Lucas2,41-42: Todos os anos os pais de Jesus iam a Jerusalém
para a festa da Páscoa. Quando Ele atingiu a idade de doze anos, a família foi
à festa, como era hábito.”
Por *Frei Jacir
O texto sobre o qual vamos refletir hoje é Jo 7,1-2 e Jo 10, 25-30. Trata-se da festa judaica das Tendas, na qual Jesus se autoproclama como água e luz.
Por
que Jesus toma essa decisão de se revelar nessa festa? Qual o significado da
festa das Tendas para os judeus e a sua relação com a atitude profética de
Jesus?
A festa das Tendas ou Tabernáculos era celebrada seis meses depois
da festa da Páscoa, nos meses que correspondem, no nosso calendário, a setembro
e outubro. Na festa das Tendas, os judeus
celebravam, com a construção de tendas, a memória da passagem do povo pelo
deserto, durante 40 anos, depois da saída da escravidão no Egito (Ex
15,22—40,38). Ainda hoje, os judeus armam tendas nos telhados, terraços e
calçadas das casas para celebrar esse evento. Abraão, Moisés, Lei (Ne 8-9) e a
espera do Messias eram as temáticas celebradas na festa. No tempo de
Jesus, diariamente, o povo levava água da piscina de Siloé, lugar onde o cego
de nascença se lavou, após Jesus ter colocado barro com saliva nos seus olhos
(Jo 9,1-41). Siloé, que quer dizer ‘enviado’, ficava a 900 metros do templo de
Jerusalém. Levar água ao Templo lembrava as “águas da salvação” (Is 2,3) e a
profecia de Ezequiel sobre a água da salvação saindo do novo Templo (Ez 47,1-2)
ou da nova Jerusalém (Zc 14,8). A festa das Tendas
terminava no oitavo dia com uma grande procissão de luzes, tochas e água (Lv
33,39: Ne 8,18). Durante a festa, o pátio do Templo permanecia iluminado com
grandes candelabros. O cenário da festa era maravilhoso!
Jesus, que passou os últimos três anos de sua vida, segundo o
evangelho de João, indo às festas judaicas e ao
Templo de Jerusalém, para aí se revelar publicamente como enviado e Filho de Deus, não o faria diferente na festa das
Tendas.
Seus irmãos de criação, Tiago, Josetos, Judas e Simão, filhos do primeiro casamento de José, por não acreditarem que ele
era o Messias, provocaram-no para ir à festa e aí se revelar. Jesus não aceita
o desafio, mas vai, depois, secretamente. Ele estava
sendo perseguido na Galileia. Para ele, seu tempo não era o de seus irmãos. Na
festa, a primeira atitude de Jesus não foi a de fazer milagres, como esperavam
seus irmãos, mas a de ensinar no Templo. Ele fez isso no meio da festa. O povo
murmurava dizendo que ele não podia ser o Messias, pois era conhecido deles.
Jesus rebate dizendo que a origem do seu ensinamento vem de Deus. Revoltados,
os mestres da Lei, os rabinos, queriam prendê-lo, mas não o fizeram, ainda que
Jesus tivesse desacatado a autoridade deles. A hora da glorificação de Jesus
ainda não tinha chegado, conforme a tradição do evangelho de João. Muitos do
povo, no entanto, creram nele.
No último
dia da festa, o da procissão da água e da luz, Jesus, não mais
como o mestre, aquele que fala sentado, mas de pé, isto é, como profeta, toma a
palavra e se autoproclama água que mata a sede dos que nele creem (Jo 7,37) e
luz do mundo (8,12). O que levou Jesus a agir
assim foi a certeza de que Ele era a água da salvação messiânica que os judeus
esperavam. Ele era o novo Templo que substituiria o de Jerusalém, dominado pelo
rigorismo da Lei e da salvação para poucos. A água que brota do Templo de
Jerusalém era Ele, o Messias esperado. Na morte de Jesus, a água que sai de seu
corpo tem esse mesmo sentido.
João escreve seu evangelho para uma comunidade de judeus que viviam entre os anos 90 e 100 E.C. Eles eram cristãos, mas mantinham um pé na sinagoga, um desejo de voltar ao rigorismo da Lei, ao modo piedoso de ser judeu.Jesus se apresenta como Deus na forma de água que purifica, dá a vida, e de luz que ilumina os pés na caminhada. Como Deus que é luz, Jesus é o Deus-Luz feito carne, que nos levará de volta à Luz Eterna de onde viemos.Para nós, hoje, o apelo de Jesus continua a nos interrogar:
Que tipo de Igreja queremos ser?
A da satisfação pessoal, do devocionismo, a do comprometimento social que propõe a libertação de tudo, menos do pecado? Ou a do LOGOS (sentido), e da Salvação em Cristo, e não em ideologias meramente humanas? Onde está armada a nossa tenda? Como está o brilho de nossa luz? Que tipo de água oferecemos para matar a sede de Deus? São perguntas que permanecem na festa das Tendas de ontem e de hoje.
*Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), padre franciscano, autor de dez livros e coautor de quinze.
Fonte:ihu.unisinos
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