Por Gustavo Antônio Solímeo e Luiz Sérgio Solímeo – Editora: Artpress
Os anjos e os demônios não são um
fruto da fantasia do homem, nem mera expressão de suas esperanças e temores.
Eles existem, são seres reais, dotados de uma natureza puramente espiritual,
muito mais perfeita do que a nossa, de uma inteligência agudíssima e uma
vontade potencial.Eles intervêm continuamente em nossa vida; os santos
anjos, por meio das boas inspirações que
nos sugerem; os demônios, pelas tentações a que nos submetem. Quais são os
poderes reais dos anjos e dos demônios? Como devemos nos portar diante da
ação angélica e como reagir em face da atividade diabólica? Mais
especificamente, como resistir às tentações do demônio, à sua ação
extraodinária, às infestações e à possessão? O que pensar da feitiçaria, dos
sabás e das missas negras? Existem ainda hoje bruxos e feiticeiras? O
espiritismo e a macumba têm alguma influência diabólica? Existe alguma relação
entre Rock ’n’ Roll e satanismo? Para
responder a estas perguntas, os autores de Anjos e demônios — A luta contra o
poder das trevas, consultaram um
sem-número de obras especializadas, recolhendo o ensinamento de uma centena de
teólogos, moralistas e canonistas católicos; percorreram ainda as páginas de
numerosos jornais e revistas, tanto nacionais como estrangeiros. Eles
apresentam aqui, numa linguagem acessível, o resultado de sua pesquisa,
colocando nas mãos do leitor não-especializado um trabalho denso de conteúdo
bíblico e teológico e ao mesmo tempo de leitura amena e atraente.
“Sede sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário, anda como um
leão que ruge, buscando a quem devorar. Resistí-lhe fortes na fé”. (Primeira Epístola de São Pedro 5, 8)
OS ANJOS,OS
DEMÔNIOS E O HOMEM
“(Jacó) teve um sonho: Uma escada
se erguia da terra e chegava até
o céu, e anjos de Deus subiam e desciam
por ela". (Gen 28, 12)
CONSIDERANDO
ÀS VEZES a beleza de um panorama marítimo, a elegância das ondas que vêm
suavemente espraiar-se na areia límpida em um turbilhão de espuma; gaivotas e
outros pássaros marinhos que planam docemente, sem esforço aparente, ao sabor
das brisas; o brilho da luminosidade que reverbera nas águas e parece
confundir-se com elas na linha do horizonte; diante de tudo isso sentimos a
tranqüila majestade de Deus, sua imensa sabedoria, amor infinito por nós
homens, dando-nos, sem nenhum mérito nosso, tais maravilhas. Mas, se para além
dos sentidos naturais, considerássemos o mesmo panorama também com os olhos da
Fé, perceberíamos que a maravilha é ainda maior, e a sabedoria e a bondade
divinas ainda mais perfeitas; sua solicitude em relação a nós, homens, ainda
mais excelente e carinhosa. É que, ao lado de toda aquela perfeição material,
guardando-a e dirigindo-a, saberíamos que estão criaturas espirituais,
incomparavelmente mais perfeitas do que nós e que têm como uma de suas missões
ajudar-nos a melhor conhecer e amar o Criador, aconselhar-nos em nossas
dúvidas, proteger-nos em todos os perigos, socorrer-nos em todas as
dificuldades: os anjos.
Os Santos Anjos
Coroando
a criação, acima dos seres inanimados, do mundo vegetal e animal, do homem que
é o Rei dessa obra, Deus colocou os espíritos angélicos, dotados de
inteligência (incomparavelmente mais perfeita que a nossa), porém não sujeitos
às limitações do corpo, como nós. Explica São Tomás que Deus criou todas as
coisas para tornarem manifesta a sua bondade e, de algum modo, participarem
dessa bondade. Ora essa participação e manifestação não seriam perfeitíssimas
senão no caso em que houvesse, além das criaturas, meramente materiais, outras
compostas de matéria e espírito (os homens) e, por fim, outras puramente
espirituais, que pudessem as similar de modo mais pleno as perfeições divinas. A
verdade maravilhosa da existência dos anjos - seres intermediários entre Deus e
os homens — é ilustrada poéticamente na Escrituras pelo sonho de Jacó,
Patriarca do Povo eleito: “(Jacó) teve um sonho: Uma escada se erguia
da terra e chegava até o céu e anjos de Deus subiam e desciam por ela” (Gen 28,
12).Do
ápice da escala da criação, os puros espíritos descem até a criaturas
inferiores, governando o mundo material, amparando protegendo o homem; e sobem
até Deus para oferecer-Lhe a glória da criação, bem como a oração e as boas
obras dos justos. Essa realidade angélica foi pressentida pelos povos antigos,
em meio às brumas do paganismo e das superstições, sob a forma de gênios
benfazejos das fontes, dos bosques, dos mares, os quais garantiriam a harmonia
do Universo, e eram propícios aos homens. Mas foi a revelação divina que
apresentou aos homens a verdadeira figura dos espíritos angélicos,
desembaraçada de toda forma de superstição. As Sagradas Escrituras e a Tradição
forneceram os elementos fundamentais, que os grandes teólogos Doutores da
Igreja — em especial São Tomás de Aquino — sistematizaram, dando-nos uma
doutrina sólida e coerente sobre o mundo angélico.
É
essa doutrina que procuramos sintetizar no presente trabalho, seguindo o Doutor
Angélico bem como autores mais recentes que trataram do tema. Estamos certos de
que o conhecimento desta doutrina será proveitoso para todos os fiéis.
Conhecendo melhor os anjos, teremos mais intimidade com eles e seremos assim
levados a recorrer mais amiúde à sua proteção e ao seu amparo, nesta nossa
jornada terrestre rumo ao Paraíso. Sobretudo na luta tremenda que devemos
travar contra o Adversário, o Caluniador, que anda ao redor de nós, no um leão
feroz, querendo nos devorar (1 Ped 5, 8-9): Satanás!
Satanás e os anjos
rebeldes
Da
maravilhosa realidade dos santos anjos, descemos assim para tenebrosa realidade
dos espíritos infernais, os demônios. Mais ainda do que em relação aos anjos,
os povos pagãos da Antiguidade (como também os primitivos de hoje) tiveram a
percepção dos demônios. A tal ponto, que mentalidades racionalistas
do século passado e deste quiseram ver na concepção bíblica de anjos e demônios
uma mera influência babilônica e grega. Essa apreciação é completamente
falsa pois a concepção bíblica e cristã sobre os anjos está inteiramente imune
dos absurdos supersticiosos dos pagãos. Em relação aos demônios, os povos
antigos (babilônios, caldeus ou gregos) manifestaram uma grande confusão, por
não terem conseguido resolver o problema da origem do mal. Em suas concepções,
o bem e o mal se mesclam e se confundem de tal maneira que tanto os deuses como
os gênios perversos mostram-se ambíguos, representando e praticando, uns e outros,
tanto o bem como o mal. Entre os gregos, o vocábulo daimon designava os deuses
e outros seres com forças divinas, sobretudo os maléficos, dos quais os homens
deveriam guardar-se por meio da magia, da feitiçaria e do esconjuro.A concepção revelada pela Sagrada Escritura e pela Tradição é bem outra:
os demônios não são divindades, mas simples criaturas, dotadas de uma perfeição
natural muitíssimo acima da do homem, porém infinitamente abaixo da perfeição
de Deus, seu criador, acima da do homem, porém infinitamente abaixo da perfeição
de Deus, seu criador. Se eles são
perversos, não é por terem uma natureza essencialmente má, e sim por
prevaricação; feitos bons por Deus, os anjos maus ou demônios se revoltaram e
não quiseram submeter-se Criador, servi-Lo e adorá-Lo como sua condição de
criatura o exigia.Uma
vez revoltados, os anjos rebeldes fixaram-se no mal, e passaram a tentar o
homem, procurando arrastá-lo à perdição eterna. Essa atividade demoníaca — a
tentação — os teólogos qualificam de ordinária, por ser a mais freqüente e
também a menos espetacular de suas atuações sobre o homem. Além dessa
atividade, ele pode — com a permissão de Deus — perturbar o homem de um modo
mais intenso mais sensível, provocando-lhe visões, fazendo-o ouvir ruídos e
sentir dores; ou, então, atuando sobre as criaturas inferiores — as planta
animais, os elementos atmosféricos — para desse modo atingir o homem. É a
infestação pessoal ou local, atividade menos freqüente mais visível, chamada
por isso extraordinária. Em certos casos extremos, podem os demônios
chegar a possuir o corpo do homem para atormentá-lo. Temos aqui a possessão, a
mais rara manifestação extraordinária do Maligno.Deus
não nos deixou à mercê dos espíritos depravados. Além da proteção especial de
nosso Anjo da Guarda e demais espíritos celestes, entregou à Igreja os meios
preventivos e liberativos para enfrentar a ação do demônio: orações,
sacramentos, sacramentais (bênçãos, medalhas, escapulários). O mais efetivo
desses meios sobrenaturais, para os casos de infestação e possessão são os
exorcismos, pelos quais se dão ordens ao demônio, em virtude do nome Jesus,
para abandonar o corpo da pessoa ou o lugar que ele infesta ou possui. Devido à
sua importância, nos deteremos um pouco mais no estudo dos exorcismos,
considerando os seus fundamentos teológicos, o modo de praticá-los, bem como a
legislação da Igreja a respeito.
Da
atuação espontânea do demônio, passamos àquela que ele desenvolve a convite do
homem, seja pela invocação direta e explicita, seja pela indireta e implícita.
Com relação à magia, à feitiçaria e outras formas de superstição, deixamos de
lado os aspectos históricos polêmicos (que alongariam por demais o presente
estudo e fugiriam ao objetivo dele), limitando-nos a considerar sua
possibilidade teológica, afirmada, aliás pelo Magistério da Igreja e pela
unanimidade dos teólogos e moralistas.Dedicamos
algumas páginas à revivescência do satanismo nos dias de hoje, salientando o
papel do Rock’ n’Roll, sobretudo do Heavy Metal (Rock Pesado) na sua difusão. A
título de ilustração da doutrina aqui desenvolvida, apresentamos alguns casos
de infestação possessão diabólica, uns decorrentes de intervenção espontânea do
espírito das trevas, outros conseqüência de malefícios ou no de pacto explícito
com o demônio; acrescentamos por fim o relato de uma série de sacrifícios
humanos aqui no Brasil em honra de entidades de macumba e candomblé (as quais
entidades não são coisa senão demônios), que revelam, de modo alarmante, o
quanto nosso país está envolvido por essa onda de satanismo moderno, conseqüência
de sua apostasia da Fé católica.Esperamos que este estudo contribua para
reavivar a devoção santos anjos, nossos fiéis amigos, conselheiros e
protetores; e ao mesmo tempo, sirva de alerta aos católicos para o perigo das
das espíritas ou de macumba, e outras formas de superstição( como o uso de
amuletos, adivinhações, etc.), as quais podem conduzir, muitas vezes sem que se
queira, à comunicação pelo menos implícita com os espíritos infernais.Digne-se
a Virgem Santíssima — que esmaga para sempre a cabeça da serpente infernal (cf.
Gen 3, 15) — proteger e abençoar este modesto esforço. Invocamos também o
patrocínio do glorioso Patriarca São José e a proteção do invencível Arcanjo
São Miguel — que derrotou Satã no “praelium magnum in caelo” (Apoc 12, 7-l0) — e dos santos anjos que
atenderam ao seu brado de guerra: “Quis ut Deus?” — “Quem é como Deus?”
I - OS
PRÍNCIPES DOS EXÉRCITOS DO SENHOR
AS
NOÇÕES que correm entre os fiéis, mesmo dentre os mais fervorosos, a respeito
dos santos anjos são muito vagas e superficiais. Meras reminiscências e imagens
da infância, na maioria dos casos, não muito diferentes de entidades fictícias
e de algum modo mitológicas, como as fadas e os duendes.A iconografia corrente,
infelizmente, não ajuda a dar a conhecer a verdadeira fisionomia dos anjos,
apresentando-nos seres alados, com vestes e aspecto feminimo; ou, então,
anjinhos bochechudos, com cara infantil e tola, brincando despreocupadamente
sobre nuvens que mais parecem flocos de algodão doce.Esses anjos não existem,
nem é deles que tratamos aqui.A
partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradição, dos escritos dos Santos
Padres, do ensinamento do Magistério eclesiástico, da lição dos Doutores e
teólogos, queremos apresentar a verdadeira natureza dos santos anjos: seres
puramente espirituais, dotados de uma inteligência agudíssima e de uma possante
vontade livre dominando abaixo de Deus sobre todas as demais criaturas,
racionais e irracionais, bem como as forças da natureza, os elementos da
atmosfera e subjugando para sempre os espíritos infernais.Eis os santos anjos,
príncipes dos exércitos do Senhor, mas também nossos amigos e protetores.
O admirável mundo
angélico
"E ouvi a voz de muitos anjos em volta do trono,e era o número
deles milhares de milhares". ( Ap
5,11)
ALÉM
DO MUNDO VISÍVEL e material, criou Deus também o mundo invisível e espiritual,
o admirável mundo angélico.A existência dos anjos foi negada na Antiguidade,
entre judeus, pela seita dos saduceus (cf. At 23, 8). Mais tarde, por certas
seitas protestantes, como os anabatistas. Em nossos dias ela tem por
adversários os ateus, materialistas e positivistas, que não crêem senão naquilo
que seus olhos vêem e seus sentidos apalpam. Os racionalistas, para encontrar
uma excusa aparentemente racional à sua incredulidade, alegam que os anjos
foram inventados pelos judeus no tempo do cativeiro da Babilônia, por imitação
das entidades ali cultuadas; ou, então, consideram os anjos como simples modo
poético e simbólico de referir-se às virtudes divinas e aos vícios humanos.Contra
todos esses, falam os dados da razão, a crença comum dos povos e a revelação
divina.
Os anjos existem!
Pela
simples razão, independentemente da revelação, o homem pode chegar de algum
modo ao conhecimento da existência dos anjos. Com efeito, a existência de seres
puramente espirituais não repugna à razão. E um exame da criação, à mera luz do
intelécto pode levar-nos à conclusão de que a existência de criaturas puramente
espirituais convém à harmonia do Universo, pois assim estariam representados os
três gêneros possíveis de seres: os puramente espirituais, acima do homem;
outros, puramente materiais, abaixo do homem; por fim, seres compostos, dotados
de matéria e espírito — os homens.E
a crença comum dos povos, constante em todos os lugares e em todas as épocas,
sempre afirmou a existência desses seres de natureza superior aos homens e
inferior à divindade.Uma coisa, porém, é a mera possibilidade da existência de
seres puramente espirituais, e outra é a sua realidade objetiva. A existência
dos anjos (e dos demônios, anjos decaídos) seria para nós um problema
insolúvel, não houvesse a tal respeito especial revelação divina por meio da
Escritura e da Tradição,* que nos garantem a certeza da existência dos anjos.* Tradiçâo,
em sentido amplo, é o conjunto de idéias, sentimentos e costumes, como também
de fatos que, numa sociedade, se transmitem de maneira viva de geração geração.Em sentido estrito teológico, chama-se
Tradição o conjunto de verdades reveladas que os ástolos receberam de Cristo ou
do Espírito santo, e transmitiram, independentemente Sagradas Escrituras, à
Igreja, que as conserva e transmite sem alteração.Essa revelação foi feita a
nossos primeiros pais, e se conservou na Humanidade, por via de transmissão
oral pelos Patriarcas. Com o tempo (e também por obra do demônio, sem dúvida),
essa revelação primitiva foi-se corrompendo, restando dela meros vestígios no
paganismo antigo e no atual. Nas brumas desse paganismo encontramos seres
incorpóreos, ora malfazejos ora benignos, quase sempre cultuados como
divindades ou quase-divindades.Para
preservar o povo judeu da contaminação por essa deformação politeísta pagã, os
Autores sagrados, durante largo período, evitaram mencionar nominalmente o
espírito das trevas. E, pela mesma razão, não se encontram muitos pormenores no
Antigo Testamento sobre a natureza dos anjos e dos demônios, embora sejam
mencionados a cada passo. A revelação definitiva só se verifica Nosso Senhor
Jesus Cristo. Porém, a Bíblia não traz toda a revelação sobre o mundo angélico,
sendo necessário recorrer à Tradição, Esta, como se sabe, encontra-se recolhida
nos documentos dos Santos Padres* e escritores eclesiásticos dos primeiros
tempos, assim como nos documentos do Magistério - Papas e Concílio - na
Liturgia e nos monumentos da Antiguidade cristã (catacumbas cemitérios, etc.).*Chamam-se
Santos Padres ou Padres da Igreja certos escritores eclesiásticos antigos, que
se distinguiram pela doutrina ortodoxa e santidade de vida e são reconhecido
Igreja como testemunhas da tradição divina.A
existência dos anjos é uma verdade de fé,* provada pela Escritura e pela
Tradição. A Sagrada Escritura refere-se inúmeras vezes a seres racionais,
inferiores a Deus e superiores aos homens; logo, segundo ela, esses seres, que
nós denominamos anjos, existem.*
Verdade de fé é aquela que se encontra na Revelação e é proposta pela Igreja
aos fiéis como verdade que se deve crer. A negação pertinaz de uma verdade de
fé constitui a heresia.Essa
verdade foi definida solenemente como dogma pelo concílio IV de Latrão (1215):
“Deus.., desde o princípio do tempo criou do nada duas espécies de seres — os
espirituais e os corporais, isto é, os anjos e o mundo”. De forma igual se
expressa o I Concílio do Vaticano (1870).
Os nove coros
angélicos
Existem
diferenças entre os anjos, mas não consta na Revelação qual sua origem nem seu
modo preciso. É questão de livre discussão se os anjos são todos da mesma
espécie, ou se existem tantas espécies quantos são os coros, ou se cada
indivíduo constitui uma espécie por si (opinião de São Tomás).De acordo com uma
tradição que remonta ao Pseudo-Dionísio Areopagita,* os teólogos costumam
agrupá-los em nove ordens ou coros angèlicos, distribuídos em três hierarquias
( os nomes são tomados da Sagrada Escritura):* - *Renomado
escritor eclesiástico dos primeiros séculos, cuja identidade não se estabeleceu
ainda ao certo, durante muito tempo confundido com o sábio convertido por São
Paulo no Areópago de Atenas (cf. At 17, 34). Uma de suas obras mais célebres é
De coelesti hierarquia — Sobre a hierarquia celeste, na qual estabelece a ordem
dos Anjos, deteminada pelo seu grau de assimilação a Deus, de união com Deus,
do dom de luz divina que recebem e transmitem aos Anjos inferiores.*
Por exemplo:
-Serafins ( Is 6,2);
-Querubins ( Gen 3,24; Ex 25, 18; 3 Reis 6,23;
Sl 17, 11; Ez 10,3; Dan 3,55);
-Arcanjos ( 1 Tes 4,15; Jud 9);
-Anjos, Potestades,
Virtudes (1 Ped 3,22); Principados,
-Dominações ( Ef 1,20-21);
-Tronos (Col
1,16).
Primeira
hierarquia: Serafins,
Querubins, Tronos:
Segunda
hierarquia:
Dominações, Potestades, Virtudes:
Terceira
hierarquia: Principados,
Arcanjos e Anjos.
Os
anjos dos três primeiros coros ou primeira hierarquia - Serafins, Querubins e
Tronos contemplam e glorificam continuamente a Deus: " Vi o Senhor sentado
sobre um alto e elevado trono... Os Serafins estavam por cima do trono ... E
clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos
exércitos" (Is 6, 1-3 ). " O Senhor reina ... está sentado sobre
querubins" (Sl 98,1); os três coros seguintes - Dominações, Virtudes e
Potestades - ocupam-se do governo do mundo; finalmente, os três últimos -
Principados, Arcanjos e Anjos - executam as órdens de Deus: "Bendizei ao
Senhor, vós todos os seus anjos, fortes e poderosos, que executais as suas
ordens e obedeceis as suas palavras" (Sl 102, 20).Todos
eles podem entretanto ser chamados genericamente anjos, estando à disposição de
Deus para executar suas vontades. Embora o Evangelho, na Anunciação a Maria, se
refira ao anjo Gabriel ( Lc 1,26), isto não quer dizer que ele pertença à
última das hierarquias angélicas, pois a sublimidade dessa embaixada leva a
supor que se trate de um dos primeiros espíritos que assistem diante de Deus.Os
três arcanjos - como são conhecidos comumente São Miguel, São Gabriel e São
Rafael - pertencem, provavelmente, à mais alta hierarquia angélica. Falaremos
deles mais adiante.Embora não conheçamos, o número exato dos anjos, sabemos,
pelas Escrituras e pela Tradição, que são muitíssimos,. É o que lemos no livro
do Apocalipse: "E ouvi a voz de muitos anjos em volta do trono ... e era o
número deles milhares e milhares":(Apoc
5, 11). E no livro de Daniel: “Eram milhares de milhares de milhares (os anjos)
que o serviam, e mil milhões os que assistiam diante dele” (Dan 7, 10).Muitos
teólogos deduzem que o número dos anjos é superior ao dos homens que existiram
desde o princípio do mundo e existirão até o fim dos tempos. A razão disso é
dada por São Tomás ao dizer que, tendo Deus procurado principalmente a
perfeição do universo ao criar os seres, quanto mais estes forem perfeitos,
Deus os terá criado com maior prodigalidade. Ora, os anjos são mais perfeitos
que os homens, logo foram criados em maior número.
A natureza angélica
“Então o anjo do Senhor tornou-o pelo
alto da cabeça e, tendo-o pelos cabelos, levou-o com a impetuosidade do
seu espírito até Babilônia, sobre a cova" (Dan 14, 32-35). É
TAL O ESPLENDOR de um anjo, que as pessoas às quais eles aparecem muitas vezes
se prostram por terra por temor e reverência para adorá-los, pensando que se
trata do próprio Deus — conforme relato das Escrituras e da vida dos santos. E
assim que São João conta no Apocalipse: “Prostrei-me aos pés do anjo para o
adorar; porém ele disse-me: Vê, não faças tal; porque eu sou servo de Deus como
tu .... Adora a Deus” (Apoc 22,9).É essa natureza maravilhosa que vamos estudar
agora.
Seres racionais,
inteligentes e livres
Os
anjos são seres intelectuais ou racionais, inferiores a Deus e mais perfeitos
que os homens. Eles são puros espíritos, não estando ligados a um corpo como
nós; são dotados de uma inteligência luminosa e de vontade livre e possante.Tendo
sido criados por Deus do nada, como tudo o mais, os pelo próprio fato de serem
puramente espirituais, são imortais, pois não têm nenhuma ligação com a matéria
corruptível, como os homens.Ao contrário da natureza do homem, que é composta
(isto é, formada de dois elementos distintos, o corpo e a alma) os anjos têm
natureza simples, puramente espiritual. Embora a alma humana seja igualmente
espiritual, ela foi criada por Deus para viver em união substancial com o
corpo; quando se dá a morte e a alma se separa do corpo, ela permanece em um
estado de violência, enquanto não se dá a ressurreição dos corpos.Já os anjos
não têm necessidade de um corpo como o homem. Desse modo, é um ser muito mais
perfeito, sendo inferior, quanto à natureza, apenas ao próprio Deus. Não se
pode pois, ao pensar nos anjos, concebê-los à maneira de uma alma humana
separada de seu corpo. Esta última não é capaz daquilo que o anjo pode fazer
sua simples natureza.Tal como o homem, os anjos existem realmente enquanto
pessoas; ou seja, eles são substâncias individuais, dotadas de inteligência e
livre arbítrio*. Em outros termos, eles têm uma existência real, distinta da de
outros seres, sendo capazes de conhecer, de amar, de servir, de escolher entre
uma coisa e outra. Eles não são portanto, seres imaginários, fictícios,
concebidos pelo homem como mero modo poético de exprimir-se, ou como
personificações das virtudes e dos vícios humanos ou das forças da natureza,nem
tampouco emanações do poder de Deus.* É
clássica a definição de pessoa dada por Boécio: “Rationalis naturae individua
substantia “— " Substância individual de natureza racional”.Os
anjos foram elevados à ordem sobrenatural, isto é chamados a participar da vida
da graça, cujo fim é a visão beatífica de Deus. Esta elevação é gratuita, mas
discute-se em que momento se deu (para São Tomás, foi no momento mesmo de sua
criação); é de fé que os anjos deveram sofrer uma prova, porém não se sabe qual
teria sido. Depois da prova cessou para eles o tempo de merecer; é também de fé
que os anjos bons gozaram e gozam para sempre visão beatífica e que os maus
foram condenados a uma pena eterna.
Conhecimento e
comunicação angélica
É
questão de livre discussão tudo quanto se refere ao conhecimento angélico, à
comunicação de uns com os outros, bem como o que se refere ao seu ato de
vontade; é certo que sua capacidade de conhecer — embora incomparavelmente
superior à do homem — é limitada: eles não conhecem naturalmente os mistérios
divinos, nem o futuro livre ou contingente;* também é certo que têm pleno livre
arbítrio.*Os
anjos (e também os demônios, que são anjos pervertidos), pela sua própria
natureza, não têm capacidade de conhecer o futuro que depende de um ato livre
de Deus ou do homem; porém, dada sua inteligência agudíssíma e seu conhecimento
da natureza e de suas leis, eles podem prever qual o desenrolar dos
acontecimentos, postas cenas causas. Também podem, em razão de sua profunda
penetração psicológica e do conhecimento da alma humana, fazer conjeturas mais
ou menos prováveis de como os homens reagirão diante de determinada
circunstância, e assim prever o que decorrerá daí.Para
dar uma idéia da perfeição do conhecimento angélico, parece oportuno
transcrever a explicação do Cardeal Lepicier, grande especialista na matéria.Comparando
o modo de conhecimento humano com o angélico, ressalta o Cardeal que Deus
infundiu no intelecto dos anjos, logo que os criou, representações de todas as
coisas naturais. Estas imagens “são não somente representativas de princípios
gerais que regulam cada ciência particular, mas encerram também, distintamente,
todos os pormenores virtualmente contidos nesses princípios, de maneira que uma
e a mesma imagem informa a mente angélica das particularidades de cada ciência.
Não poderá pois haver confusão na mente angélica, quando ela passa da
observação de um para a observação de outro..." Um anjo, com um simples
olhar à imagem que representa — digamos — o reino animal, conhece não só as
várias espécies de animais existentes, mas também cada indivíduo que exista ou
tenha existido dentro de cada espécie, assim como as suas propriedades
particulares e os seus meios de ação. E o mesmo sucede com o conhecimento de
qualquer objeto, seja ele qual for, que se encontre no reino da natureza, seja
orgânico ou inorgânico, material ou espiritual visível ou invisível.Chama-se
futuro livre ou contingente aquele que depende, seja da vontade divina, seja da
humana. Distingue-se do futuro necessário, o qual não depende do livre
arbítrio, mas decorre de causas que, uma vez postas, levam necessariamente a um
determinado efeito. Assim, à noite sucede o dia; a semente, lançada à terra,
germinará dentro de determinado tempo, se se verificarem todas as condições
necessárias a isso, independentemente da vontade divina (que já está
manifestada no ato da criação da espécie) ou da natureza humana.“Por
aqui se pode ver que a ciência humana é muito excedida pela ciência da mente
angélica, tanto em extensão com precisão”.* - *
Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível pp. 42-43.São
Tomás explica do seguinte modo a comunicação dos anjos entre si: como nós
homens, os anjos têm o verbo interior ou verbo mental, com o qual falamos a nós
mesmos ou formulamos os conceitos interiormente. Mas, enquanto nós só podemos
comunicar esse pensamento a outros por meio da palavra oral, ou de outro meio
externo, pois entre nós e os demais existe a barreira do nosso corpo, que vela
o pensamento, os anjos não têm essa barreira corpórea; assim, basta a eles, por
um ato de vontade, se dirigirem a outros anjos, para que seu pensamento — ou
seja, esse verbo interior ou verbo mental — se manifeste a eles.Como
os anjos são diferentes entre si, e uns são mais perfeitos que outros, os mais
perfeitos iluminam os menos perfeitos comunicando-lhes aquilo que eles vêem
mais em Deus.Do mesmo modo, eles podem iluminar os homens, comunicando-lhes
bons pensamentos, embora de forma diferente daquela pela qual um anjo se
comunica com outro. Como a mente humana necessita do concurso da fantasia para
entender as coisas, os anjos comunicam as verdades ao homem por meio de imagens
sensíveis.Quanto à vontade humana, só Deus ou o próprio homem são capazes de
movê-la eficazmente; o anjo, ou outro homem. só podem movê-la por meio da
persuasão.
Poder dos anjos sobre
a matéria
É
um tanto misterioso a nós o modo como os anjos, seres espirituais, possam mover
a matéria.No entanto tal poder está formalmente revelado, como se pode ver, por
exemplo, no livro de Daniel. O profeta fora jogado na cova dos leões para que
perecesse; por ação divina, os animais não fizeram mal: “O meu Deus enviou o
seu anjo, e fechou a boca dos leões e estes não me fizeram mal algum” (Dan 6,
21). No entanto, para alimentá-lo, Deus quis servir-se do profeta Habacuc,
conduzido até a cova por um anjo.Narra
a Escritura: “Estava então o Profeta Habacuc na Judéia, e tinha cozido um
caldo, e esfarelado uns pães dentro duma vasilha, e ia levá-los ao campo aos
ceifeiros que lá estavam. E o anjo do Senhor disse a Habacuc: Leva a Babilônia
essa refeição que tens, para a dares a Daniel que está na cova dos leões. E
Habacuc respondeu: Senhor eu nunca vi a Babilônia e não sei onde é a cova.
Então o anjo do Senhor tomou-o pelo alto da cabeça e, tendo-o pelos cabelos,
levou-o com a impetuosidade do seu espírito até Babilônia, sobre a cova” (Dan
14, 32-35).O próprio Salvador deixou-se carregar pelo demônio até o alto monte
para ser tentado (cf. Mt 4, 5-8).Em São Mateus, sobre a Ressurreição de Nosso
Senhor, está escrito: “Um anjo do Senhor desceu do céu, e, aproximando-se,
revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela” (Mt 28, 2).* - *Cf.
Suma Teológica, 1,qq. 52, 107,110-112.Embora
a questão, como dissemos, seja algo misteriosa, procuraremos sintetizar aqui a
doutrina de São Tomás de Aquino a respeito.Antes de tudo, convém lembrar o que
ensina o santo Doutor a respeito do modo como os anjos encontram-se em um lugar:
enquanto os seres corpóreos manifestam sua presença num lugar circunscrevendo-o
pelo contato físico de seu corpo com o lugar ocupado, as criaturas incorpóreas
delimitam o lugar por meio de um contato operativo. Quer dizer: elas estão no
lugar onde agem.
Quanto ao modo como
os anjos movem a matéria, é a seguinte explicação tomista:
O
ser superior pode mover os inferiores porque tem em si, de um modo mais
eminente, as virtualidades desses seres inferiores. Assim, o corpo humano é
movido por algo superior a ele, a alma, que é espiritual, a qual, através da
vontade, que também é imaterial, move os membros corpóreos a seu bel-prazer;
logo, não repugna à razão que uma substância espiritual possa mover a matéria.Entretanto,
no caso da alma humana, ela só pode mover diretamente aquele corpo com o qual
está substancialmente unida; as demais coisas, ela só pode mover por meio desse
corpo;* ora, como os anjos são seres espirituais, não estando substancialmente
unidos a nenhum corpo material, sua força de ação sobre a matéria não está
delimitada por nenhum corpo determinado; dai se segue que eles podem mover
livremente qualquer matéria.* Por
exemplo, para mover uma caneta sobre o papel no escrever, nós precisamos
segurá-la com a mão e através desta imprimir o impulso que fará a caneta
deslizar no papel e traçar as letras que desejamos; eu não posso mover
diretamente a caneta, por um simples ato de vontade: pelo ato de vontade eu
agarro a caneta e movo minha mão segundo meus intentos. Tudo que fazemos é precedido
pela vontade, e os anjos são dotados de vontade perfeita e superior a nossa
vontade humana.Esse
movimento se produz pelo contato operativo do anjo a matéria, impulsionando um
primeiro movimento local; por meio desse primeiro movimento local o anjo pode
produzir outros movimentos na matéria utilizando-se dos próprios recursos dela,
com o ferreiro se utiliza do fogo para dobrar o ferro.O Cardeal Lepicier
observa que, como os anjos possuem conhecimento das leis físicas e químicas que
ultrapassa tudo quanto a Ciência possa ter descoberto ou venha a descobrir, e,
além do mais, têm um poder imenso sobre a matéria, podemos dizer que
dificilmente se encontrarão no Universo fenômenos que os anjos não possam
produzir, de um modo ou de outro. Esses fenômenos são por vezes tão
surpreendentes, que chegam a parecer verdadeiros milagres. Porém, não são
milagres, pois embora ultrapassem de longe a capacidade dos homens, não estão
acima do poder angélico. Ele exemplifica:“Um rápido exame dos fenômenos que ocorrem no mundo físico bastará para
nos dar uma idéia dos maravilhosos efeitos a que os seres angélicos podem dar
causa. Em primeiro lugar, assim como, devido às forças da natureza, massas
enormes se podem deslocar, ou, sob a ação de agentes físicos, os elementos da
matérias dissolvem ou trabalham em conjunto, como quando provocam as
tempestades, furacões e procelas — assim também um anjo, sem a cooperação de
quaisquer agentes intermediários, transfere de um lugar para outro os corpos
mais pesados, levanta-os e conserva-os suspensos durante determinado tempo,
agita as mais pesadas substâncias e provoca colisões entre elas. Pode o mesmo
anjo revolver cidades e vilas, provocar terremotos e encapelar as ondas do mar,
originrar tempestades e furacões, parar a corrente dos rios e, se assim o entender,
dividir as águas do mar."Além de tudo isso, pode também um anjo, usando
das próprias forças, produzir os mais surpreendentes efeitos óticos, não só
obrigando substâncias desconhecidas para nós espargir jorros de luz, mas também
projetanto sombras que se assemelham a representações fantasmagóricas. Pode
ainda, sem a ajuda de qualquer instrumento, pôr em movimento os elementos da
matéria, fazer ouvir a música mais harmoniosa ou produzir os mais estranhos
ruídos, tais como pancadas repetidas ou explosões súbitas. São ainda os anjos
capazes de aglomerar nuvens, provocar relâmpagos e trovões, arrancar árvores
gigantescas, arrasar edifícios, rasgar tecidos e quebrar as rochas mais duras.
É-lhes também possível fazer com que um lápis escreva, por assim dizer
automáticamente, certas frases com um sentido inteligível, assim como dar aos
objetos formas diferentes das que são peculiares à sua natureza. Podem, até
certo ponto, suspender as funções da vida, parar a respiração dum corpo,
acelerar a circulação do sangue e fazer com sementes lançadas à terra cresçam
dentro de pouco tempo, até atingirem a altura duma árvore, com folhas, botões e
até com frutos."A um anjo é possível fazer todas estas coisas no mais
breve espaço de tempo por causa do seu poder sobre os elementos da matéria, e
sem a menor dificuldade, imitando perfeitamente as obras da natureza e dando em
tudo a impressão de que se trata de efeitos s a causas naturais” .* - *Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisível. pp. 74-75.
Poder dos anjos sobre
o homem
O
anjo pode produzir efeitos corpóreos maravilhosos. Ele pode, através do
movimento que imprime à matéria, produzir mudanças nos corpos, mas de tal forma
que apenas se sirva da natureza, desdobrando as potencialidades dela.Assim ele
pode, nos homens, favorecer ou impedir a nutrição ou provocar doenças. Mas ele
não pode fazer qualquer coisa que esteja completamente acima da natureza, como
por exemplo ressuscitar pessoas mortas.O anjo tem ainda o poder de favorecer ou
impedir os movimentos da sensualidade, a delectação, a dor, a ira, a memória e
afetar de vários modos os sentidos externos e internos, isto é, os cinco sentidos,
a memória e a imaginação.Do mesmo, modo o anjo pode aguçar a força da
inteligência e, de um modo indireto, mover quer o intelecto — excitando imagens
na fantasia ou propondo questões — quer a vontade, solicitando-a para que
escolha algo.O anjo pode formar para si um corpo com o qual aparece aos homens como,
por exemplo, o arcanjo São Rafael fez com Tobias. Santo Agostinho diz que os
anjos aparecem aos homens com um corpo que eles não somente podem ver, mas
também tocar, como é provado pela Escritura (Gen 18, 2ss; Lc 1, 26ss; At 12,
7ss; o livro de Tobias).O
anjo move o corpo que assume, como nós poderíamos mover um boneco, dando a
impressão de que ele está vivo, fazendo-os imitar os movimentos do homem.
Quando São Rafael parecia comer na companhia de Tobias, ele apenas fazia o
corpo do qual estava se servindo mover-se como faz um homem nessa circunstância,
mas sem consumir o alimento.Os espíritos angélicos não podem fazer milagres
propriamente ditos, mas sim coisas maravilhosas, que ultrapassam o poder
humano, não porém o angélico. Por exemplo, graças ao seu poder e conhecimento
extraordinário, podem curar doenças, restituir a vista a cegos (Tob 11, 15);
fazer prodígios como elevar uma pessoa e carregá-la pelos ares (Dan 14, 15),
fazer falar serpente (Gen. 3, Iss), etc.
Ministérios
dos anjos
"Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor...Exércitos do Senhor,
bendizei ao Senhor".(Dan 3, 58-61)
OS
MINISTÉRIOS dos anjos são: em relação a Deus, adorá-lo, louvá-Lo, servi-Lo,
executando todos os Seus decretos em relação aos demais anjos, quer aos homens,
como também a toda a natureza material, animada e inanimada; em relação aos
demais anjos, os de natureza superior iluminam os inferiores. dando-lhes a
conhecer aquilo que vêm em Deus; em relação aos homens, eles são ministros de
Deus para encaminhá-los à pátria celeste, protegendo-os, corrigindo-os, instruindo-os,
animando-os; em relação ao mundo material, eles são agentes de Deus para o
governo do Universo.
Ministros da liturgia
celeste
O
principal ministério dos anjos consiste em adorar, louvar e servir a Deus:
“Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor ... Exércitos do Senhor, bendizei ao
Senhor; louvai-O e exaltai-O por todos os séculos” (Dan 3, 58-61). “Bendizei ao
Senhor, vós todos os seus anjos, fortes e poderosos, que executais as suas
ordens e obedeceis as suas palavras” (Si 102, 20). “Os Serafins estavam por
cima do trono ... E clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo, Santo, é o
Senhor Deus dos exércitos” (Is 6,2-3).Os santos anjos
desempenham assim a liturgia celeste:"E vi os sete anjos que estavam de pé diante de Deus ... E veio
outro anjo, e parou diante do altar, tendo um turíbulo de ouro; e foram-lhe
dados muitos perfumes, a fim de que oferecesse as orações de todos os santos
sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus. E o aroma dos perfumes
das orações dos santos subiu da mão do anjo até à presença de Deus” (Apoc
8,2-4).Esses
puros espíritos são, pois, ministros do altar e ministros do trono de Deus:
eles cantam os louvores de Deus na presença do Altíssimo, e apresentam-Lhe as
nossas preces e as nossas boas obras; ao mesmo tempo, descem até nós e nos
trazem as graças e bênçãos divinas, verdade belamente expressa na visão da
escada de Jacó: “(Jacó) teve um sonho: Uma escada se erguia da terra e chegava
até o céu, e anjos de Deus subiam desciam por ela” (Gen 28, 12).Essa verdade,
em termos práticos, significa que eles são intercessores poderosíssimos diante
de Deus. A eficácia da intercessão angélica é testemunhada, entre muitas outras
passagens da Escritura, por esta do livro do Profeta Zacarias: “E o anjo do senhor
replicou e disse: Senhor dos exércitos, até quando diferirás tu o compadecer-te
de Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais te iraste? Este é já o ano
septuagésimo. ... Isto diz o Senhor dos exércitos: Eu sinto um grande zelo por
Jerusalém e por Sião... Portanto isto diz o Senhor: Voltarei para Jerusalém com
entranhas de misericórdia” (Zac 1,12-16).Isto nos deve mover a recorrer sempre
com fervor e cada mais a eles.
Guerreiros dos
exércitos do Senhor
As
Sagradas Escrituras nos apresentam os anjos numa guerreira, como a milícia dos
exércitos do Senhor.Assim, o profeta Miquéias exclama: “Eu vi o Senhor sentado
sobre seu trono, e todo o exército do céu ao redor dele, à direita e à
esquerda” (3 Reis 22, 19). E o livro de Josué, ao narrar a luta dos judeus para
conquistar a Palestina, após saírem do Egito, diz: "Ora, estando Josué nos
arredores da cidade de Jericó, levantou os olhos e viu diante de si um homem em
pé, que tinha uma espada desembainhada. Foi ter com ele e disse-lhe: Tu és dos
nossos, ou dos inimigos? E ele respondeu: Não; mas sou o príncipe do Senhor”
(Jos 5, 13-14).* - * No
Antigo Testamento os anjos são designados das mais diversas formas:
"príncipes"; "filhos de Deus"; "santos";
"anjos santos"; "sentidos vigilantes";
"espíritos"; "homem".O
próprio Deus, a quem servem esses anjos guerreiros, é apresentado como o Deus
dos exércitos. O profeta Oséias, descrevendo a fidelidade de Jacó, registra: “E
o Senhor Deus dos exércitos, este Senhor ficou sempre na sua memória” (Os 12,
4-5). Amós profetiza a prevaricação de Israel em nome do Senhor Deus dos
exércitos: "Ouvi isto, e declarai-o à casa de Jacó, diz o Senhor dos
exércitos”. E adiante: “Pois sabe, casa de Israel, diz o Senhor Deus dos
exércitos, que eu vou suscitar contra vós uma nação vos oprimirá” (Am 3, 13; 6,
15). Na visão do profeta Isaías: "Os serafins .. clamavam um para o outro
e diziam: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos” (Is 6, 2-3). A
mesma expressão é utilizada nos Salmos de Davi: “Quem é esse Rei da Glória ? O
Senhor dos exércitos; esse é o Rei da glória “. “O Senhor dos exércitos está
conosco; o Deus de Jacó é a nossa cidadela" ( Sl 23,10; 45, 8).O Senhor
Deus dos exércitos, após a desobediência de nossos primeiros pais, “pôs diante
do paraíso de delícias Querubins brandindo uma espada de fogo, para guardar o
caminho da árvore da vida" (Gen 3,24).As
hostes celestes combateram no Céu uma “grande batalha" (Apoc 12, 7), derrotando e expulsando Satanás
e os anjos rebeldes.E na noite sublime do Natal, esses guerreiros celestes
apareceram aos pastores: “E subitamente apareceu com o anjo uma multidão da
milícia celeste louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus no mais alto dos Céus
e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 8-14).Deus confia à milícia celeste
a defesa daqueles que O amam. Segundo os intérpretes, um anjo exterminador
matou em meio à noite todos os primogênitos do Egito (Ex 12, 29); e ao serem os
judeus perseguidos pelo exército do Faraó, o anjo do Senhor, que ia diante
deles, se interpôs entre os egípcios e o povo escolhido (Ex 14, 19). Quando
Senaquerib ameaçava o povo eleito, Deus enviou um de seus terríveis guerreiros
angélicos: "Naquela mesma noite saiu o anjo de Iavé e exterminou no
acampamento assírio cento e oitenta e cinco mil homens” (4 Reis 19, 35).Às
vezes os combatentes celestes se juntam aos combatentes terrestres para
dar-lhes a vitória, como se deu numa batalha decisiva de Judas Macabeu:“Mas, no mais forte do combate, apareceram do céu aos inimigos cinco
homens em cavalos adornados de freios de ouro, que serviam de guia aos judeus.
Dois deles, tendo no meio de si Macabeu, cobrindo-o com suas armas,
guardavam-no para que andasse sem risco da sua pessoa; e lançavam dardos e
raios contra os inimigos, que iam caindo feridos de cegueira, e cheios de
turbação. Foram pois mortos vinte mil e quinhentos homens, e seiscentos
cavalos” (2 Mac 10, 28-32).
O Senhor Deus dos
exércitos envia igualmente seus guerreiros para livrar seus amigos das mãos dos
ímpios:“Deitaram
(os judeus) as mãos sobre os Apóstolos e meteram-nos na cadeia pública. Mas um
anjo do Senhor, abrindo de noite as portas do cárcere, e, tirando-os para fora,
disse: Ide, e , apresentando-vos no templo, pregai ao povo toda as palavras
desta vida” (At 5, 18-20). “Herodes
... mandou também prender Pedro ... E eis que sobreveio um anjo do Senhor, e
resplandeceu de luz no aposento; e, tocando no lado de Pedro, o despertou,
dizendo: Levanta-te depressa. E caíram as cadeias das suas mãos. E o anjo
disse-lhe: Toma a tua cinta, e calça as tuas sandálias. E ele fez assim. E o
anjo disse-lhe: Põe sobre ti a tua capa e segue-me. E ele, saindo, seguia-o, e
não sabia que era realidade o que por intervenção do anjo, mas julgava ter uma
visão. E, depois de passarem a primeira e a segunda guarda, chegaram à porta de
ferro que dá para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma. E saindo,
passaram uma rua e, imediatamente, o anjo afastou-se dele: Então Pedro,
voltando a si, disse: Agora sei verdadeiramente que o Senhor mandou o seu anjo,
e me livrou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo dos judeus” (At
12, 1-11).
O
próprio Salvador, para deixar claro aos Apóstolos que Ele sofria a Paixão por
espontânea vontade, disse a São Pedro, que O queria defender por meio da espada:
“Julgaste por ventura que eu não posso rogar a meu Pai, e que ele não me porá
imediatamente aqui de doze legiões de anjos?” (Mt 26, 53).
Executores da Ira
Santa de Deus!
Esses
guerreiros executam igualmente a ira santa de Deus.Diante dos pecados dos
sodomitas, Deus enviou seus anjos:
"Quanto aos homens que estavam à porta (da casa de Lot e queriam
abusar dos jovens que lá estavam), eles (os anjos) os feriram com cegueira, do
menor ao maior, de modo que não conseguiram achar a entrada". “Os anjos
disseram a Lot ... nós vamos destruir este lugar pois é grande o clamor que se
ergueu contra eles diante do Senhor. E o Senhor nos enviou para exterminá-los
(Gen 19, 10-13)."Quando
os mensageiros do rei Senaquerib blasfemaram contra ti, teu anjo interveio e
feriu cento e oitenta e cinco mil dos seus homens". (1 Mac 7,41).Herodes
Agripa, que perseguira São Pedro e matara São Tiago, foi "ferido pelo anjo
do Senhor e comido de vermes” (At 12, 23).
No fim do mundo:
"O Filho do homem enviará os seus anjos, e tirarão do seu reino
todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha
de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes” ( Mt 13, 41-42). - "Quando
aparecer o Senhor Jesus (descendo) do céu com os anjos do seu poder, em uma
chama de fogo, para tomar vingança daqueles que não conheceram a Deus e que não
obedecem ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo; os quais serão punidos com
a perdição eterna longe da face do Senhor e da glória do seu poder" (2
Tess 1, 7-9).
Mensageiros celestes
O
próprio nome de anjos indica já sua função: enviados ou mensageiros de Deus.
Com efeito, o original hebraico do Antigo Testamento se refere a esses puros
espíritos como mal´âk yahweh, isto é, emissários de Deus. A versão grega
utilizou a expressão angelos, a qual foi por sua vez traduzida em latim por
angelus, palavra que serviu de base para as línguas ocidentais.O Novo
Testamento nos mostra a ação desses emissários de Deus, comunicando aos homens
as mais importantes mensagens divinas.Assim, o arcanjo São Gabriel anuncia a
Zacarias o nascimento do Precursor, São João Batista: “Eu sou Gabriel, que
assisto diante do trono de Deus e fui enviado para falar-te e comunicar-te esta
boa nova” (Lc 1,19).O mesmo anjo anuncia à Santíssima Virgem o mistério da
Encarnação: “Foi enviado o anjo Gabriel da parte de Deus a uma cidade da
Galiléia chamada Nazaré, a uma virgem desposaca com um varão de nome José, da
casa de David; e o nome da Virgem era Maria” (Lc 1,26-27).Um anjo aparece a São
José em sonhos dando-lhe a conhecer também esse mistério: “Eis que um anjo do
Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo: José, filho de David, não temas receber
Maria como tua esposa, porque o que nela foi concebido é (obra) Espírito Santo”
(Mt 1,20).
A
alegria do nascimento do Salvador foi anunciada pela aos pastores: “Ora naquela
mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu
rebanho. E eis que apareceu junto deles um anjo do Senhor, e a claridade de
Deus os cercou,, e tiveram grande temor. Porém o anjo disse-lhes: Não temais;
porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos
na cidade de David o Salvador, que é Cristo Senhor. E eis o sinal: Encontrareis
um menino envolto em panos deitado numa manjedoura. E subitamente apareceu com
o anjo uma multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus
no mais alto dos Céus e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,8-14).Um
anjo aconselha à Sagrada Família fugir para o Egito por causa da perseguição de
Herodes: “Eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse:
Levanta-te, torna o menino e sua mãe e foge para o Egito, e fica lá até que eu
te avise; porque Herodes vai procurara menino para o matar” (Mt 2, 13).Depois
da morte de Herodes, o anjo torna a aparecer a São José: "Morto Herodes,
eis que o anjo do Senhor apareceu em sonho a José no Egito, dizendo:
Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel, porque
morreram os que procuravam tirar a vida ao menino” (Mt 2, 19-20).
Consoladores e
confortadores
Em
diversos episódios, a Sagrada Escritura nos mostra os anjos no seu ministério
de consoladores e confortadores dos homens em dificuldades.O profeta Elias,
sendo perseguido pela ímpia rainha Jezabel (a qual introduzido em Israel o
culto idolátrico de Baal), fugiu para o deserto; ali, prostrado de desânimo e
fadiga, adormeceu. “E um anjo do Senhor o tocou, e lhe disse: Levanta-te e
come". Elias abriu os olhos e viu junto de sua cabeça um pão e um vaso de
água; comeu e bebeu e tornou a adormecer. “E voltou segunda vez o anjo do
Senhor, e o tocou e lhe disse: Levanta-te e come, porque te resta um longo
caminho “. O Profeta levantou-se, e bebeu e, revigorado, caminhou durante
quarenta dias e quarenta noites até o Monte Horeb, onde Deus iria manifestar-se
a ele(3 Reis 19, 1-8).Em sua vida terrena o próprio Salvador foi servido e
confortado anjos.Assim se deu após o prolongado jejum no deserto e a tentação
do demônio: “Então o demônio deixou-o; e eis que os anjos se aproximam e o
serviam” (Mt 4, 11).Na terrível agonia do Horto das Oliveiras, depois de Jesus
exclamar: “Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice “, o Padre enviou
um anjo para confortá-Lo: “Então apareceu-lhe um anjo do céu que o confortava”
(Lc 22, 42-43).
Na Ressurreição “um anjo do Senhor desceu do céu e,
aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sentado sobre ela; e o seu aspecto
era como um relâmpago e as suas vestes brancas como a neve”. E o mesmo anjo
consolou as Santas Mulheres que haviam ido ao Sepulcro:
“Não temais, porque sei
que procurais a Jesus que foi crucificado; ele já não está aqui, porque
ressuscitou como tinha dito” (Mt 28, 2-8).
Agentes de Deus para
o governo do Universo
É
por meio dos santos anjos que Deus exerce o governo do Universo.Os Padres e
Doutores da Igreja reconhecem nos anjos um grande poder, não só sobre as
plantas e animais, mas até sobre o próprio homem. A Sagrada Escritura fala-nos
também do anjo que tem poder sobre o fogo (Apoc 14, 18), e daquele que manda
nas águas (Apoc 16, 5).Santo
Agostinho diz que cada espécie distinta, nos diferentes reinos da natureza, é
governada pelo poder angélico.Segundo São Tomás, Deus mesmo estabeleceu, até os
mínimos detalhes, seu plano de governo do mundo. Mas ele confia a execução
desse plano, em graus variados, primeiro aos anjos, depois aos homens, segundo
suas funções diversas, e por fim às outras criaturas.Os
anjos são os agentes da execução de Deus em todos domínios. Como Deus governa
tudo, os anjos O ajudam e obedecem em tudo. Ele exerce seus desígnios no Cosmos
pelo ministério dos anjos. “E claro que as galáxias do céu, assim como as feras
das florestas e os pássaros que cantam para nós, e o trigo de nossos campos, os
minerais e os gases, os prótons e os nêutrons sofrem a ação dos anjos” comenta
Mons. Cristiani. (Mgr L. CRISTIANI, Les Anges, ces inconus, p. 651.)São Tomás é
categórico a esse respeito: “Todas as corporais são governadas pelos anjos. E
este é não somente o ensinamento dos Doutores da Igreja, mas também de todos os
filósofos" ( Suma contra Gentiles, lib. III, c. 1. ).E o Cardeal Daniélou
explica: “Trata-se pois de uma doutrina estabelecida pela tradição e pela
razão. E nós, de nossa parte, pensamos que o governo inteligente e forte do
qual dá testemunho a ordem do cosmos pode bem ter por ministros os espíritos
celestes, em que pese o racionalismo de alguns de nossos contemporâneos”. (
Apud Mgr L. CRISTIANI, art. cit., p.651.)
Guias e protetores
dos homens
Os
anjos, apesar de sua excelsitude, por desígnio de Deus, são nossos amigos e
companheiros. Eles nos protegem nas necessidades, nos guiam nos perigos, nos
sugerem continuamente bons propósitos, atos de amor e submissão a Deus.Pela sua
importância, a doutrina sobre os Anjos da Guarda merece maior desenvolvimento.
É o que faremos em capítulo à parte.Se o próprio Deus se serve continuamente
dos anjos, não devemos nós também recorrer sempre aos príncipes dos exércitos
do Senhor, aos mensageiros de Deus, invocando-os em todas as nossas necessidades?
Os Anjos da
Guarda
“Eis que eu enviarei o meu anjo, que vá adiante de ti, e te guarde pelo
caminho, e te introduza no lugar que preparei". (Ex 23, 20-23)
DEUS,
no seu amor infinito pelos homens, entregou cada um de nós à guarda e cuidado especial
de um anjo, que nos acompanha desde o nascimento até a morte: o Anjo da Guarda.Essa
doutrina foi sempre ensinada pela Igreja ( Cf. Catecismo Romano, Parte IV, cap.
IX, n. 4. ) e se baseia em testemunhos da Sagrada Escritura e da Tradição —
Santos Padres, Magistério Eclesiástico, Liturgia.
As Escrituras e os
Santos Padres
O
Antigo Testamento faz contínuas referências a esses anjos que nos servem de
protetores. Mais do que nos ensinar explicitamente tal verdade, parece dá-la
por suposta em suas narrações.Jacó ao abençoar seus netos, filhos de José, diz:
“Que o anjo que me livrou de todo o mal, abençõe estes meninos” (Gen 48, 16).Nas
palavras seguintes de Deus a Moisés encontramos os múltiplos ofícios que
incumbem ao Anjo da Guarda, de proteção e de conselho: “Eis que eu enviarei o
meu anjo, que vá adiante de ti, e te guarde pelo caminho, e te introduza no
lugar que preparei. Respeita-o, e ouve a sua voz, e vê que não o desprezes;
porque ele não te perdoará se pecares, e o meu nome está nele. Se ouvirdes a
sua voz, e fizerdes tudo o que te digo, eu serei inimigo dos teus inimigos, e
afligirei os que te afligem. E o meu anjo caminhará adiante de ti" (Ex
23,20-23).Por
meio do profeta Baruc, Deus comunica a Israel: “Porque o meu anjo está
convosco, e eu mesmo terei cuidado das vossas almas" (Bar 6,6).O
Salmo 90 exprime, com muita poesia, a solicitude de Deus para conosco, por meio
do Anjo da Guarda: “O mal não virá sobre ti, e o flagelo não se aproximará da
tua tenda. Porque mandou (Deus) os seus anjos em teu favor, que te guardem em
todos os teus caminhos. Eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não
tropece em alguma pedra” (SI 90, 10-12).E outro Salmo proclama: “O anjo do
Senhor assenta os seus acampamentos em volta dos que o temem, e os liberta” (SI
33, 8).Lançado
na cova dos leões, por intriga de invejosos, Daniel foi socorrido por um anjo:
“O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou as bocas dos leões e estes não me
fizeram mal algum” (Dan 6, 21).
Fala-se,
no Livro dos Reis, de um exército de carros que cercavam o profeta Eliseu (4
Reis 6, 14-17). São Tomás vê aí uma imagem do poder dos Anjos Custódios e a
preponderância dos anjos bons sobre os maus.São
inúmeras as passagens do Antigo Testamento que fazem referência à doutrina
sobre os Anjos da Guarda. Em nenhuma porém, a solicitude dos anjos para com os
homens fica tão patente como no livro de Tobias.* E por isso que ele é muito
citado sempre que se trata da matéria.*Este
livro da Sagrada Escritura é todo ele rico de ensinamentos sobre esta doutrina,
de maneira que não basta transcrever aqui uma ou outra passagem dele; assim,
convida-mos o leitor a lê-lo diretamente na Bíblia.Esse
ensinamento se torna mais preciso no Novo Testamento, onde a existência do Anjo
da Guarda é confirmada pelo próprio Salvador. Aos seus discípulos,
advertindo-os contra os escândalos em relação às crianças, diz: “Vêdes que não
desprezeis a um só destes pequeninos, pois eu vos declaro que os seus anjos
vêem continuamente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10). Essas
palavras deixam claro que mesmo as crianças pequenas têm seus Anjos Custódios,
como também que estes anjos mantém a visão beatífica de Deus ao descer à terra
para atender e proteger a seus custodiados.Também São Paulo se refere ao papel
protetor dos anjos em relação aos homens: “Não são eles todos espíritos a
serviço de Deus mandados para exercer o ministério a favor dos que devem obter
a salvação?” (Heb 1, 14).
Os Santos Padres
ensinam desde cedo essa doutrina.
São
Basílio (329-379), entre os gregos, afirma: “Que cada qual tenha um anjo para o
dirigir, como pedagogo e pastor, é o ensinamento de Moisés” ( Apud Card. J.
DANIELOU, Les Anges et leur mission, p. 93. )E, entre os latinos, São Jerônimo
(342-420) assim comenta passagem de São Mateus (18, 10), acima citada, sobre os
anjos das crianças: “Isto mostra a grande dignidade das almas, pois cada uma
tem, desde o nascimento, um anjo encarregado de sua guarda" (Comm. in
Evang. 5. Matth., lib. III, ad cap. XVIII, 10 Apud Card. P. GA5PARRI Catechisme
Catholique pour Adultes, p. 346. )A crença na existência e atuação dos Anjos da
Guarda está tão firmemente estabelecida na tradição da Igreja, que desde tempos
imemoriais foi instituída uma festa especial em louvor deles (2 de outubro).
O ensinamento dos
teólogos
A
partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradição, teólogos foram
explicitando ao longo dos séculos uma doutrina sólida e coerente sobre os Anjos
da Guarda.O príncipe dos teólogos, São Tomás de Aquino, na sua célebre Suma
Teológica, (Suma Teológico, 1,q. 113.) expõe largamente essa doutrina.O santo
Doutor justifica a existência dos Anjos da Guarda pelo princípio de que Deus
governa as coisas inferiores e variáveis por meio das superiores e invariáveis.
O homem não só é inferior ao anjo, mais ainda está sujeito a instabilidades e
variações por causa fraquesa de seu conhecimento, das paixões, etc. Assim, ele
é governado e amparado pelos anjos, que servem como instrumentos da providência
especial de Deus para com os homens.A
função principal do Anjo da Guarda é iluminar-nos em relação a verdade, à boa
doutrina; mas sua custódia tem também muitos efeitos, tais como reprimir os
demônios e impedir que nos sejam causados outros danos espirituais ou corporais.Cada
homem tem um anjo especialmente encarregado de guardá-lo, distinto do das
coletividades humanas de que façam parte. Estas têm anjos especiais para
custodiá-las; enquanto os anjos dos indivíduos pertencem ao último coro
angélico, o das coletividades ou instituições podem fazer parte dos coros e
hierarquias superiores.Como há vários títulos pelos quais um homem necessita
ser especialmente protegido (ou seja, considerado enquanto particular ou como
ocupando um cargo ou função na Igreja a ou na sociedade), um mesmo homem pode
ter vários anjos para custodiá-lo.A
Virgem Santíssima, Rainha dos Anjos, teve também não um, mas os Anjos da
Guarda. Enquanto homem, Jesus teve Anjos da Guarda; não evidentemente para
protegê-Lo, pois o inferior não guarda o superior, mas para servi-Lo.
Mesmo os
infiéis têm Anjos da Guarda e até o Anti-Cristo o terá!
O
Anjo da Guarda nunca abandonará o homem, mesmo após a morte, se ele for para o
Paraíso, pois a custódia angélica é parte da providência especial de Deus para
com o homem, o qual jamais estará totalmente privado da providência divina. Embora
estejam normalmente no Céu, contemplando a Deus, os Anjos da Guarda conhecem
tudo o que se passa na terra com seus protegidos; podem, então, quase
imediatamente, passar de um lugar ao outro para protegê-los ou influenciá-los
beneficamente.Santo Agostinho pergunta: “Como podem os anjos estar longe, quando nos
foram dados por Deus para ajudar-nos?” E responde:“Eles não se apartam de nós, embora aquele que é assaltado pelas
tentações pense que estão longe”. (Apud A. J. MacINTYRE, Os anjos, urna
realidade admirável p. 321. ).Os
Anjos Custódios nunca estão em oposição ou divergência real entre si. O relato
bíblico da luta entre o anjo da Pérsia e o anjo Protetor dos Judeus (cf. Dan
10, 13-21) em que o primeiro queria reter os hebreus na Babilônia e o segundo
desejava conduzi-los de volta à sua pátria encontra a seguinte explicação: às
vezes Deus não revela aos anjos os méritos ou os deméritos das diversas nações
ou indivíduos que eles custodiam. Enquanto não conhecem com certeza a vontade
divina, os Anjos da Guarda procuram, santamente, proteger de todas as formas os
que estão sob a sua proteção, mesmo contrariando os desejos de outros Anjos
Custódios. Mas logo que a vontade de Deus fica clara para eles, todos se
submetem pressurosos, pois o que desejam sempre é fazer a vontade divina.Do
mesmo modo que os homens, também as instituições, os povos e os países contam
com um anjo especialmente encarregado de velar por eles.Essa doutrina tem base
nas palavras da Sagrada Escritura, onde é dito que um anjo conduzia o povo
judeu pelo deserto (Ex 23,20), e também na passagem já referida sobre a luta
entre o anjo dos Judeus e o anjo dos Persas (Dan 10, 13-21).É
também o que ensina São Basílio: “Entre os anjos, uns são prepostos às nações;
os outros são companheiros dos fiéis”. ( Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et leur Mission, p. 93. ).São
Miguel Arcanjo era o protetor de Israel enquanto povo eleito (Dan 10, 13-21);
atualmente ele é o protetor do novo povo de eleição, a Igreja. As aparições de
Nossa Senhora em Fátima. foram precedidas pela do Anjo de Portugal.
Efeitos da custódia
dos anjos
Os
efeitos da custódia dos anjos são, uns corporais, outros espirituais,
ordenados, uns e outros, à salvação eterna do homem.Os efeitos são corporais,
na medida em que impedem ou livram dos perigos ou males do corpo, ou auxiliam
os homens nas questões materiais, conforme consta no livro de Tobias (cap. 5 e
seguintes).E são espirituais, sempre que os anjos nos defendem contra os demônios
(Tob 8, 3); rezam por nós e oferecem nossas preces a Deus, tornando-as mais
eficazes pelas sua intercessão (Apoc 8, 3; 12); nos sugerem bons pensamentos,
incitando-nos assim a fazer o bem (At 8, 26; 10, 3ss),* por meio de estímulos
da imaginação ou do apetite sensitivo; do mesmo modo, quando nos infligem penas
medicinais para nos corrigir (2 Reis 24, 16); ou ainda, na hora da morte,
fortalecem-nos contra o demônio; os anjos conduzem diretamente para o Céu as
almas daqueles que morrem sem precisar passar pelo Purgatório, e levam para o
Paraíso as almas que já passaram pela purgação necessária; eles também visitam
as almas do Purgatório para as consolar e fortalecer, esclarecendo-as glória do
céu, etc.
*Há
vários exemplos disso na Sagrada Escritura:Os Atos dos Apóstolos relatam a
aparição de um anjo ao Centurião Cornélio, homem religioso e temente a Deus,
para instruí-lo sobre como proceder para conhecer a verdadeira religião:
"Este (Cornélio) viu claramente numa visão. quase à noa, que um anjo de
Deus se apresentava diante dele, e lhe dizia: Cornélio ... as tuas ora ções e
as tuas esmolas subiram como memorial à presença de Deus. E agora envia homens
a Jope a cham ar um certo Simão que tem por sobrenome Pedro ... ele te dirá o
que deves fazer" (At 10, 1-6). E nos mesmos Atos se lê como um anjo
inspira São Filipe Diácono a desviar-se de seu caminho, para fazê-lo
encontrar-se com o ministro da Rainha Candace, da Etiópia, e batizá-lo, depois
de instruí-lo na doutrina cristã (At 8, 26).A
custódia dos anjos nos livra de inúmeros perigos tanto para a alma como para o
corpo. Entretanto, ela não nos livra de todas as cruzes e sofrimentos desta
vida, que Deus nos manda para nossa provação e purificação; nem daquelas
tentações que Deus permite para que mostremos nossa fidelidade. Porém eles
sempre nos ajudam a tudo suportar com paciência e vencer com perseverança.Às
vezes parece que os anjos não nos estão atendendo; é preciso então rezar com
mais insistência até que esse socorro se perceba. Mas pode ocorrer de não
sermos ouvidos, não porque faltem aos anjos poder ou desejo de nos ajudar, mas
é que aquilo que estamos pedindo não é o melhor para a nossa eterna salvação,
que é o que antes de tudo eles procuram.
Nossos deveres em
relação aos Santos Anjos Custódio
São
Bernardo resume assim nossos deveres em relação aos nossos Anjos da Guarda:
a.
Respeito pela sua presença. Devemos evitar tudo o que pode contristar um
espírito assim puro e santo. Sobretudo, evitar o pecado.“Como
te atreverias — interpela o santo Doutor — a fazer na presença dos anjos aquilo
que não farias estando eu diante de ti?"
b.
Confiança na sua proteção. Sendo tão poderoso e estando continuamente diante de
Deus, e ao mesmo tempo conhecendo as nossas necessidades, como não confiar na
sua proteção? A melhor maneira de provar essa confiança é recorrer a ele pela
oração nos momentos difíceis, especialmente nas tentações.
c.
Amor e reconhecimento por sua proteção. Devemos amá-lo como a um benfeitor, um
amigo e um irmão, e ser agradecidos pela sua proteção diligentíssima.“Sejamos,
pois, devotos” — escreve o mesmo São Bernardo. “Sejamos agradecidos a guardiões
tão dignos de apreço, correspondamos a seu amor, honremos-lhe quanto possamos e
quanto devemos!” ( Apud Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del
Mundo — Introducciones, p. 930. )
A oração por
excelência para invocar e honrar o Anjo da Guarda da é o Santo anjo do Senhor:
“Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me confiou a
piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e ilumina".
Os Três
Gloriosos Arcanjos
"Eis que veio em meu socorro Miguel, um dos primeiros
príncipes".(Dan 10, 13)
“Eu sou Gabriel, que assisto diante (do trono) de Deus".(Lc 1, 19,)
“Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos diante do Senhor”.(Tob
12, 15)
A
Igreja e o povo fiel veneram de modo especial os três gloriosos Arcanjos — São
Miguel, São Gabriel e São RafaeLEmbora eles sejam comumente chamados de
Arcanjos, segundo teólogos e comentaristas das Escrituras, eles certamente pertencem ao
primeiro dos coros angélicos, o dos Serafins.
São Miguel:
“Quem é como Deus?”
Em
hebraico: mîkâ’êl, que significa: “Quem (é) como Deus?” As Escrituras se
referem nominalmente ao Arcanjo São Miguel em quatro passagens: duas delas na
profecia de Daniel (cap. 10, 13 e 21; e ap. 12, 1); uma na Epístola de São
Judas Tadeu (cap. único, vers. 9 ) e finalmente no Apocalipse (cap. 12, 7-12).No
livro de Daniel o Santo Arcanjo aparece como “príncipe e protetor de Israel”,
que se opõe ao “príncipe” ou celestial protetor dos persas.* Segundo São
Jerônimo e outros comentadores, o anjo protetor da Pérsia teria desejado que
ficassem ali alguns judeus para mais dilatarem o conhecimento de Deus; porém
São Miguel teria desejado e pedido a Deus que todos os judeus voltassem logo
para a Palestina, a fim de que o templo do Senhor fosse reconstruído mais
depressa. Essa luta espiritual entre os dois anjos teria durado vinte e um
dias.* Nas
escrituras os anjos são chamados com freqüência príncipes. São
Judas, na sua Epístola, alude a uma disputa de São Miguel com o demônio sobre o
corpo de Moisés: o glorioso Arcanjo, por disposição de Deus, queria que o
sepulcro de Moisés permanecesse oculto; o demônio, porém, procurava tomá-lo
conhecido, com o fim de dar aos judeus ocasião de caírem em idolatria, por
influência dos povos pagãos circunvizinhos. No Apocalipse, São João apresenta
São Miguel capitaneando os anjos bons em uma grande batalha no céu contra os
anjo rebeldes chefiados por Satanás, ali chamado dragão:“E houve no céu unia grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam
contra o dragão, e o dragão e seus anjos pelejavam contra ele; porém, estes não
prevaleceram, e o seu lugar não se achou mais no céu. E foi precipitado aquele
grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama demônio e Satanás, que
seduz todo o mundo; e foi precipitado na terra, e foram precipitados com seus
anjos” (Apoc 12, 7-12).A
Igreja não definiu nada de particular sobre São Miguel, mas tem permitido que
as crenças nascidas da tradição cristã a respeito do glorioso Arcanjo tenham
livre curso na piedade dos fiéis e na elaboração dos teólogos:A
primeira crença é a de que São Miguel era, no Antigo Testamento, o defensor do
povo escolhido — Israel; e hoje o é do novo povo escolhido — a Igreja. Tal
piedosa crença está em consonância com o que é dito no livro de Daniel: “Eis
que veio em meu socorro Miguel, um dos primeiros príncipes. ... Miguel. que é o
vosso príncipe” — isto é, dos judeus (10, 13 e 21). “Se levantará o grande
príncipe Miguel, que é o protetor dos filhos do teu povo” — de Israel (12, 1).
Essa crença é muito antiga, sendo já confirmada pelo Pastor de Hermas, célebre
livro cristão do século II, no qual se lê: “O grande e digno Miguel é aquele
que tem poder sobre este povo” (os cristãos). Ademais, tal crença é partilhada
pelos teólogos e pela própria Igreja, que a manifesta de muitas maneiras.A segunda crença geral é a de que São Miguel tem o poder de admitir ou
não as almas no Paraíso. No Oficio Romano deste Santo no antigo Breviário, São
Miguel era chamado de “Praepositus paradisi” — “Guarda do paraíso”, ao qual o
próprio Deus se dirige nos seguintes termos: “Constitui te Principem super
omnes animais suscipiendas” — “Eu te constituí chefe sobre todas as almas a
serem admitidas”. E na Missa pelos defuntos rezava-se: " Signifer Sanctus
Michael representet eas in lucem sanctam” — "O ' Porta-estandarte São
Miguel, conduzi-as à luz santa”.A
terceira crença, ou melhor, opinião, é a de que São Miguel ocupa o primeiro
lugar na hierarquia angélica. Sobre este ponto há divergência entre os
teólogos, mas tal opinião tem a seu favor vários Padres da Igreja gregos e
parece ser corroborada pela liturgia latina, que se referia ao glorioso Arcanjo
como "Princeps militiae coelestis quem honorificant coelorum cives” —
"Príncipe da milicia celeste, a quem honram os habitantes do Céu"; e
pela liturgia grega que o chama “Archistrátegos “, isto é,
"Generalíssimo."O grande comentador
das Sagradas Escrituras, Pe. Cornélio a Lapide, jesuíta do século XVI, escreve:"Muitos
julgam que Miguel, tanto pela dignidade de natureza, como de graça e de glória
é absolutamente o primeiro e o Príncipe de todos os anjos. E isso se prova,
primeiro, pelo Apocalipse (12, 7), onde se diz que Miguel lutou contra Lúcifer
e seus anjos, resistindo à sua soberba com o brado cheio de humildade: 'Quem
(é) como Deus?’ Portanto, assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel o é
dos anjos, sendo o primeiro entre os serafins. Segundo, porque a Igreja o chama
de Príncipe da Milícia Celeste, que está posto à entrada do Paraíso. E é em seu
nome que se celebra a festa de todos os anjos. Terceiro, porque Miguel é hoje
ao cultuado como o protetor da Igreja como outrora o foi da Sinagoga. Finalmente,
em quarto lugar, prova-se que São Miguel é o Príncipe de todos os anjos, e por
isso o primeiro entre os Serafins, porque diz São Basílio na Homilia De
Angelis: ‘A ti, ó Miguel, general dos espíritos celestes, que por honra e
dignidade estais posto à frente de todos os outros espíritos celestiais, a ti
suplico...' ". ( Cornélio A LAPIDE, Commentaria in Scripturam Sacram, t.
13, pp. 112-114 ).O
mesmo dizem inúmeros outros autores, entre os quais São Roberto Bellarmino.Na
Idade Média, São Miguel era padroeiro especial das Ordens de Cavalaria, que
defendiam a Cristandade contra o perigo metano.
São
Gabriel: “Força de Deus”
Em
hebraico: gabrî’êl, que quer dizer: “Homem de Deus" ou “Deus se mostrou
forte” ou, ainda, “Força de Deus".O próprio Arcanjo disse a Zacarias: “Eu
sou Gabriel que assisto diante (do trono) de Deus” (Lc 1, 29). Isto leva a crer
que se trata de um dos primeiros espíritos angélicos. O já citado Cornélio a
Lápide argumenta do seguinte modo, para comprovar esta opinião:
1.
Se os Serafins alguma vez são enviados por Deus em missão junto aos homens, um
deles devia ser enviado à Mãe do Redentor para anunciar o insigne mistério da
Encarnação do Verbo. Não somente pela excelsitude de tal mistério, mas porque a
Santíssima Virgem supera a todos os coros de anjos em dignidade e graça.
2.
Ora, São Paulo, na Epístola aos Hebreus (1, 14), afirma que Deus pode enviar como
mensageiro um anjo de qualquer hierarquia: “Porventura não são todos
esses espíritos uns ministros ( de Deus) enviados para exercer o seu ministério
a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação?”
3.
Logo, deve-se crer que São Gabriel pertence à mais alta categoria angélica,
isto é, ao coro dos Serafins. ( Cornélio A LAPIDE, Commentaria in Scripturam
Sacram, t. 13, pp. 142-143 )
São
Gabriel, o Anjo da Encarnação, é considerado igualmente como o Anjo da
Consolação e da Misericórdia; mas, de com o significado de seu próprio nome,
representa o poder de Deus. É por isso que as Escrituras, ao referir-se a ele,
utilizam expressões como poder, força, grande, poderoso (cf. Dan 8-10). A
tradição judáica atribuía a esse glorioso Arcanjo a destruição de Sodoma ( cf.
Gen 19, 1-29), bem como o ter marcado com um Tau a fronte dos eleitos (Ez 9,
4); e apresentava-o como o Anjo do Julgamento Final.A tradição cristã vê nele o
anjo que apareceu aos pastores para anunciar o nascimento do Salvador (Lc 2,
8-14), e a São José, em sonhos, para explicar a concepção virginal de Maria
Santíssima (Mt 1,20). Teria sido ele também quem confortara Jesus em sua agonia
no Horto (cf. Hino de Laudes do dia 24 de março).
São Rafael:
“Medicina de Deus”
Em
hebráico: refâ’êl, cujo sentido — é igual a: “Deus curou” ou "Medicina de
Deus”.Ele próprio revelou sua elevada hierarquia, depois de ajudar o jovem
Tobias, que cria estar em presença de um simples homem: "Eu sou o anjo
Rafael, um dos sete (espíritos principais) que assistimos diante do Senhor”
(Tob 12, 15).Cornélio a Lapide também considera o Arcanjo São Rafael Serafim. (
Cornélio A LAPIDE, Commentaria in, Scripturam Sacram, t. 4, p. 282.) Este
insigne Arcanjo é protetor especial contra o demônio, padroeiro e guia dos viajantes,
sanador dos enfermos.Todos esses ofícios estão amplamente ilustrados no livro
de Tobias: ele protege na viagem o jovem Tobias (caps. 5 a 10); restitui a
vista ao velho Tobias, mediante a aplicação do fel de um peixe (cap. 11,
13-15); livra o jovem Tobias e Sara das insídias do demônio, mediante a fumaça
das vísceras do mesmo peixe, e encadeia o demônio no deserto do Egito (cap. 8,
2-3); apresenta as boas obras e as orações do velho Tobias a Deus (cap. 12,
12).
Devoção aos Santos
Anjos
"Formamos
com os anjos uma única cidade de Deus...”.(Santo Agostinho). A
DEVOÇÃO AOS SANTOS ANJOS é uma dessas devoções quase espontâneas do povo
cristão.A legitimidade do culto aos anjos constitui uma verdade de fè, afirmada
pelo Magistério ordinário da Igreja, interpretante da Tradição: condenação dos
iconoclastas no século V pelo 2° Concílio de Nicéia, e dos protestantes no
século XVI pelo Concílio de Trento.
Origem e
desenvolvimento da devoção aos anjos - Entre os judeus e na
Antiguidade cristã
Com
exceção dos saduceus, que não criam neles, ( “Os saduceus dizem que não há
ressurreição, nem anjos, nem espírito" ( At 23,8) ) essa devoção já
existia entre os judeus, que veneravam particularmente o “grande príncipe
Miguel”, protetor dos filhos do povo de Israel (Dan 12, 1).Nos primeiros tempos
do Cristianismo essa devoção não era muito acentuada em razão do paganismo
ainda dominante na sociedade, que podia levar os gentios neo-convertidos a
confundirem os espíritos celestes com os gênios — espécies de divindades
menores falsamente cultuadas por certas religiões —, o que equivaleria a cair
no politeísmo pagão.Porém, já no século II, São Justino e Atenágoras dão
testemunho sobre o culto cristão aos santos anjos. Dídimo Alexandrino (+ 395)
atesta que desde os primórdios do Cristianismo surgiram igrejas e oratórios
consagrados a Deus sob a invocação dos arcanjos.Santo
Ambrósio (séc. IV) já exortava os fiéis: “Os anjos devem ser invocados por nós,
pois para nossa proteção nos foram dados". (De Viduis, cap. IV, 55; PL 16,
264c Apud Mons. F. TINELLO, La devozione agli angeli, col. 1252.) E Santo
Agostinho ensinava: “Formamos com os anjos uma única cidade de Deus ... da qual
uma parte somos nós, peregrinos por este mundo, e a outra, que são os anjos,
está sempre pronta a socorrer-nos."Se aquele, junto de quem devemos exercer obras de misericórdia do
qual as recebemos, com razão se chama nosso próximo que no preceito a nós
imposto de amar o próximo estão incluídos os anjos, dos quais todos os dias
recebemos tantos e tão insignes atos de misericórdia."Os anjos nos amam
... por nossa causa, porque lhes somos semelhantes na natureza racional; por
causa deles próprios, porque nos querem sentados naqueles tronos de glória que
eram dos anjos que prevaricaram” . ( Apud Archibald J. MacINTYRE, Os anjos, uma
realidade admirável, pp. 320- 321.)
Na Idade Média
A
"doce primavera da fé” (para empregar a bela expressão com que
Montalembert se refere à Idade Média) foi uma época angélica, não só pela
pureza dos costumes e das doutrinas, e pelo fervor seráfico do povo fiel, mas
também pela familiaridade com os santos anjos. Foi nessa época que surgiu a
prece ao mesmo tempo tão singela, tão doce e tão confiante: “Santo anjo do
Senhor...”Foi igualmente nessa época que surgiram os grandes tratados sobre os
anjos, dos quais o mais admirável é aquele, precisamente, de autoria do Doutor
Angélico, São Tomás de Aquino.São Bernardo de Claraval, cantor da Rainha dos
Anjos, deu um particular impulso a essa devoção; a Igreja fez suas as palavras
do insigne Doutor, para louvar os espíritos celestiais no Breviáirio (festa
dos Anjos Custódios, 2 de outubro). Sua fórmula reflete e sintetiza a tradição
ininterrupta da Igreja: aos anjos devemos “reverência por sua presença, devoção
por sua benevolência, confiança por sua custódia”. ( Apud Jesus VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo —
Indroducciones, p.931.)
Na Contra-Reforma
Os
ímpios Lutero e Calvino, depois do culto dos santos, rejeitaram também o dos
anjos. Mas a devoção aos espíritos angélicos recebeu novo alento com os
paladinos da Contra-Reforma.Santo Inácio recomenda aos seus religiosos imitarem
a pureza dos anjos. Por obra dos jesuítas multiplicam-se os tratados
manuais de piedade sobre os anjos. Entre eles, o Tratado e pratica da devoção
aos anjos, de São Francisco de Borja, e o Tratado dos anjos custódios, do Pe.
Francisco Albertini. Também contribuíram muito para a difusão dessa devoção o
Cardeal de Bérulle e o Venerável Olier.O Concilio de Trento, condenando a ímpia
doutrina dos pretensos reformadores, definiu a legitimidade dessa devoção, que
adquiria assim maiores títulos para ser divulgada.
Igrejas e santuários
— Ladainhas e orações
Já
no século IV encontram-se testemunhos sobre a ereção de igrejas e oratórios em
honra dos arcanjos. No tempo de São Gregório Magno (+604) o culto a São Miguel
já tinha um centro no Monte Gargano (na Apúlia, região da Itália junto ao
Adriático), onde o Arcanjo havia aparecido no tempo do Papa São Gelásio I
(+496), pedindo que lhe erguessem ali um santuário.No século VII o Príncipe da
Milícia celeste apareceu sobre um rochedo da Normandia (França), o Monte
Tombes, onde se praticavam cultos pagãos, e ali se ergueu uma abadia que se
tornou um dos mais célebres santuários em louvor do santo Arcanjo. E o monte
passou a chamar-se Mont Saint-Michel.Em Roma, no século IX, sete oratórios eram
já dedicados ao santo Arcanjo.Surgiram várias festas litúrgicas em honra dos
santos anjos: São Gabriel (24 de março); Aparição de São Miguel no Monte
Gargano (8 de maio); Dedicação de São Miguel Arcanjo (29 de setembro); Santos
Anjos Custódios (2 de outubro); São Rafael Arcanjo ( 24 de outubro ).Existem
orações e ladainhas em louvor de cada um dos três dos Arcanjos, dos Santos
Anjos, do Anjo da Guarda. Talvez a oração mais divulgada seja o “Santo anjo do
Senhor, meu zeloso guardador..."—
bela expressão da piedade medieval para com nosso angélico guardião. Outra bela
oração (que teria sido inspirada pela própria Rainha dos Anjos) é aquela que
começa pelas palavras "Augusta Rainha dos Céus e soberana Senhora dos
Anjos “, de caráter exorcístico deprecativo muito eficaz.**Essa
bela oração foi composta em 1863 pelo Venerável Padre Louis de Cestac (1801-
1868 ) por inspiração de Nossa Senhora. Na antiga disciplina tinha 500 dias de
indulgência decreto da sagrada Congregação das Indulgências, de 8 de julho de
1908 e da Sagrada Penitenciaria, de 28 de março de 1935. Seu texto completo é o
seguinte:
"Augusta Rainha dos Céus e soberana Senhora dos Anjos, Vós que, desde o
primeiro instante de vossa existência, recebestes de Deus o poder e a missão de
esmagar a cabeça de Satanás, humildemente vô-lo pedimos, enviai as legiões
celestes dos santos anjos perseguirem, por vosso poder e sob vossas ordens, os
demônios, combatendo-os por toda a parte , reprimindo-lhes a insolência, e
lançando-os nas profundezas do abismo! Quem é como Deus?Ó boa e terna Mãe, sêde
sempre o nosso amor e a nossa esperança. Ó Mãe divina, mandai-nos os vossos
santos anjos que nos defendam, e repilam para bem longe de nós o maldito demônio,
nosso cruel inimigo.Santos anjos e arcanjos, defendei-nos e guardai-nos! Amém!"
A
devoção aos santos anjos é, pois, não só lícita, mas extremamente louvável e
recomendável. Como em toda devoção, cumpre entretanto observar sempre fielmente
as prescrições da Santa Igreja, afim de evitar que desvios doutrinários ou
práticas mal sonantes se introduzam nela. Desde os primeiros séculos, para
evitar superstições, a Igreja permitiu o culto nominal apenas aos três anjos
cujo nome consta na Sagrada Escritura - São Miguel, São Gabriel e São Rafael -
proibindo a invocação de anjos pelos nomes mencionados em escritos apócrifos ou
conhecidos apenas mediante revelação particular.
II -
SATANÁS E OS ANJOS REBELDES
DUAS POSIÇÕES
EXTREMADAS devem ser evitadas no que diz respeito ao demônio:
1)- A
primeira consiste em negar sua existência ou, senão, qualquer influência na
História e na vida dos homens ( o que, em termos práticos, equivale a negar que
exista).
Esta é a oposição de agnósticos, racionalistas e materialistas. Dentre estes
alguns procuram colorir sua descrença com tintas de ciência: o demônio seria
simplesmente a personificação de nossos próprios defeitos...
2)- A
segunda posição errada está em atribuir-lhe um papel exagerado nos
acontecimentos, conferindo-lhe poderes excessivos, quase como se fosse um deus
com sinal negativo. E a posição de satanistas e ocultistas, bem como
daqueles que, sem chegar a esse extremo, se entregam entretanto a práticas
mágicas e supersticiosas, como ocorre em muitas das religiões de povos
primitivos, hoje tão em voga mesmo em círculos cultos...
O
demônio não é nem uma coisa nem outra: nem uma simples personificação do mal,
nem uma espécie de divindade maligna!
Ele é simplesmente um anjo decaído, que
conserva os poderes (e as limitações) da natureza angélica, porém só pode fazer
uso deles na medida que Deus o permita. E Deus só permite sua atuação quando
ela redunde na glória divina, ou contribua para a salvação dos homens ou,
ainda, sirva para o castigo destes, quando merecedores. A posição equilibrada é
aquela ensinada pela doutrina católica, que vê o demônio como ele é, de acordo
com os dados da Revelação, o ensinamento dos Papas e dos Concílios e a doutrina
elaborada pelos Doutores. Essa é a doutrina que passamos a expor.
O problema
do mal
“E Deus viu todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas".(Gen
1,31)
ANTES
DE ESTUDARMOS a queda de uma parte dos anjos, assim como a figura e a ação do
demônio, parece conveniente deter-nos, ainda que rapidamente, no exame do
problema do mal. Pois evidente que, se o mal não existisse, não haveria
possibilidade de existirem seres malignos, que não visam senão o mal: os
demônios.
Natureza e origem do
mal
De
onde procede o mal? Como se podem conciliar a bondade a onipotência de Deus com
a existência do mal? Se Deus podia impedir o mal, e não o quis impedir, onde
está a sua bondade? E se Deus queria impedir o mal e não o pôde, onde está a
sua onipotência? Em ambos os casos, onde está a sua Providência?Esse foi um dos
problemas que mais angustiaram a Humanidade em todos os tempos, e que só
encontra uma solução satisfatória com o Cristianismo.Os
povos pagãos antigos, premidos por duas realidades aparentemente inconciliáveis
— de um lado, a bondade e a onipotência de Deus; do outro, a existência do mal
—, procurando evitar o absurdo de atribuir ao ser bom por excelência (Deus) a
origem do mal, caíram em outro absurdo, que é o de supor a existência de dois
um deuses:um deus bom, criador do bem, ao lado do um deus mau, que seria o
criador do mal.Essa concepção — conhecida em filosofia como dualismo - é tão
absurda como se, para explicar a noite e o frio se admitisse a existência de um
sol negro e gélido, distinto do sol radioso e quente, fonte do dia e do calor.
Como é evidente, é o mesmo e único sol que dá origem ao dia quando nasce e
provoca a noite quando se esconde; que aquece quando está próximo da terra e
faz com que surja o frio quando dela se afasta.Assim também, não é necessário
imaginar dois princípios antagônicos — ou seja, dois deuses — para explicar a
origem do mal. O que é preciso, antes de tudo, é determinar a natureza do mal,
para depois indagar qual a sua origem.O dualismo erra não somente ao conceber
duas causas primeiras, contraditórias entre si, para o Universo - uma
originando o bem e outra o mal — mas também ao tomar o mal como se fosse um ser,
uma coisa que existe por si mesma.Ora, como ensinou Santo Agostinho: “O mal não tem uma natureza: aquilo
que é chamado mal é mera falta de bem. “(De Civ. Dei 11,9.) Ou, no dizer de São
Tomás de Aquino: "Nisto consiste a essência do mal: a privação do
bem".(Suma Teológica, 1, q. 14, a. 10.)
O mal não é, portanto, uma coisa, e sim a falta de alguma coisa! Por isso, o mal não existe por si mesmo, mas apenas como deficiência, como privação de algo. Logo, não foi criado por ninguém!
Não é, porém, qualquer privação que dá origem ao
mal, mas somente privação de algo que é próprio, necessário por natureza à
integridade de um determinado ser. Por exemplo, a privação da capacidade de
voar não constitui um mal para o homem, uma vez que não é próprio á sua natureza;
já a privação da vista é um mal para ele pois enxergar é próprio à natureza
humana.De onde
procede essa possibilidade de a criatura sofrer a privação do bem que é próprio
à sua natureza? Em outros termos, qual é a raiz primeira, a origem, aquilo que
toma possível o mal? Deus
fez boas todas as criaturas, porém não as poderia ter dotado de uma perfeição
infinita, absoluta, pois a perfeição absoluta só é possível no ser infinito, ou
seja, no próprio Deus. Para fazer criaturas dotadas de uma perfeição absoluta,
Deus teria que criar outros deuses, o que é absurdo; logo, só podia criar seres
finitos, limitados; portanto, imperfeitos, sujeitos a privações.É nessa
limitação inerente â condição de criatura que os filósofos, seguindo Santo
Agostinho, vêem a raiz primeira do mal.Daí decorre que a única maneira de
evitar o mal seria Deus não ter feito a criação, pois toda criatura é
necessariamente limitada.O mal pode ser considerado sob diversos aspectos, de
acordo com a privação a que se refere.Se ocorre privação de um bem físico ou da natureza inanimada, temos o
mal físico ou natural; se a privação se refere a um bem moral ou uma perfeição
espiritual, estamos diante do mal moral.O
mal físico compreende todas as desordens da natureza inanimada: terremotos,
inundações, incêndios; e em particular as desordens das criaturas sensíveis: o
sofrimento, as doenças e a morte. O mal moral compreende as desordens da vida
moral: o pecado, o vício, a injustiça, a violação das leis estabelecidas por
Deus.
Por que Deus permite
o mal?
Por
que Deus permite as catástrofes mais ou menos freqüêntes, as doenças, a morte,
enfim? Como pode um pai deixar sofrer assim os seus filhos? Não tem Ele poder
para impedir o mal? E se não Lhe falta poder, onde está a sua bondade, se não o
impede?Ensina São Tomás que Deus não permite o mal físico senão de um modo
inteiramente acidental, como ocasião para os justos exercerem a virtude da
constância, praticarem a caridade para com os menos favorecidos ou doentes,
etc. Por outro lado, ele deseja alguns males físicos como pena devida ao
pecado, como forma de restabelecer a justiça ultrajada pelas faltas
voluntárias.Com
relação à morte, longe de ser o termo da vida, ela é a passagem para uma nova
vida, onde a felicidade é completa, sem mesclar de sofrimento e onde se atinge
o Sumo Bem, que é o próprio Deus.
Quanto ao mal moral ou pecado, Deus não pode querê-lo nem mesmo
indiretamente; mas ele pode tirar, corno do mal físico, algum bem, como por
exemplo, do pecado do perseguidor a manifestação d constância dos mártires.A
possibilidade do mal moral — ensinam os filósofos — é ao mesmo tempo a
conseqüência de um grande bem, a liberdade; e a condição de um bem ainda maior,
o mérito.As
criaturas racionais (os anjos e os homens), por serem dotados de inteligência,
possuem o livre arbítrio, a liberdade de escolher entre bens possíveis. A
capacidade de livre escolha decorre da natureza inteligente desses seres, do
conhecimento que eles têm de várias ações, de seus fins últimos e dos meios
para chegar a eles. A liberdade mesmo imperfeita, é a mais bela prerrogativa do
ser racional; é pois digno da bondade divina tê-la concedido.Deus não podia
suprimir no anjo e no homem a possibilidade de fazerem o mal, a não ser
recusando-lhes a liberdade ou dando-lhes liberdade incapaz de falhar; na
primeira hipótese, eles ficariam rebaixados ao nível dos irracionais, o que
seria indigno de criaturas espirituais; na segunda, eles se tornariam iguais a
Deus, o que é um absurdo.Deus
quer que a criatura racional observe suas leis, não como o animal desprovido de
razão, que age seguindo os meros instintos, mas moralmente e meritoriamente;
ora, sem a possibilidade do mal moral, não haveria mérito na prática do bem,
pois não há mérito senão se faz o bem podendo não fazê-lo.Deus quis que os
anjos e os homens fossem os agentes de sua própria felicidade ou se tornassem
responsáveis pela própria desgraça, escolhendo por si mesmos se colaboravam ou
não com a graça divina.Quando
os anjos pecaram e quando os homens pecam, fazem um uso desviado de sua
liberdade; Deus, porém, não tolhe a liberdade de suas criaturas racionais em
razão do seu uso desviado, porque é próprio a Ele criar e não destruir; seria
contrariar-se a si mesmo fazer criaturas livres e depois tolher-lhes a
liberdade quando a usam mal. Por outro lado, a existência de seres racionais
não-livres é absurda.
O mal, conseqüência
do pecado
A
estas considerações de ordem filosófica, o Cristianismo acrescenta os dados
revelados por Deus. Estes não somente confrmam as descobertas da razão,
conferindo-lhes uma certeza absoluta, mas, indo além, nos dão os meios de saber
ao certo aquilo que de outro modo não passaria de mera suposição: corno o mal
manifestou concretamente entre os anjos e os homens.O
Cristianismo rejeita toda e qualquer forma de dualismo: tudo quanto existe
provém de um só e único princípio, puro e bom.Sendo
Deus substancialmente bom e santo, tudo quanto provêm dele tem que ser,
necessariamente, bom em si mesmo. Por isso, todas as criaturas, em si mesmas,
são boas e aptas para propósitos do Criador.Assim, lemos no primeiro livro da
Bíblia: “E Deus viu toas as coisas que tinha feito. e eram muito boas” (Gen 1,
31). O livro do Eclesiástico completa: “Todas as obras do Senhor são boas e
cada uma delas, chegada a sua hora, fará seu serviço" (Ecli 39, 39). E o
livro da Sabedoria explicita: “Deus não fez a morte, nem se alegra com a
perdição dos vivos. Porquanto criou Êle criou todas as coisas para que
subsistissem e não havia nelas nenhum veneno mortífero, nem o domínio da morte
existia sobre a terra” (Sal, 1, 13-14).Diz
ainda a Escritura que “foi na soberba que teve início a perdição” (Tob4, 14).Parte
dos anjos se revoltou contra Deus, e foram expulsos do Céu, transformando-se em
demônios; do mesmo modo, nos primeiros pais desobedeceram o Criador com o
pecado original perderam o estado de inocência e de integridade, sendo expulsos
do Paraíso terrestre.Como decorrência do pecado original, houve uma debilitação
da natureza humana, tornando-se o homem mais vulnerável às paixões e às
seduções do demônio, e mais inclinado ao pecado; em castigo desse mesmo pecado,
Deus permitiu que o sofrimento se abatesse sobre o homem e a terra se lhe
tomasse ingrata. No Gênesis, depois da narração da primeira desobediência, vêm
as palavras do Criador ao primeiro homem: “Porque deste ouvidos à voz de tua
mulher e comeste da árvore de que eu te tinha ordenado que não comesses, a
terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos
todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos” (Gen 3,
17-18). E o inspirado autor do Eclesiástico escreve, numa alusão ao pecado
original: “Da mulher nasceu o princípio do pecado e por causa dela é que todos
morremos" (Eccli 25, 33).O Apóstolo São Paulo resume magnificamente essa doutrina sobre o pecado
original, nos seguintes termos: “Assim como por um só homem o pecado entrou no
mundo e, pelo pecado, a morte, assim também a morte atingiu todos os homens,
porque todos pecaram...Pois o salário do pecado é a morte” (Rom 5, 12, 23).Em
virtude da Redenção operada por Jesus Cristo, entretanto, o sofrimento e a
morte podem ser aproveitados pelo homem como meio de aperfeiçoamento moral, de
santificação. É assim que o mesmo São Paulo exclama: “A morte foi tragada na
vitória ( de Cristo). Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está teu
aguilhão?” E prossegue: “Sejam dadas graças a Deus, que nos dá a vitória por
nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, meus irmãos amados, sêde firmes,
constantes, progredi sempre na obra do Senhor, sabendo que o vosso esforço não
é inútil no Senhor (1 Cor 15, 54-58).Está esperança que nos dá a força para
lutar contra a ação do mal em nós mesmos e no mundo. E é a doutrina a respeito
do pecado original que nos esclarece quanto á origem histórica do mal e quanto
ao verdadeiro sentido da presença do mal no mundo. Do contrário, o problema do
mal ficaria insolúvel e nos atiraria no desespero da incompreensão e da
revolta.
Parte 02 - Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas
A queda dos
anjos maus
"Tu,
desde o principio, quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste: —
Não servirei!”(Jer 2,20)
DEUS
CRIOU OS ANJOS num alto estado de perfeição natural e além disso os elevou à
ordem sobrenatural. É de fé que todos os espíritos angélicos foram criados
bons.* - *Essa é
uma conseqüência obrigatória da verdade de fé, de que todos os espíritos
angélicos foram criados por Deus, atestada pelo símbolo
niceno-constantinopolitano ( o Credo da Missa), o qual proclama: “Creio em Deus
Pai Todo-poderoso, criador ... das coisas visíveis e invisíveis”; essa verdade
foi ainda definida nos Concílios IV de Latrão e I do Vaticano.A
Sagrada Escritura, com efeito, chama-os “filhos de Deus" (Jó 38, 7),
“santos” (Dan 8, 13), “anjos de luz” (2 Cor 11, 14). Entretanto, os próprios
Livros Sagrados se referem a “espírito imundos” (Lc 8, 29); “espíritos
malignos” (Ef 6, 12); “espíritos piores" (Lc 11, 26); e outras expressões
análogas.Isto indica que certos anjos tornaram-se maus, tiveram sua vontade
pervertida. Em suma: pecaram.
A batalha no Céu (doutrina da luz x doutrina das trevas)!
“Tu,
desde o princípio, quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste: —
Não servirei!” (Jer 2, 20).
Este
versículo do Profeta Jeremias sobre a revolta do povo eleito contra Deus tem
sido aplicado à revolta de Lúcifer. M de rebelião de Lúcifer “Não servirei!” —
respondeu São Miguel com o brado de fidelidade: “Quem é como Deus!”
(significado do nome Miguel em hebraico).No apocalipse, São João descreve essa
misteriosa batalha que então se travou no céu:"E
houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o
dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; porém estes não
prevaleceram e o seu lugar não se achou no céu. E foi precipitado aquele grande
dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Demônio e Satanás, que seduz
todo o mundo; e foi precipitado na terra e foram precipitados com ele os seus
anjos” (Apoc 12,7-9).O
próprio Jesus dá testemunho dessa queda: “Eu via Satanás cair do céu como um
relâmpago” (Lc 10, 18). “(O Demônio) foi homicida desde o princípio, e não
permaneceu na verdade" (Jo 8,44)
Antes dessa batalha,os anjos ainda podiam pecar
Como
poderia o anjo ter pecado, uma vez que ele não está sujeito às paixões ou ao
erro no entendimento, como nós homens? "Como
compreender semelhante opção e rebelião a Deus em seres de tão viva
inteligência?” — pergunta João Paulo II. O Pontífice responde: “Os Padres da
Igreja e os teólogos não hesitam em falar de cegueira, produzida pela
supervalorização da perfeição do próprio ser, levada até o ponto de ocultar a
supremacia de Deus, a qual exigia, ao contrário, um ato de dócil e obediente
submissão. Tudo isto parece expresso de maneira concisa nas palavras: "Não
servirei" (Jer 2, 20), que manifestam a radical e irreversível rejeição de
tomar parte na edificação do reino de Deus no mundo criado. Satanás, o espírito
rebelde, quer seu próprio reino, não o de Deus, e se levanta como o primeiro
adversário do Criador, como opositor da Providência, antagonista da sabedoria
amorosa de Deus” (Apud Mons.C. BALDUCCI,
El díablo, p. 20.).E o Papa explica que os anjos, por serem criaturas racionais, são livres, isto é, têm a capacidade de escolher a favor
ou contra aquilo que conhecem ser o bem: “Também para os anjos a liberdade
significa possibilidade de escolha a favor ou contra o bem que eles conhecem,
quer dizer, o próprio Deus”. (João Paulo II, Mcm, ibidem.)Criando
os anjos racionais e livres, quis Deus que eles - com o auxílio da graça —
fossem os agentes de sua própria felicidade ou de sua perda, caso cooperassem
ou resistissem à graça. Para que merecessem a felicidade eterna, submeteu-os a
uma prova.É de fé que todos os espíritos angélicos foram submetidos a uma
prova. Entretanto, não sabemos qual teria sido essa prova. Os teólogos procuram
excogitar qual teria sido.
O pecado
dos anjos maus
Qual
teria sido a prova a que foram submetidos os anjos? E qual teria sido o pecado
dos que sucumbiram à prova?
Um pecado de soberba!
Acredita-se
comumente que tenha sido um pecado de orgulho,
de soberba, pois a Escritura diz que “foi na soberba que teve início
toda a perdição” (Tob 4, 14).Santo
Atanásio (séc. IV) o afirma explicitamente: "O grande remédio para a
salvação da alma é a humildade. Com
efeito, Satanás não caiu por fornicação, adultério ou roubo, mas foi o seu
orgulho que o precipitou ao fundo do inferno.
Porque ele falou assim: "Eu subirei e colocarei meu trono diante de
Deus e serei semelhante ao Altíssimo" (Is 14, 14). E é por essas palavras
que ele caiu e que o fogo eterno se tornou sua sorte e sua herança”.(Apud Card.
P. GASPARRI, Catechisme Catholique pour Adultes. p. 345.)
Em que teria consistido
essa soberba?
Segundo
São Tomás de Aquino, essa soberba consistiu em que os anjos maus desejaram
diretamente a bem-aventurança final, não por uma concessão de Deus, por obra da
graça, e sim por sua virtude própria, como mera decorrência de sua natureza.
Desse modo, quiseram manifestar sua independência em relação a Deus; eles
recusaram assim a homenagem que deviam a Deus como seu criador e desejaram
substituir-se a Ele e ter o domínio sobre todas as coisas: ser como deuses
(cf.Gen 3,5). São
Tomás faz igualmente referência à seguinte passagem de Isaías — referente ao
rei de Babilônia, mas geralmente aplicada a Satanás — para ilustrar o pecado
dele e dos anjos maus que o acompanharam na revolta: “Como caíste do céu, ó
astro brilhante [em latim: “Lúcifer”J, que, ao nascer do dia brilhavas? ... Que
dizias no teu coração: ... serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14, 13-14).O
pecado de Lúcifer e dos anjos que se revoltaram com ele teria sido, pois, um
pecado de soberba, ou seja de complacência na própria excelência, com menoscabo
da honra e respeito devidos a Deus.Estes elementos se encontram em todo pecado
— explica o Pe. Bujanda — pois quem ofende a Deus prefere a própria vontade, em
vez da vontade divina, e nela se compraz.
Revelação da Encarnação
Não
está formalmente revelado no que consistiu exatamente a prova dos anjos; os
teólogos fazem hipóteses teológicas, como a de São Tomás, e Francisco Suárez,
teólogo jesuíta do século XVII, levanta esta hipótese: A
prova dos anjos teria consistido na revelação antecipada por Deus, da
Encarnação do Verbo. Os anjos maus se teriam revoltado contra a
submissão em que ficariam em relação à natureza humana do Verbo Encarnado, a
qual, enquanto natureza, seria à natureza angélica. Uma variante dessa hipótese
é a que afirma que Lúcifer e os anjos revoltados não quiseram submeter-se à Mãe
do Verbo Encarnado, pela sua dignidade ficaria colocada acima dos próprios
anjos, embora inferior a eles por natureza. Essa hipótese, entretanto,
está ligada a uma outra questão: se o Verbo se teria encarnado mesmo sem o
pecado de Adão. Suárez, com algumas adaptações, segue a opinião de Duns Escoto
e de Santo Alberto Magno, a qual sustenta que sim; São Francisco de Sales
também participa dessa opinião.São
Tomás, porém, é de outro parecer. Argumenta ele: "Seguindo a Sagrada
Escritura, que por toda a parte apresenta como razão da Encarnação o pecado do
primeiro homem, é conveniente dizer-se que a obra da Encarnação está ordenada
por Deus como remédio contra o pecado. De tal modo que, se não existisse o pecado
não teria havido a Encarnação, embora a potência divina não esteja limitada
pelo pecado, podendo, pois, Deus encarnar-se, mesmo que não houvesse o
pecado” (Suma Teológica, 3, q. 1, a. 3.)São
Boaventura reconhece que a opinião tomista é mais consoante com a Fé, enquanto
a outra favorece mais a razão. (In III Sent.,Dist.I,a.2,q.2.)Embora ambas as
opiniões sejam sustentáveis, o comum dos Doutores acha que a hipótese tomista é
mais provável, sendo predominante entre os Santos Padres.Santo Agostinho
afirma: “Se o homem não tivesse caído não se teria feito carne” (Serm. 174,2.)Em
favor dela fala igualmente o Símbolo dos Apóstolos, isto é, o Credo, quando proclama: “O Qual [o Verbo],
por nós homens, e por nossa salvação, desceu dos céus “. Também a liturgia
pascal, que canta: “Ó culpa feliz, que nos mereceu um tal Redentor!" O
Pe. Christiano Pesch S.J. diz que a posição tomista de tal modo se tornou
comum, que hoje há poucos defensores da esposada por Suárez, quanto à
Encarnação do Verbo.Daí decorreria que a hipótese de Suárez com relação ao
pecado dos anjos ficaria também prejudicada. (C. PESCH 53, De Angelis, III, p.
71; cf. também Mons. P. PARENTE. Incarnazioni, col 1.751; I. SOLANO, De Verbo
incarnato, pp. 15-24).)
A obstinação dos
demônios
Nós
homens temos certa dificuldade psicológica em compreender que os demônios, por
um só pecado, tenham sido condenados eternamente, enquanto Adão e Eva puderam
ser perdoados.
Por isso, desde os primeiros tempos do Cristianismo, não faltaram autores que
sustentaram a possibilidade de reconciliação dos anjos decaídos com Deus.Essa
doutrina foi condenada pela Igreja e São Tomás explica a razão pela qual isso
não é possível: Em
primeiro lugar porque a prova a que os anjos foram submetidos, a fim de
merecerem a bem-aventurança eterna, teve para eles o mesmo efeito que tem para
nós homens a morte; ou seja, encerra o período em que podemos adquirir méritos,
e nos introduz na vida eterna, imutável por natureza. Os anjos bons, tendo sido
fiéis, passaram a gozar da bem-aventurança eterna; os anjos maus ou demônios
foram precipitados no inferno por toda a eternidade.Em
segundo lugar, por causa da natureza angélica: os anjos, uma vez feita uma
escolha, não podem voltar atrás, seja para o bem, seja para o mal. Porque eles não
estão sujeitos à mobilidade das paixões humanas, sua inteligência é perfeita,
de modo que eles não podem fazer escolhas provisórias, como o homem. Antes de
fazer uma escolha, o anjo é perfeitamente livre; feita esta, sua vontade adere
a ela para sempre, pois todas as razões que o levaram a fazer essa escolha já
estavam perfeitamente claras para ele antes que a fizesse.
O lugar de
condenação dos demônios: o Inferno
A
tremenda realidade do inferno, como lugar criado para os e os demônios e os
precitos, é atestada pelo Divino Salvador ao falar do Juízo Final: “Apartai-vos
de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o Demônio e para
os seus anjos” (Mt 25,41).São Pedro ensina que Deus não perdoou aos anjos que pecaram prepitou-os
no tártaro, para serem atormentados (2 Ped 2, 4).E São Judas escreve que Deus
“prendeu em cadeias eternas, no seio das trevas “, os anjos prevaricadores (Jud
v. 6).
Assim
como o lugar para os anjos bons é o Céu, para os demônios é o inferno. Mas os
demônios têm dois lugares de tormento: um em razão de sua culpa, que é o
inferno; outro, em função das tentações a que submetem os homens: a atmosfera
tenebrosa, pelo menos até terminar o mundo.
Os demônios dos ares
A
doutrina de que os demônios vagueiam pelos ares para tentar os homens é
claramente afirmada por São Paulo na Epístola aos Efésios: “O príncipe que
exerce o poder sobre este ar ... os
dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelos ares”
(Ef 2,2; 6, 12).
E
é confirmada pela Igreja, por exemplo, na oração a São Miguel Arcanjo, que o
Papa Leão XIII compôs e mandou recitar ao fim da Missa, na qual invoca o
Príncipe da milícia celeste, para que — pelo divino poder — precipite no
inferno " a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo
para perder as almas”.
A “hierarquia” entre os demônios
Entre
os demônios existe urna “hierarquia”, que decorre do fato de, sendo anjos, uns
terem a natureza mais perfeita do que outros. Por isso se diz que Satanás é o príncipe,
o chefe dos demônios. Não que exista entre eles uma submissão por
amor ou respeito, como na verdadeira hierarquia; os demônios se odeiam se invejam e competem entre si mutuamente e só se unem circunstancialmente para atormentar os homens. É o mesmo que — explica São Tomás — se dá
entre os homens maus: eles formam quadrilhas e se submetem a um chefe, apenas
como meio de melhor cometerem seus roubos ou homicídios contra os homens
honestos (Suma Teológica, 1,Q. 109, A.1-2. )
Os nomes dos demônios
Os
judeus não tinham uma palavra específica para indicar os espíritos malignos; a
designação geral de demônio para os anjos decaídos vem da versão grega do
Antigo Testamento. A palavra daimon, entre os gregos, designava os seres com
forças sobre-humanas, especialmente os maléficos. A palavra hebráica sâtân
significa adversário, acusador; Satanás, o chefe dos demônios, é também
conhecido nas Escrituras como Diabo (do grego diábolos, que quer dizer
caluniador).Nas
Sagradas Escrituras aparecem os nomes de vários demônios: Azazel, demônio que
habita o deserto (Lev 16, 8-10, 26); Asmodeu, que matou os sete maridos de Sara
(Tob 3, 8); o nome Belzebu ( ou Beelzebul, cuja significação parece ser “deus
do esterco”, nome com que os rabinos indicariam os sacrifícios oferecidos aos
ídolos ) é apresentado como sinônimo para Satanás ou príncipe dos demônios (Mt
12, 14; Mc 3, 22-26); Lúcifer foi palavra escolhida na Vulgata* para traduzir
para o latim a expressão “astro brilhante" ou “estrela brilhante”, da profecia de Isaías
(Is 14, 12), que costuma ser interpretada como uma referência à queda do
Demônio; em geral esse apelativo é utilizado igualmente como sinônimo de
Satanás.*
Chama-se Vulgata a tradução latina da Bíblia feita em grande parte por são
Jerônimo, que iniciou seu trabalho por volta do ano 384. Essa tradução latina
foi aperfeiçoada por iniciatiiva da santa Sé, dando origem a chamada Vulgata
Sixto-Clementina publicada em 1592 pelo Papa Clemento VIII, em uso ainda hoje.
Psicologia do demônio
"Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade é
mentiroso e pai da mentira".(Jo 8,44)
Com
base nas Sagradas Escrituras e em outras fontes, poderíamos ressaltar alguns
aspectos da psicologia de Satanás e seus anjos malignos.Embora os demônios
sejam diferentes entre si, assemelham-se em seu desejo de fazer o mal e em sua
natureza decaída; por isso o que é dito a respeito de Satanás, seu chefe,
pode-se dizer dos outros demônios.
Uma vontade pervertida (contrária a de Deus):
Os
demônios, puros espíritos, como anjos que são, não têm as fraquezas e as
debilidades dos homens; de onde, sua revolta contra Deus ser permanente,
imutável, eterna. Sua vontade, deixando de ter como objeto o Sumo Bem,
tornou-se uma vontade pervertida fixada no mal. Dessa forma, os demônios não
desejam senão o mal em todos os seus atos voluntários, e mesmo quando fazem
algum bem (como, por exemplo, restituir a saúde a alguém, obter-lhe riquezas ou
ensinar-lhe algo), fazem-no apenas para dai tirar o mal, conduzir a pessoa à
perdição eterna, que é a única coisa que almejam para os homens.Tendo sido
criados bons por Deus, sua natureza ainda continua boa em si mesma; porém, eles
se tornaram seres pervertidos em sua vontade, buscando não mais seu fim último,
que é o serviço e a glória de Deus, mas justamente o contrário, isto é, tudo
fazer para impedir que Deus seja glorificado. Não podendo atingi-Lo
diretamente, eles procuram agir sobre as criaturas de Deus, na medida em que
Ele o permite.
Homicida e mentiroso —
Astuto, falso e enganador e cheio de vícios!
O
divino Redentor resumiu em poucas palavras essa psicologia diabólica: “Ele foi
homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade; porque a verdade não
está nele; quando ele diz a mentira,fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso e pai da mentira" (Jo 8, 44).O demônio é homicida e o pai da
mentira, o mentiroso por excelência que odeia a verdade, porque a verdade nos
conduz a Deus: "Eu sou o caminho, a verdade, a vida” (Jo 14, 5); ele odeia
o Criador e, tendo-se separado de Deus, separou-se para sempre da verdade e da
vida. E através da mentira que ele dá a morte, a morte espiritual.Santo
Agostinho, a respeito da afirmação de Jesus de que o demônio é homicida e
mentiroso, comenta: “Perguntamos de onde veio ao diabo o ser homicida desde o
princípio, e respondemos que matou o primeiro homem, não enterrando-lhe o
punhal ou infligindo-lhe qualquer outro dano no corpo, senão persuadindo-o a
que pecasse precipitando-o da felicidade do paraíso”. (Apud J. MALDONADO S.J., Comentarios a los Cuatro Evangelios, p. 563)Pe.
João Maldonado, erudito exegeta jesuíta do século XVI, observa sobre essa mesma
frase - “Porque é mentiroso e pai da
mentira” (Jo 8, 44): “A maior parte dos autores entendem isto daquelas palavras
que o diabo disse a Eva: ‘Sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal.’ (Gen
3, 5); palavras em que evidentemente
mentiu; quer dizer, uniu a mentira com o homicídio (espiritual), perpetrando os
dois crimes ao mesmo tempo. ... Chama-se ao diabo pai da mentira porque é ele o
autor e inventor da mesma, de tal modo que pode dizer-se que deu à luz a
ela” (J. MALDONADO S.J., op. cit., pp.
564-566).Quando tenta o homem, procurando afastá-lo de Deus, ele mente
apresentando uma falsa imagem da realidade, escondendo seus verdadeiros fins e
enredando sua vítima no engano, no sofisma e na falsidade.
Ele é
astuto, falso, enganador! Tão enganador que engana a si mesmo!
“Satanás
se distingue por sua astúcia — escreve Mons. Cristiani. O que quer dizer esta
palavra? A astúcia é um artifício enganador. O ser que age por astúcia tem más
intenções. Se ele fala, não é para dizer a verdade, mas para enganar, para
conduzir ao erro, à inverdade. Satanás é falso. Não se pode jamias confiar nele! O que
falta antes de tudo nele é a eqüidade, a lealdade, a franqueza. Ele é equivoco,
voluntariamente obscuro e dissimulado” (Mgr L. CRI5TIANI, Présence de satan
dons le monde moderne, p. 306.)
Soberba demencial,
inveja mortal
Por
detrás dessa dissimulação se esconde o seu desejo oculto, assim expresso por
Mons. Cristiani: “Ser como Deus! Este ato de orgulho é o fundo mesmo da
psicologia de Satanás! ... ‘Vós sereis como deuses!’ Ele próprio, na sua queda,
se considera como um deus. Seu orgulho não está morto. O orgulho levado até à
adoração de si mesmo é o que faz o demônio voltar-se contra o Criador. É o
orgulho que, tendo-o afastado de Deus, fez dele o Adversário. No livro do
Eclesiástico esta conseqüência do orgulho é posta em evidência: ‘O princípio do
orgulho é abandonar o Senhor e ter seu coração afastado do Criador, porque o
princípio do orgulho é o pecado, aquele que se entrega a ele espalha a
abominação.‘ (Ecli 10, 12-13).Compreendemos, então, porque Jesus Cristo,
que é a Via, a Verdade, a Vida, tenha definido Satanás como o Pai da mentira, o homicida desde o começo. E, para nós, este
termo de homicida longe de ser excessivo, não diz senão um aspecto da verdade
total: Satanás é, com efeito, acima de tudo, o DEICIDA!” (Mgr L. CRISTIANI, op.
cit., p. 308.)
O orgulho de Satanás
e seus anjos malignos não conhece limites!
"Que
orgulho demencial — comenta ainda Mons. Cristiani — nessa palavra de Satanás a
Cristo, mostrando-lhe em espírito todos os reinos da terra: ‘Tudo isto eu te
darei se prostrado por terra me adorares!´O fundo último da ambição satânica é
este: Tirar de Deus seus adoradores, fazer convergir as adorações dos homens
para ele próprio!"Resuimàmo-nos: o orgulho, a vontade de se fazer deus, a
astúcia, a inveja e o ódio do homem, tudo isto desembocando na mentira, no
homicídio, no deicídio: eis Satanás!”. (Mgr L.CRISTIANI, op. cit., p. 308.)Não lhe
importam as derrotas que sofre continuamente, nem mesmo a final e definitiva a
que está condenado; sua soberba se satisfaz com os pequenos triunfos que obtém,
no esforço de levar as almas à eterna perdição! E não se cansam disso, pois são seres puramente espirituais.Comenta
o Cardeal Lepicier: “Escudado na satisfação de certas vitórias parciais e na
esperança de grandes triunfos e, ao mesmo tempo, não se preocupando com as
vergonhosas derrotas sofridas, Satanás prossegue loucamente na sua faina de
tentar arrastar as almas para a eterna perdição. O seu pendão está sempre
erguido e o seu grito insensato de desafio e revolta ouve-se por toda parte:
‘Eu não quero servir! ‘ (Jer 2, 20)”. (Card. A.LEPICIER. O Mundo invisível p.
240.)
O demônio é o pai da vulgaridade!
Outro
aspecto da psicologia maldita do demônio é a vulgaridade. Odiando a Deus, ele
odeia tudo aquilo que é verdadeiro, belo, bom. Ele odeia a compostura, a dignidade,
a seriedade, a serenidade.O abade João Cassiano já observava no século V: “É
fora de dúvida que existe entre os espíritos impuros o que o vulgo chama
espíritos vagabundos, que são antes de tudo sedutores e bufões. Eles se postam
constantemente em certos lugares e se divertem em enganar, muito mais do que em
atormentar, aqueles que eles encontram.
Eles se contentam em fatigá-los por seus escárnios e suas
ilusões..." (Apud Mgr L. CRISTIANI, op. cit., p. 311.). São
os famosos demônios bufões, que fazem talhar a manteiga, secam o leite das
vacas, desencadeiam enxames de vespas ou de abelhas, etc., tudo para fazre os
homens perderem a paciência, praguejarem , blasfemarem.Mons. F. M. Catherinet,
demonólogo francês, analisando a ação dos demônios segundo as narrações
evangélicas, traça deles o seguinte perfil:
"Medrosos, obsequiosos, poderosos, malfazejos, versáteis e mesmo
grotescos... ( Mgr F. M. CATHERINET, Les Démoniaques dans
l´Évangile, P.319. ).Em
carta a Mons. Cristiani, o Pe. Berger-Bergès, famoso exorcista, escreve: "Vós me perguntais ... qual é a
psicologia de Satanás, quando ele está submetido à ação dos exorcismos... É
preciso definir e resumir a psicologia de Satanás por estas palavras: ORGULHO, DESPREZO DE SUA VÍTIMA,
TENACIDADE!" |(Mgr L. CRISTIANI, op. cit., p. 312.)
O poder (ainda que limitado) dos demônios
"O próprio Satanás se disfarça em anjo de luz”.(2 Cor 11, 14)
TUDO
QUANTO DISSEMOS a respeito do poder e do modo de agir dos anjos sobre a matéria
aplica-se igualmente aos demônios, que são anjos decaídos, mas que conservaram
a natureza angélica e os poderes a ela inerentes.
Poder dos demônios
sobre a matéria
Já
vimos anteriormente como a presença dos anjos em um lugar não se dá fisicamente
(contato físico), pois são seres incorpóreos, e sim por meio de sua atuação
(contato operativo): os anjos estão onde atuam.Em virtude de sua natureza
espiritual, eles podem exercer sua atividade e tanto de fora dos corpos, como
no interior deles, conforme observa São Boaventura: “Os demônios, em razão de
sua sutileza e espiritualidade, podem penetrar em qualquer corpo e aí
permanecer sem o menor obstáculo e impedimento”. (In II Sent., Dist. 8, p. 2, a. um., q. 1, apud Mons. C. BALDUCCI, Gli
Indemoniati, p.12.). De
um modo direto e imediato os demônios podem produzir na matéria apenas
movimentos locais, ou extrínsecos, transferindo uma coisa de um lugar para
outro, sem entretanto alterar a natureza ou substância dessa coisa; de modo
indireto, através desses movimentos locais, eles podem agir sobre a própria
substância da matéria, ao modificar a posição ou a quantidade dos elementos
constitutivos da mesma.Caso Deus o permitisse, os demônios, por sua natureza
angélica, poderiam causar toda espécie de transtornos físicos. O Cardeal
Lepicier afirma que se pode dizer que praticamente não há fenômeno no mundo que
não possa ser realizado, de um modo ou outro, pelos anjos; logo, também pelos
demônios.(Cardeal A. LEPICIER, O Mundo invisível, pp. 74.75.) E não raro o
fazem, provocando tempestades, cataclismos, incêndios e outros desastres como
também aparições fantasmagóricas, ruídos infernais e perturbações de toda
ordem.
Poder dos
demônios sobre o homem
Em
relação ao homem, os demônios só podem operar de modo direto e imediato sobre
aquilo que nele é matéria, ou está e necessária dependência dela; podem agir
nas funções da vida vegetativa, enquanto ligadas à matéria, e sobre a vida
sensitiva, porque esta depende de órgãos corporais. No que se refere às funções
próprias da vida intelectiva, os demônios só podem chegar a elas indireta e
mediatamente, quer dizer, atuando sobre a parte corpórea e sobre a vida
sensitiva, das quais a alma deve servir-se para desenvolver suas atividades
espirituais. Em outros termos, os demônios podem agir diretamente sobre
a parte corpórea do homem, mas apenas indiretamente sobre sua inteligência e
sua vontade.Conforme
ensina São Tomás,(Suma Teológico. 1-2, q. 80, a. 1-3.) o entendimento, por
inclinação própria só se move quando algo o ilumina em ordem ao conhecimento da
verdade. Ora, os demônios não querem conduzir o entendimento à verdade, mas,
pelo contrário, entenebrecê-lo como meio de levar o homem ao pecado. Por isso,
eles não conseguem mover diretamente a inteligência do homem, e procuram então
influir sobre ela indiretamente, através de sua ação sobre a imaginação e a
sensibilidade.Os
demônios não podem tampouco mover diretamente a vontade humana, pois isto só o
próprio homem ou Deus podem fazer; mesmo que o
Maligno, por permissão divina, se assenhoreie do corpo do homem e
entenebreça sua mente — como se dá na possessão — , ele não pode obrigá-lo a
pecar, pois a vontade não participaria dos atos maus assim realizados, os quais
seriam em conseqüência pecados apenas materiais.Para mover a vontade do homem, os
demônios precisam, de algum modo, convencê-lo, persuadi-lo a praticar uma ação
má, ainda que sob a aparência de um bem.
A ação insistente e persuasiva do
demônio!
"O demônio não força; ele propõe, sugere, persuade, alicia” - O
demônio não tem o poder de obrigar os homens a fazer ou deixarem de fazer algo;
por isso procura persuadi-los para que se deixem conduzir pelo seu mal."Ele não os força: ele propõe, sugere, persuade, alicia” escreve o
Pe. J. de Tonquédec S.J., exorcista e demonólogo francês. E acrescenta: “No
Éden, ele deu a Eva razões para ela transgredir a ordem divina (Gen 3, 4-5,
13); no deserto, solicitou Nosso Senhor pela atração de uma dominação universal
(Mt 4, 26-27)”. (J. de TONQUÉDEC S.J., Quelques aspects de l´ation de Satan en ce monde, p.
495.)São
Tomás também se refere a essa obra de persuasão do demônio, explicando que a
vontade humana só se move internamente por ação do próprio homem ou de Deus;
externamente ela pode ser solicitada pelo objeto que, entretanto, não força o
homem a escolher o que não quer. (Suma Teológico, 1-2, q. 80, a. 1.).
O
Pe. Cândido Lumbreras O.P., assim comenta essa passagem do Doutor Angélico:
“Que influência pode exercer o demônio nos pecados dos homens? ... O demônio
pode oferecer aos sentidos seu objeto, falar à razão, seja interiormente, seja
exteriormente; alterar os humores e produzir imagens perigosas, excitar enfim
as paixões que podem mover a vontade e assenhorear-se do entendimento” .(C. LUMBRERAS O.P., Tratado de los vicios y los pecados — Introducción. p.
766.)
Em
comentário a outra passagem de São Tomás, explica Pe. Jesus Valbuena O.P.:“Que os anjos possam iluminar e de fato iluminem o entendimento humano,
é uma verdade que se atesta por uma multidão lugares nas Sagradas Escrituras
... Também os anjos maus são capazes de produzir, com sua virtude natural,
falsas iluminações no entendimento dos homens, conforme nos admoesta São Paulo
para que estejamos alerta ´pois o próprio Satanás se disfarça em luz’ (2 Cor
11, 14).
“Afirma
São Tomás que nos sentidos do homem, sejam internos, sejam externos, os anjos
podem influir e agir a partir de fora e a partir de dentro dos mesmos, quer
dizer, extrínseca e intrisecamente; mas, em relação ao entendimento e à vontade
humanas, só os podem mover e influir indireta e exteriormente, quer dizer
propondo a estas potências espirituais de uma maneira acomodada a elas seus
objetos, que são a verdade e o bem e influindo nelas indiretamente mediante os
sentidos, as paixões, as alterações corporais sensíveis, etc., embora não
possam nunca chegar a dobrar ou completamente a vontade do homem, se este se
acha em estado normal” (J. VALBUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo—
Introduccion, p. 898.)
Nos
casos de Eva e de Nosso Senhor, o demônio “apresentou suas razões” tomando uma
forma corpórea, produzindo sons e articulando as palavras oralmente; no geral
dos casos, entretanto, o demônio, para persuadir o homem a pecar, conjuga sua
ação sensibilidade, a memória e a imaginação.
As doutrinas
perversas do demônio
O
demônio tem uma doutrina mentirosa, que opõe à doutrina de Cristo.Em sua
introdução ao Tratado sobre os anjos, de São de Aquino, comenta o Pe. Aureliano
Martínez O.P.: “O demônio tem suas doutrinas perversas, às quais o Apóstolo
chama espírito do erro e ensinamentos do demônio (1 Tim 4, 1), com as quais
como deus deste mundo, cega a inteligência dos homens para que não brilhe nelas
a luz do Evangelho (2 Cor 4, 4); doutrinas que propala mediante falsos
apóstolos e operários enganadores que se disfarçam em apóstolos de Cristo; e
não é de espantar, pois o próprio Satanás se disfarça em anjo de luz (2 Cor 11,
13-14), tentando os fiéis de incontinência (1 Cor 7, 5) e de ira (Ef 4, 27)”. (A MARTÍNEZ O.P., Tratado de Los Angeles — Introducción, p. 511.)Foi
por essa razão que o Divino Salvador definiu o demônio como aquele "que
não permaneceu na verdade; porque a verdade não está nele; quando ele diz a
mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,
44).Por meio dessa ação de persuasão o demônio procura na tentação, não apenas
induzir-nos a cometer este ou aquele pecado, mas afastar-nos completamente de
Deus.
Limites à ação do
demônio
Por
mais poderoso que seja, com uma capacidade de ação superior à de qualquer outro
ser criado, o demônio, entretanto, não é onipotente. Sendo mera criatura, ele
tem suas limitações, decorrentes de três fatores: sua própria natureza, a
condição particular de cada demônio e a vontade permissiva de Deus.
Limites impostos por
sua própria natureza
Com
toda criatura, o demônio está limitado em sua atuação pela sua própria
natureza: por mais elevado que seja seu poder, este não pode ultrapassar os limites
de sua natureza criada.Ele é um ser finito, contingente. Não se deve pois de
forma alguma julgar que ele é capaz de saber tudo (oniciência), de poder tudo
(onipotência) e estar em todo lugar (onipresença): esses atributos são exclusivos
de Deus.Sua inteligência, embora se tenha mantido intacta, está privada de todo
auxílio sobrenatural. Os demônios perderam, com o pecado, toda forma de
conhecimento sobrenatural; enquanto os anjos bons vêem em Deus o estado de uma
alma (se ela está na graça divina ou em pecado), os demônios só podem fazer
conjetura a respeito. O mesmo se deve dizer quanto a certos acontecimentos
futuros que Deus revela aos anjos.Por
sua natureza, nem os anjos bons nem os demônios podem conhecer o futuro livre
ou futuro contingente isto é, aquele que depende da vontade divina e do livre
arbítrio humano mas apenas Deus, que o pode revelar aos seus anjos.Outro limite
natural à ação do demônio é, como vimos, sua impossibilidade de agir
diretamente sobre a inteligência e a vontade humanas; ele tem de usar meios
indiretos: a sensibilidade, a imaginação, as paixões, e sobretudo a persuasão.
Limites devidos à
condição particular de cada demônio (desigualdade e hierárquias originais)
Outro
limite à atuação demoníaca vem da diversa condição de cada demônio. Assim como
existem desigualdades entre o homens, também entre os anjos e os demônios não
há dois iguais. Por isso, nem todos os
demônios têm o mesmo poder.Outro fator de limitação é a posição relativa de
cada demônio na escala dos anjos decaídos, e as eventuais ordens e proibições
que existam entre eles.
Limites impostos por
Deus
O
demônio só pode agir em detrimento do homem com a permissão de Deus.Ensina o
Cardeal Lepicier: “É preciso que nos lembremos sempre de que, por muito grande
que seja o poder do demônio, tem limites que lhe foram sabiamente determinados
pelo Todo-Poderoso. Ele pode, sem dúvida, fazer-nos mal, mas não além daquilo
que lhe é permitido, e bem conhece que o seu poder não pode durar muito. Pode
ser que o conhecimento da curta duração do seu reino contribua para que redobre
a sua atividade nos tempos que vão correndo; mas todos os seus esforços obedecem
aos impenetráveis desígnios da Providência que só permite que a sua influência
seja exercida até certo grau, de forma que nos possamos colocar debaixo da
proteção de Deus e ganhar, pelos nossos méritos, a vitória final e a coroa da
imortal glória que nos espera no Céu" ( Cardeal A. LÉPICIER, O.S.M., O
Mundo invisível, p.242.)No
livro de Jó, no qual é nomeado pela primeira vez nas Escrituras, Satanás
aparece como agente do mal, porém absolutamente subordinado a Deus.Embora tenha
inveja do justo Jó e queira pôr sua virtude à prova, por meio da infelicidade,
Satanás não pode agir senão com a autorização divina. Ele tem necessidade de uma permissão, ou até
mesmo de uma delegação do Senhor. Sua
ação é estritamente limitada à vontade de Deus, que permite, primeiro atacar
seu servidor exclusivamente em seus bens e não em sua pessoa; depois em sua
pessoa, mantendo entretanto sua vida (Jó 1, 6-12; 2, 1-7).São Paulo nos tranqüiliza:
"Deus é fiel, o qual não permitirá que sejais tentados além do que
podem as vossas forças; antes, com a tentação, vos dará as forças necessárias
para sair dela e para suportá-la" (1 Cor 10,13).Por
que Deus permite que o demônio tente o homem, como também o prejudique, muitas
vezes, de tantos modos? Como fica
patente em tantas passagens da Escritura e ensinamentos do Magistério
eclesiástico, essa permissão divina tem como escopo santificar o homem por meio
de provações, puní-lo por alguma falta grave, servir de ocasião para que se
manifeste o poder divino de um modo visível, como no caso dos exorcismos de
possessos.
Poder dos
anjos bons sobre os demônios
Ensina
São Tomás que os anjos bons, mesmo que por natureza pertençam a uma hierarquia
inferior à de algum demônio ( por exemplo em ralação a Satanás), sempre têm um
domínio sobre os anjos decaídos. Pois
os anjos gozam de perfeição da amizade de Deus, da qual estão privados os
demônio; e esta perfeição é superior à mera excelência natural, a única que
permanecesse nos demônios ( Suma Teológica, 1,q. 109,a.4. )Por isso observa o
Cardeal Lepicier: " A
sabedoria de Deus torna-se ainda mais manifesta , quando consideramos que ele
colocou os espíritos malignos debaixo do domínio dos anjos bons e deu a cada
homem, neste mundo, um anjo bom que o ilumina, guia os seus passos e o defende
contra os seus inimigos. Por
isso, os assaltos do inimigo das almas são aniquilados pela intervenção
daqueles espíritos que se conservam fiéis a Deus, e o demônio acaba por
contribuir para a maior glória do Criador". (Cardeal A. LÉPICIER, op. cit.,
p. 241. )
III - AÇÃO
ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DO DEMÔNIO
DEUS
GOVERNA O MUNDO, respeitando sua ordem e suas leis; isto é, a normalidade, a
simplicidade, o usual das coisas; tudo aquilo que sai desta linha e que parece
maravilhoso, prodigioso, milagroso é excepcional, muito raro. Deus nos criou
livres e espera de nós um livre consentimento à fé, sem que nisto sejamos
influenciados por uma manifestação habitual do preternatural e do sobrenatural.
Entretanto, para provar-nos, para que mereçamos a bem-aventurança eterna, como
também, muitas vezes, para castigo nosso, permite Deus que o demônio nos
atormente.A inclinação para o mal nos provém de três causas: de nossa natureza,
ferida pelo pecado original; do mundo e do demônio. Entretanto Satanás desperta
em nós, continuamente, a tríplice concupiscência com insistentes tentações de
soberba e orgulho, de luxúria, de avidez em todos os níveis.Essa é a ação
ordinária, comum, corrente do demônio — ou seja, a tentação. Além dela, pode o
Maligno exercer uma ação extraordinária.A
ação ou atividade demoníaca extraordinária pode ser assim qualificada por duas
razões: em primeiro lugar, pelo seu caráter surpreendente, sensacional,
espetacular; em segundo, pela sua relativa raridade (se comparada com a ação
ordinária). Estamos nos referindo à infestação e à possessão diabólica.Trataremos
em primeiro lugar da tentação; a seguir, das duas formas de infestação - a
local e a pessoal; no capítulo seguinte,
da possessão.
1)- A
tentação
“Bem-aventurado o homem que sofre (com paciência) a tentação. porque
depois que tiver sido provado, receberá a coroa da vida, que Deus promete aos
que o amam".(Tiag 1,12)A
AÇÃO MAIS COMUM e constante do demônio, em relação ao homem, é a tentação. Por
esse seu aspecto comum e também por ser a mais freqüente, pode-se chamá-la de
ação ordinária do demônio.
Natureza da tentação
Em
seu sentido etimológico, tentar alguém significa pô-lo à prova para que se
conheçam suas disposições ou qualidades.
Tentação probatória e
tentação enganadora ou sedutora
Santo
Agostinho estabeleceu uma distinção, que se tomou clássica, entre a tentação
probatória (tentatio probationis) e a tentação enganadora ou sedutora (tentatio
decepcionis vel seducionis):A
tentação probatória não visa levar ao pecado, e sim tornar patente a virtude de
alguém ou fortalecê-la por meio da provação.
Nesse sentido é que se pode falar de tentação de Deus, como, por
exemplo, as provações que o Criador, servindo-se do demônio, enviou a Jó para
provar sua fidelidade (cf. Jó 14, 1 ss).Pode-se falar também de tentar a Deus
quando se pretende pôr Deus à prova, exigindo dele um milagre ou uma ação
extraordinária, com o fim de satisfazer nossa curiosidade, nossos caprichos, ou
livrar-nos das conseqüências de nossas irreflexões ou imprudências. “Tentar a
Deus — escreve D. Duarte Leopoldo e Silva - é expor-se ao perigo, a grandes
tentações, sem necessidade, e depois pedir um milagre para não sucumbir. Deus
protege no perigo, mas nem por isso devemos expor-nos temerariamente, porque,
diz o Espírito Santo, quem ama o perigo nele perecerá” . (Con. Duarte LEOPOLDO
E SILVA, Concordancia dos Sanctos Evangelhos, Escola Typographica Salesiana,
São Paulo, I edição, 1903.)A
tentação enganadora ou sedutora visa levar o homem à ruína espiritual; ela
propõe-lhe um mal sob a aparência de um bem, procurando arrastá-lo ao desejo
desse mal, isto é, ao pecado. Pode, então, ser definida como uma incitação ao
pecado. Consiste em um estímulo, uma solicitação da vontade para o mal.Quando
procede de nós mesmos (tentação interna), pode ser indicada mais bem como
inclinação, arrebatamento, estímulo; se provém de outros inclusive do demônio
podemos referir-nos a ela como convite, solicitação, incitação.
Causas naturais da
tentação: o mundo e a carne
Nem
todas as tentações que o homem padece provém do demônio; também o mundo e a
carne têm nelas uma grande parte: "Nem todos os pecados são cometidos por
instigação do demônio, mas alguns são cometidos pela livre vontade e corrupção
da carne” - ensina São Tomás. ( Suma Teológica, 1,q.114,a.3.)A raiz mesma da tentação está na própria natureza humana, livre porém
demasiado frágil, sobretudo depois que decaiu de sua integridade, em
conseqüência do pecado original. “Cada um é tentado pela sua própria
concupiscência, que o atrai e o alicia” - escreve o Apóstolo São Tiago (Tiag 1,
14), que repete a mesma idéia pouco à frente: “De onde vêm as guerras e as
contendas entre vós? Não vêm elas das vossas concupiscências que combatem em
vossos membros?” (Tiag 4, 1).São
Paulo descreve em termos dramáticos essa terrível realidade: "Sinto
imperar em mim unia lei: querendo fazer o bem, eis que o mal se apresenta a
mim. Segundo o homem interior, acho satisfação na lei de Deus; mas em meus
membros experimento outra lei que se opõe à lei do meu espírito e me encadeia à
lei do pecado que reina em meus membros” (Rom 7, 21-24)* - *“São Paulo descreve a luta que se trava no
interior do homem entre a carne e o e espírito.
O homem reconhece a justiça e a bondade da lei, mas a concupiscência
excita-o fortemente a desobedecer-lhe” (Pe. MATOS SOARES). A carne, aqui, significa a natureza humana
decaída em conseqüência do pecado original, que a tornou desregrada. De si, a
carne ou seja, a natureza humana é boa, pois criada por Deus.
A lei da carne (concupscências: desejos desordenados da carne)!
Também
o mundo procura arrastar-nos ao pecado, pois "está sob o jugo do maligno” (1 Jo 5, 19), e “a
amizade deste mundo é inimiga de Deus” (Tiag 4, 4). Se rompermos com o mundo
ele nos perseguirá, adverte o Salvador, pois não somos do mundo ( Jo 15, 19).
Por isso, Jesus disse expressamente que não rezava pelo mundo (Jo 17, 9).Um
homem pode ser tentador de outro homem, segundo o espírito do mundo. Foi o que
fez São Pedro, procurando desviar o Senhor do caminho da Cruz: “A partir
daquele momento, começou Jesus a revelar a seus discípulos que era necessário
que fosse a Jerusalém, padecesse muito da parte dos anciãos, dos sumos
sacerdotes e dos escribas, e fosse condenado à morte, e ao terceiro dia
ressuscitasse. Pedro, tomando-o à parte, começou a admoestá-lo, dizendo: ´Deus
te livre, Senhor! Isto não te pode acontecer!´Ele, porém, voltando-se, disse a
Pedro: 'Retira-te de mim, Satanás! Pois és para mim obstáculo (isto é,
tentação); os teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!' “ (Mt 16,
21-23).Somos,
pois, tentados pela nossa própria fragilidade, pelo nosso temperamento, nossa
índole, formação, ambiente, familiares, amigos, situações e ocasiões; em uma
palavra: pela carne e pelo mundo.
A tentação demoníaca
Porém,
conforme ensina o Apóstolo, “não temos que lutar somente contra a carne e o
sangue, mas sim contra os principados e as potestades, contra os dominadores
deste mundo de trevas, contra os espiritos malignos espalhados pelos ares..
“(Ef 6, 10-11).É fora de dúvida que muitíssimas tentações são obra direta do
demônio, cujo oficio próprio — diz São Tomás — é tentar. ( Suma Teológica, 1,q.
114,a .2. ) A maior parte da atividade demoníaca se concretiza na tentação. Por
isso o demônio, no Evangelho, é chamado tentador (cf. Mt 4, 3).As
demais causas da tentação — o mundo e a carne — podem atuar dependentemente
umas das outras; entretanto, é comum que, nas tentações, a atração do mundo se
una à revolta da sensualidade, e a ambas se some a ação aliciante do demônio.De
tal modo que, embora os teólogos aceitem no plano teórico a possilidade de a
tentação poder ter uma causa apenas natural o mundo ou a carne sem entrar
necessariamente a ação do demônio, no plano prático, em geral, admitem que o
Maligno, sempre à espreita, se aproveita de todas as circunstâncias para
cavalgar a tentação e aumentar a sua intensidade ou malícia.De onde a advertência de São Paulo: “Se sentirdes raiva, seja sem pecar:
não se ponha o sol sobre vossa ira, para não dardes oportunidade ao demônio”
(Ef 4, 26-27).
O homem diante da
tentação - A tentação não é pecado!
A
tentação, de si mesma, obviamente não é pecado. Pois o próprio salvador
permitiu ser tentado pelo demônio (Mt 4, 1-11; Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13).Como dissemos,
o demônio não pode agir diretamente sobre a inteligência ou a vontade humanas e
por isso procura influenciá-las por meios indiretos, em seu escopo de fazer-nos
pecar. Mesmo podendo resistir ao tentador, o homem freqüentemente se deixa
seduzir.Para
nos tentar, o demônio pode excitar a imaginação de modo a formar nela imagens e
representações lúbricas ou perturbadoras; interferir em movimentos corporais
que favoreçam os maus atos ou maus pensamentos, intensificar as paixões,
procurar enredar-nos em sofismas, em erros, etc.Entretanto, o homem não é
culpado das tentações que sofre, a não ser quando elas são conseqüência de
imprudências, permitidas ou procuradas voluntariamente, por exemplo, com
olhares indevidos, freqüência a lugares perigosos, más companhias, etc. Do
contrário, ele só será culpado nos casos em que der um consentimento pleno e
deliberado ás solicitações das tentações.* - *“Três coisas devemos distinguir na tentação:
a sugestão, a deleitação e o consentimento.
A sugestão não é um pecado, porque não depende da nossa vontade, A
simples deleitação, quando involuntária, também não é pecado. Só o
consentimento é sempre criminoso, porque depende exclusivamente de nós o
aceitar ou não a sugestão do pecado" (Con. Duarte LEOPOLDO E SILVA, op.
cit., p. 34, n. 5).Por
mais intensa que seja uma tentação, se o homem lutou contra ela o tempo todo,
não cometeu a menor falta; pelo contrário adquiriu méritos para sua
santificação, segundo escreve São Tiago Apóstolo: “Bem-aventurado o homem que
sofre (com paciência) a tentação, porque, depois que tiver sido provado,
receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o amam” (Tiag 1, 12).
Necessidade da
vigilância, da oração, da penitencia, mortificação e exercício das virtudes!
Devemos
estar sempre alertas para enfrentar as provocações, como nos recomendou Nosso
Senhor na hora de sua Paixão: "Vigiai e orai, para que não entreis em
tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
O mesmo aconselha São Pedro: “Séde sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso
adversário, anda ao redor como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (1
Ped 5,8).Vigiar,
porém, não basta. É preciso resistir ao demônio: "Resisti ao demônio, e
ele fugirá de vós” (Tiag 4, 7) — nos assegura São Tiago. “Resisti-lhe [ao
demônio] fortes na fé” — manda São Pedro (1 Ped 5,9).E
São Paulo exorta: “Revesti-vos da armadura de Deus para que possais resistir às
ciladas do demônio. ... tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no
dia mau, e ficar de pé depois de ter vencido tudo. Estai, pois, firmes tendo
cingido os vossos rins com a verdade, e vestindo a couraça da justiça ... tomai
o escudo da fé com que possais apagar todos os dardos inflamados do maligno,
tomai também o elmo da salvação e a espada do espírito ( que é a palavra de
Deus)” (Ef 6, 11-17).
Deus não permite que
sejamos tentados além de nossas forças!
Devemos,
entretanto, ter sempre presente esta consoladora verdade: é certo que Deus não
permite sejamos tentados além de nossas forças. Este é o ensinamento de São
Paulo: “Nenhuma tentação vos sobreveio que superasse as forças humanas. Deus é
fiel: não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças: mas, com a
tentação, vos dará também o meio de sair dela e a força para que suportá-la” (1
Cor 10,13).
2)- A infestação
"Não temos que lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra
os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas,
contra os espíritos malignos espalhados pelos ares.. "(Ef 6, 10-11)
A
TERMINOLOGIA a respeito da ação extraordinária do demônio sobre os homens, as
coisas e os locais, não é uniforme: alguns autores falam em obsessão, para
designar essa atuação demônio, quer se trate de sua simples presença local,
quer de atuação sobre o homem, mas sem possuí-lo, quer da possessão. Outros
criam termos especiais como circumissessão, para designar a ação demoníaca
externa ao homem.Adotamos aqui a terminologia utilizada por Mons. Corrado
Balducci, por parecer-nos mais simples e direta: infestação local, infestação
pessoal e possessão diabólica. (Cf Mons. C. BALDIJCcI, Gli indemoniati, p. 3;
El diablo, pp. 156-158.)Trataremos em primeiro lugar das duas formas de
infestação — a local e a pessoal; no capítulo seguinte, da possessão.
Infestação local
A
infestação local consiste em uma atividade perturbara que o demônio exerce
diretamente sobre a natureza inanimada (reino mineral, elementos atmosféricos,
etc.) e animada inferior (reino vegetal e reino animal), e também sobre
lugares, procurando desse modo atingir indiretamente o homem, sempre em modo
maléfico.Com
efeito, todas as criaturas, mesmo as irracionais, por maldição do pecado,
ficaram sob o poder do demônio (cf. Rom 8, 21ss). Assim, os lugares e as
coisas, do mesmo modo que as pessoas, estão sujeitas à infestação demoníaca. E
preciso não esquecer a atuação dos demônios dos ares, a respeito das quais nos
adverte o Apóstolo: “Não temos que lutar somente contra a carne e o sangue, mas
sim contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo de
trevas, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares...” (Ef 6, 10-11).Entram
nessa categoria as casas e lugares infestados: objetos que voam ou se deslocam
de lugar, sons estranhos ou perturbadores (passos, pedradas nas vidraças ou no
telhado, uivos, gritos, gargalhadas); impressão de presenças invisíveis,
sensação de perigos inexistentes, etc.; distúrbios visíveis, estranhos e
repentinos que se verificam no mundo vegetal e no mundo animal (árvores ou
plantações que secam repentinamente, doenças desconhecidas nos animais, pragas,
etc.).Certos fenômenos ou calamidades de aparência e estruturas naturais
(tempestades, terremotos e outros cataclismos, incêndios, desastres, etc.)
podem ter igualmente o demônio como autor, senão único direto (como na possessão),
ao menos parcial e dirigente. Por
exemplo, o raio que caiu do céu e consumiu os pastores e as ovelhas de Jó, do
mesmo modo que o vento do deserto que fez cair a casa dos filhos do Patriarca,
esmagando-os sob as ruínas, foram suscitados por Satanás (Jó 2, 16-19). Nesse
caso, podem ser incluídos essas manifestações demoníacas extraordinárias.Muitas vezes, tais
manifestações ocorrem em concomitância com casos de infestação pessoal ou de
possessão diabólica.
Infestação pessoal
A
infestação pessoal é uma perturbação que o demônio exerce, já não mais sobre o
mundo material e as criaturas irracionais, mas sobre uma pessoa, diretamente,
sem contudo impedir-lhe o uso da inteligência e da livre vontade. Apesar de ser
excepcional, é talvez o mais freqüente dos três tipos de atividade maléfica
extraordinária - isto é, infestação local, infestação pessoal, possessão.Como a
infestação local, a pessoal também comporta graus de intensidade, e diversa
modalidade.A infestação pessoal pode ser externa ou física e interna ou
psicológica, conforme se exerça sobre os sentidos externos ou internos e sobre
as paixões do homem. Com freqüência, a infestação é simultaneamente externa e
interna.Na infestação externa ou física, demônio age sobre nossos sentidos
externos: a vista, provocando aparições sedutoras ou, contrário, apavorantes; a
audição, fazendo ouvir rumores, palavras ou canções obscenas, blasfêmias,
convites, agrados ou ameaças; o tacto, com sensações provocantes, abraços,
movimentos carnais; então dores, doenças, etc.Mas o demônio pode
atuar também sobre os sentidos internos (fantasia e memória) e sobre as
paixões:A
infestação interna ou psicológica consiste em sugestões violentas e tenazes:
idéias fixas, imagens expressivas e absorventes, movimentos profundos de
emotividade e de paixão - por exemplo, desgostos, amargura, ressentimentos,
ódio, angústias, desespero; ou, ao contrário, inclinação para algum objeto
ilícito, ou inclinação, de si lícita, mas desregrada quanto ao modo e à
intensidade.Comenta
o Pe. Tanquerey: “A pessoa se sente, embora com desgosto, invadida por
fantasias importunas, tediosas, que persistem não obstante os esforços
vigorosos para afastá-las; ou então por frêmitos de ira, angústia, desespero,
ímpetos instintivos de antipatia; ou pelo contrário, por perigosas ternuras sem
razão alguma que as justifiquem” . (Adolphe TANQUEREY, Precis de Théotogie
Ascétique ei Mystique. p. 958.).Os
acessos de melancolia e os transportes de furor que afligiam Saúl, por obra de
um demônio e por permissão divina ( cf. 1 Reis 16, 14-23), são característicos
da infestação pessoal interna, infestação psicológica.Diferentemente do
possesso, o infestado guarda a disposição de seus atos exteriores, embora em
muitos casos tenha sua liberdade diminuída. Ele conserva o poder de reagir
contra as sugestões do interior ( por exemplo, sugestões de blasfêmias), de
julgar sobre o valor moral destas sugestões, achando-as abomináveis.Uma
das modalidades de infestação pessoal, talvez das mais freqüentes são as
doenças, muitas vezes desconhecidas e incuráveis, que chegam a levar à morte,
se Deus o permitir. É o que, aliás, lemos no livro de Já: “Disse, pois, o
Senhor a Satanás: Eis que ele (Jó) está na tua mão; conserva, porém, a sua
vida” (Jó 2, 6).As escrituras apresentam vários casos de tais enfemidades de
origem de diabólica. Exemplo clássico, é a lepra que cobre de chagas o justo
Jó, da planta dos pés até o alto da cabeça (Já 2, 7-8).Seriam igualmente
vítimas de infestação diabólica a mulher encurvada, atormentada pelo demônio
havia dezoito anos, de tal sorte que não se podia endireitar, e que foi curada
por Nosso Senhor (Luc 13, 11); o menino epilético (Mt 17, 14; Mc 9, 17; Luc 9,
38); o mudo (Mt 9,32); e o cego mudo (Mt 12, 22).Mons.
Balduecci se refere a doenças de origem demoníaca, por efeito de maleficios,
observando que nestes casos os distúrbios são com freqüência de ordem física,
sendo dificilmente diagnosticados pelos médicos; outras vezes se trata de
inconvenientes que atacam a vida psíquica, a própria personalidade do
indivíduo, tomando-o difícil, raivoso e até incapaz de atuar no âmbito de sua
vida familiar e social.(Cf. Mons. C.BALDUCCI, El diablo, p. 184.)Convém
precisar que muitas das manifestações acima descritas, embora próprias às
infestações locais ou pessoais, não são exclusivas delas e nem sempre são de
origem demôniaca; várias anomalias de ordem psíquica (ilusões, alucinações,
delírios) podem se externar pelos mesmos fenômenos; um cuidadoso exame do
indivíduo e das circunstâncias que acompanham os fatos poderá revelar a origem
natural patológica ou demoníaca dos distúrbios.
Vítimas
prediletas da infestação
Se
bem que qualquer pessoa possa ser vítima desse tipo de tormento diabólico,
Mons. Balducci indica três categorias de pessoas que estariam mais sujeitas a
ele: os santos, os exorcistas e demonólogos, e os maleficiados (vítimas de
malefício).Os
santos, por causa do ódio que o demônio tem daqueles que de modo especial amam
a Deus e procuram a perfeição; isto, do lado da intenção do demônio; do lado da
permissão divina, esta é dada como provação especial a almas muito eleitas.
Vários santos a experimentaram. Entre os antigos, basta lembrar Santo Antão; do
mesmo modo Santa Catarina de Siena (1347-1380); São Francisco Xavier
(1506-1552); Santa Teresa de Jesus (1515-1582); Santa Maria Madalena de Pazzi
(1566-1607); São João Batista Vianney, o Cura d’Ars (1786-1859) São João Bosco
(1815-1888); Santa Gemma Galgani (1878-1903).* - *Os
exorcistas e demonólogos: a razão é tão óbvia que quase não é preciso dá-la; os
primeiros, com seu ministério, fazem diminuir a presença do demônio no mundo e
libertam suas vítimas; os segundos, com seus estudos, esclarecem os fiéis com
relação à existência e atividade demoníacas.Os
maleficiados (vítimas de malefício), por permissão de Deus, para seu castigo,
ou provação, ou para manifestar o poder divino. ( Cf. Mons. C. BALDUCCI, El
diablo, p. 179.)*Esta
Santa leiga, grande mística, recebeu os estigmas da Paixão, tinha freqüentes
visões de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, e um comércio quase contínuo com seu
Anjo da Guarda. Foi muito atormentada pelo
demônio que a espancava com uma vara durante horas e horas, às vezes a
noite inteira, causando-lhe profundas esquimoses no corpo, que duravam vários
dias, até que Nosso Senhor as curasse. Perseguia-a por toda a parte, em casa,
na rua, na igreja, com aparições, assumindo o aspecto de um cachorro, de um
gato, de um macaco, de pessoas conhecidas, ou de homens ferozes e espantosos.
Várias vezes um desses homens horríveis a jogou na lama quando saia de casa
para ir comungar. O demônio lhe aparecia também sob a figura de seu confessor, Mons.
Volpi e outras debaixo da aparência do Anjo da Guarda, chegando a confundi-la;
de certa feita o Maligno assumiu a figura de Jesus flagelado, com o coração
aberto e todo ensangüentado, para pedir-lhe maiores penitências, com a dupla
finalidade de fazer deteriorar sua já delicada saúde e incitá-la a desobedecer
o confessor que as havia proibido ( Mons. C. BALDUCCI, El diablo PP.
179-181).
3)- A possessão
“E pela tarde apresentaram-lhe muitos possessos do demônio".(Mt 8,
16) - A
POSSESSÃO é a mais espetacular das manifestações diabólicas e a que mais
impressiona as imaginações; a tal ponto, que deixa na penumbra o trabalho
constante do demônio que, por meio da tentação, procura seduzir os homens ao
pecado.
Realidade da
possessão diabólica - No que se refere à
possessão diabólica, há duas posições erradas que é preciso evitar:
a)
- A primeira, consiste em acreditar com facilidade que uma pessoa está
possessa, sem maior exame, pela impressão causada por sintomas que podem bem
corresponder a outros estados, não sendo de si suficientes para caracterizar a
possessão;
b)-
A segunda posição está em negar que hoje ocorram casos de possessão; chega
mesmo a negar que alguma vez se tenham dado. Esta posição extremada se choca
com uma verdade claramente ensinada pela Sagrada Escritura, pela Tradição e
pela prática da Igreja.Os racionalistas pretendem que os casos de possessão
diabólica relatados na Escritura não passam de casos patológicos — mania,
loucura, histeria e epilepsia. Dizem que Jesus não pretendia que esses
infelizes enfermos, chamados endemoniados, estivessem realmente possessos, mas
tratava-os de acordo com as convicções dos seus contemporâneos, os quais
acreditavam na ação demoníaca.Nada mais falso, e os Evangelistas distinguem bem
entre a doença e a possessão.Assim, São Marcos escreve: “E de tarde, sendo já
posto o sol, traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam doentes e os possessos
do demônio E curou muitos que se achavam oprimidos com varias doenças. e
expeliu muitos demonios” (Mc 1, 32-34).E em São Mateus está escrito: “E pela
tarde apresentaram-lhe muitos possessos do demônio, e ele com a (sua) palavra
expelia os espíritos maus, e curou todos os enfermos” (Mt 8, 16).Do mesmo modo
São Lucas: “E quando foi sol posto, todos os que tinham enfermos de diversas
moléstias, traziam-lhos. E ele impondo as mãos sobre cada um, sarava-os. E de
muitos saíam demônios gritando” (Lc 4,40-41).É evidente nestas passagens que os
Evangelistas se referem à cura de doentes e à expulsão de demônios como dois
casos diferentes.De resto, o próprio Salvador afirma que expulsava os demônios
dos possessos. Por exemplo, aos judeus incrédulos disse Jesus: “Se eu, porém
lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o reino de Deus” (Mt
12, 28). “Se eu, pelo dedo de Deus lanço fora os demônios, certamente chegou a
vós reino de Deus”(Lc 11,20).E Ele mesmo distingue bem os casos de doença dos
de possessão, ao dizer: “Eis que eu expulso os demônios e opero curas” (Lc 13,
32).
A
Liturgia e a prática da Igreja, com a instituição dos exorcismos, bem como o
ensinamento dos teólogos, e pronunciamentos oficiais dos últimos papas, indicam
que a Igreja crê na possessão diabólica. Ao mesmo tempo, estabelecendo que os
exorcismos sobre possessos não sejam feitos senão depois de maduro exame e
mediante especial autorização, a Igreja indica que não se deve crer levianamente
nos casos de possessão. Em resumo, que se tenham dado alguns casos, pelo menos
de verdadeira possessão diabólica, como os relatados nos Evangelhos, é verdade
de fé; que depois se tenham dado outros, é doutrina comum dos teólogos, que não
pode ser negada sem temeridade.
Natureza da possessão
A
possessão consiste em um domínio que o demônio exerce diretamente sobre o corpo
e indiretamente sobre a alma de uma pessoa. Esta se converte em um instrumento
cego, dócil, fatalmente obediente ao poder perverso e despótico do demônio.O
indivíduo em tal estado é chamado justamente possesso, endemoniado, enquanto
instrumento, vitima do poder demoníaco, ou energúmeno, porque mostra uma
agitação insólita.
A possessão se
caracteriza por dois elementos:
a)
Presença do demônio no corpo do homem.
b)
Exercício de um poder por parte demônio sobre o mesmo.
Quanto
â presença demoníaca, ela não significa uma presença física, como anjo
(decaído), o demônio é puro espírito; sua presença se dá pelo contacto
operativo, isto é, o demônio está onde atua desse modo, o demônio pode
desenvolver sua atividade por toda a parte, tanto fora como dentro dos corpos
humanos. Sendo assim, um indivíduo pode
estar possuído por vários demônios (os quais operam simultaneamente
sobre ele, embora sob aspectos diversos), como um só demônio pode possuir várias
pessoas (atuando sucessivamente sobre cada uma delas).
O modo como
se opera a possessão é explicado por São Tomás de Aquino:
"Os
anjos bons e os maus têm o poder, em virtude de sua natureza sobrenatural, de modificar
nossos corpos, como qualquer outro objeto material. E como eles estão presentes
num lugar na medida em que operam nele, assim eles penetram em nossos corpos. Do mesmo modo,
ainda, eles impressionam as faculdades ligadas a nossos órgãos: às modificações
dos órgãos respondem as modificações das faculdades. Mas a impressão não chega até à
vontade, porque a vontade, nem seu exercício, nem em seu objeto, depende de um
órgão corporal; ela recebe seu objeto da inteligência, na medida em que
esta desentranha, do que ela percebe, a noção de bondade do ser”. (In 2dum Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5, sol. apud L. ROURE, Possession
Diabolique, col.) Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo não
pode penetrar diretamente na alma do homem, pois isto somente a Santíssima
Trindade pode fazer. (Suma Teológica, 3,q. 8,a.8) Isto quer dizer que,
na possessão, embora o demônio domine o corpo, sobretudo o sistema nervoso, e
possa impedir o uso das potências da alma, ele não pode penetrar nela e obrigar
sua vítima a cometer um pecado, ou aceitar as doutrinas diabólicas.O possesso de certa forma, não é moralmente responsável diante de Deus por seus atos,
por piores que sejam, uma vez que não tem plena consciência deles, nem existe colaboração da vontade, mas uma manipulação por parte do demônio.
Efeitos da ação do
demônio sobre o possesso
A
presença operante do demônio no endemoniado não é contínua, mas se manifesta
por períodos de crise. Não falta ao demônio poder nem vontade de atormentar ininterruptamente sua
vítima, tal o ódio ao homem; Deus é que não o permite, pois a pessoa não
resistiria.A influência do demônio sobre os possessos não é simplesmente
indireta ou moral, como, por exemplo, nas tentações, mesmo as mais fortes; ela é
uma ação direta e física, exercida pelos espírito das trevas sobre os órgãos
corporais do infeliz submetido ao seu império. De onde resulta para
este último um estado doentio, estranho, que sai das leis ordinárias das
afecções mórbidas, embora freqüentemente acompanhado de fenômenos de ordem
puramente natural, que o demônio determina nele, simultaneamente com aqueles
que ultrapassam a esfera própria aos agentes físicos. Esses fenômenos são
habitualmente uma superexcitação geral e profunda de todo o sistema nervoso.Outras
vezes, ao contrário, o demônio comunica à sua vítima um crescimento
extraordinário da força muscular. O infeliz entra em fúria a ponto de espumar
de raiva, ranger os dentes, soltar gritos espantosos, precipitar-se na água ou
no fogo. Ele se torna então perigoso para aqueles que se aproximam dele;
destrói, como simples pedaço de palha, as cadeias de feno com as quais o querem
prender; e, se ele não puder atingir os outros, volta conta si mesmo o seu
furor, arranhando-se com as unhas, machucando-se com as pedras do caminho.Essa
ação perturbadora e nociva do demônio sobre os órgãos corporais expande-se
sobre as faculdades mistas, como a imaginação, a memória, a sensibilidade.
Estende-se mesmo mais longe e mais alto no ser humano, porque ela tem sua
repercussão até na inteligência.
As operações intelectuais apresentam, às vezes, um tal caráter de
incoerência, que os demoníacos parecem atingidos de alienação mental. Não é raro também ver-se
produzir, no domínio do espírito, um fenômeno análogo àquele que se passa no
seus órgãos. Assim como o demônio, em lugar de paralisar as energias corporais do
demoníaco, aumenta seu poder, do mesmo modo, em vez de diminuir suas luzes
naturais, ele comunica à sua inteligência conhecimentos que ultrapassam de
muito seu poder.
Possessão e
infestação: fenômenos da mesma espécie
A
infestação pessoal (ou obsessão) e a possessão constituem fenômenos da mesma
espécie, variando apenas em grau, e são classificadas pelos teólogos como
ações extraordinárias e diretas do demônio, enquanto a tentação é indicada como
ordinária e indireta. Observa o Cardeal Lepicier que a diferença
entre a infestação pessoal e a possessão não é um diferença de espécie, mas
somente de grau, visto que estas formas diferem mais ou menos, conforme for
maior ou menor o grau do poder exercido pelo demônio sobre o corpo do indivíduo
a quem ele resolveu atormentar. Os fenômenos de infestação pessoal não são,
por vezes, menos graves do que os de possessão. De fato, o Ritual
Romano não estabelece diferença alguma entre eles, e as línguas latina e
italiana têm apenas uma palavra clássica para designar ambas as formas, isto é,
obsessão diabólica. (Cf. Card. A. LEPICIER, O Mundo Invisível, p. 277.)É
verdade — explica o Pe. Roure — que a possessão não penetra até o íntimo da
alma; conseqüentemente ela não pode ditar, impor ao possesso um ato pessoal de
inteligência ou de vontade; mas a ação diabólica chega a neutralizar, a impedir
o exercício da inteligência e da vontade, de modo que o possesso torna-se
incapaz de conhecer, de julgar e de querer tudo o que se passa e se agita
nele. Na
infestação tal não se dá; a vítima conserva o domínio de suas faculdades
superiores (a inteligência e a vontade), e pode mesmo servir-se delas para
enfrentar os assaltos do Maligno. Dessa
forma acontece que a efervescência diabólica pode deixar o fundo da alma em
paz. (Cf. L. ROURE, Possession Diabolique, cols. 2645-2646.)
Causas da possessão?
1)- Punição e
provação:A
permissão dada por Deus ao demônio de, na possessão apoderar-se assim dos
órgãos corporais e das faculdades espirituais de uma criatura humana, é, às
vezes, punição de certos pecados graves cometidos pelos possessos, em
particular os pecados da carne. Entretanto
não é sempre assim. Um endemoniado não é necessariamente culpado.
Algumas vezes, Deus permite esse estado para ressaltar sua glória pela
intervenção ostensiva de seu poder absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar os
possessos.São
Boaventura explica que Deus permite a possessão “seja em vista de manifestar
sua glória, obrigando o demônio pela boca possesso a confessar, por exemplo, a
divindade de Cristo, seja para punição do pecado, seja para nossa instrução. Mas,
por qual dessas causas precisamente ele deixa o demônio possuir um homem, é
o que escapa à sagacidade humana: os
julgamentos de Deus são escodidos aos homens. O que é certo, é que eles são
sempre justos” (In 2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1 art único apud
L. ROURE, Possession Diabolique., col. 2644.)O
caráter espetacular da possessão acaba por apresentar um efeito apologético e
ascético benéfico, pois torna patente e quase visível a existência do Espírito
das trevas. Esta é uma das razões pelas quais Deus permite a possessão diabólica,
pois obriga o Maligno a agir como que a descoberto, dando mostras públicas da
sua maldade, do seu ódio contra o homem e a criação.
2)- Práticas
supersticiosas, espiritismo, macumba, etc: Não
devemos esquecer, entre as causas das infestações e da possessão, as práticas
supersticiosas, o recurso a magos, pais-de-santo, cartomantes, adivinhos, etc."O
demônio, quando um homem colabora com ele em práticas superti ciosas,
facilmente exerce sobre esse indivíduo a mais cruel e implacável tirania” — observa o Cardeal
Lepicier. Ele chama a atenção para as práticas espíritas: “Não pode haver
dúvida de que atuar como médium é o mesmo que expor-se aos perigos da obsessão
diabólica ... Recorrer a um médium é, pois, equivalente a cooperar na obsessão de uma
pessoa”. (Card. A. LEPICIER, O Mundo Invisível, pp. 222-223.)Uma
das causas muito comuns da ação extraordinária do demônio sobre pessoas é o
malefício, a respeito do qual falaremos adiante. O Pe. Gabriele Amorth,
exorcista da Diocese de Roma, afirma que os casos mais difíceis de infestação e
de possessão diabólica que ele tem encontrado são os resultantes de macumbas
realizadas no Brasil e na África. (Cf. G. AMORTH, Un esocista racconta, pp. 116 e 157.)Existem
ainda casos de possessão voluntária, em que a pessoa que recorreu ao diabo e
fez um pacto com ele pode agir como um instrumento do Maligno para levar avante
os desígnios dele. A figura típica do médium de Satanás, foi Hitler, segundo julga o
teólogo e demonólogo beneditino austríaco Dom Aloïs Mager.("Não há nenhuma
outra definição mais breve, mais precisa, mais adaptada à natureza de Hitler
que esta tão absolutamente expressiva: Medium de Satã” (D. Aloïs MAGER
O.S.B., Satan de nos jours, p. 639).)
Poderiam ser mencionadas igualmente as figuras sinistras de Lenin,
Stalin, e tantos outros.
Freqüência da
possessão
Após o
estabelecimento da Igreja, o número dos endemoníados diminuiu, de muito, nas
nações tomadas cristãs. E que, pelo Batismo e demais Sacramentos, os fiéis são
preservados desses ataques sensíveis do demônio! Este perdeu seu império, mesmo
sobre aqueles que, embora batizados, vivem de maneira pouco conforme com à Fé
de seu Batismo.
Membros da Igreja, embora membros mortos, eles encontram nessa união,
entretanto imperfeita, ao Corpo Místico de Cristo, um socorro em geral
suficiente para que o demônio não possa apoderar-se deles, como faria, se se
tratasse de pagãos.“Entretanto
— observa o Pe. Ortolan — não somente nas regiões que não receberam o
Evangelho, mas também naqueles em que a Igreja está estabelecida, encontram-se
ainda demoníacos. Seu número aumenta na proporção do grau de apostasia das nações que,
outrora católicas, abandonam pouco a pouco a Fé, e retornam ao paganismo
teórico e prático” (T. ORTOLAN, Demoniaque, col.410.) Para avaliarmos
corretamente a presença e atuação do demônio no mundo atual é preciso
considerar que o estado de apostasia a que se referia o Pe. Ortolan há mais de
quarenta anos — chegou em nossos dias a um grau inimaginável. E
que, mais ainda do que os casos de possessão, o número dos infestados é sem
conta.
Possessão
diabólica - O diagnóstico:
"Para estabelecer a realidade de uma possessão, um único método é
válido: provar a presença dos sinais indicados no Ritual Romano”.(Dom Louis de
Cooman, Bispo-missionário e exorcista)
Estados patológicos e
possessão diabólica - Problema complexo
Um dos
problemas mais complexos colocados pela ação diabólica extraordinária sobre o
homem é o seu diagnóstico. (Paranormal, ou preternatural ?).A
questão consiste em saber quando estamos realmente em presença de uma ação
preternatural (isto é, provocada por anjos ou demônios) ou diante meras manifestações
de morbidez, ou de outro gênero, por certo incomuns, mas que não escapam ao
âmbito dos fenômenos naturais da alçada da Medicina e outras ciências
(paranormal).Nem sempre é fácil distinguir entre as infestações e possessões
demoniácas e certos fenômenos de natureza mórbida, pois é sabido que inúmeros
distúrbios patológicos, especialmente de caráter neuro-psiquiátrico, provocam
estados de extrema agitação, decuplicam as forças físicas, provocam fobias em
relação às coisas sacras, etc. Em resumo, fazem o pobre doente parecer um
possesso.É o que faz notar o
Cardeal Alexis Henri Marie Lépicier, O.SM.:Sabemos
que em algumas pessoas a imaginação, estando fora do normal, pode ultrapassar
os seus naturais limites (paranormais), e ser a origem de manifestações
estranhas que, à primeira vista, apresentam uma certa afinidade com ocorrências
preternaturais [isto é, produzidas por anjos ou demônios]. Todos nós sabemos
quantas perturbações pode causar uma doença nervosa em certas criaturas, como,
por exemplo, nas que sofrem de histeria. Há, de fato, nas ações destes
indivíduos muitas coisas que causam admiração.Mas é principalmente nos períodos
de paroxismo que a histeria está mais apta a exibir muitos e curiosos
fenômenos, o principal dos quais é a alucinação.“Toda
gente vê, portanto, a necessidade imperiosa de estabelecer a distinção entre
estes fenômenos paranormais, e os que são devidos a causas preternaturais”
(Card. A. LEPICIER, O Mundo invisível, p. 201.)Outras
vezes, são fenômenos da natureza, insuficientemente explicados pelos
cientistas, ou simplesmente fora de alcance de pessoas sem formação
especializada: luminosidades, movimentos de massas de ar, variações térmicas,
etc., os quais podem parecer fenômenos maravilhosos provocados por ação
diabólica.
Objetividade e rigor
científico
Mons.
F. X. Maquart — renomado estudioso da matéria - compara o diagnóstico do exorcista
ao diagnóstico médico.O exorcista deve proceder com a mesma objetividade, o
mesmo rigor que o exame do médico, de modo a não deixar fora do exame nenhuma
das manifestações apresentadas pelo comportamento do paciente, evitando com
isso deixar-se levar pela impressão, que pode ser enganosa. Esse exame crítico
tem por finalidade eliminar alguma possível explicação natural observável na
presumida manifestação diabólica.Mons. Maquart explica que um certo número de
sintomas da possessão são comuns com os de algumas doenças como a psicastenia,
a histeria, algumas formas de epilepsia, etc. Como fazer para discernir então
entre um simples doente mental e um possesso pelo demônio? Entram em jogo os outros sinais
da possessão, que não têm explicação natural: falar línguas estrangeiras não
aprendidas, conhecer fatos à distância,
revelar ciência ou força física muito em desproporção com a idade, etc. ( Cf.
F. X. MAQUART. L´Exorciste devant les manifestations diaboliques, pp. 338-339.)
Essa posição exige, ao mesmo tempo, muita objetividade e bom senso, ao
lado de muita fé. Pois, como é evidente, não se pode, sob pretexto de que o extranatural
é uma exceção, negar em princípio toda a ação demoníaca, ou proceder de tal
forma como se sempre se tivesse que encontrar, a qualquer preço, uma explicação
natural.
Perigos de
um diagnóstico errado!?
Um
diagnóstico errado não é isento de perigos, tanto de ordem moral e espiritual,
como até mesmo física.Em primeiro lugar, a prática de exorcismos
em simples doentes mentais, sem que estes, obviamente, experimentem qualquer
melhora, pode conduzir ao descrédito em relação aos mesmos exorcismo e às coisas
sagradas de modo geral. Pode ainda oferecer argumentos aos céticos,
que se aproveitarão para tachar a prática dos exorcismos como puramente
supersticiosa. Além do mais, a prática dos exorcismos solenes
representa para o exorcista um desgaste muito grande, o qual seria sem fruto em
caso de erro de diagnóstico.ATENÇÃO! Exorcizar doentes
mentais oferece o perigo de agravar seus males, seja pela grande tensão e
esforço mental e até físico, que o exorcismo comporta, seja pelo caráter
impressionante deste. É o que afirma Mons. Maquart, experimentado demonólogo
francês: “Não seria sem inconvenientes
graves exorcizar, sob simples aparências de possessão, doentes mentais. Em vez
de os curar, o exorcismo teria o risco de agravar seu mal”. (Mgr F. X. MAQUART,
L ‘Exorciste devam les manjfestations diaboliques, p. 328.).O mesmo assegura Dom
Gustavo Waffelaert (Bispo de Bruges):"Há
inconveniente real em exorcizar uma pessoa não possessa. Por ela, antes de
tudo; pois o exorcismo, pela forte impressão que produz, pode afetar
desfavoravelmente um sistema nervoso já perturbado e acabar de o arruinar; ele é
também um poderoso meio de sugestão e arrisca desenvolver, num indivíduo fraco,
hábitos mórbidos. Além do que, não se tem o direito de empregar, sem
motivo grave, as orações sagradas do Ritual: é preciso que elas tenham um
objeto. Dessa forma, a Igreja, para pemitir o exorcismo, requer a prudência e
um julgamento moralmente certo ou ao menos provável da possessão” . (Mgr G. 3.
WAFFELAERT, Possession Diabolique. col. 55.)Em
muitos lugares, como nas dioceses de Roma e Veneza, os exorcistas trabalham
sempre em estreita união com psiquiatras católicos, os quais os ajudam a
distinguir meros doentes de eventuais possessos; por seu lado, esses
profissionais, muitas vezes, recorrem aos serviços dos exorcistas, quando
percebem em seus clientes sinais que ultrapassam os limites da Medicina. Na
realidade, certas manifestações, à primeira vista patológicas, podem esconder a
ação do Maligno. Por isso o médico católico não deve excluir sem mais a
possibilidade dessa ação, conforme observa Mons. Catherinet: “O
médico que quiser manter-se um homem completo, sobretudo se ele possuir as
luzes da fé, não excluirá, a priori, a presença do demônio, podendo, em certos
casos, suspeitar, por trás da doença, a presença e a ação de alguma força
oculta (cujo estudo ele pedirá ao filósofo ou ao teólogo, os quais se guiam
segundo seus próprios métodos). (Mgr F. M. CATHERJNET. Les Demoniaques
dons l Évangile, pp. 324-32.)
Critérios seguros
A
Igreja nunca negou essa dificuldade de diagnóstico da possessão; ao contrário,
sempre foi muito cautelosa no pronunciar-se sobre os casos concretos,
recomendando que na avaliação de cada um deles se examine com muito cuidado se
o fenômeno pode ter uma origem natural. Só depois de diligente e acurado
exame, e de descartadas todas as possibilidades de explicação natural, é que a
Igreja autoriza a proceder aos exorcismos solenes sobre os possessos. Para
garantir tal rigor de procedimento, a Igreja estabeleceu que esses exorcismos
só podem ser praticados por sacerdotes devidamente autorizados pelo Ordinário
do lugar para cada caso concreto; bispo não pode dar essa autorização senão a
um padre de conhecida ciência, prudência, piedade e integridade de vida. (Cf.
Código de Direita Canônico, cânon 1172 § § 1 e 2.)Dom
Louis de Cooman, antigo Vigário Apostólico no Vietnã ( ele próprio exorcista em
um caso famoso de possessão coletiva, que será relatado adiante), dá o único
critério que considera seguro para se determinar se há ou não possessão: “Para
estabelecer a realidade de uma possessão, um único método é válido: provar a
presença dos sinais clássicos indicados pela Igreja no Ritual Romano” (Mgr
Louis de COOMAN, Le Diable au Couvent, p. 12.)
O Ritual
Romano (que data do século XVI) estabeleceu, para orientar exorcistas, os os quatro principais seguintes indícios por parte do suposto possesso:
1.
Falar ou compreender fluentemente, línguas estrangeiras (principalmente: hebraico,
aramaico e grego) sem tê-las antes aprendido, ou até mesmo ouvido.
2.
Revelar coisas secretas ou distantes.
3.
Manifestar força física acima de sua idade e condição.
4.
E outras manifestações do mesmo gênero, que quanto mais numerosas forem, mais
constituem indícios. (Rituale Romanum, Tit. XI, Cap. 1, n. 3.)
Se
certas manifestações (como, por exemplo, demonstrar uma força extraordinária,
dar uivos animalescos, gritar blasfêmias ou palavrões) podem ser causadas por
uma doença, a revelação de pensamentos ocultos ou o conhecimento de coisas que
se passam à distância já não podem ter a mesma explicação.Hoje em dia muitas pessoas
(infelizmente até sacerdotes) pretendem negar, senão doutrinariamente, ao menos
na prática, toda possibilidade de possessão ou infestação diabólica,
apresentando explicações pseudo-cientificas em nome da Parapsicologia. A
esse respeito observa Mons. Louis Cristiani: querer dar uma explicação natural
às manifestações demoníacas pela Parapsicologia é explicar o obscuro pelo mais
obscuro ainda!
*Obs: Continua
na PARTE IV - A
LUTA CONTRA O PODER DAS TREVAS (link abaixo):
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