"Não é de admirar, por isso,
que a nossa sociedade se degrade no seu grau de humanidade autêntica, à medida
que progride nesta pseudomaturidade moral, nesta indiferença, nesta
insensibilidade à diferença entre o bem e o mal, e as Escrituras
insistentemente nos avisem que o mundo (no sentido pejorativo em que estamos a
falar) jaz sob o poder do maligno."(Paulo
VI - Discurso sobre o diabo - 23/02/77)
O livro Exorcistas e
Psiquiatras, de autoria do Pe. Gabriele Amorth, sacerdote da Pia Sociedade de
São Paulo, e um dos 6 exorcistas oficiais do Vaticano (abaixo, uma entrevista completa com ele), a obra aborda, numa
linguagem bastante clara e envolvente, diversos temas, entres eles: a evolução
da prática exorcista ao longo dos séculos; o indiferentismo religioso atual, em
que não se acredita mais no demônio (muitas vezes, dentro do próprio meio
eclesial), o que fortalece a sua atuação; o poder maléfico do ocultismo e suas
ramificações; a importância das orações de cura e libertação; muitos exemplos
de exorcismos; e, claro, a necessidade de uma comunhão entre exorcistas e
psiquiatras, já que os sintomas da "possessão" são facilmente
confundíveis.
O exorcismo e a psiquiatria - Padre Gabriel, falecido exorcista
de Roma, responde algumas perguntas:
1ª-
Pergunta – Gostaria de saber se, na sua perspectiva, existem traços típicos que
caracterizam as pessoas que, mais tarde, apresentam sintomas de possessão; ou
seja, se, entre as pessoas por si diagnosticadas como endemoninhadas, existiam
anteriormente comportamentos que as tornavam mais vulneráreis? Ou se a
possessão atinge as pessoas ao acaso. Pergunto-lhe ainda se estes fenômenos de
possessão também se verificam em ateus ou declaradamente ateus. Uma última
curiosidade: já li qualquer coisa a respeito de perturbações especificas
ligadas a estes fenômenos, como, por exemplo, a glossolalia (capacidade de
falar em línguas desconhecidas) ou a levitação. Já observou casos destes?
Resposta – São várias perguntas interessantes. Começo pela última curiosidade.
Sim, já encontrei fenômenos de pessoas que durante os exorcismos falavam outras
línguas ou línguas estranhas; também presenciei fenômenos de levitação e de
força gigantesca. Mas estes fenômenos sozinhos não são suficientes para poder
se afirmar se o caso é de possessão diabólica; são necessárias condições
especiais e a integração com outros elementos de avaliação. Um exorcista está habituado a ver fenômenos
estranhos em grande quantidade e de tal maneira que se não os tivesse visto não
acreditaria neles. Como, por exemplo, pessoas que durante os exorcismos cospem
pregos, vidros, madeixas de cabelos, as mais variadas coisas. Ou, então, a
presença, em travesseiros ou colchões, de ferros retorcidos, de cordas com nós,
de trançados muito apertados em forma de terço, de animais ‘pré-históricos’
feitos de material semelhante ao plástico… O caso mais grave que estou
acompanhando é o de uma pessoa de quem o demônio disse que fará vomitar um
aparelho de rádio; já vomitou quase dois quilos de material. Destaco que os objetos vomitados se
materializam no instante em que saem da boca. Observei isso claramente num
jovem que cuspiu pregos na mão; até o último instante tive sempre a impressão
de que cuspia saliva. Assim se explica por que razão a pessoa nunca tem danos
físicos, mesmo quando cospe pedaços de vidro grosso e cortante. São fenômenos
paranormais. É importante levar em conta a modalidade; certos objetos que
encontramos nos travesseiros são sinais evidentes de feitiços, ou seja, são
resultados de malefícios. Respondo agora à primeira pergunta: todas as pessoas
podem ser atingidas pela possessão diabólica de manifestação, principalmente os
descrentes, os ateus, os não praticantes, porque se encontram mais indefesos. E
o exorcista pode exorcizar quem quer que seja: aos meus serviços, por exemplo,
já recorreram muçulmanos, budistas, pessoas sem qualquer tipo de credo
religioso. Não existem predisposições dependentes, por exemplo, a fragilidade
do sistema nervoso ou a hereditariedade. Pelo contrário, existe o perigo de que
uma pessoa se exponha à possessão diabólica, por exemplo, freqüentando sessões
de invocação dos mortos ou seitas satânicas. É importante saber que a possessão
diabólica não é um mal contagioso: não existe perigo algum, nem para os
familiares, nem para os lugares que freqüentam. Pode se casar, ter filhos, sem
nenhum perigo de contágio. Podemos dizer, de um modo geral, que o demônio não
pode nos fazer nada sem o nosso consentimento. Por exemplo, veio me procurar
uma moça que, por pura curiosidade, tinha assistido a uma missa negra. Não
conseguia estudar, se concentrar e tinha crises repentinas de violência, como
nunca havia acontecido antes. Neste caso, a causa era evidente e era uma causa
culpável.A respeito da culpabilidade, excetua-se o campo dos malefícios, em que
agora não me aprofundarei por ser um campo bastante vasto e que foge do nosso
tema principal. Diga-me se respondi suficientemente a todas as suas questões? Pessoa que formulou a
pergunta: - Sim, sinto-me satisfeito. (Esta é sempre a gentil declaração que
ouço após as minhas respostas, por isso, de agora em diante não voltarei a
repeti-la. Digo apenas, com a fraqueza que me é habitual, que encontrei mais
interesse e mais crédito ao falar a estes grupos de psiquiatras, do que quando
falo a grupos de sacerdotes)
2ª-
Pergunta – Sobre algumas coisas, admito que estou de acordo com o padre Amorth.
Mas já não concordo em considerar equivalente, num certo sentido, a Igreja e o
manicômio: o primeiro, como lugar do exorcismo contra o demônio, o outro, como
lugar da cura da loucura. Concordo que ambos trabalhem em função do homem.Procedo
do positivismo médico; sou um descrente. Mas acredito no homem, por isso, de um
ou de outro modo, trabalhamos para o mesmo fim; o senhor, padre, com o exorcismo
e nós, de outra maneira. Os psiquiatras, por vezes, foram acusados de não
saberem fazer a distinção entre uma alucinação, um efeito paranormal e um
estado de êxtase. É sempre bom esclarecermos, porque ninguém tem o monopólio do
saber. Vem à minha mente a frase de Hamlet: “Existem mais coisas entre a terra
e o céu do que as que sonha a nossa vã filosofia”. Por isso que é sempre
necessário muita humildade. Tenho que destacar a prudência que o padre Amorth
demonstra. Eu tenho uma paciente que foi ao seu encontro porque supunha que
estava possuída pelo demônio. Percorrendo o itinerário que a tinha levado ao
exorcista, tive dificuldade em perceber por que razão o padre Amorth não a
tinha exorcizado, enviando-a, ao contrário, a um psiquiatra. Depois,
lentamente, fui percebendo a razão: existem duas estradas a percorrer. A sua
tarefa é a de expulsar os demônios, a minha é a de reconstruir a pessoa. Esta
pessoa, que não é psicótica nem neurótica, teve necessidade de passar pelo
padre Amorth antes de chegar até mim. E compreendo também a importância da fé.
Todos nós poderemos constatar que temos extrema facilidade em curar pessoas que
têm fé.
Resposta – Obrigado pela sua intervenção. Realmente é necessário mútua
compreensão para sermos ainda mais úteis para os doentes. Descobrem-se mundos
novos. Coisas difíceis de acreditar. Certo dia, o padre Cândido estava
exorcizando uma moça, estudante universitária, que apresentava sintomas certos
de possessão diabólica, mas também sinais certos de desequilíbrio psíquico. O
padre Cândido pediu ajuda a um amigo e marcaram um encontro. O psiquiatra tinha
uma escrivaninha que era muito grande e, por isso, a moça estava sentada à sua
frente mas ainda bastante distante. No fim da conversa, o psiquiatra disse a
ela: “Menina, vou receitar estes medicamentos para você”, e começou a escrever
a receita. Nesse momento, aconteceu um
fato estranho. Sem se mexer da cadeira, a moça esticou o braço, que ficou muito
comprido sob o olhar estupefato do psiquiatra (“quase dois metros”, dirá ele
mais tarde), pegou a receita que o médico estava preenchendo, rasgou-a e
atirou-a para o cesto de lixo dizendo com voz profunda: “Esta porcaria não me
serve para nada”. O padre Cândido ria muito ao contar do susto que tinha
passado o seu amigo médico, que nunca mais quis saber nada da moça, nem de
nenhum outro paciente do exorcista. São fatos perante aos quais um exorcista
não se espanta, pois está constantemente acostumado a lidar com eles. Mas é bom
que também o psiquiatra os conheça para poder intervir no âmbito que é de sua
competência.
3ª-
Pergunta- Antes de mais nada, quero agradecer ao padre Gabriele Amorth por tudo
o que nos disse. A minha pergunta é estritamente técnica a respeito da função
do psiquiatra nesses casos. Gostaria de saber qual a responsabilidade
individual destas pessoas, que interesses tem o demônio; as causas que levam
uma pessoa ficar possuída pelo demônio.
Resposta – São três
perguntas muito interessantes e sinto ter de resumir as respostas em tão pouco
tempo. Começo pela última pergunta, que também esclarece a primeira. São quatro
as causas que podem levar à possessão diabólica ou a perturbações de natureza
maléfica; duas causas são inculpáveis; por isso não existe responsabilidade;
duas causas são culpáveis; por isso a responsabilidade humana é evidente:
A) Pode se tratar de
simples permissão de Deus, do mesmo modo como Deus pode permitir uma
determinada doença. A finalidade é dar à pessoa uma oportunidade de purificação
e de méritos. Poderia apresentar uma longa lista de santos e de bem-aventurados
que sofreram períodos de possessão diabólica (Santa Gemma Galgani, a
bem-aventurada Ângela de Foligno, o bem-aventurado Padre Calábria…). Pode se
tratar apenas de perturbações maléficas, tais como pancadas, quedas ou coisas
semelhantes; temos exemplos famosos deste tipo de fenômenos na vida do Santo
d’Ars e do Santo Padre Pio.
B) A causa pode ser
dada por um malefício de qual se é vítima: não há culpa por parte da vítima,
mas existe culpa por parte de quem o provoca. Até mesmo a pessoa mais inocente
(por exemplo, um bebê ainda no seio materno) pode ser atingida por um maléfico,
que é definido como: fazer mal por meio do demônio.E pode ser colocado em
prática de muitas maneiras: feitiço, pactos, maldições, mau-olhado, macumba…
Aqui entramos no grande campo da magia e da bruxaria, que nos levaria para
longe do nosso tema. Limito-me a dizer que Deus criou o homem livre; livre até
de fazer mal às outras pessoas. Assim como posso pagar a um assassino para que
mate uma determinada pessoa, do mesmo modo posso pagar a um indivíduo ligado ao
demônio para que faça um malefício contra alguém.
C) Freqüentar pessoas
e lugares perigosos. Quem consulta magos, cartomantes, bruxos; quem participa
em sessões de invocação de espíritos de mortos ou faz parte de seitas
satânicas; quem se dedica ao ocultismo, à necromancia (mesmo sob a forma de psicografia,
atualmente muito difundida): todas estas pessoas se expõem ao risco (embora na
maior parte das vezes não sofra as conseqüências) de receber influências
maléficas e mesmo a possessão. É evidente nestes casos a plena responsabilidade
do indivíduo, por vezes provocada com absurda vontade: por exemplo, no caso do
pacto de sangue com o diabo.
D) Também a quarta
causa implica plenamente a responsabilidade do indivíduo. Pode-se cair em
malefícios pela persistência, em culpas graves e múltiplas. Creio que é o caso
evangélico de Judas, de quem se diz no fim: “Satanás entrou nele”. Tive casos
de jovens usuários de droga e sobretudo culpados de delitos e perversões
sexuais, culpas graves e persistentes que os tornaram escravos do demônio. Também
já experimentei a grande dificuldade que é libertar mulheres que, para além de
outros motivos que tinham provocado a possessão, tinham realizado abortos.
Respondo, enfim, a
segunda questão: que interesse tem o demônio?Nenhum interesse, mas age por pura
perfídia.
É a verdadeira falsidade demoníaca, que quer o mal pelo mal, mesmo em próprio
dano. Certo dia, interroguei um demônio: “Você paga com um aumento de penas
eternas todos os sofrimentos que provocas a estas pessoas. Tem todo o interesse
em ir embora o mais rápido possível”. Respondeu-me: “Não me interessam as penas
que tenho de sofrer; me basta fazer sofrer esta pessoa e destruí-la”.Nós
podemos compreender, mesmo desaprovando, o delinqüente que mata um homem para o
derrubar. Mas nunca chegaremos a compreender a perfídia do demônio que se
encarniça contra o homem, eventualmente com o objetivo de desprezar Deus,
travando os seus planos de felicidade e bem, mas em dano próprio.
4ª-
Pergunta – Na minha longa experiência sempre me abstive de fazer investigação
como curioso; procurei sempre, pelo contrario, manter-me atualizado. Hoje vim
aqui a convite do prezado Doutor Tamino; e, no entanto, comecei a anotar muitas
coisas e a surgirem muitas dúvidas. Vou apresentar apenas algumas. Antes de tudo,
está fora de questão que o psiquiatra, mais do que todos os outros, tem de ter
consciência dos enormes limites da ciência. Lembro-me de um grande estudioso
francês que falava das vantagens da ignorância, ou seja, de considerar-se
ignorante; quando uma pessoa se considera sábia não aprende mais nada. Gostaria
que me dissesse mais alguma coisa a respeito da possessão e dos malefícios. E
também a respeito da colaboração que se requer do endemoninhado para que seja
curado, o que isso significa? Já tive experiência destas possessões e gostaria
de saber, também, a opinião dos outros: é que entre as formas que já encontrei
na minha vida profissional e as que hoje aqui foram relatadas, há bem pouco em
comum.
Resposta – Muito obrigado. Certamente que o pouco tempo disponível não permite
responder completamente a questões tão profundas. Aquilo que relatei não
combina com a sua experiência. Seria interessante fazer uma comparação, porém,
limito-me a uma observação: os fatos naturais são caracterizados por uma certa
repetição que, no fim das contas, permite a formulação de leis, de critérios,
também em campo médico.Deste modo, a partir da experiência, nasce a ciência.
Mas aqui não. Não existem dois casos iguais. Mesmo entre exorcistas, as
experiências são de tal maneira diferente que por vezes é difícil entendermos.Mais
algumas palavras a respeito da possessão, que é a forma mais grave. O demônio é
puro espírito, na realidade, é uma força demoníaca que se apodera de uma pessoa
e fala ou age servindo-se dos órgãos desta pessoa, mas valendo-se do seu
conhecimento e força. Por isso pode revelar coisas ocultas; pode falar todas as
línguas ou línguas que desconhecemos; pode manifestar uma força extraordinária,
impossível, humanamente falando.Um amigo, exorcista em Roma há muito tempo,
estava exorcizando um jovem numa Igreja. A certa altura, este jovem levantou-se
e começou a subir, a subir até que a sua cabeça tocou no teto da Igreja.
Imaginem o terror que experimentaram os que presenciaram a cena, o medo de que
o seu familiar caísse de repente e se arrebentasse no chão. O exorcista fez um
gesto para tranqüilizá-los e continuou firme com o exorcismo, como se nada de
mais estivesse acontecendo.Mais para o fim das orações, aquele jovem começou a
descer lentamente e, no final do exorcismo, já estava de novo sentado. Não
percebeu nada. São fenômenos que ocorreram, e que não podem ter explicação
natural. Mais difícil é verificar a relação com os malefícios.Já a Bíblia diz,
no livro do Êxodo, quando descreve que os fatos prodigiosos que Moisés realiza
perante o Faraó, por ordem de Deus e com a força de Deus, também são realizados
pelos magos, com a força do demônio: transformar a água em sangue, o bastão em
serpente, provocar a invasão de rãs... O demônio também tem o poder de provocar
doenças.Jesus curou muitos surdos e mudos, que tinham sido atingidos por
malefícios; certa vez, curou um surdo-mudo expulsando o demônio que tinha se
apoderado dele:neste caso, o mal era resultante de uma presença demoníaca.O padre
Cândido, com seus exorcismos, curou muitas doenças e, até, tumores no cérebro.
Já me aconteceu, várias vezes, fazer desaparecer cistos dos ovários, na véspera
de uma operação. Naturalmente que são fatos que ocorrem apenas a pessoas já
afetadas por malefícios.O Evangelho sugere o critério: a árvore é conhecida
pelos frutos. Até os médicos, muitas vezes, fazem experiências com os
medicamentos e percebem que, se um dá resultado positivo, prosseguem com esse
tratamento; caso contrário, substituem-no. Eu costumo ser abrangente na
administração dos exorcismos e, depois, para avançar, me prendo ao efeito
provocado.Uma palavra também sobre a colaboração que se espera de uma pessoa
possessa.Estamos em um campo no qual a cura é a oração, é a intervenção divina.
Por isso, pedimos a quem é vítima de malefícios que se reconcilie com a lei de
Deus(freqüentemente o ponto de partida é uma boa confissão), que intensifique a
oração e a freqüência aos sacramentos, que aprofunde a própria cultura
religiosa. E estes meios comuns da graça não são apenas de ajuda; por vezes,
são suficientes para fazerem cessar as perturbações.
5ª-
Pergunta – Existem possessões mais ou menos graves? O demônio pode dar poderes,
benefícios?
Resposta – Existe uma vasta série de possessões diabólicas, diferentes em
intensidade e em manifestações. Existe diferença de intensidade.Veio me
procurar, uma jovem de 15 anos, que há alguns dias tinha ido assistir, por
curiosidade, a um ritual satânico. De volta para casa, ficou furiosa, dava
pontapés e arranhava os familiares que procuravam detê-la, cuspia neles.Foram
suficientes poucos minutos de exorcismos para que fosse completamente
libertada. Outras vezes, somam-se várias causas, em diferentes idades da vida,
e quando a pessoa vem procurar o exorcista é necessário sanar toda uma série de
feridas, exigindo, deste modo, um tratamento de muitos meses, freqüentemente
muitos anos, para atingir a plena libertação.Existem também grandes diferenças
nas manifestações externas. Cito dois casos extremos. Há pessoas que se tornam
furiosas, com uma força sobre-humana, gritam e procuram se atirar contra os
presentes; contudo, também já tive casos de absoluta imobilidade e silêncio,
com uma total falta de reações externas, que exigiram grande esforço e a
colaboração de muitos elementos para compreender que se tratava realmente de
uma possessão diabólica. Entre estes casos extremos, há espaço para uma série
de variações intermediarias.Outra situação é a de quem consegue realizar completamente
os seus compromissos profissionais e familiares, e afazeres de modo que ninguém
tome conhecimento do seu mal; diferente é a condição de quem não é capaz de
fazer nada, de quem tem necessidade de assistência contínua e, por isso, sente
um tédio mortal para com a vida.Passando à outra pergunta: sim, o demônio pode
dar poder e benefícios. É o que faz, por exemplo, com todos os magos e bruxos:
o poder da adivinhação e de provocar perturbações; pode também dar vantagens
materiais de riqueza, sucesso, prazeres.Mas uma vez que o demônio apenas pode
fazer mal e querer o mal, combina sempre estes dons com grandes sofrimentos.
Por isso, aqueles que pedem dons a satanás fazem um péssimo negócio: vivem o
inferno já nesta terra e, se não se converterem, irão vive-lo na outra vida
também.
6ª-
Pergunta – Vamos dar um exemplo: uma pessoa possuída pelo demônio recebe um mal
físico que exige intervenção cirúrgica; quais são as conseqüências? Pode haver
conflito entre um exorcista e um médico, com evidente prejuízo ao paciente, se
o exorcista considerar que se encontra diante de um malefício, que pode ser
curado com o exorcismo, e o médico considerar, pelo contrário, que se trata
apenas de um mal natural, que deve ser curado por via médica?
Resposta – São possíveis
surpresas, mas não são possíveis conflitos entre médicos e exorcistas. Esta,
pelo menos, é minha experiência pessoal e dos exorcistas que conheço. Surpresas: tive alguns casos nos quais o
cirurgião, dando continuidade aos preparativos para a operação, não encontrou
nada daqueles males que as análises, a ecografia, a TAC e a ressonância
magnética revelaram. Em todos os casos, havia um mal (por exemplo, cistos), mas
que surgiram imediatamente após a operação. Mas são casos muito raros.Já no que
diz respeito à possibilidade de conflito entre médicos e exorcistas, nunca tive
conhecimento de nenhum. Isto porque, fundamentalmente, trabalham em campos
diferentes. Jamais me senti no direito de dizer a um médico o meu parecer,
ou de interferir nas decisões dele. Na maior parte das vezes, tive casos em que
suspeitava de malefícios e esperava que se evitassem determinadas intervenções
cirúrgicas; e, de fato, ocorriam mudanças nos dados das análises, o que levava
os cirurgiões a decidirem não intervir. Posso dizer que me encontrei muitas
vezes a colaborar, indiretamente, com os médicos, sem que nunca nos
encontrássemos e sem que eles soubessem da minha existência ou do fato que o
paciente recebia exorcismos realizados por mim. Creio que este também é um importante ponto de encontro, embora
inconsciente: o respeito mútuo que faz com que cada qual atue na própria área
de intervenção; e o encontro é dado pelas vantagens que o doente recebe, sendo
beneficiário tanto dos cuidados médicos como da intervenção dos exorcistas.
7ª- Pergunta – Uma curiosidade pessoal.
Gostaria de saber com que critérios de escolha é que chegou a este tipo de
atividade, e se sofreu danos pessoais. E, antes ainda, gostaria de saber da
cultura, do ambiente onde vive; por exemplo, a comparação de alguém que vive em
Londres com alguém que vive em uma tribo africana.
Resposta – Considero muito importante fazer estas distinções.A cultura pessoal e
o ambiente, mais ou menos avançado, em que se vive,não têm nenhuma influência
nem sobre as eventuais perturbações, nem sobre os remédios que as pessoas
procuram nos exorcistas ou nos magos e nos bruxos.Tanto nós, como eles, somos
visitados por operários, agricultores, domésticas, profissionais liberais,
industriais, políticos… Tive o caso de um engenheiro eletrônico que tinha pago
vinte mil euros por um amuleto (um saquinho com um cordel cheio de nós), que
devia tê-lo libertado de todos os seus problemas.O progresso técnico e a cultura
não têm qualquer influência; verificamos a existência deste fato por todo o
lado: tanto na Inglaterra como em Portugal, nos Estados Unidos como na África
ou na Índia.Também a religião tem pouca
influência e convive tranquilamente com as várias formas de superstição, embora
as combata como pecados de idolatria. As pessoas vão à igreja e depois à bruxaria,
com a maior naturalidade.Sabemos que no mundo tecnicamente mais evoluído, a
página dos jornais diários mais lida é a do horóscopo; foram feitas estatísticas
bem precisas a este respeito.Não esqueçamos que a luta contra o demônio e
contra os espíritos maléficos foi sempre conduzida, junto de todos os povos,
ainda antes que existisse o povo judeu; naturalmente que cada qual seguia as
convicções e os métodos do seu ambiente cultural.O surgimento do cristianismo e
de outras grandes religiões tiveram escassa influência na mudança da
mentalidade.Agora respondo à pergunta sobre como me tornei exorcista. Foi por
acaso; não foi uma escolha minha. Tinha ido visitar o Cardeal Hugo Poletti,
para cumprimentá-lo e alegrá-lo um pouco com a minha maneira brincalhona de
ser, quando no meio da conversa surgiu o nome do padre Cândido Amantini: Você
conhece o padre Cândido: Doente como está precisa mesmo de alguém que o ajude”.Começou
a escrever numa folha (evidentemente que me conferia a condição de exorcista),
sem prestar atenção aos meus protestos. Acrescento também que danos à minha
pessoa nunca sofri; trato o demônio com a autoridade porque é ele que tem medo
de mim e de qualquer homem, criado à imagem de Deus. Muito mais, tem medo de um
cristão, que a partir do Batismo ficou com o selo da Santíssima Trindade.
8ª- Pergunta – Muitas pessoas falam demais
sobre os demônios. Porque não falar, igualmente, dos espíritos bons, já que
também existem?
Resposta – Você tem razão. O demônio sempre se fez notícia; os anjos,
pouco. Recordo-me daquele provérbio chinês, que agora também está de moda
entre nós: “Faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que
cresce”.Os anjos bons existem, são muito mais ativos do que os demônios e, na outra
vida, poderemos verificar de quantos perigos nos defenderam; até de perigos
materiais.Quando penso, por exemplo, nas imprudências e nos riscos que consegui
superar em quarenta anos da carta de habilitação, conduzindo nem sempre da
maneira mais correta,tenho mesmo que agradecer ao meu anjo da guarda.Mas tomar consciência do bem é mais difícil
do que percebermos o mal. Até no campo dos males físicos: lamentamo-nos se
temos um mal (por exemplo, dor de dentes) e não pensamos em todos os nossos
órgãos que funcionam bem.Agradeço à pergunta que me apresentou porque me
permite recordar que os anjos existem; defendem-nos dos perigos, dão-nos boas
inspirações, ajudam-nos nas nossas atividades, apóiam-nos na adversidade. É
realmente injusto não falar mais sobre eles!
9ª- Pergunta – Mais uma pergunta sobre a
ação do demônio. Estes certamente que não tem interesse algum em encontrar-se
com um exorcista. Gostaria de saber se os endemoninhados vêm ao seu encontro
espontaneamente ou a força.
Resposta – A pessoa endemoninhada sofre, e deseja ir ao encontro do exorcista
para ser curada, ou seja, libertada. Mas é verdade que encontra dificuldades,
especialmente no último momento. Em muitos casos, se os atingidos não forem
ajudados não conseguem chegar ao exorcista.Durante os exorcismos o demônio fica
mais feroz do que em qualquer outro momento. E então, antes de começar o
exorcismo, começam as perturbações. Há quem chegue até mim serenamente e não
apresente dificuldades iniciais; há quem chegue até mim em estado de transe,
tendo sido mesmo arrastado a força durante a última parte do trajeto; há quem
gostaria de fugir enquanto espera pelo exorcismo, e fugiria mesmo se não fosse
agarrado. E há quem sai de casa para vir se encontrar comigo, mas depois não
consegue mudar a direção.Depois, e de um modo geral, no fim do exorcismo as
pessoas regressam as suas casas, serenas, contentes por terem vindo; em todo o
caso, mesmo percebendo as vantagens do exorcismo, sentem tantas dores durante o
desenrolar do ritual que acabam até dizendo: “Aqui é que eu não volto mais!”
Mas, pelo contrário, são as pessoas mais fieis em regressar.Acrescento que é
muito importante o auxílio que depois o possuído dá a si próprio (através da
oração, da freqüência aos sacramentos…) ou que recebe dos outros:bênçãos,
orações de libertação, etc.
10ª- Pergunta – Mas é assim, tão
importante, a colaboração da pessoa endemoninhada? Se há uma presença externa
que não depende dela, deveria poder ser libertada.
Resposta – Sim, a colaboração é muito importante. Eu costumo dizer, dado que já
quase toda gente tem experiência destas coisas, que é um pouco como libertar um
toxicodependente: se colaborar pode chegar à cura, caso contrário, não. Digo-o também ao interessado: a luta e a
vitória contra o demônio é você quem a conduz; é você que se liberta, eu apenas
posso lhe ajudar. Porque aqui é necessário a ajuda de Deus: quem liberta é o
Senhor. E obtém-se auxílio quando se reza e quando se afastam os obstáculos a
ação da graça: por uma injustiça grave que deve ser reparada. Para obter o
auxílio de Deus a oração é fundamental. Digo muitas vezes que o maior
obstáculo que nós exorcistas encontramos é a passividade das pessoas, a
pretensão de ser libertado sem o esforço próprio.
11ª- Pergunta – Gostaria de voltar à
tipologia de fenômenos de que se falou, como a glossolalia, a levitação, etc.
São fatos que me impressionam porque já pude observá-los em outro contexto
completamente diferente do da possessão diabólica; encontramos exemplos destes
fenômenos na literatura psicanalítica. Carl Jung fala a este respeito e dá uma
explicação em que formula a hipótese de forças e energias que se libertam. Parece-me que o Padre Amorth faz a distinção
entre fenômenos demoníacos, fenômenos paranormais e fenômenos psiquiátricos.
Esta distinção baseia-se numa evidente diferenciação fenomenológica que, porém,
possui igual substancialidade energética, ou trata-se de uma diferenciação
substancial em que se liberta uma energia totalmente diferente, de outra
natureza?
Resposta – A diferença é substancial porque há uma substancial diferença de
causa. Nos fenômenos de natureza
maléfica, a causa é a presença do demônio e a eventual energia que se liberta
provém do demônio. Por isso, só a oração e os exorcismos não são eficazes e os
males continuam, quer dizer que a causa é diferente: psíquica ou
parapsicológica. Por isso, não se trata de energias de intensidade
diferente, mas de energias de natureza diferente, de proveniência diferente.
12ª- Pergunta – No caso que citou, do
levantamento de um grande peso, pareceu-me entender que na sua perspectiva não
existe uma diferente intensidade de força, mas trata-se apenas de um fenômeno
de natureza diferente.
Resposta – Exato.
Neste momento, estamos perante a dificuldade que existe em catalogar
determinados fenômenos. Porque mesmo que a fenomenologia seja idêntica, a causa
pode ser substancialmente diferente.Foi por este motivo que citei o exemplo bíblico
de Moisés que, com a força de Deus, realizava os mesmos prodígios que depois
dos magos egípcios realizavam com a força do diabo. Podemos nos encontrar
perante dois fenômenos idênticos: um de caráter maléfico e o outro de caráter
paranormal.Como podemos distinguir a causa que os diferencia? Antes de mais a
modalidade de manifestação. Por exemplo, se uma pessoa manifesta uma força
anormal apenas durante o exorcismo. E, mais, se existem, eventualmente, outros
fenômenos suspeitos. Por exemplo, se a mesma pessoa, durante os exorcismos,
quando é aspergida com água-benta, reage como se estivesse a ser queimada.Certamente
que isto não acontece com pessoas que estão experimentando certos fenômenos de
caráter parapsicológico. Acrescento ainda: a eficácia dos meios de cura.Se uma pessoa age sob
a influência de poderes maléficos, os exorcismo produzem efeito na pessoa,
enquanto que as outras curas de índole natural não produzem efeitos.A ciência
médica e os poderes parapsicológicos (como a pranoterapia, por exemplo)influem
sobre os poderes naturais, mas não produzem qualquer efeito sobre os maléficos.
Também por isto se vê que a diferença é substancial e não apenas
fenomenológica.
Fonte: Extraído do
Livro “Exorcistas e Psiquiatras” – Pe. Gabriele Amorth – Ed. Palavra &
Prece - Capa acima.
Como diferenciar uma possessão diabólica de uma
doença mental?
Buscarei responder da maneira mais exata possível:
1. Os elementos constitutivos da possessão
diabólica
Há dois elementos que
constituem a possessão:
– A presença do
demônio no corpo do possesso.
– O império que ele
exerce sobre o corpo e, por meio deste, na alma.
O demônio não está
unido ao corpo, como a alma; e com relação à alma, ele não é senão um motor
externo e, se age nela, é por meio do corpo no qual habita. Pode agir
diretamente nos membros do corpo e fazê-lo executar todo tipo de movimentos;
indiretamente, age nas potências, enquanto estas dependem do corpo para suas
ações.Podemos distinguir dois estados diferentes no possesso: o da crise e o da
calma. A crise é a maneira de acesso violento, no qual o demônio manifesta seu
império tirânico produzindo no corpo uma agitação febril que se manifesta em
contorções, gritos de raiva, palavras ímpias e blasfêmias.Os possessos perdem,
então, todo conhecimento do que acontece com eles, do que disseram ou fizeram,
ou melhor, de tudo o que o demônio fez por meio deles. Só sentem a presença do
demônio no início, mas depois perdem a consciência. No entanto, esta regra tem
exceções.Nos intervalos de sossego, não há maneira de descobrir a presença do
espírito maligno, a impressão é de que ele foi embora. No entanto, sua presença
se manifesta mediante uma espécie de doença crônica que desconcerta todos os
remédios da ciência moderna.É frequente que haja muitos demônios possuindo uma
só pessoa. E, em geral, a possessão acontece em pecadores, mas há exceções.
2. Os sinais da possessão
Como há doenças
mentais cujos sintomas se assemelham aos da possessão, é preciso diferenciar as
duas coisas.Segundo o Ritual Romano, existem três sinais para conhecer a
possessão diabólica:
a)– Falar idiomas não
conhecidos. Para comprovar bem isso, é necessário estudar a pessoa
profundamente para ver se, no passado, teve oportunidade de aprender algumas
palavras de tais idiomas, se fala algumas frases soltas aprendidas de memória,
ou se fala e entende uma língua que na verdade não conhecia.
b)– Revelação de
coisas ocultas, sem meio natural que explique isso. Também neste caso é preciso
investigar bem para garantir que a pessoa não tem como saber tais coisas por
nenhum meio natural.
c)– Uso de forças
notavelmente superiores às naturais do sujeito, levando em consideração sua
idade, condição física, doenças etc.
3. Remédios para a possessão
Os remédios, neste caso,
são os capazes de enfraquecer a ação do demônio no homem, purificar a alma e
fortalecer a vontade contra as investidas do diabo. O principal remédio é o
exorcismo.
Remédios gerais:
a)- Um dos mais
eficazes é a purificação da alma por meio de uma boa confissão, sobretudo a
confissão geral. O Ritual aconselha acrescentar a isso o jejum, a oração e a
comunhão (mas esta só pode ser recebida na fase de calma).
b)- Os sacramentais e
objetos abençoados também têm muita eficácia, devido às orações que a Igreja
recitou ao abençoá-los. Santa Teresa confiava especialmente na água benta,
porque a Igreja lhe confere a capacidade de afugentar o demônio. Mas é preciso
usá-la com espírito de fé, humildade e confiança.
c)- O crucifixo e o
sinal da cruz também são eficazes, porque o demônio foi vencido pela cruz, e
por isso foge dela.
Os exorcismos
Finalmente sobre o exorcismo, cabe recordar o que o
Catecismo ensina (n. 1673):
“Quando a Igreja pede
publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou
objeto seja protegido contra a ação do Maligno e subtraído ao seu domínio,
fala-se de exorcismo. Jesus praticou-o, e
é d’Ele que a Igreja obtém o poder e encargo de exorcizar.Sob uma forma
simples, faz-se o exorcismo na celebração do Baptismo. O exorcismo solene,
chamado ‘grande exorcismo’, só pode ser feito por um presbítero e com licença
do bispo. Deve proceder-se a ele com prudência, observando estritamente as
regras estabelecidas pela Igreja.O
exorcismo tem por fim expulsar os demônios ou libertar do poder diabólico, e
isto em virtude da autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Muito
diferente é o caso das doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da
ciência médica. Por isso, antes de se proceder ao exorcismo, é importante
ter a certeza de que se trata duma presença diabólica e não duma doença.”
Autor: Padre Miguel
A. Fuentes, IVE
Fonte: Aleteia
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