveis. Ora, sendo esses impulsos oriundos do desejo na
realização de objetos representados, segue-se que o arbítrio só pode ser livre
se primeiramente remover de seu fundamento toda e qualquer matéria da faculdade
de desejar. De igual maneira, como já vimos, é condição necessária à liberdade
que o arbítrio evite determinar-se por qualquer princípio prático material. Tendo limpo o
caminho, e estando a razão prática totalmente livre das constrições empíricas,
bem como o arbítrio de qualquer matéria do desejo, nada resta, então, para a
faculdade superior de desejar, a vontade, senão uma lei meramente formal e
inteligível que possa suficientemente determiná-la (KANT, 2004, p. 48).
Vejamos: considerando que o arbítrio [Wilkür] seja uma faculdade da vontade
[Wille] em sentido amplo, a heteronomia (como o próprio nome diz: uma lei
estranha) consiste em determinar a vontade por qualquer lei que não seja dada
por ela mesma. Ora, determinar o arbítrio por qualquer princípio prático
material é determiná-lo por uma lei da natureza, estranha à vontade. Entretanto,
o que é inverso do material é o formal e o que resta à razão prática ao
abstrair-se da matéria da faculdade de desejar é meramente a forma.Sendo a matéria
aquilo que é externo à razão do sujeito e lhe afeta através dos sentidos,
entendemos por forma aquilo que já se encontra na razão do sujeito, na nossa
razão, e é, em sentido figurativo, a estrutura da mente de todos os seres
racionais finitos, isto é, de igual maneira para cada um de nós. Assim, se a matéria advém do que é empírico,
a posteriori, da experiência, a forma, por sua vez, é pura, a priori e
encontra-se na razão; se a matéria, por isso mesmo, é contingente, mutável,
incerta e subjetiva, a forma, como inverso da matéria, é necessária, imutável,
objetiva e universalmente válida. Assim, as regras práticas materiais, por
prescreverem tão somente a condição para ser causa eficiente de sua matéria,
ordena o arbítrio pela fórmula de uma proposição hipotética (se X, então Y),
porém de maneira imperativa (se queres X, então deves Y), ou seja, em caso da
vontade adotar como fundamento determinada matéria (queres X), então
determinar-se-á segundo uma regra que possibilite sua realização conforme
determina a natureza (então deves Y), de igual maneira, os princípios práticos
materiais também ordenam hipoteticamente e fundamentam-se na satisfação de cada
um, isto é, nos objetos em que cada sujeito assenta suas pretensões de prazer
ou dor (2004, p. 46). Em contraste, os princípios práticos, quando abstraídos
de toda matéria fundante e restando-lhes somente o que é formal, ordenam
segundo a fórmula de um imperativo que não tem seu fundamento na hipótese de um
querer, e que é, portanto, incondicionado, categórico (Deves Y). Os princípios
práticos materiais só são válidos para a vontade que adota uma matéria como sua
condição. Por óbvio, a ordem de fazer Y só é tomada como regra de agir ao
sujeito que tem por fim X. Em razão disso, esses princípios são
subjetivos e denominam-se máximas. Em contrapartida, aqueles princípios que se
abstraem de qualquer fundamento material e, portanto, apegam-se a forma,
ordenam um dever incondicionado, assim, o sujeito deve fazer Y
independentemente de ser seu fim X ou S. Assim, tendo em conta o que já
dissemos sobre forma, que ela se encontra na razão de cada ser racional e é,
portanto, universalmente igual e válida em todos os seres humanos, aquele
princípio prático que ordena incondicional e categoricamente é denominado lei
prática. As máximas são meros conselhos ou técnicas para o sujeito alcançar
seus fins, as leis são mandamentos da razão prática, enquanto ordena pela sua
mera forma. A razão prática,
quando ordena categoricamente ao arbítrio e a esse determina independentemente
dos impulsos da sensibilidade, é razão pura prática, ou vontade pura, e os
princípios dela têm caráter de leis práticas. Ora, quando tratamos da
heteronomia, estabelecemos que, quando determinada por essa via, a vontade se
sujeita a uma lei da causalidade que não lhe é própria; portanto, uma lei
estranha que advém da natureza. Com isso, a série de causas e efeitos nos
fenômenos da natureza condiciona o homem e seu arbítrio, afinal sua vontade,
aqui, não obedece a outra coisa senão à lei da natureza, e participa da ordem
natural de seus eventos. Estabelecemos anteriormente, também, que “só é
possível serem concebidas duas espécies de causalidade em relação ao que
acontece: a causalidade segundo a natureza ou a causalidade pela liberdade”
(2001, p. 474, grifos do autor); agora, esclarecemos que, se a causalidade
natural é a ligação de um estado com o precedente, onde um se segue ao outro
conforme uma regra (2001, p. 474), então no estado de coisas em que a vontade
empiricamente condicionada é sua causa eficiente, quer dizer, o sujeito que age
determinado pela heteronomia, age condicionado pela primeira espécie de
causalidade, assim: uma causa natural na forma de impulso sensível afeta o
sujeito, por meio de sua faculdade de desejo, e condiciona seu arbítrio que
manifestará a ação como mero efeito daquela causa. Por conseguinte, a
heteronomia da vontade segue a causalidade natural e nada tem a ver com a
segunda espécie de causalidade, ou seja, a heteronomia e a liberdade são
antagônicas.
No entanto, está demonstrado que, removendo do conjunto das coisas tudo
o que não é liberdade, ficamos então com o conceito negativo desta. Assim, nos
resta apenas a liberdade como independência da coação provinda da afecção de
impulsos sensíveis. Agora, vejo ser
necessário uma recapitulação. Há uma segunda espécie de causalidade, a
liberdade, apoiando-se no conceito negativo dela. Se a causalidade natural
consiste na procedência de um estado a partir de outro, temos então que a
liberdade, por não ser nada disso, é a capacidade de iniciar por si um estado
onde a causa deste não esteja subordinada a uma lei natural (2001, p. 475).
Contudo, essa ideia transcendental e o conceito negativo de liberdade nos
mostram apenas sua possibilidade. Porém, a razão, na medida em que é capaz de
determinar o arbítrio segundo uma lei prática, um princípio prático não
material, assume-se como razão pura prática e é causa de um estado no mundo;
assim, como vimos que a vontade pura escapa das constrições empíricas e da
causalidade natural, determinando-se pela forma, segue-se que a ela podemos
atribuir aquela independência e também a própria capacidade de iniciar por si
só um estado, isto é, de somente por si mesma determinar o agir do sujeito.
Todavia, isso só é possível de ser tomado como verdade, como real, apenas em
razão de podermos demonstrar ser possível uma lei da liberdade, pois o conceito
de causalidade trata da relação de precedência de uma causa a um efeito segundo
uma regra, e assim, da mesma forma que a causalidade pela natureza segue
conforme as leis naturais, para a liberdade deixar de ser uma ideia vazia da
razão, como mera possibilidade de ser, e ganhar realidade objetiva, ela, por
ser também uma espécie de causalidade, necessita de leis que ordenem também a
relação de suas causas e efeitos. Com isso, a vontade, quando se abstrai de
toda heteronomia, ganha sua independência, e quando se determina por um
princípio prático que, por ser formal, tem validade universal e objetiva, ganha
autonomia. A possibilidade da
razão pura ser prática demonstra ao nosso entendimento a realidade da
liberdade, pois, uma vez que remova toda lei natural que lhe é estranha,
heterônoma, à razão pura resta apenas determinar-se por uma lei provinda da
segunda espécie de causalidade, isto é, uma lei da liberdade; portanto, não há
outro lugar no cosmos para a liberdade senão a própria vontade dos seres
racionais, tem-se então que a liberdade é uma propriedade da vontade (KANT,
2007, p. 93) e, assim sendo, as leis da liberdade são leis da razão pura
prática. Por conseguinte, se a independência da qual tratamos encerra o
conceito negativo de liberdade, a capacidade da vontade de determinar-se por
suas próprias leis é o conceito positivo da liberdade (KANT, 2004, p. 70). Falando em termos
metafísicos, toda série de eventos no mundo sensível, onde reside a matéria,
são regidas pelas leis da causalidade natural. Assim, se quisermos considerar
que a vontade possa reger-se por si mesma, isto é, que possa ser vontade pura,
esta tem de ascender ao mundo inteligível do entendimento, precisa se
desprender de toda matéria, atuar somente pelo que é formal, e a lei pela qual
ela deve determinar-se é a lei de uma causa noúmeno, causa esta que podemos
apenas pensar, jamais conhecer, e sua realidade só é confirmada por ser
possível alcançar suas leis como leis da liberdade que determinam nosso
arbítrio. Todo princípio de
ação humana tem como seu fundamento um objeto do querer que motiva a vontade e
que está ligado, sobretudo, sempre a alguma espécie de prazer, a esse
fundamento chamamos, nas máximas, de matéria do desejo. Uma vez que a matéria
do desejo fundamenta o princípio prático que determina a vontade, esta atua sob
a heteronomia advinda das leis da natureza, e não se deve falar em liberdade ou
livre-arbítrio aqui. Ora, o homem, como membro do mundo sensível, o mundo dos
fenômenos (onde a natureza reina), jamais pode desprender-se de suas
inclinações e está fadado a ser afetado por impulsos sensíveis. Todavia, sua
vontade pode ser uma espécie de causalidade se conseguir se desprender da
coação desses impulsos e fundamentar sua determinação em outra coisa que não
seja nenhuma matéria do desejo, a saber, na mera forma. Portanto, a autonomia
da vontade eleva o ser racional a uma ordem inteligível das coisas. Porém,
ainda é necessário à vontade ter seu objeto do querer, e, rapidamente, nos
encontramos jogados novamente no mundo sensível, pois, quando descobrirmos que
a razão prática necessita sempre de um objeto para fundamentar seus princípios,
e sem isso não há ação, olharemos então para a faculdade inferior de desejar,
bem como para seus impulsos empíricos, e apontaremos os objetos dela como
únicos possíveis de servir como objetos à vontade, com efeito, terminaríamos
então de sepultar a liberdade. A razão, ao dispor-se a refletir sobre esse
tema, poderia chegar a essa conclusão se o contrário não fosse demonstrado na
prática, isto é, a reflexão da razão teórica é incapaz de escapar desse
problema por si mesma, mas ao homem é dado o poder de assentir sobre sua
liberdade por meio de sua capacidade de ser causa das próprias ações, ou seja,
pela via da razão pura prática, e é nesse campo que podemos solucionar o
aparente problema. Vimos que a vontade pode rejeitar a fundamentação material
de seus princípios e determinar-se pela forma. Apesar disso, os impulsos
sensíveis, os desejos da faculdade inferior e todas as inclinações em geral
continuarão a atingir os sentidos do ser racional enquanto este for membro de
um mundo sensível, o que muda aqui é o fato dessas inclinações apenas o
afetarem sem o coagir. A verdade é que o arbítrio sempre foi, no ser humano,
uma faculdade de escolher em que suas ações se fundariam, se na autonomia da
vontade ou na heteronomia, se na liberdade ou no determinismo natural. Ser
afetado, mas não coagido, significa, na prática, a capacidade da razão em
julgar se o princípio prático de determinação do arbítrio atende ao critério da
formalidade, assim, da máxima da ação se remove o que lhe é material e,
portanto, ficasse apenas com a forma, isto é, a razão pura prática julga se é
possível converter aquela máxima em uma lei. Essa lei é a maneira de
aproximar-se do que no mundo inteligível é uma causa noúmeno, resta então que
da ordem suprassensível das coisas nada podemos conhecer positivamente exceto
uma lei, e sequer o conteúdo dessa nos é possível conhecer senão à medida que
submetemos nossas máximas para o preencher, assim, o exame da razão para com o
princípio prático que determinará nossa vontade consiste em remover dele sua
condição, a matéria, e elevá-lo ao incondicionado, portanto, o que era uma
máxima deve poder valer como lei prática para todos os seres racionais, vez que
dela resta somente a forma. Se na heteronomia a
vontade obedece às leis da causalidade natural e seu supraprincípio é o da
felicidade própria, agora, com a autonomia, a vontade pura é legisladora de si
mesma e não se determina por nenhuma outra coisa senão a máxima que assume a
forma de lei universal, por conseguinte, seu princípio supremo é: “Age apenas
segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal.” (KANT, 2007, p. 59). O julgamento da razão prática coloca a máxima
sob escrutínio, devemos então poder conceber nosso princípio prático como sendo
válido para todos os seres racionais sem contradizê-lo e sem divergir com nossa
vontade pura, afinal, como enuncia aquele princípio supremo, a máxima tem de
poder ser, e, ao mesmo tempo, o sujeito tem de querer que ela se torne, lei
prática para todas as pessoas. Voltando-nos, então, àquele exemplo do homem endividado: tendo à vista
de seus olhos aquela valiosa joia e carregando em seu coração o desejo de ver
suas dívidas pagas, esse homem, que agora considera-se como ser racional e
preza por sua liberdade, antes de tomar aquela decisão consulta sua vontade
pura se perguntando se aquela conduta condiz com sua natureza racional, assim,
o exame da razão segue primeiro removendo o que há de matéria do desejar, isto
é, a finalidade de quitar suas dívidas, e em seguida indaga-se se, agora que
lhe foi arrancado sua matéria, o que
restou do princípio segundo o qual ele vá subtrair uma coisa de outra pessoa
sorrateiramente poderia ser válido como uma lei para todos sem se contradizer
com sua vontade. Até a razão mais
vulgar poderia notar a evidente contradição de uma máxima dessas, pois uma lei
que ordena que todos se apossem, sempre que possível, das coisas alheias, não
subsistiria, vez que, considerando que todos poderiam tomar o que não lhe
pertence e, portanto, nada poderia ser efetivamente de ninguém. Com ela, ruiria
a própria instituição da propriedade privada e, então, em uma realidade onde
coisa alguma pertence a alguém, logo não seria possível furtar coisas alheias e
uma lei dessas sequer faria sentido em existir. Se a primeira contradição é da
máxima consigo mesma por não subsistir na forma de lei, a segunda é a da máxima
para com a vontade do ser humano enquanto racional, porque tal máxima se
considerada como lei entraria em conflito com a autonomia da vontade, haja
vista que o próprio homem endividado, em uma realidade onde furtar seja lei,
será também em algum momento furtado, fato este que não pode querer para si, pois
a vontade autônoma, como legisladora que é, quer também legislar sobre o uso
das coisas que lhe pertence, o contrário, portanto, se contradiz com sua
autonomia. A máxima contrária a essa, a saber, uma segundo a qual não se deve
furtar, é perfeitamente válida como lei universal da conduta do ser racional e
concorda com a vontade deste. Por isso, a razão pura prática a eleva da posição
de mero princípio prático material à forma de uma lei que a vontade designa a
si mesma. Mas somente conforme aquele homem deixe de lado aquela matéria de seu
desejo e toma como seu objeto do querer, isto é, como fundamento de
determinação de sua vontade, apenas a validade de seu princípio como lei
universal é que poderá se ver livre de toda coerção empírica e libertar-se da escravidão
de suas inclinações; ainda em nosso exemplo, mesmo que apossar-se daquela joia
venha a possibilitar ao homem o pagamento de suas dívidas, que é o que deseja, ele prefere abraçar sua
liberdade e seguir o princípio que lhe ordena não furtar, pois, ao contrário do
outro, apenas este é válido como lei para todo ser racional, isto é, como lei
da liberdade. Enfim, o homem
conhece as leis da liberdade na medida em que consegue elevar suas máximas
àquilo que rege-se pela forma, à ordem do inteligível, ao incondicionado, em
uma palavra, às leis universais, e, também na medida em que se emancipa daquilo
que empiricamente condiciona sua vontade e fundamenta essa somente pela forma
da lei, independentemente de haver ou não prejuízos a seus objetos de desejo, adquire
livre-arbítrio. Com efeito, ser livre é independer das coerções dos impulsos
enquanto determina-se pelas leis de sua vontade, isto é, a autonomia da vontade
e a liberdade consiste em reger-se por princípios que possam ser leis
universais.
A Liberdade Externa
Agora que o leitor
está familiarizado com a faculdade humana de desejar e suas divisões, em
particular com o que nos interessa aqui, a Vontade, vamos aos últimos passos de
nossa exposição sobre a liberdade. Anteriormente, apresentamos a liberdade, em
sentido negativo, como independência de ser determinado pelos desejos, e
chamamos a capacidade da razão pura prática de legislar sobre o arbítrio de
liberdade positiva. Também demonstramos como o princípio prático objetivo que
determina o livre-arbítrio enquanto abstraído de toda constrição empírica,
portanto formal e válido universalmente, é um imperativo categórico. Agora,
abordaremos uma importante divisão do conceito de liberdade que é feita por
Kant já em um de seus últimos trabalhos onde ele leva os fundamentos da
liberdade às últimas implicações na vida prática, na sociedade e no direito. É na obra Die
Metaphysik der Sitten (1897), traduzida para o português como “Metafisica dos
Costumes”, que nosso autor estende o conceito de liberdade já apresentado ao
âmbito das relações intersubjetivas, entre pessoas, explicitando como o mesmo
raciocínio, segundo o qual as leis da liberdade tem de determinar o arbítrio
por um princípio formal da razão pura prática e prescrever o agir do ser
racional finito, nos leva a reconhecer a necessidade da existência racional de
deveres em nossa vida externa enquanto nos relacionamos uns com os outros. Ora, como seres
racionais temos autoconsciência e, portanto, sendo também membros de um mundo
sensível, temos consciência de nossa existência localizada no tempo e no espaço
(KANT, 2001, p.186 e p.270). Sabemos também que existem outros seres racionais
determinados de igual forma, assim, disso está posto que somos seres racionais
externamente individuados e localizados no espaço e no tempo, o qual
compartilhamos com outros seres de igual natureza. A interação de cada ser
racional no espaço comum com outros seres racionais livres é a relação de suas
liberdades. Segue-se que, diante deste novo postulado, o de que somos seres racionais
individuados e localizados num espaço comum, e da implicação lógica disto, a
saber, que o uso da liberdade de cada um atinge a liberdade dos demais, o ser
racional (nós) vê-se diante de uma nova situação à qual precisa estimar como
deve agir. Para alcançar tal resposta, volta-se à própria vontade. Esta, mais
uma vez, o fornecerá o princípio adequado e, sobretudo, correto, com o qual um
ser racional livre deve se conduzir.Vejamos, nos tópicos
anteriores tratamos da relação conflituosa entre as faculdades inferior e
superior de desejar, entre a coerção exercida pelas inclinações e a liberdade
da vontade pura, entre as leis da natureza e da liberdade, heteronomia e
autonomia da vontade etc., sobretudo, vimos que há um confronto interno entre o
desejo e a vontade do ser racional finito, e a maneira com que este é
solucionado é através da alforria dada ao homem frente à sua natureza animal e
sensível, isto é, através da liberdade da vontade, assim, a adequação das
máximas para com a forma de uma lei universal significa, nesse conflito, a
vitória da razão pura prática e do ser racional em face da tirania de sua
natureza sensível. A liberdade que sai triunfante nesse conflito entre forças
em atrito no cerne das faculdades do sujeito, internos por isso mesmo,
denomina-se liberdade interna, e a forma do imperativo categórico, aquela que
ordena a ação somente segundo máximas que possam valer, por nosso querer, como
leis universais, é o princípio supremo de toda essa liberdade.Isso posto,
indaguemos à razão pura prática como devemos agir diante da nova situação a que
estamos postos. Isto é, agora superado o confronto entre as máximas e a forma
da lei na razão, no plano interno, como devemos determinar o livre-arbítrio
diante do confronto externo com a liberdade alheia em um mesmo espaço? Ora, da
mesma forma como naquele a autonomia da vontade forneceu a resposta, nesse
problema não será diferente, os princípios práticos de nossas ações externas,
intersubjetivas, deve ser tão somente aqueles que possam assumir a forma de uma
lei igualmente válida para todos os seres racionais, e essa lei não pode
contradizer-se com nossa própria vontade. Tendo em vista essa condição
problemática, à qual o ser racional está inserido, e considerando que recorrer
à autonomia da vontade é a maneira de solucioná-la, consequentemente, podemos
fazer agora uma extensão legítima de seu princípio supremo, o imperativo
categórico, às relações externas entre sujeitos.
Todavia, antes de tal coisa, é necessário fazer algumas
considerações a fim de tornar clara a dedução:
-Primeiramente, é
necessário deixar claro que um princípio que venha reger as relações
intersubjetivas, portanto externas, deve tratar, por isso mesmo, das ações
externas dos seres racionais, isto é, todas aquelas em que o uso do arbítrio de
um venha de alguma maneira a afetar o arbítrio do(s) outro(s). Com isso, tal
princípio não disporá acerca das máximas e sim sobre as ações dos seres
racionais, pois, o princípio da liberdade interna já as regula, às máximas, e
sendo este novo princípio, que estamos a passos de demonstrar, somente uma
extensão daquele, incorreríamos então numa repetição desnecessária, assim,
tratar-se-á então das ações externas.
-Em segundo lugar,
haja vista ser da razão pura prática a incumbência de determinar-se acerca
dessa questão, temos de considerar a própria forma da lei na dedução que
pretendemos fazer, portanto, assim como na liberdade interna, a máxima de
qualquer ação externa tem de poder adequar-se a forma de uma lei universal e
ser quista pela vontade pura de um ser racional. Atentar para este último ponto
é fundamental a compreensão, pois, em qualquer ação, uma vez que sua máxima
possa ser válida como lei universal da conduta humana sem contradizer-se
consigo mesma, esta terá de concordar com a autonomia da vontade do sujeito.
Feitas essas
considerações, temos um caminho pronto para o princípio da liberdade externa.
Ao leitor atento, já deve está claro que o princípio que determinará o arbítrio
em suas relações intersubjetivas deve ser um que possa valer igualmente para
todos os seres racionais, como lei, e que, ainda, mantenha preservada a
autonomia da vontade de cada um deles. Tendo dito isso, e considerando que a
propriedade que fornece à vontade sua autonomia é a liberdade, temos que, se
nas relações internas o princípio que as regem é aquele segundo o qual a máxima
possa se tornar lei, o imperativo categórico; agora, nas relações entre
liberdades, externas, o princípio que as regem é aquele que ordena ao ser
racional que “aja externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa
coexistir com a liberdade de todos, de acordo com uma lei universal” (KANT, 2003, p. 77). Esse é o princípio da
liberdade externa, enquanto o outro ordenava a coerência da máxima com a lei, e
era o supremo princípio da liberdade interna, esse ordena a coexistência da
liberdade de um indivíduo com a de todos os outros, pois, em qualquer relação
intersubjetiva, a vontade autônoma de qualquer ser racional é de preservar sua
própria liberdade. Segue-se que, em qualquer ação nessa relação, quando tomada
em conformidade com uma lei universal, é pressuposta a vontade de preservar a
liberdade de todos. Assim, a máxima segundo a qual a razão pura prática proíbe
o ser racional, em nosso exemplo, o homem endividado, porém honesto, de
subtrair coisa alheia, considerada como lei universal segundo o princípio da
liberdade externa, proíbe também a todos a mesma coisa sem contradizer-se com a
vontade de nenhum. Também, como me considero livre para expressar meus
pensamentos, devo conceder a todos esse direito, assim, minha vontade coloca
sobre si mesma o dever de respeitar o direito de expressão em cada pessoa.A consequência lógica
desse princípio é o reconhecimento de um direito inato à liberdade (2003, p.
83), pela razão pura prática, presente em todo ser racional, vez que tal
princípio não só concede a eles o direito à sua liberdade externa como impõe o
dever de respeitar a liberdade de cada um de seus iguais, pois qualquer ação
externa deve, quando universalmente considerada, preservar a liberdade de
todos. Com efeito, esse axioma prático que rege as relações intersubjetivas,
sendo fundamento do direito inato à liberdade, é mais precisamente denominado,
já em Kant, como Princípio Universal do Direito (2003, p. 76). Por fim, se na
liberdade interna tínhamos um sentido negativo, correspondente a independência
do arbítrio em face da coação das inclinações sensíveis, e um sentido positivo,
que não era nada senão a capacidade da vontade pura determinar-se por suas
próprias leis, aqui, na liberdade externa, também encontramos seus sentidos
negativo e positivo, sendo o primeiro a independência de ser constrangido pelo
arbítrio alheio, e o segundo, como decorrência do primeiro, a faculdade do
livre-arbítrio escolher e agir em promoção de seus próprios fins, porquanto o
negativo trate da independência frente ao arbítrio alheio, o positivo nada tem
de ser senão a capacidade de fazer uso livre do próprio arbítrio.
Conclusão
Há uma lei da
liberdade que rege a sua causalidade, isto é, a espontaneidade de iniciar por
si só um estado, em distinção à lei da natureza, como regente dos estados
consecutivos no tempo. Agora, quanto ao arbítrio do ser racional finito, se a
natureza o determina segundo o princípio da felicidade, como bem vimos, a
causalidade pela liberdade, como elemento constitutivo de uma vontade autônoma,
determina-o segundo o princípio da moralidade, o imperativo categórico (2007,
p. 94). Com efeito, a existência de tal lei nos permite afirmar a realidade da
liberdade na vontade, visto a capacidade da razão pura de ser prática, e aquela
mera possibilidade, até então problemática na teoria, agora, sob o ponto de
vista prático, pode ser assentida como realidade. A liberdade em Kant é,
portanto, um conceito racional puro e um vazio de ser da razão quando tratada
na ótica da razão teórica. Todavia, na prática, uma vez demonstrada sua lei, a
liberdade ganha imanência, realidade, o ser humano então passa a reconhecer-se
como livre, como membro de um mundo inteligível do qual conhece nada mais que
uma lei, e, no ato de atribuir primazia à razão pura prática, como ser racional
que é.Kant, então, solucionou o problema cosmológico-filosófico da
liberdade atribuindo-a à vontade de todo ser racional (esta solução serve para
o Cristão?). Doravante, foi além,
tendo a lei da liberdade, ou lei moral, como princípio da autonomia da vontade,
edificou sua teoria ética sobre ela, demonstrou também a validade de um direito
inato à liberdade fundamentado na razão, e sobre isto edificou sua teoria
jurídica do estado de direito, mas não parou por aí, teorizou na mesma obra o
Direito Internacional e um Estado Cosmopolita (2003, p. 194) visando à paz
perpétua (1795). O trabalho e contribuição titânicos deste ilustre filósofo para o
pensamento humano são, sem dúvida, construídos todo sobre uma pedra fundamental
comum, a liberdade. Essa, que por sua vez não é nem de longe mera
arbitrariedade, como podem querer certos pensadores, ingênuos, portanto. A
liberdade, contudo, é não mais que a causalidade da vontade dos seres racionais
e, assim como na natureza, tem suas leis que, em sua vez, são quistas pela
vontade de todo ser racional; a vontade livre ou livre-arbítrio é, portanto,
uma vontade segundo as leis da liberdade.
Referências Bibliográficas
-KANT, Immanuel,
Crítica da Razão Pura. Av. de Berna, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001.
-KANT, Immanuel,
Crítica da Razão Prática. São Paulo: Brasil Editora S.A., 2004.
-KANT, Immanuel,
Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA,
2007.
-KANT, Immanuel.
Metafísica dos Costumes. Bauru, SP: EDIPRO, 2003.
Liberdade e a Heresia do Pelagianismo
Por Padre Paulo
Ricardo
É impossível nos salvarmos e nos libertarmos de nossas misérias sem o
auxílio da graça de Deus. Muitos homens, no entanto, ao interpretar essa
verdade, acabaram incorrendo em erros extremistas e tiveram de ser corrigidos pela
Igreja.Nos últimos tempos, o
Papa Francisco tem abordado com frequência a questão do Pelagianismo. Mas, o
que vem a ser isso? Trata-se de uma heresia iniciada por um monge oriundo da
Bretanha, chamado Pelágio. Ele dizia que não era necessário o auxílio
da graça de Deus para que o homem realizasse atos de virtude. Cristo
morreu na cruz e deu o exemplo. Bastaria ao homem segui-lo. Santo Agostinho que
por trinta anos viveu amarrado às correntes do pecado sabia que a afirmação de
Pelágio era falsa. Ele sabia da incapacidade do homem em vencer o pecado sem o
auxílio da graça divina.A heresia pelagiana foi condenada no XV Sínodo de Cartago, iniciado em
01 de maio de 418, conforme se vê no "Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral", popularmente conhecido como
Denzinger-Hünnermann, a partir do número 225. Algum tempo depois, a
reflexão teológica iniciada por Pelágio ganhou um novo capítulo, pois, na
Gália, atual França, surgiu uma segunda opinão acerca do tema. João Cassiano, o
mesmo que escreveu as "Instituições Cenobíticas, tornou famoso Evágrio
Pôntico e a doutrina dos Padres do Deserto no Ocidente, criou o chamado
"semipelagianismo", afirmando que a graça de Deus auxilia no momento
de se vencer o pecado, mas que a iniciativa precisa ser do homem. Isso também
não é verdade, pois, o amor de Deus é sempre o primeiro a dar o passo na
direção do homem. O semipelagianismo foi condenado no II Sínodo de Orange,
iniciado em 12 de julho de 526 (DH 730 e seguintes).Para entender estas duas heresias e como elas influenciam de modo
concreto e inequívoco a vida dos cristãos até os dias atuais, é necessário
fazer uma distinção entre graça suficiente e graça eficaz. Lembrando que graça é o próprio Deus que se doa ao homem. O Espírito
Santo quando é derramado nos corações é a graça por excelência.A efusão do
Espírito Santo, também conhecida como graça incriada, provoca no homem diversas
mudanças que podem ser chamadas de graça criada. Elas são reações ocorridas no
íntimo da própria pessoa, que se transmuda ao receber o Deus que se doa.Deus se
dá à pessoa, contudo, apenas o suficiente para que o processo de mudança ocorra
de forma livre. A pessoa continua livre, pois somente na liberdade é que o amor
pode acontecer e ser correspondido. Se Deus se oferecesse de maneira plena, com
toda sua potência, o homem perderia a sua liberdade, pois Deus é irresistível.
Assim, Ele oferece ao homem a chamada graça suficiente:
1)- O conceito
teológico de graça suficiente é a chave para se combater o semipelagianismo.
Ela é como um carro que saiu da concessionária com combustível suficiente
apenas para chegar ao posto de gasolina, mas não até o destino final, portanto,
apenas para iniciar o caminho de conversão, mas não para chegar à santidade.A graça suficiente age no homem para realizar a conversão do filho
pródigo narrada no Evangelho de São Lucas, capítulo 15. Ele pensa: "pequei
contra Deus e contra o meu pai, vou voltar para casa." A partir dessa
tomada de consciência, da graça suficiente que toca o coração humano, ele deve
pedir, suplicar, implorar pela graça eficaz, aquela que é capaz de agir em seu
coração, capacitando-o a vencer o pecado no dia a dia.
2)- A graça eficaz não é merecida por ninguém, nem mesmo os grandes
santos, por isso é preciso pedi-la. Santo Afonso Maria de Ligoria dizia:
"quem reza se salva, quem não reza não se salva, se condena." Ou
seja, quem pede a graça de Deus a terá. E a graça eficaz fará com que a pessoa
vença o pecado na batalha do dia a dia. Assim, quem não a pede não tem a força
que ela traz.
3)- Se a graça suficiente combate o semipelagianismo, a graça eficaz,
por sua vez, combate o pelagianismo. Seja como for, em ambos casos, o homem é
um mendigo diante da porta de Deus. Ele precisa bater e pedir a graça. Deus a
concederá não porque o homem a mereça, mas porque Ele é Bom.Para recebê-la,
contudo, é preciso ser como as virgens prudentes do Evangelho de São Mateus
(25), que enchem as suas lâmpadas com o óleo da oração. Pedir insistentemente,
bater à porta, fará com que aconteça o que Jesus prometeu: "pedi e
recebereis, batei e abrir-se-vos-a, vos será dada uma medida calcada, sacudida,
abundante que será colocada em vosso regaço"(Mt 7,7): a graça de Deus.
Para isso, é preciso
não se contentar com a graça mínima, suficiente, mas pedir incessantemente e
confiar Naquele que prometeu que irá derramar a graça de fazer com que o cada
um O ame de todo o coração.
“Sem mim nada podeis fazer”: este “nada” de que fala Jesus no Evangelho
deste domingo é radical e definitivo. Ninguém pode realizar qualquer ato de
virtude sem o auxílio da graça divina. A única coisa que conseguimos fazer sem
a ajuda de Deus é o pecado. “Sem mim
nada podeis fazer”, adverte-os Jesus, fazendo-os enxergar a radical dependência
deles com relação à graça de Deus. Para gerar “muitos frutos”, os ramos — ou
seja, os discípulos — precisam permanecer atados à videira; do contrário, serão
lançados fora e secarão. Este imperativo de Cristo é uma clara advertência
contra a heresia do pelagianismo. No século V, um monge oriundo da Bretanha
começou a pregar contra a doutrina do pecado original, dizendo que, para
conquistar a santidade, bastariam um esforço pessoal e atos constantes de
virtude.Para o monge Pelágio, a morte de Cristo na cruz teria servido de exemplo
para a humanidade, de modo que qualquer pessoa poderia perfeitamente ser santa
se o imitasse dia após dia. Santo
Agostinho opôs-se firmemente a esse ensinamento. Ele, que durante longos 30
anos viveu a miséria dos pecados mortais, sabia perfeitamente da incapacidade
do homem para todo bem. De fato, ninguém pode realizar qualquer ato de virtude
sem o auxílio da graça divina. O “nada” de que fala Jesus no Evangelho é o nada
mais radical que existe.
A única coisa que conseguimos fazer sem a ajuda de Deus é o pecado!
Motivo pelo qual São Paulo recordava aos filipenses: “Porque é Deus quem,
segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar” (2, 13). Apesar
de a Igreja já ter condenado o pelagianismo no XV Sínodo de Cartago, há ainda
hoje um número enorme de católicos que, sem se professarem pelagianos, vivem,
contudo, esse erro, prescindindo da graça de Deus nas suas obras de apostolado.
Essas pessoas guiam os seus projetos apenas pela própria iniciativa, de modo
que a vida de oração se converte em algo supérfluo e extremamente raro no
exercício de seus ministérios. No fim das contas, elas acabam decepcionadas,
porque não conseguem pôr em prática as suas “ideias geniais”, e abandonam a
missão.Na
verdade, o pelagianismo é uma grande manifestação de soberba e vaidade, porque
se baseia em uma falsa autonomia do homem com relação à providência divina. Os
que assim se comportam querem conquistar o Céu pelos próprios méritos.
E se, por um descuido, caem em desgraça, logo iniciam uma série de lamúrias e
protestos, como se aquela queda fosse alguma coisa surpreendente. Dessas almas,
São Francisco de Sales faz a seguinte avaliação:“Essa excessiva ansiedade da pessoa não tanto por curar-se como por saber
que está curada, para ficar satisfeita consigo mesma; esses secretos despeitos
que a impedem de fazer as pazes com a sua consciência, porque é mais cômodo
abandoná-la como incorrigível; essas melancolias em que mergulha; essa
incessante e obsessiva contemplação das faltas cometidas e de si própria; essa
necessidade de lamentar-se mais diante dos homens do que diante de Deus com o
imperceptível desejo de despertar compaixão; todas essas penas se devem a um
mesmo “pai” espiritual que se chama amor-próprio.” (Introdução à vida devota,
VI, 261). O
Concílio Vaticano II afirmou que “todos na Igreja, quer pertençam à hierarquia
quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade” (Lumen Gentium, V,
39). Essa santidade, porém, não se resume a algumas obras de caridade e
cumprimento de preceitos religiosos. O verdadeiro santo é forjado na vida de
oração íntima, por meio da qual a sua vida produz frutos de amor autêntico. Na
oração, os cristãos “tocam” a carne de Cristo e recebem dela as forças
necessárias para resistir ao pecado e realizar o bem.Em outras palavras, a vida de oração íntima produz uma amizade com a
pessoa de Jesus, que vai nos moldando conforme a sua santa vontade. A oração
íntima é uma relação de amizade, um encontro com quem sabemos que nos ama. Não
se trata de ler algum livro e passar alguns minutinhos pensando, mas de um
colóquio em que nos dirigimos ao Amado e Ele se dirige a nós com a sua Palavra.É
importantíssimo que os cristãos entendam essa dinâmica da oração, sobretudo os
principiantes, para que não caiam nas ciladas da heresia das obras, isto é, o
ativismo que leva a um esgotamento das energias e torna o apostolado ineficaz e
infrutífero.
Para o progresso espiritual, a alma precisa
seguir a ordem correta dos estágios:
1)- A
permanência constante na graça (o que corresponde às 1.ªs Moradas de Santa
Teresa).
2)- A
correspondência às graças atuais (2.ªs Moradas)
3)- E,
bem depois, o apostolado (3.ªs Moradas). E isso só se consegue mediante a
oração de intimidade.
A vida cristã deve seguir, pois, este
itinerário bem simples de São Josemaría Escrivá:
“Primeiro, oração; depois, expiação; em terceiro lugar, muito em
‘terceiro lugar’, ação” (Caminho, 82).
Assim
produziremos os frutos desejados por Nosso Senhor, sem garantias de libertação
de todas nossas misérias, pois Ele pode nos deixar o espinho na carne para nos
lembrar de nossa condição!
Oração:
“Senhor Jesus, meu amigo, vós conheceis perfeitamente a minha
alma e o meu coração. Sabeis que não amo nem desejo suficientemente amar meus
irmãos e dar a minha vida por eles como vós o fizestes por mim! Mas vós tirais
água do rochedo, então podeis tirar amor do meu coração. Ensinai-me, pois, a
amar de verdade, a fim de que eu seja um ramo ligado à videira e produza muitos
frutos.”
Amém !
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