A expressão “De cada um conforme
seus meios, a cada um conforme suas necessidades” foi utilizada pela primeira
vez por Louis Blanc no texto Organisation du travail, de 1839, como uma
modificação da citação de Saint-Simon “A cada um conforme suas capacidades, a
cada capacidade conforme suas obras. Louis Blanc foi um socialista francês,
defensor do cooperativismo. Teve importante participação na Revolução de 1848.Já
a afirmativa posteriormente desenvolvida: "Tirar de cada qual segundo sua
capacidade e dar a cada qual segundo suas necessidades" é um princípio
defendido por Karl Marx e que foi bastante utilizado por anarquistas e
comunistas.
Existe uma exigência do direito à igualdade que
acaba por ser discriminatória, pois tratar os iguais de forma diferenciada é
indigno, bem como tratar os diferentes de forma igualitária é injusto, e segundo Aristóteles, deve-se tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais.O Princípio da Igualdade, presente explicitamente
no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
I -
homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II -
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
III -
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
IV - é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V -
é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI -
é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII -
é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII -
ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
fixada em lei;
IX -
é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
X -
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI -
a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial;
XII -
é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
XIII -
é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV -
é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado
o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XV -
é livre a locomoção no território nacional em
tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI -
todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra
reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio
aviso à autoridade competente;
XVII -
é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII -
a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento;
XIX -
as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o
trânsito em julgado;
XX -
ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
permanecer associado;
XXI -
as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
XXII -
é garantido o direito de propriedade...
Vemos que
é a base do nosso ordenamento jurídico, esta matéria constante em todo o texto
constitucional. A igualdade que se declara não é formal e negativa, pressuposto
que a lei não deve estabelecer nenhuma diferença entre os indivíduos, tratando
todos igualmente, mas material (real ou substancial), que
reconhece as diferenças entre os indivíduos nas hipóteses de
ações reproduzíveis em nosso dia-a-dia.
A igualdade que discrimina para não excluir,
que tece uma lei neutra sem privilégios para os poucos, busca a generalidade da
lei positiva e abstrata e, por isso, realça-se o conceito realista, que pugna a
proporcionalidade da igualdade – tratar iguais os substancialmente iguais.
Para
Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente
os desiguais. Esse pensamento do celebre jus filósofo não quis disseminar o
preconceito entre as diferenças, mas considera que já que essas diferenças
existem que sejam tratadas como tais, com a finalidade de integrar a sociedade.
Por exemplo, o Direito Civil foi por muito tempo considerado “impessoalista”,
protetor de uma parcela da população que é proprietária e os que viviam de sua
mão-de-obra eram lesados em seus direitos, comparados até mesmo a coisas – os
excluídos. Desta situação veio a CLT, que soergueu o trabalhador a um sujeito
de direitos e não só de deveres, bem como os empregadores a respeitar estes
direitos e exigir os deveres de seu contratado. Outro exemplo é o acesso à tutela
do Estado no que tange ao artigo 125, inc. I, do Código do Processo Civil, que
assegura o tratamento igual às partes em juízo.
Em Teoria Pura do Direito
(tradução francês: 2ªed. Alemã, por Ch. Einsenmn, Paris, Dallos), segundo Hans
Kelsen:
“A
igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados
de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na
Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor
a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir
exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por
exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados,
homens e mulheres”, ou seja, o ser humano é único em
sua individualidade. No entanto, é exagero querer que haja um
tratamento próprio a cada um e, por isso, é mister que se dê um caráter de
proporcionalidade tanto aos meios quantos aos métodos empregados pelo
legislador para distinguir os indivíduos e, embora a Constituição arrole “que não
pode haver preconceito de sexo, cor, raça, idade, origem, etc, como poderia
parecer à primeira vista, vedando qualquer discriminação com base nesses
elementos”, tais termos na “realidade, relacionam-se a ocorrências
discriminatórias aleatórias de direitos fundamentais, muito comuns em
determinadas épocas históricas, utilizadas indiscriminada e gratuitamente como
forma de distinção e, o mais das vezes, punição” (André Ramos Tavares, Direito
Constitucional, ed Saraiva, 2002), como na escravidão.
A Lei que distingue é a mesma que
protege os cidadãos em seus direitos e deveres
Ela elege
requisitos de diferenciação sem que esta se faça de maneira desproposital. Por
exemplo, uma pessoa que concorra a um emprego não pode ser discriminada pelo
simples fato de ser alta ou baixa, de porte ou raquítica, a não ser que o
serviço ao qual será designada tenha impedimentos, como no ingresso no
exercício do serviço militar – no Exército, a altura mínima para o soldado do
sexo masculino é de 1,60 m e exige-se que tenha mais certo tipo físico.
Percebe-se, então, que, para se estabelecer critérios discriminatórios, deve-se
ter uma correlação lógica entre o fator discrímen e a desequiparação procedida
– ser igual não significa que somos iguais em “número e grau” e
tão poucos que somos absolutamente diferentes. Igualdade é ser
coerente com o que nos satisfaz e faz bem para todo um grupo de pessoas
(comunidade, sociedade). Em síntese:
“A lei não pode conceder tratamento
específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias
peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação
racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem
na categoria diferenciada” (Celso
Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo
Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ªed., Malheiros, 2005).
Por fim, como averbou Pimenta
Bueno:
“a lei
deve ser uma e a
mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for
fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma
injustiça e poderá ser uma tirania” (Direito
Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857).
Deve-se
entender que a igualdade deve ser a ratio fundamentadora de
qualquer relação social. Sem ela, o direito à vida, à liberdade e à dignidade,
reservada a todos (brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil), não teria
poder algum e nossa sociedade retroageria aos tempos em que viver ou morrer
andavam junto com o poder que se tinha tanto econômico como político, épocas
‘remotas’ como coronelismo ou a da própria escravidão. Hoje,
numa sociedade cada vez mais globalizada, integração social é a palavra chave
para a pacificação dos povos. No Brasil, há inúmeros exemplos em
que o princípio da igualdade está plenamente presente:
-As Leis
nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e nº9. 459, de 13 de maio de 1997,
que falam da discriminação pela raça e cor.
-A Lei
nº 9.029, de 13 de abril de 1995, sobre a discriminação por gênero
-E a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, seguida do Decreto nº
3.298, de 20 de dezembro de 1999, que falam da discriminação por deficiência, são
vínculos da própria integração social.
A QUESTÃO DA IGUALDADE DE FORMA FILOSÓFICO-SOCIALISTA
A ideia em questão
conversa com o princípio da equidade, onde os iguais são tratados como
diferentes. Isto é, apesar de sermos todos iguais, cada um possui necessidades
diferentes. Desta forma, Marx defendia que cada um colaborasse com a sociedade
da forma que pudesse e que fosse dado a este o que ele necessita
especificamente. O marxismo afirma que a humanidade é igual e desigual, porque diversa.
Porque compartilhamos, essencialmente, as mesmas necessidades. Mas,
ao mesmo tempo, as diferenças existem. Ser socialista significa
reconhecer que os seres humanos são distintos uns dos outros. Possuímos
capacidades e talentos diferentes. Uns são mais ágeis e outros mais
articulados, uns musicais e outros enérgicos, uns impulsivos e outros
reflexivos. Porém, as necessidades materiais e culturais mais intensas são
comuns a toda a humanidade. A necessidade de abrigo e alimento, de educação e
saúde, de segurança e lazer, de informação e aprovação, de trabalho e
reconhecimento é universal. É a exploração de
uns pelos outros a causa da desigualdade, e não o contrário.
Os próprios marxistas
foram os primeiros a reconhecer que a diminuição da desigualdade social
impulsionada pelo princípio meritocrático (a tirania do esforço ou do talento)
“de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado”,
não garantiria uma justa igualdade social. A explicação é simples: porque estaríamos
diante de um tratamento igual para os desiguais. Quando aqueles socialmente
desiguais recebem o mesmo tratamento, a desigualdade, necessariamente, se
perpetua. O princípio de tratar de forma igual os desiguais seria
igualitário, formalmente, mas não permitiria eliminar a desigualdade. A
igualdade de oportunidades não é o mesmo que a igualdade social. Segundo os
socialista, ainda que seja, incomparavelmente, mais justa que a desigualdade
que prevalece no capitalismo. O princípio abstrato da igualdade meritocrática
preserva um tratamento desigual.
Os
socialistas sempre defenderam a posição de que as diferenças salariais existentes
na maioria dos países, com diferenças entre o piso e o teto que excedem a
variação de um para cem, não correspondem às diferenças de qualidade, nem à
quantidade de trabalho efetivamente realizada. Não é nem razoável nem
admissível que um trabalho possa ser gratificado com um salário muitas dezenas
de vezes maior que outro, pois o dia tem 24 horas para todos.
Os inimigos da causa igualitarista respondem a esta defesa
da luta por maior igualdade social, essencialmente, com dois argumentos:
1)-O primeiro é a
impossibilidade da abundância. Este argumento se desmoralizou com o tempo,
diante da evidência de que a pobreza, a penúria ou a escassez em que vive a
imensa maioria podem ser superadas, diante da potência de criação de riqueza
que nos cerca.
2)-O segundo argumento
seriam os limites de uma condição humana implacável, de uma essência humana desordenada
imutável (devido o pecado original). Enfim, o homem como lobo do homem.A rivalidade
entre os seres humanos, e a disputa pela riqueza seriam um destino
incontornável. Um impulso egoísta ou uma atitude comodista, uma ambição
insaciável ou uma avareza incorrigível definiriam a nossa condição. Eis o
fatalismo: o individualismo seria, finalmente, a essência da natureza humana.
E a organização política e social deveria se adequar à imperfeição humana.
Enfim temos duas opções:
1)-Nos rebelarmos
contra as forças da natureza.
2)-Ou fazer elas
trabalharem a nosso favor, é isto que o Capitalismo faz e todos saem ganhando.
Portanto o direito ao
enriquecimento seria a recompensa dos deveres mais explorados pelos empreendedores,
ou mais corajosos, ou mais capazes e seus legítimos herdeiros assegurados
também pela nossa Constituição. A propriedade privada não seria a causa da
desigualdade, mas uma conseqüência da desigualdade natural. É porque
são muito variadas as habilidades e disposições que distinguem os homens que,
segundo os defensores de uma natureza humana rígida e inflexível, existe a
propriedade privada, e não o inverso. A diversidade entre os indivíduos, inata
ou adquirida, seria o fundamento da desigualdade social. Em consequência, o
capitalismo seria o horizonte histórico possível e o limite do desejável. Porque
com o capitalismo, em princípio, qualquer um poderia disputar o direito ao
enriquecimento.
Ora, o marxismo ao
contrário do Capitalismo que está sempre se auto avaliando e se reformulando, afirma
dogmaticamente sem permitir questionamentos, que a natureza humana tem
dimensão histórica e, portanto, se transforma, e deduzem que:
-Relações sociais que favorecem a solidariedade impulsionam
comportamentos fraternos.
-Relações sociais que premiam a cobiça estimulam
comportamentos brutais.
-A inveja, a boçalidade, a monstruosidade são tão possíveis
quanto a honestidade, a generosidade, e a gratidão.
O que o marxismo
preservou foi a idéia de que a diversidade de capacidades não permite explicar
a desigualdade social que nos divide. Argumentou-se que, apesar de ser irrefutável
que o capitalismo gera crescente desigualdade social e nacional, permanecia
como o horizonte da sociedade contemporânea. Porque esta deformação de maior
injustiça estaria compensada pelo aumento da riqueza. Em outras
palavras, que o capitalismo seria capaz de erradicar a pobreza, ainda que venha
aumentar a desigualdade.
O SOCIALISMO SABE DISTRIBUIR, PORÉM NÃO SABE PRODUZIR COM
EFICIÊNCIA
E de onde se tira sem
repor, um dia falta. O projeto do socialismo é a distribuição da
riqueza entre todos os que trabalham, eliminando a renda do capital. Não
nos deve surpreender, no entanto, que muitos acreditem na acusação dirigida aos
marxistas de que são igualitaristas que dizem que todos deveriam receber o
mesmo salário, ou que todos os salários deveriam ser iguais ao valor agregado
pelo seu trabalho. Não há, contudo, um só texto de Marx ou, de
resto, de qualquer um dos principais herdeiros de sua tradição, que defenda
salário igual para trabalho diferente, nem foi este o critério
dos comunnards, dos bolcheviques ou de qualquer das outras experiências
pós-capitalistas do século XX.
Enquanto
a disparidade de condições e intensidade do trabalho persistirem, trabalhos
diferentes terão, obrigatoriamente, remunerações desiguais, portanto, umas
serão maiores que outras.
Os marxistas não
defenderam, tampouco, que os salários poderiam ser iguais ao valor transferido
à produção. Isso seria uma quimera, porque supõe ser possível que cada um receba
integralmente de acordo com o que produz. Os socialistas reconheciam a
necessidade de fundos públicos, tanto para garantir os investimentos ou para
financiar os serviços sociais, quanto para assegurar a proteção dos inaptos
para o trabalho, como doentes ou idosos. Os marxistas nunca tiveram, todavia, a
ilusão de que este princípio organizador da distribuição pudesse ser implantado
imediatamente, ou à escala de um só país. Os marxistas consideravam que o
socialismo teria uma fase inicial em que deveriam ocorrer duas profundas
transformações:
1ª)-A eliminação da
remuneração do capital, ou seja, a garantia de que a riqueza produzida socialmente
deveria ser distribuída entre todos.
2ª)-Uma substancial
redução das diferenças entre os salários.
Direitos são
compreendidos, pelos socialistas, como proporcionais aos deveres. Como nos
versos da Internacional revolucionária:
“Não
mais direitos sem deveres, não mais deveres sem direitos”
A verdadeira doutrina defendida por Karl Marx
O segredo para se
entender o intrincado e maciço sistema de pensamento criado por Karl Marx
(1818-83) é, no fundo, bem simples: Karl Marx era um comunista. Sim, uma declaração aparentemente banal e
estereotipada quando comparada à miríade de conceitos — repletos de jargões —
filosóficos, econômicos, históricos e culturais presentes no marxismo.
No entanto, a devoção de Marx ao
comunismo era o ponto crucial de sua teoria, muito mais fundamental e dominante
do que a dialética, a luta de classes, a teoria da mais-valia e todo o
resto. O comunismo era o objetivo, o grande fim, o desiderato, a meta suprema
que iria fazer com que todo o sofrimento da humanidade ao longo da história
houvesse valido a pena. A história da humanidade é a história do sofrimento, da
luta de classes, da exploração do homem pelo homem. Da mesma maneira que o retorno do Messias, na
teologia cristã, colocaria um fim à história e estabeleceria um novo céu e uma
nova terra, o estabelecimento do comunismo colocaria um
fim à história humana e criaria um
novo paraíso de abundância.
Façamos uma análise dos principais pontos do comunismo
marxista:
Ao contrário dos vários
grupos compostos por socialistas utópicos, e em comum a vários grupos
religiosos messiânicos, Karl Marx não fez nenhum esboço detalhando as
características de seu futuro comunismo.
Marx não se preocupou, por exemplo, em detalhar o número de pessoas que
viveriam em sua utopia, nem o formato e a localização de suas casas, e nem o
padrão de suas cidades. Isso é
compreensível; afinal, todas as utopias que são detalhadas pormenorizadamente
por seus criadores inevitavelmente adquirem um aspecto de indelével
excentricidade, o que retira um pouco da seriedade da proposta.
Porém, ainda mais
importante, especificar os detalhes da sociedade ideal imaginada é um ato que
remove o crucial elemento de reverência e mistério deste supostamente inevitável
mundo do futuro. Da mesma maneira que os
atuais filmes de ficção científica perdem seu glamour e emoção quando, na
metade final, os misteriosos, poderosos e até então invisíveis monstros se
materializam em lentas e verdes criaturas em formato de bolha, as quais já
perderam sua aura misteriosa e se tornaram um lugar-comum, as
utopias detalhadamente especificadas também deixam de exercer fascínio sobre a
maioria das pessoas. No entanto, dentre todas as visões do
comunismo já apresentadas, certas características são claramente iguais:
1)-A propriedade
privada é eliminada.
2)-O individualismo é
abolido, a individualidade é proibida.
3)-Todas as
propriedades passam a ser controladas de forma coletiva.
4)-Todas as unidades
individuais do novo organismo coletivo são, de uma vaga maneira, iguais umas às
outras.
Havia um motivo para Marx se recusar a especificar como
seria a etapa comunista da humanidade em maiores detalhes:
“sua
utopia era reconhecidamente vaga e indefinida”
De um lado, Marx
pressupunha e afirmava que, na futura sociedade comunista, os bens seriam
superabundantes. Sendo assim, obviamente, não
haveria nenhuma necessidade de se preocupar com aquele problema universal da
humanidade: o fato de que vivemos em um mundo de escassez, no qual os recursos
utilizados para se alcançar determinados fins não inexoravelmente escassos. Porém, ao supor a ausência deste problema,
Marx simplesmente legou um enigma para suas futuras gerações de seguidores, os
quais, desde então, ainda não chegaram a um consenso em relação à seguinte
questão:
Afinal,
o comunismo irá ele próprio gerar este mágico estado de superabundância, ou será que temos de esperar o capitalismo produzir esta
superabundância para, só então, estabelecermos o comunismo?
De modo geral, os
grupos marxistas resolveram este problema — não na teoria, mas na prática —
aderindo ferrenhamente a qualquer oportunidade ou arranjo político que os
permitisse conquistar ou manter seu poder.
Sendo
assim, todos os partidos marxistas, sempre que viram uma oportunidade de tomar
o poder, se mostraram invariavelmente dispostos a pular
as "etapas da história" predefinidas por seu Mestre e a exercer suas
próprias e arbitrárias vontades revolucionárias.
Da mesma maneira, todas
as elites marxistas que já se encontravam encasteladas no poder tiveram o
cuidado de constantemente adiar para um futuro cada vez mais indefinido, com
muito cuidado e astúcia, a implementação do objetivo final do comunismo.
Por
isso os soviéticos, por exemplo, foram céleres em enfatizar o trabalho duro e o
gradualismo como pré-requisitos para se alcançar o estágio supremo do
comunismo, o qual teimava em jamais se concretizar.
Há vários outros
prováveis motivos por que Marx não quis detalhar as características do
comunismo supremo — ou, mais especificamente, as etapas necessárias para
alcançá-lo.
1)-Primeiro, Marx não
tinha nenhum interesse nos aspectos econômicos de sua utopia; a simples
pressuposição circular de que haveria uma abundância limitada já era o
bastante. Seu principal interesse estava
nos aspectos filosóficos do comunismo.
2)-Segundo, para Marx,
assim como para Hegel, a história necessariamente progride de acordo com uma
dialética mágica, na qual uma etapa inevitavelmente dá origem a uma outra etapa
posterior e contrária. Na versão
neo-hegeliana de Marx, a "alienação" e o processo
"dialético" gerariam a aufhebung (transcendência) e a negação de uma
etapa histórica, a qual seria substituída por uma outra etapa contrária à
anterior — mais especificamente, a negação da condição maléfica da propriedade
privada e da divisão do trabalho, e o consequente estabelecimento do comunismo,
gerariam uma sociedade em que a unidade do homem com a natureza e seu bem-estar
pleno seriam alcançados. Exceto que,
para Marx, a "dialética" é material em vez de espiritual.
Marx nunca publicou
seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, nos quais as bases
filosóficas do marxismo foram apresentadas.
Um ensaio em particular, "Propriedade Privada e Comunismo",
continha a mais completa exposição da sociedade comunista.
Um
dos motivos para sua recusa em publicar estes manuscritos foi que, nas décadas
seguintes, a filosofia hegeliana já havia saído de moda, mesmo na Alemanha, e
os seguidores de Marx estavam mais interessados nos aspectos econômicos e
revolucionários do marxismo.
O comunismo puro
Outro importante motivo
por que Marx não quis publicar estes manuscritos foi justamente a sua descrição
franca e sincera da sociedade comunista no ensaio "Propriedade Privada e
Comunismo". Além de apresentar um
conteúdo totalmente filosófico, em vez de econômico, Marx descreveu uma etapa
horripilante — porém supostamente necessária — de como seria a sociedade
imediatamente após a violenta e necessária revolução mundial do proletariado, e
antes de o comunismo supremo ser finalmente alcançado. Seria a sociedade da etapa de
transição. Esta sociedade
pós-revolucionária de Marx — aquela do comunismo "puro",
"cru" ou "grosseiro" — não era exatamente um tipo de
sociedade que estimularia as energias revolucionárias de seus fieis.
Mais notavelmente, Marx
reconhecidamente concordava com a descrição feita pelo francês mutualista e
anarquista Pierre-Joseph Proudhon e pelo monarquista conservador e hegeliano
Lorenz von Stein a respeito de como seria essa primeira etapa da sociedade
pós-revolucionária, a qual Marx concordou com Stein em classificar de
"comunismo grosseiro". Tanto Proudhon quanto Stein eram ácidos críticos do
comunismo. Proudhon chegou a denunciar
essa ideologia como "opressão e escravidão". Em particular,
a descrição de Stein, com a qual Marx concordava, era que o comunismo grosseiro
se degeneraria em uma tentativa de impor o igualitarismo por meio do confisco e
da expropriação selvagem e cruel da propriedade privada, seguida de sua
destruição. Adicionalmente, as mulheres seriam coercivamente coletivizadas, bem como toda
a riqueza material. Com efeito, a avaliação de Marx sobre
o comunismo grosseiro, a etapa da ditadura do proletariado, não era muito
romântica e era ainda mais pesada do que aquela feita por Stein.
Esse movimento que tende a opor a
propriedade coletivizada à propriedade privada se exprime de uma forma completamente
animal quando contrapõe o casamento (que
é, evidentemente, uma forma de propriedade privada exclusiva) à coletivização
das mulheres: quando a mulher torna-se uma propriedade coletiva e abjeta. Pode-se dizer que essa idéia da coletivização
das mulheres contém o segredo dessa forma de comunismo ainda grosseiro e
desprovido de espírito. Assim como a mulher
deve abandonar o casamento em prol da prostituição geral, o mesmo deve acontecer com o mundo da riqueza, o qual
deve abandonar sua relação de casamento exclusivo com a propriedade privada
para abraçar uma nova relação de prostituição geral com a coletividade.
Não bastasse isso, Marx reconhece que
O comunismo grosseiro não é a
transcendência da propriedade privada, mas apenas a sua universalização; não é
a derrota da ganância, mas apenas sua generalização; não é a abolição do
trabalho, mas sim sua ampliação para todos os homens. Destarte, a primeira forma positiva da
abolição da propriedade privada, o comunismo grosseiro, não é senão uma forma
na qual toda a abjeção da propriedade privada se torna explícita...Os
pensamentos de toda propriedade privada individual são, pelo menos, dirigidos
contra qualquer propriedade privada mais abastada, sob a forma de inveja e desejo de reduzir todos a um mesmo nível;
destarte, essa inveja e nivelamento por baixo constituem, de fato, a essência
da competição. O comunismo vulgar é apenas o paroxismo de tal inveja e
nivelamento por baixo, baseado em um mínimo preconcebido.
E completa:
Eis a razão por que todos os sentimentos físicos e morais foram
substituídos pela simples alienação trazida pela sensação da posse. A
essência humana deveria mergulhar em uma pobreza absoluta para poder fazer
surgir dela a sua riqueza interior!
A pergunta que fica é:
O homem em seu estado primitivo, patriarcalista por natureza contextual, já
pensava assim? Em suma, na etapa de coletivização da propriedade privada,
aquelas características que Marx considera serem as piores da propriedade
privada serão maximizadas. Não
somente isso, mas Marx admite a veracidade da acusação dos anticomunistas de
que o comunismo e a coletivização nada mais são do que,
nas palavras do próprio Marx, o paroxismo da inveja e do desejo de reduzir
todos a um mesmo nível. Longe de levar a um florescimento da
personalidade humana, como supostamente afirma Marx, ele próprio admite que o
comunismo irá aboli-la totalmente.
Estas incisivas
ilustrações da maneira como Marx contemplava e avaliava como seria o período
imediatamente pós-revolucionário muito provavelmente explicam a extrema
reticência sobre este tópico que ele viria a demonstrar posteriormente em suas
outras obras publicadas. Mas se este comunismo é confessamente tão
monstruoso, um regime de "degradação infinita", como alguém iria
defendê-lo? Mais ainda, por que alguém
iria dedicar toda sua vida, e lutar uma revolução sangrenta, para
implementá-lo? Neste ponto, como
frequentemente ocorre nas escritas e no pensamento de Marx, ele recorre
novamente à mística da "dialética" — esta maravilhosa palavra mágica
por meio da qual um determinado sistema social inevitavelmente produz sua
negação transcendental e vitoriosa. Segundo
Marx, a dialética explica como toda a maldade existente — a qual,
interessantemente, se materializa justamente na pós-revolucionária ditadura do
proletariado e não no capitalismo que a precedeu — irá se transformar na mais
completa e pura bondade. O mínimo que se pode dizer é que Marx não
consegue — e nem tenta — explicar como um sistema baseado na ganância absoluta
irá se transformar em um sistema sem nenhum resquício de ganância. Ele deixa tal tarefa a cargo da magia da
dialética, sem aparentemente se dar conta de que agora não há mais a suposta
força-motriz da luta de classes para impulsioná-la — a qual, mesmo sem existir,
de alguma forma será capaz de transformar a monstruosidade do comunismo
grosseiro em um paraíso inerente à etapa final do comunismo.
A dialética da destruição
Em sua cáustica obra
Crítica ao Programa de Gotha, escrita em 1875 com o intuito de denunciar
membros do Partido Social Democrata da Alemanha que estavam sob a influência de
Ferdinand Lassalle, Marx afirma:
“Na fase superior da sociedade
comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos
indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho
intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de
vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos
indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e
jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível
ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade
poderá inscrever em suas bandeiras: De
cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”
O que Marx está dizendo é que:
A característica
essencial do mundo comunista não é exatamente nenhum princípio da distribuição
de bens, mas sim a erradicação da divisão do trabalho, o que magicamente levaria ao
desenvolvimento total das capacidades individuais e a um resultante fluxo de
superabundância. Curiosamente,
em um mundo assim, o famoso slogan da última frase, ao contrário do que se
tornou arraigado no imaginário popular, passa a ser de importância totalmente
trivial.
A absoluta miséria e o
total horror da etapa suprema (e, mais ainda, da etapa que possivelmente viria
depois) do comunismo deveriam estar agora já totalmente aparentes. A erradicação da divisão do trabalho iria
rapidamente gerar a fome e a miséria econômica para todos. A abolição de todas
as estruturas de interrelações humanas traria enormes privações sociais e
espirituais para todos os indivíduos. Até
mesmo o suposto desenvolvimento "artístico" intelectual e criativo
das faculdades de todos os homens seria totalmente afetado pela proibição a
todo e qualquer tipo de especialização.
Como pode o genuíno aperfeiçoamento intelectual ocorrer sem nenhum
esforço concentrado?
Em
suma, o pavoroso sofrimento econômico da humanidade sob o comunismo seria
comparável apenas à sua privação intelectual e espiritual. Considerando-se a
natureza e as consequências do comunismo, rotular esta horrenda distopia de
'ideal nobre e humanista' é algo que pode, na mais benemérita das hipóteses,
ser considerado apenas uma piada medonha, de gosto totalmente
questionável.
A noção predominante de
que o comunismo marxista é um ideal glorioso para os homens, mas que foi tragicamente
pervertido por figuras como Engels, Lênin ou Stalin, pode agora ser colocada em
uma perspectiva adequada. Nenhum dos horrores cometidos por Lênin, Stalin ou quaisquer
outros regimes marxistas-leninistas é equiparável à genuína monstruosidade contida
no "ideal" comunista original de Marx. Talvez a
aplicação prática mais fiel à teoria marxista tenha sido o curto regime
comunista de Pol Pot, no Camboja, o qual, ao tentar abolir por completo a
divisão do trabalho, conseguiu impingir o banimento total do uso do dinheiro — de
modo que, para receber suas ínfimas rações, a população dependia totalmente dos
avarentos donativos fornecidos pela burocracia comunista. Adicionalmente, o regime de Pol Pot tentou
eliminar as "contradições entre cidade e campo", colocando em prática
o objetivo de Engels de destruir as grandes cidades e de coercivamente
despovoar a capital do país, Phnom Penh, o mais rapidamente possível. Em poucos anos, o grupo de Pol Pot logrou
exterminar um terço da população do Camboja, o que talvez seja um recorde em
termos de genocídio.[1]
Dado que, sob o
comunismo ideal, todos os indivíduos teriam de fazer de tudo, é evidente que
muito pouco poderia ser realizado, mesmo antes da fome generalizada se
manifestar. Para o próprio Marx, todas as
diferenças entre indivíduos eram "contradições" que deveriam ser
eliminadas pelo comunismo, de modo que,
presumivelmente, a massa de indivíduos existentes teria de ser uniforme e
perfeitamente permutável. Haveria um coletivo no qual cada indivíduo
efetuaria qualquer tarefa mesmo sem ter nenhuma especialização. Ao passo que,
aparentemente, Marx ao menos postulava capacidades intelectuais normais até
mesmo sob o comunismo, alguns marxistas posteriores sequer admitiam essa
restrição. Para eles, a realidade seria
bem mais florida; haveria o surgimento de seres super-humanos, o que aliviaria
enormemente as dificuldades geradas pelo comunismo.
Para Karl Kautsky (1854—1938), o
marxista alemão que assumiu o manto da liderança suprema do marxismo após a
morte de Engels em 1895, sob o comunismo "um novo tipo de homem irá surgir
... um super-homem ... um homem elevado".
Leon Trotsky divagava de modo ainda mais lírico:
"O homem tornar-se-á
incomparavelmente mais forte, mais sábio, mais puro. Seu corpo será mais harmonioso, seus
movimentos serão mais rítmicos, sua voz será mais melódica ... O humano médio
será elevado ao nível de um Aristóteles, de um Goethe, de um Marx. Acima destes
cumes, novos picos surgirão."
Tamanha desigualdade deverá ser tolerada?
Se
o estágio que virá após o estágio supremo do comunismo durar tempo o bastante
para criar esta nova super-raça, será um problema para os teóricos comunistas
deste futuro decidir o que fazer quanto à "contradição" de se
"permitir" que um super-Aristóteles se eleve em relação a um
Aristóteles.
Alguns libertários se
sentem tentados pelo objetivo marxista do "definhamento e desaparecimento
do Estado" sob o comunismo, ou pelo uso da frase — tomada emprestada dos
libertários franceses pró-livre mercado Charles Comte e Charles Dunoyer —, "um mundo no qual o governo de pessoas é substituído
pela administração de coisas". Há duas enormes falhas na formulação
deste ponto de vista. Primeiro,
obviamente, como o anarco-comunista russo Mikhail Bakunin (1814—76)
insistentemente demonstrou, é absurdo tentar chegar a um arranjo de total
ausência de estado por meio da absoluta maximização do poder estatal em uma
totalitária ditadura do proletariado (ou, mais realisticamente, uma ditadura
controlada por uma seleta vanguarda do suposto proletariado).
O
resultado será somente, e inevitavelmente, o estatismo máximo e a subsequente
escravidão máxima.
Bakunin profeticamente alertou para o fato de que uma
pequena elite dominante irá novamente, após a revolução marxista, governar a
maioria:
Porém, dizem os marxistas, essa
minoria será composta de operários. Sim,
com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou
representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o
mundo proletário do topo de sua autoridade estatal; não mais representarão o
povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana
... Os termos "socialismo
científico" e "socialista científico", os quais encontramos
incessantemente nas obras e nos discursos dos marxistas, são suficientes para
comprovar que o chamado 'estado popular' será nada mais do que um despotismo sobre as
massas, exercido por um nova e relativamente pequena aristocracia formada por
falsos "cientistas". Eles [os marxistas] alegam que somente
uma ditadura — comandada por eles próprios, é claro — pode trazer liberdade ao
povo; nós respondemos que uma ditadura não tem outro objetivo senão sua própria
perpetuação, e que ela não pode gerar outra coisa senão a escravidão do povo
submetido a ela. A liberdade pode ser criada apenas pela liberdade.[2]
De fato, somente um
crente na irracional magia negra da "dialética" pode acreditar no
contrário, ou seja, que um estado totalitário pode inevitavelmente e de maneira
virtualmente instantânea se transformar em seu oposto, e que, portanto, a
maneira de se livrar do estado é se esforçar ao máximo para maximizar seu
poder.
Mas o problema da dialética não é o único — na verdade, não
é nem o principal — problema do comunismo marxista.
O marxismo comunga com
os anarco-comunistas um grave problema quanto à etapa superior do comunismo
puro (supondo por um momento que tal etapa possa ser alcançada). O ponto crucial é que, tanto para estes
anarquistas quanto para os marxistas, o comunismo ideal é um mundo sem
propriedade privada, em que todas as propriedades e recursos serão controlados
coletivamente. Com efeito, a
principal reclamação dos anarco-comunistas em relação ao estado
é que ele é supostamente o principal garantidor da propriedade privada, e que,
portanto, para abolir a propriedade privada é necessário abolir o estado. A verdade, obviamente, é exatamente oposta:
o estado, ao longo da história, sempre foi o principal despojador e espoliador
da propriedade privada. Com a
propriedade privada misteriosamente abolida, a eliminação do estado sob o
comunismo (tanto da variante marxista quanto da variante anarquista) seria
necessariamente uma mera camuflagem para um novo estado que surgiria para
controlar e tomar decisões em relação aos recursos geridos coletivamente —
exceto pelo fato de que o estado não mais seria assim chamado; ele seria
renomeado para algo como "agência estatística popular", mas
continuaria armado precisamente com os mesmos poderes. Será de muito pouco consolo para as futuras
vítimas, encarceradas ou assassinadas por cometerem "atos capitalistas
entre adultos em comum acordo", que seus opressores não mais sejam o
'estado' mas sim uma 'agência estatística popular'.
O estado, sob qualquer que seja seu novo nome, continuará com o mesmo
aroma urticante.Ademais, como já indicado, na etapa "além do
comunismo", a etapa de coletivização universal, de inação e de não
utilização de recursos, a morte de toda a raça humana seria a inevitável
consequência.
Marx
e seus seguidores nunca demonstraram qualquer consciência em relação à vital
importância do problema da alocação de recursos escassos. Sua visão do comunismo é que todos os
problemas econômicos desse tipo são triviais, e não requerem nem
empreendedorismo, nem um sistema de preços, e nem um genuíno cálculo econômico
— todos os problemas podem ser rapidamente solucionados pela mera contabilidade
ou por simples registros cadastrais.
A clássica insensatez
em relação a esta questão foi explicitada por Lênin, que acuradamente expressou
a visão de Marx ao declarar que as funções de empreendedorismo e alocação de
recursos "já foram simplificadas ao máximo pelo capitalismo, que as
reduziu às extraordinariamente simples operações de fiscalização, inscrição e
emissão de recibos, algo que qualquer pessoa que saiba ler, escrever e fazer as
quatro operações de aritmética pode fazer."
Ludwig von Mises, com muita ironia, comentou que:
“Os
conhecimentos econômicos dos marxistas e dos outros socialistas não eram
maiores do que os de um garoto de recados cuja única ideia em relação ao
trabalho de um empreendedor é que ele preenche pedaços de papel com letras e
números"
CONCLUSÃO
O resultado prático desta
ideologia o bonde da história pode nos mostra escancaradamente suas
consequências. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um
país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não
tem cabimento. No Bonde da História prevalece sempre a razão, e assim caminha a
humanidade. Tudo isto nos leva a não dar crédito a cultura e nem em ideologia de
escritório, ou seja, naquelas criadas em uma sentada ou canetada por pseudo
iluminados, mas naquela testada na história da humanidade com tentativas de
erros e acertos e naturalmente prevalecida, pois este tal Comunismo
dito científico, de científico não tem absolutamente nada, pois tudo
que é científico se caracteriza pela repetibilidade em laboratório, coisa que
nenhum laboratório social Comunista mundo afora em suas tentativas de
implantação o fez até agora, pois tudo descambou em ditaduras sanguinárias e
desumanas de esquerda. Infelizmente há realmente muito pouca
gente interessada em demonstrar as vantagens e, principalmente, o lado moral e
ético do capitalismo. Poucos se dão conta, por exemplo, de que, no livre
mercado, os indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros,
ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses. Ao
contrário de outros modelos, o capitalismo não pretende extinguir o egoísmo
inerente à condição humana, porém nos obriga constantemente a pensar na
satisfação do próximo, se quisermos prosperar. Além disso, para obter sucesso
em grande escala, você tem de produzir algo que agrade e seja acessível a
muitas pessoas, inclusive aos mais pobres, e não apenas aos mais abastados. Sob
todos os aspectos o capitalismo é bem melhor do que o socialismo. Deveríamos
bater mais nessa tecla de que a superioridade moral também é espantosa, e que
um abismo intransponível separa um modelo baseado em trocas voluntárias de
outro voltado para a “igualdade” forçada, que leva ao caos e à degradação de
valores básicos da civilização. Quando você abastece seu carro, ou quando o
avião aterrisa, escutamos o piloto agradecendo pela escolha da companhia aérea.
Não por acaso, quando um cliente entra numa loja, a primeira coisa que ouve do
vendedor é: “Em que posso ajudá-lo?”. E a última coisa que ambos dizem, depois
de uma compra, é um duplo “obrigado!”. Um sinal inequívoco de que aquela
transação foi vantajosa para ambos”, pois nesta relação é satisfeito o
princípio: de cada um conforme a sua capacidade, e para cada um conforme a sua
necessidade”.O capitalismo fortalece os laços de cooperação e cordialidade,
enquanto o socialismo leva ao cinismo, à inveja e ao uso da força para se obter
o que se demanda. É verdade que o capitalismo produz resultados materiais
bem superiores, mas esse não é “apenas” seu grande mérito: ele é também um
sistema bem melhor sob o ponto de vista moral.No capitalismo quem chega ao topo
elas estão mais ligadas ao mérito individual, enquanto na burocracia socialista
elas dependem de favores e coação.No socialismo, os que chegam ao topo são os
piores, os mais cínicos e mentirosos, os populistas, os bandidos, os
exploradores, os inescrupulosos.E é isso que os liberais precisam
destacar com mais frequência. Não é necessário essa dicotomia no capitalismo
como existe no socialismo de mercado-solidariedade, muito pelo contrário, ou
seja, não é da benevolência, ou solidariedade do açougueiro que a comida chega
a minha mesa, mas da busca recíproca de satisfações minha e dele, ou seja não
precisamos da benevolência, ou solidariedade de governos, ou empresários para
ter minhas demandas atendidas, mas do mercado competitivo, é assim que
devem ser satisfeitas as nossas necessidades e preferências numa economia
livre.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
[1] O povo soviético
foi poupado do cataclismo completo do comunismo quando Lênin, um hábil
pragmático, recuou das tentativas soviéticas iniciais (1918—21) de abolir o
dinheiro e ir direto para o comunismo (o qual, mais tarde, foi rotulado de
"comunismo de guerra"), e voltou à economia majoritariamente
capitalista da NEP. Já Mao Tsé-Tung
tentou efetuar o comunismo em duas desastrosas ondas: o Grande Salto Para a
Frente, o qual tentou eliminar a propriedade privada e as
"contradições" entre cidade e campo por meio da construção de uma
siderúrgica em todas as aldeias, e a Grande Revolução Cultural Proletária, que
tentou eliminar a "contradição" entre trabalho intelectual e trabalho
manual enviando toda uma geração de estudantes para trabalhos forçados nos
campos de Xinjiang.
[2] Bakunin, Estatismo e Anarquia: citado em Leszek Kolakowski, Main
Currents of Marxism: Its Origins, Growth and Dissolution (New York: Oxford
University Press, 1981), I, pp. 251?2. Ver também Abram L. Harris, Economics
and Social Reform (New York: Harper & Bros, 1958), pp. 149?50.
BIBLIOGRAFIA:
Karl Marx. Crítica ao Programa de Gotha.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel, Teoria Geral do
Processo, SP: Malheiros, 22ºed, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo
Jurídico do Princípio da Igualdade, 13ª tiragem, 3ª ed., SP: Malheiros,
2006.
ROTHENBURG, Walter Claudius, Princípios
Constitucionais, 2ª ed., RS: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
ENGELS, Friedrich. Do Socialismo
Utópico ao Socialismo Cientifico. São Paulo, Editora Sundermann, 2011.
Economic Thought Before
Adam Smith — An Austrian Perspective
on the History of Economic Thought.
https://www.mises.org.br/article/1396/a-verdadeira-doutrina-defendida-por-karl-marx
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