Um profeta
que sem violência e condenando toda violência ativa, foi extremamente violento, "pois só os violentos de coração conquistam o Reino" (Mateus 11,12)”
20)- Devemos tomar cuidado com uma
eclesiologia vinda de baixo, baseada tão somente no Senso Comum dos fieis, pois devemos
lembrar que a multidão dos fieis que seguiam Cristo e o aclamaram: "Hozana
ao filho de Davi!" - pouco tempo depois, esta mesma multidão, estava a
pedir: "Crucifica-o!"
BIOGRAFIA DE DOM HELDER CÂMARA:
Foi adepto e
promotor do "movimento de não-violência ativa!"
"Dom Helder Câmara,
profeta, peregrino da justiça e da paz" - Esse é o título do livro do nosso amigo,
Padre Edvaldo Araújo, resultado da tese de doutorado, lançado pela Saraiva
Megastore de Campinas. O livro tem como objetivo resgatar a memória sobre Dom
Helder, percorrendo sua vida, suas obras, seus pensamentos, seus ideais e suas
lutas. Dom Helder Câmara é considerado um dos grandes protagonistas da Igreja
católica no século XX, e como poucos marcou o cenário brasileiro e mundial. Seu protagonismo foi construído por meio da luta pela justiça
social e pala paz, inspirada nos princípios do cristianismo. Por meio da não
violência ativa mostrou a necessidade de promover revoluções com propostas
concretas para transformar as estruturas e possibilitar uma vida humana e mais
digna para todos, construindo uma nova sociedade, mais justa e fraterna. Dom
Helder, lutando pela justiça e pela paz, destacou-se na defesa dos direitos
humanos, sendo considerado o “apóstolo da não violência” e “advogado do
terceiro mundo”. Para Edvaldo Araújo, autor do livro e professor da PUC-Campinas,
nas faculdades de filosofia e de Teologia, escrever
sobre dom Helder Câmara significa,
recordar um dos grandes personagens da história da humanidade, que
lutaram através da não-violência ativa (ou como Helder definia: violência dos
pacíficos) por um mundo mais humano e justo. Segundo ele, é recordar de que
somos capazes de sonhar por um mundo melhor. Por fim ficamos com este
pensamento de Dom Helder: “Só homens que realizam em si a unidade interior, só
homens de visão planetária e de coração universal serão instrumentos válidos
para o milagre de ser violentos como os Profetas, verdadeiros como o Cristo,
revolucionários como o Evangelho, sem ferir o amor”.
Embora D. helder respeitasse os que optavam pela violência ativa (de defesa, e libertação de tiranias), ele considerava que havia equívocos em tal
posição:
“Quem passa para a radicalização e a
violência, se vai, em parte, porque se convenceu de que a violência dos
pacíficos é utopia, canção para ninar e não canção
válida para homens conscientes, decididos, e livres. Mas, o que parece
realismo da parte deles, está longe de ser realismo autêntico...”
Na mesma ocasião, ano de
1970,em que fez tal afirmativa, D. Helder "elencou alguns
equívocos" dos quais destacamos dois:
1. Não Considerar decisivo e incontestável o
exemplo de Cuba (que usou da revolução violenta), pois "o povo cubano, se melhorou suas condições internas, apenas mudou de órbita (trocou seis por meia dúzia), pois não realizou sua independência política, nem completou a econômica."
2. Reconheceu que na América Latina, não ter
sido possível guerrilha rural, com efetiva participação dos oprimidos,
pois estes se acham em situação tão sub-humana que, não tendo razões para
viver, não as encontrarão para morrer.
A seu ver, a
luta pacífica contra a violência, requer a conversão de cada um - Onde
buscar a fonte para tal conversão?
“Os objetivos, na violência dos pacíficos, devem ser claros e
corajosos! Os métodos, na violência dos pacíficos, devem ser capazes de
promover mudanças de estruturas. Mas, de nada valerão objetivos e métodos,
se não forem alimentados por uma mística profunda...”
Não desconhecemos qual a mística que nutria D. Helder Camara.
Porém, se paira alguma sombra de dúvida, vamos, mais uma vez, ouvi-lo. Ele
fala, agora, para nós, como o fez em Paris, aos 25 de abril de 1968:
“Respeito aqueles que, em consciência, se sentiram obrigados a
optar pela violência ativa, mas não a violência fácil dos
guerrilheiros de salão, mas daqueles que provaram sinceridade pelo sacrifício
da vida. Parece-me que as memórias de Camilo Torres e
de Che Guevara merecem tanto respeito quanto a do Pastor Martin Luther King;Acuso os verdadeiros fautores
da violência: todos os que, de direita ou de esquerda, ferem a justiça e
impedem a paz! Minha vocação pessoal é a de
peregrino da paz, seguindo o exemplo de Paulo VI: pessoalmente, prefiro mil
vezes ser morto a matar...”
Esta posição pessoal se baseia no Evangelho. Toda uma vida de
esforço para compreender e viver o Evangelho me leva à convicção profunda
de que se o Evangelho pode e deve ser chamado revolucionário, é no
sentido de que ele exige uma conversão de cada um de nós. Não temos o
direito de fechar-nos no egoísmo, devemos abrir-nos ao amor de Deus e ao amor
dos homens. Mas, basta pensar nas Bem-aventuranças, quintessência da Mensagem
Evangélica, para descobrir que a escolha, para os cristãos, parece clara:
“nós, cristãos, estamos do lado da não-violência, que, de nenhum
modo, é escolha de fraqueza e passividade. Não-violência é crer mais na
força da verdade, da justiça e do amor,
do que na força da mentira, da injustiça, e do ódio...”
Quando fez referências ao Pastor Martin Luther King, D. Helder não
se baseou apenas no fato de ele ter sido assassinado, mas a toda uma trajetória
de militante de uma causa social: a dos negros dos Estados Unidos, a partir da
qual sofreu prisões e recebeu o Nobel da Paz. Quando em Roma, para participar
da última Sessão do Concílio Ecumênico do Vaticano II, em suas
cartas-circulares, Dom Helder fez várias referências à não-violência ativa
e aos seus princípios, princípios que ele percebia encarnados na Operação
Esperança, então desencadeada na Arquidiocese de Olinda e Recife:
“No século da bomba atômica, os subdesenvolvidos e oprimidos
nos lembram a existência da ação não-violenta ou resistência espiritual, arma
ao alcance dos mais pobres. Para afastar dela
qualquer sentido negativo e passivo, Gandhi a chama de Satyagraha, força
da verdade, força do Espírito.Os indianos com Gandhi e Vinoba, os Negros dos
Estados Unidos em sua luta contra a segregação a ilustram magistralmente. O
Exército dos Pobres torna-se uma força. A atribuição do Prêmio Nobel da Paz a
Luthuli (pequeno chefe Zulu) e, depois, ao Pastor King, salienta a importância
crescente de uma nova força para a construção de uma paz dinâmica...”
O entusiasmo pela vida e atuação do Pastor M. L. King
é evidenciado em inúmeras cartas-circulares de D. Helder. Em várias
ocasiões houve tentativas, lamentavelmente sem êxito, de encontro entre os
dois. Testemunha dessa busca é uma carta enviada pelo Dom Helder, que citamos
na íntegra: “Meu caro Irmão, Pastor Martinho Lutero King - Quando da
minha última viagem aos Estados Unidos, estava com uma audiência marcada com
você para segunda-feira, quando, no domingo anterior, você foi preso, em
Alabama. Permita-me aproveitar a visita que lhe faz a Drª. Hildegarde
Goss-Mayr, para transmitir-lhe um apelo que me parece de importância capital
para a paz do Mundo. Acompanhamos suas lutas. Lemos “Strength to
Love” (FORÇA PARA AMAR) e “Why we can’t wait” (POR QUE NÃO SE
PODE ESPERAR?). Você nos enche de alegria. A integração racial nos fala
como um problema humano, diante do qual ninguém pode permanecer indiferente e
estranho. Mas, continuando a ser o Campeão da revolução não-violenta
contra a segregação, é preciso, dada a sua fama (cuja importância, para um
pastor como você, se mede pelos resultados que puder trazer em favor dos
homens), que você se transforme em Campeão do Desenvolvimento.Nós amamos a
paz. Mas não haverá paz sem justiça. E não haverá justiça sem
que se chegue à revisão da política internacional do comércio e do
desenvolvimento.
Tudo o mais – ajudas, talvez, generosas; tentativas de identificar
“desenvolvimento” com “controle de natalidade” – não nos leva ao âmago do
problema. Seus compatriotas se batem contra o comunismo, porque ele esmaga a
pessoa humana e os direitos do homem...
Dom Helder Câmara: "vencer ou
convencer?
“É mais difícil, mas é mais humano e mais belo do que vencer, é convencer! Vencer está ao alcance dos animais, convencer, não! O cupim, por exemplo, consegue vencer a viga poderosa que sustenta o telhado. Parece-me incrível como um bichinho tão pequeno consegue devorar por dentro madeiras tão grossas. Numa briga de galos, apreciadíssima nas periferias de nossas cidades, o vitorioso deixa o colega e irmão galo vencido de crista rasgada, o pescoço ensanguentado, não raro estrebuchando pelo chão da rinha, e morrendo, pois foi vencido. O gato vence rato. As piranhas sangram e matam animais até de grande porte, como o boi, e são ainda capazes de liquidar tranquilamente uma desavisada criatura humana.Claro que homem e a mulher também sabem e conseguem vencer. Vence-se em partidas de xadrez, no jogo damas. Vence-se o outro em um jogo de futebol, uma luta esportiva, podendo até mata-lo e esfola-lo. Quando se diz que uma nação perdeu a guerra e outra venceu, isto quer dizer, nas entrelinhas, que a nação vencedora tinha razão e venceu porque teve a ajuda de Deus para vencer? De maneira nenhuma! E hoje, não raro, é possível vencer uma guerra, e arrasados podem sair não só quem foi vencido, mas o próprio vencedor da guerra. Se os Pais em casa, sem ouvir possíveis e justas razões dos filhos, cortam sem mais qualquer discussão, e resolvem e decidem sem oportuno diálogo, por vezes esmagando a garotada, parecem vencedores? o certo, porém, é que venceram, mas nem sempre convenceram. Em uma discussão, quando há quem tenha um vozeirão mais forte, talvez maior poder dialético, não raro amigos que aplaudem, pode até haver vencedores, sem que os vencidos saiam convencidos.Tenhamos portanto, como desafio permanente convencer, e não apenas vencer! É evidente que em lugar de convencer, eu possa ser convencido. E não me parece vergonha nenhuma mudar de ideia, de posição, de ponto de vista, de conduta, se me convencerem de que eu estou enganado, e que havia caminho melhor seguir.(Já fiz isto várias vezes em minha vida passando até pelo integralismo).E feliz é aquele que é capaz de mudar para permanecer sempre o mesmo, ou seja fiel a seus princípios.Para vencer numa discussão, vale o grito, vale a ameaça, a mentira, a calúnia, vale até o suborno. Porém, para convencer, o ideal é que não se trate de sofismas. O ideal é que nem o oponente, nem ninguém queira me convencer, me enganando, me enrolando subjugando a nossa inteligência. Para convencer, o ideal é que a pessoa esteja ela própria esteja convencida, tenha calma, saiba apresentar os argumentos, saiba ouvir, reconhecendo toda a parte de razão que haja no adversário. Lembram-se de terem vencido alguém? E lembram-se quando o convenceram? Diz o ditado de que toda vez que vencemos alguém ganhamos um inimigo, mas quando convencemos ganhamos um amigo. Quem convence não deve cantar vitória. No rigor do termo, quem vence é a Verdade, é a Justiça. Quando muito, eu devo me alegrar por ter ajudado meu irmão a ver mais claro, a ver o que eu estava vendo e ele não.Um singelo conselho para quem por ventura entre num embate: experimente a alegria de trocar sempre mais o Vencer pelo Convencer. O importante é que Você e eu estejamos, sempre mais, a serviço da Verdade, da Justiça e do Amor. Vamos, Você e eu, aceitar sermos convencidos. E quando alguém nos convencer, fiquemos humildes, não apenas por fora, na aparência. A humildade que só existe por fora é farisaica e triste. Quando, por minha vez, me couber o "convencer", é bom que eu tenha humildade por fora e por dentro. E que eu me alegre por ter servido e ter sido convencido pela Verdade, que é o mesmo que servir e ser convencido pelo próprio Deus...”
CONCLUSÃO:
Até Monge da Marcelo de Barros em seu blog: marcelobarros.com/blog (do qual discordo em muitas de suas ideias pessoais), define Dom Helder Câmara como o profeta da não violência, como aquele que prefere violentar-se a si mesmo, que ao próximo:
“...Jesus revela isso no sermão da montanha e aí
nos dá seis exemplos do que isso significa. No evangelho que acabamos de
ouvir, escutamos o sexto exemplo. É esse da lei do amor. Em cada um desses
exemplos, ele diz: "Vocês ouviram o que foi dito aos antigos...” Agora eu lhes peço mais. Radicalizo o mandamento e
mostro como a justiça de vocês deve ir além da lei jurídica, religiosa e civil.
E a sua recomendação é sobre o amor: o amor como base para se reconstruir a
sociedade: o amor que vai até o ponto de amar aos inimigos. Primeiramente,
Jesus cita a lei mosaica, mas de forma polêmica. Na Bíblia, a lei não diz:
ame o próximo e odeie o inimigo. Mas a interpretação que os escribas e
fariseus faziam da lei acabava compreendendo o próximo como a pessoa da mesma
família, da mesma raça, do mesmo partido, da mesma religião. Então, à
medida que essa interpretação religiosa da lei restringe o amor só a quem está
dentro da minha cultura, de acordo com Jesus, a lei diz que se ama o amigo e se
odeia o inimigo. Jesus exige que se vá além dessa estrutura da lei, mesmo
religiosa. Ele alarga os horizontes. Na parábola
do samaritano, ele diz: o problema não é quem é o meu próximo. O problema é de
quem eu sou próximo. E responde: eu sou próximo de quem aparece no meu caminho
ou das pessoas em cujo caminho eu me coloco. Eu devo ser próximo do
samaritano que o israelita detestava por ser alienado políticamente, misturado
com os romanos, sem educação e sem linha igual à nossa. Se é uma pessoa ferida na estrada, é meu próximo e eu
sou responsável por ele. Esse foi o testemunho de Dom Helder e essa é a
herança que recebemos dele. Durante todo o tempo do seu ministério de bispo,
Dom Helder lutou pelos direitos humanos. No entanto, ele sabia que a lei pode
proibir de matar, pode proibir de discriminar, pode proibir de explorar, mas
não pode obrigar ninguém a amar. A lei que
diz "ame o próximo" não é uma lei jurídica. É uma orientação de pai,
de mãe, de educador. É uma orientação de vida...Certamente, se Dom Helder
pudesse nos propor alguma coisa nesse momento, ele nos pediria o AMOR como
resposta à crise. Quem vinha aqui no Recife logo nos primeiros anos em que
Dom Helder deixou a sua função de arcebispo, via escrito pelos muros da cidade:
Dom Helder, o Dom do Amor. Hoje,
Dom Helder nos diria que o amor não é uma coisa só romântica. Não é apenas
expressão de bons sentimentos. O amor ou melhor a Amorosidade é algo que toca
na estrutura do ser e da vida. Não podemos e não devemos restringir o amor à
vida privada e às relações interpessoais. O Amor ou como o papa Francisco
tem proposto em cada uma de suas falas, a Misericórdia pode ser resposta à
estrutura da vida pública, pode ser resposta aos problemas da vida coletiva...A
proposta do evangelho é o Amor, mesmo o Amor aos inimigos. É claro que o
Amor aos inimigos não se expressa do mesmo modo do amor aos amigos. Em
primeiro lugar, parte do princípio que eles são inimigos e não se podem
confundir inimigos com amigos. Em segundo lugar o melhor modo de exercer o amor aos inimigos é impedir que eles façam o
mal, que eles explorem os outros, é combater de forma não violenta o mal que
eles praticam ou querem praticar. O melhor modo de amar o inimigo é deixar
bem claro qual é nossa linha, o que pensamos e o que queremos. É denunciar, é
criticar e ser claro. Uma diocese, uma
paróquia, grupo de Igreja, um de nós que não tem linha ou posição definida com
receio de ser partidário, no fundo, seria como alguém que pensa: para não cair
no risco de me fechar ao exclusivismo, eu não vou amar ninguém. É o
contrário: construir o mundo a partir de uma proposta de amorosidade...”
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