Com
frequência, nos debates sobre economia e política, é comum acusar os defensores
do liberalismo econômico de querer "fazer um ajuste em cima dos
pobres", ou, uma variante, "querer que os pobres paguem pelo
ajuste". Ou, ainda mais comum, "impor um arrocho ao
povo". De certa maneira, a coisa é assim: se estamos analisando as contas
públicas e estas apresentam um buraco, prontamente dizemos que há um
"desajuste", que tem de ser "ajustado". Neste sentido, a
palavra 'ajuste' não tem nada de mau ou de pejorativo. Ela simplesmente decorre
do fato de que se você está trilhando um caminho que você sabe que irá terminal
mal, você tem de corrigir, de ajustar. Ajustar um parafuso solto não é algo
ruim em si mesmo. Com efeito, é o contrário: o ajuste pode impedir acidentes
fatais. Logo, qual seria o problema?
No
entanto, o que os supostos defensores dos pobres e porta-estandartes do
proletariado querem dizer quando associam liberalismo (ou, pior ainda,
"neoliberalismo") a ajuste fiscal é que os defensores do liberalismo
econômico querem "fazer ajuste em cima dos trabalhadores", reduzir
seus salários, aumentar o desemprego e "afetar o social", e tudo isso
apenas com o mesquinho objetivo de equilibrar as contas públicas.Por esta
retórica, o liberalismo econômico (ou, como erroneamente dizem tais pessoas, o
"neoliberalismo") é o grande inimigo do povo, ao passo que o
populismo, o socialismo e o estado de bem-estar são os verdadeiros heróis da
"sensibilidade social".
Mas a coisa não é bem
assim !
Feito
acima as devidas explicações do uso da palavra ajuste, resta claro que há dois
sentidos para o termo: um se refere a corrigir desequilíbrios, e o outro, a
piorar a qualidade de vida das pessoas. Neste último sentido, liberalismo
econômico e ajuste são claramente antônimos. Ou seja, um é exatamente o oposto
do outro, por definição.
Para melhor
entendimento, precisamos saber o que significa liberalismo?
Liberalismo
vem de liberdade, o que implica que as pessoas devem ser livres para perseguir
seus sonhos. Desde que não prejudiquem a terceiros, todos concordam que as
pessoas devem ser livres para buscar seus objetivos sem serem coagidas e sem
serem restringidas em suas aspirações.No âmbito da economia, essa liberdade é o
que gera os incentivos para empreender, produzir mais e aumentar a riqueza. A
liberdade econômica, por definição, é uma amplificadora da criatividade e do
empreendimento humano.
A liberdade está intimamente relacionada à propriedade privada. E quando
a propriedade privada é respeitada, empreendedores se arriscam mais e investem
mais; consequentemente criam mais empreendimentos que oferecem mais empregos, e
oportunidades de novos negócios, melhora a oferta, a qualidade dos produtos e
preços, através do oferecimento de bens e serviços pela concorrência. E se
estes bens e serviços satisfazem as demandas dos consumidores, giram a roda da
economia, produzindo riquezas e gerando
impostos que retornam em benefícios públicos comuns e de qualidade a
todos. É assim que funciona a economia em países desenvolvidos.
Se
isso ainda não bastasse, vale lembrar que, como efeito colateral, tudo isso
aumenta a demanda por mão-de-obra. Consequentemente, maior produção e maior
demanda por trabalhadores, fazem subir os salários em termos reais. Logo, o
padrão de vida da população aumenta. E nada disso é um conto de fadas ou uma
mera ginástica mental. De acordo com a última publicação do Índice de Liberdade
Econômica da Heritage Foundation, os países mais livres do mundo possuem uma
renda per capita 7,5 vezes maior que a dos países considerados
"reprimidos", como Argentina e Brasil.
É nas economias
populistas que acontecem estes constantes ajustes e arrochos
Tendo
deixado claro que liberalismo econômico nada tem a ver com "ajuste",
no sentido de reduzir os salários dos trabalhadores, vejamos agora o que é que
realmente causa o arrocho:
Ao
final da década de 1980, dois acadêmicos de prestígio internacional compilaram
várias experiências econômicas de países latino-americanos em um estudo que
intitularam "O populismo macroeconômico na América Latina". Para
Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards, o populismo macroeconômico, mediante o uso de:
"políticas fiscais e creditícias expansionistas, busca a todo
custo, o crescimento e a redistribuição de renda no curto prazo" ao mesmo
tempo em que "menospreza os riscos da inflação e dos déficits
orçamentários do governo, do protecionismo, das restrições externas e da reação
adversa dos agentes econômicos perante essas políticas agressivas e
anti-mercado".
Segundo
estes autores, estudiosos do assunto, o populismo econômico possui um caráter
autodestrutivo, uma vez que seus problemas, ao serem subestimados, acabam por
gerar grandes retrações da renda per capita, dos salários reais e do poder de
compra dos trabalhadores, prejudicando principalmente aqueles a quem o governo
mais queria beneficiar: os pobres e menos favorecidos.Talvez o mais
interessante da análise de Dornbusch e Edwards seja sua classificação do populismo
econômico em 4 etapas:
2)-
Na segunda etapa, vários gargalos começam a aparecer. A inflação aumenta de
maneira significativa. O déficit fiscal do governo piora em decorrência dos
subsídios do governo aos seus setores favoritos e do congelamento das tarifas
de energia, gasolina e demais serviços públicos (o que gera necessidade de
repasses para essas empresas). A desvalorização cambial ou o controle do câmbio
se tornam inevitáveis.
3)-
Na terceira etapa, os problemas se tornam explícitos: escassez de produtos,
inflação de preços em disparada, fuga de capitais, acentuada desvalorização
cambial e, no extremo, escassez de dólares. Consequentemente, com a queda nos
investimentos e com menos capital investido per capita, os salários reais
inevitavelmente caem e o crescimento econômico se estanca e entra em contração.
4)-
Na etapa final, o que normalmente ocorre é a implantação de um plano
"ortodoxo" de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios
na economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer. Um
novo governo é eleito (ou o próprio governo é reeleito; ou um novo governo
assume em decorrência da deposição do atual) e é obrigado, por necessidade, a
fazer esses ajustes, possivelmente sob a supervisão do FMI ou de organizações
internacionais que forneçam os fundos necessários para fazer as reformas
econômicas (isso ocorre majoritariamente quando o país precisa de recompor suas
reservas internacionais).
CONCLUSÃO:
O
populismo sempre privilegia o curto prazo em detrimento do longo prazo. Ao
fazer isso, são implantadas políticas econômicas nefastas, como inflação
monetária, déficits fiscais, controle de preços, aumento das regulações,
fechamento do mercado externo, subsídios às indústrias favoritas do governo
etc. Tudo isso pode, no curto prazo, gerar uma ilusão de bem-estar, como se
observa nos gráficos acima. No entanto, o colapso final é inevitável.
Para
Edwards e Dornbusch, a fase inescapável do populismo macroeconômico é a da
estabilização ortodoxa, em que realidade vem à tona, o salário real cai, a
inflação de preços dispara (pois os preços até então congelados são finalmente
liberados) e a economia entra em recessão. Obviamente, se a estabilização é
bem-sucedida e o populismo é abandonado, o país volta a crescer.
Ao
final, de quem é a culpa pelo ajuste e pelo arrocho? Daquele que simplesmente descortinou
o véu das mentiras ou daquele que insistia em tentar revogar as leis básicas da
economia? O ajuste, ou "arrocho", em cima dos trabalhadores não é de
responsabilidade do liberalismo econômico, mas sim uma consequência inevitável
do populismo. Nos países mais economicamente liberais, a economia
cresce mais e a renda das pessoas é a mais elevada de todas.Já onde viceja o
populismo, os salários crescem apenas no curto prazo, e sempre à custa de
caírem acentuadamente no médio-longo prazo, em consequência da inflação, da
destruição de capital, e de queda dos investimentos. Que fique claro:
liberalismo econômico não é ajuste e nem arrocho; ajuste e arrocho são as
consequências inevitáveis do populismo. Qualquer semelhança com algum país que
você conheça, não é mera coincidência...
Fonte:
Mises
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