"Ilustríssimo Senhor
Professor, a minha crítica ao seu livro, em parte, é dura. Mas a franqueza faz
parte do diálogo; só assim o conhecimento pode crescer. O senhor foi muito
franco e, assim, aceitará que eu também o seja." - O papa emérito Bento XVI
escreve uma carta ao matemático ateu italiano Piergiorgio
Odifreddi sobre a fé, a ciência, o mal. Um diálogo à distância sobre
o livro Caro papa, ti
scrivo, de autoria de Odifreddi. O cientista, por sua vez,
relatou emoção e surpresa ao receber em sua casa a "inesperada carta"
do ex-pontífice.A carta foi publicada no jornal La Repubblica, 24-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto:A íntegra da carta será publicada no próximo
livro do matemático italiano. O jornal italiano publica uma parte da carta que
pode ser lida a seguir.
Eis o texto:
“Ilustríssimo Senhor Professor Odifreddi, (...) gostaria de lhe agradecer por ter tentado até o
último detalhe se confrontar com o meu livro e, assim, com a minha fé; é
exatamente isso, em grande parte, que eu havia intencionado com o meu discurso
à Cúria Romana por ocasião do
Natal de 2009. Devo agradecer também pelo modo leal como tratou o meu texto,
buscando sinceramente prestar-lhe justiça.O meu julgamento acerca do
seu livro, no seu conjunto, porém, é em si mesmo bastante contrastante. Eu li
algumas partes dele com prazer e proveito. Em outras partes, ao invés, me
admirei com uma certa agressividade e com a imprudência da argumentação. (...)Várias vezes, o senhor me aponta que a teologia seria ficção
científica. A esse respeito, eu me admiro que o senhor, no entanto, considere o
meu livro digno de uma discussão tão detalhada.
Permita-me propor quatro
pontos a respeito de tal questão:
1. É correto afirmar que "ciência", no sentido mais estrito
da palavra, só a matemática o é, enquanto eu aprendi com o senhor que, mesmo
aqui, seria preciso distinguir ainda entre a aritmética e a geometria. Em todas
as matérias específicas, a cientificidade, a cada vez, tem a sua própria forma,
segundo a particularidade do seu objeto. O essencial é que ela aplique um
método verificável, exclua a arbitrariedade e garanta a racionalidade nas
respectivas modalidades diferentes.
2. O senhor deveria ao menos reconhecer que, no âmbito histórico e no
do pensamento filosófico, a teologia produziu resultados duradouros.
3. Uma função importante da
teologia é a de manter a religião ligada à razão, e a razão, à religião. Ambas
as funções são de essencial importância para a humanidade. No meu diálogo com Habermas, mostrei que existem patologias da
religião e – não menos perigosas – patologias da razão. Ambas precisam uma da
outra, e mantê-las continuamente conectadas é uma importante tarefa da
teologia.
4. A ficção científica existe, por outro lado, no âmbito de muitas
ciências. Eu designaria o que o senhor expõe sobre as teorias acerca do início
e do fim do mundo em Heisenberg, Schrödinger, etc., como ficção científica no
bom sentido: são visões e antecipações para chegar a um verdadeiro
conhecimento, mas são, justamente, apenas imaginações com as quais tentamos nos
aproximar da realidade. Além disso, existe a ficção científica em grande
estilo, exatamente dentro da teoria da evolução também. O gene egoísta de Richard
Dawkins é um exemplo clássico de ficção científica. O grande Jacques Monod escreveu frases que ele
mesmo deve ter inserido na sua obra seguramente apenas como ficção científica.
Cito: "O surgimento dos vertebrados tetrápodes (...) justamente tem sua
origem do fato de que um peixe primitivo 'escolheu' ir a explorar a terra,
sobre a qual, porém, ele era incapaz de se deslocar, exceto saltitando
desajeitadamente e criando, assim, como consequência de uma modificação do
comportamento, a pressão seletiva graças à qual se desenvolveriam os membros
robustos dos tetrápodes. Entre os descendentes desse audaz explorador, desse Magellan da evolução, alguns podem
correr a uma velocidade de 70 quilômetros por hora..." (citado segundo a
edição italiana de Il caso e la necessità, Milão, 2001, p. 117ss.).
Em todas as temáticas discutidas até agora, trata-se de um diálogo
sério, para o qual eu – como já disse repetidamente – sou grato. As coisas são
diferentes no capítulo sobre o sacerdote e a moral católica, e ainda diferentes
nos capítulos sobre Jesus. Quanto ao que o senhor diz sobre o abuso
moral de menores por parte de sacerdotes, eu só posso reconhecer – como o
senhor sabe – com profunda consternação. Eu nunca tentei mascarar essas coisas.
O fato de que o poder do mal penetra a tal ponto no mundo interior da fé é para
nós um sofrimento que, por um lado, devemos suportar, enquanto, por outro,
devemos, ao mesmo tempo, fazer todo o possível para que casos desse tipo não se
repitam. Também não é motivo de conforto saber que, segundo as pesquisas dos
sociólogos, a porcentagem dos sacerdotes réus desses crimes não é mais alta do
que a presente em outras categorias profissionais semelhantes. Em todo caso,
não se deveria apresentar ostensivamente esse desvio como se se tratasse de uma
imundície específica do catolicismo. Se não é lícito calar sobre o mal na Igreja, também não se deve
silenciar, porém, sobre o grande rastro luminoso de bondade e de pureza, que a
fé cristã traçou ao longo dos séculos. É preciso lembrar as figuras grandes e
puras que a fé produziu – de Bento de
Núrsia e a sua irmã Escolástica,
Francisco e Clara
de Assis, Teresa de Ávila
e João da Cruz, aos grandes
santos da caridade como Vicente de
Paulo e Camilo de Lellis,
até a Madre Teresa de Calcutá e as grandes e nobres
figuras da Turim do século XIX. Também é verdade hoje que a fé leva muitas
pessoas ao amor desinteressado, ao serviço pelos outros, à sinceridade e à
justiça. (...)
O que o senhor diz
sobre a figura de Jesus não é
digno do seu nível científico!
Se o senhor põe a questão como se, no fundo, não soubesse nada de
Jesus e como se d'Ele, como figura histórica, nada fosse verificável, então eu
só posso lhe convidar de modo decidido a tornar-se um pouco mais competente do
ponto de vista histórico. Recomendo-lhe, para isso, sobretudo os quatro volumes
que Martin Hengel (exegeta da Faculdade de Teologia Protestante de Tübingen) publicou juntamente com Maria Schwemer: é um exemplo excelente
de precisão histórica e de amplíssima informação histórica. Diante disso, o que
o senhor diz sobre Jesus é um falar imprudente que não deveria repetir. O fato
de que na exegese também foram escritas muitas coisas de escassa seriedade é,
infelizmente, um fato indiscutível. O
seminário norte-americano sobre Jesus que o senhor cita nas páginas 105ss. só
confirma mais uma vez o que Albert
Schweitzer havia notado a respeito da Leben-Jesu-Forschung (Pesquisa sobre a vida de Jesus), isto é,
que o chamado "Jesus histórico" é, em grande parte, o espelho das
ideias dos autores. Tais formas mal sucedidas de trabalho histórico, porém, não
comprometem, de fato, a importância da pesquisa histórica séria, que nos levou
a conhecimentos verdadeiros e seguros sobre o anúncio e a figura de Jesus (...) Além disso, devo rejeitar com força a sua afirmação (p. 126)
segundo a qual eu teria apresentado a exegese histórico-crítica como um
instrumento do anticristo. Tratando o relato das tentações de Jesus, apenas
retomei a tese de Soloviev,
segundo a qual a exegese histórico-crítica também pode ser usada pelo
anticristo – o que é um fato incontestável. Ao mesmo tempo, porém, sempre – e em particular no prefácio ao primeiro
volume do meu livro sobre Jesus de Nazaré – eu esclareci de modo
evidente que a exegese histórico-crítica é necessária para uma fé que não
propõe mitos com imagens históricas, mas reivindica uma historicidade
verdadeira e, por isso, deve apresentar a realidade histórica das suas
afirmações de modo científico também. Por isso, também não é correto que o
senhor diga que eu estaria interessado somente na meta-história: muito pelo
contrário, todos os meus esforços têm o objetivo de mostrar que o Jesus descrito
nos Evangelhos também é o Jesus histórico real; que se trata de história
realmente ocorrida. (...)
Com o 19º capítulo
do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu
pensamento:
(...) Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 seja muito distante da que o evangelista pretendia
dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Se o senhor,
porém, quer substituir Deus por "A Natureza", resta a questão: quem
ou o que é essa natureza. Em nenhum lugar, o senhor a define e, assim, ela
parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu gostaria,
acima de tudo, de fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três
temas fundamentais da existência humana continuam não considerados: a
liberdade, o amor e o mal. Admiro-me que o senhor, com uma única referência,
liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna.
O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o
mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a
liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade
determinante e deve ser levada em consideração.
Mas a sua religião
matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal - Uma religião que ignore
essas questões fundamentais permanece vazia!
Ilustríssimo Senhor
Professor, a minha crítica ao seu livro, em parte, é dura. Mas a franqueza faz
parte do diálogo; só assim o conhecimento pode crescer.O senhor foi muito franco e, assim, aceitará que eu também o seja.
Em todo caso, porém, avalio muito positivamente o fato de que o senhor, através
do seu contínuo confronto com a minha Introdução ao cristianismo, tenha buscado um
diálogo tão aberto com a fé da Igreja Católica e que, apesar de todos os
contrastes, no âmbito central, não faltem totalmente as convergências.Com cordiais saudações e com todos os melhores votos para o seu
trabalho”
Fonte: ihu.unisinos
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