*Por
Pedro Carlos
Qualquer
brasileiro, seja de que vertente política for, quando se depara com um assunto
que é o centro das atenções de jornalistas, megabilionários da indústria
digital e dos honrosos membros do nosso Parlamento e da nossa Suprema Corte,
sabe que nesse angu tem caroço. O assunto da vez são as chamadas fake news: as terríveis “notícias
falsas” que, juram eles, ameaçam o destino da nossa sôfrega nação. O enredo oficial
conta que um surto de mentiras deslavadas – uma coleção de invencionices,
alarmes falsos e boatos de todo tipo – contaminou as comunicações virtuais e
têm influenciado a opinião pública e até os resultados eleitorais. Os
vetores dessa epidemia seriam os milhares de sites, blogs e
páginas de redes sociais, que ganharam espaço com a internet e destronaram os
veículos de mídia credenciados.
As
precauções ao contágio limitam-se à verificação das perguntas básicas que se
seguem a qualquer fato jornalístico: o quê, quem, quando, onde, como e por quê. Deve-se atentar também à
confiabilidade da fonte da notícia. Sites nanicos
e desconhecidos devem ser evitados, e o certo mesmo é correr à Folha ou a’O Globo para tirar a prova dos
nove.A preocupação não nasceu ontem. O termo fake news ganhou notoriedade
em 2016, quando a grande imprensa inteira assistiu com horror à decisão dos
britânicos de não mais assentir ao multiculturalismo desenfreado e às
regulações leviatânicas da União Europeia, episódio denominado Brexit. Mas
o que escandalizou os soi-disant “especialistas”
foi a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, o que fez as elites
midiática, artística e universitária – o establishment progressista – voltar todos os canhões
à internet. Rumos tão
“surpreendentes” só podiam ter sido traçados pelos malditos blogs “ultraconservadores”, que
espalharam suas notícias falsas e subverteram a opinião da massa. Quando o
termo passou a circular no noticiário e a ideia de controlar a proliferação
das fake news foi
gestada pelos donos da informação, Trump, em sua sagacidade peculiar, usou-o
contra um repórter da CNN,
acusando-o de trabalhar para uma organização que, esta sim, veiculava
falsidades. O episódio popularizou e democratizou – para utilizar a
palavra mais doce do vocabulário esquerdista – o termo, que, evidentemente,
serve muito mais à própria mídia que a qualquer outro grupo. Entretanto,
um termo, ao entrar em domínio público, é inevitavelmente diluído no senso
comum e perde suas nuances mais perigosas. Um gás tóxico, letal numa sala
fechada, torna-se praticamente inofensivo quando lançado à atmosfera. É preciso
atentar para o fato de que a mentira, a injustiça e todos os demais males nada
mais são que privações de seus opostos virtuosos. A mentira total, senão
absurda e impossível, é tão inverossímil que sucumbe facilmente ao juízo mais
despreparado. Da isca de pesca até a estratégia satânica de se travestir em anjo
luminoso, qualquer espécie de engano é forjada pela mistura de mentiras e
verdades, erros e acertos, bens e males, de forma que a embalagem do produto
falsificado apeteça à clientela desavisada. O real valor de uma notícia,
portanto, reside antes em sua forma que em sua matéria. A
manipulação é operada não sobre os meros fatos, de valor facilmente detectável,
mas vale-se de artifícios quase subliminares que escapam ao leitor superficial.
Não
deixa de ser curioso ouvir os brados da militância esquerdista contra a “mídia
golpista”, quando o papel desta no processo revolucionário brasileiro é, senão
de aliada, de cúmplice. Quem se
deixa impressionar por esse teatro ignora que as diversas vertentes da esquerda
ideológica, enquanto alas políticas, estão em constantes disputas internas,
divergindo antes quanto aos meios de conquista de poder que quanto aos fins
almejados. As
denúncias da imprensa contra os governos petistas restringem-se à corrupção e à
incompetência, alvos ideologicamente neutros, o que mantém intacta a causa
socialista, mais uma vez “deturpada” por líderes gananciosos. Noticiar os
desmandos econômicos e administrativos do PT e ocultar a sua aliança com o
projeto de poder continental do Foro de São Paulo – o qual, se conhecido em
tempo pelo eleitorado brasileiro, relegaria Lula, seu cofundador, ao limbo
político – é como denunciar um estuprador por ter um “gato” de energia em casa.
Imbuída da mentalidade gramsciana de que os jornalistas, artistas e formadores
de opinião são “agentes de transformação social”, e que não devem, por isso,
limitar-se a informar os fatos, a mídia abdica de sua função de intermediar a
comunicação para atuar em uma das partes. Definidas as notícias, resta ao
jornalista manipular o aspecto mais importante da comunicação: a linguagem. As
formas são várias, do simples emprego de termos imantados de cargas emocionais
ao uso malicioso de absurdidades gramaticais. Exemplo característico é a
inversão do agente e do paciente da ação reportada. É praxe do jornalismo trocar o agressor pela
vítima em notícias sobre assaltos, sobretudo quando a reação desta em legítima
defesa é bem-sucedida. A manchete quase sempre trata o criminoso
por um termo genérico como “homem” ou “jovem”, noticiando, ao invés de seu
crime, sua morte, trocando a relação agressor-vítima do caso particular do
assalto pela ideia progressista de que o bandido é, num quadro mais amplo, uma
vítima inerme da sociedade. Atividades criminosas também são atenuadas nos
casos em que o sujeito de um crime, embora perfeitamente identificável, muitas
vezes até por registros em vídeo, é tratado como “suspeito”. No entanto,
ninguém é suspeito em si e por si,
mas sempre em relação a algo,
e incorre em desconhecimento profundo do idioma – e da própria realidade – quem
escreve que algum “suspeito” fez qualquer coisa, já que este termo jamais
indica substância –
um indivíduo agente e real –, mas sempre uma relação entre elas. Outro exemplo de perversão calculada do idioma
é alterar a transitividade de verbos para omitir complementos verbais que
anulariam o efeito pretendido pelo redator enviesado. Por exemplo, se digo que alguém é
“considerado polêmico”, jamais posso omitir quem assim o considera – informação imprescindível à
correta compreensão do texto. É regra de ouro da boa escrita preferir o termo
específico ao genérico. Espécies de classes universalmente conhecidas não
precisam vir marcadas –
para usar o termo da linguística – por seus gêneros; apenas espécies efêmeras
precisam ser rotuladas. Ninguém precisaria escrever antes de ‘mesa’ sua classe
(móvel), mas não se poderia omitir, exceto em textos técnicos de engenharia,
que uma estaca pré-moldada é um tipo de fundação de edifícios. Desse modo, a
escolha da inclusão ou da omissão do rótulo produz uma sutil impressão, muitas
vezes calculada, de normalidade ou de estranheza. É por isso que, na mídia, qualquer direitista é sempre rotulado como tal
– geralmente por classificações esdrúxulas como “ultraconservador” –, a fim de
marcar uma suposta excentricidade dessa vertente política, enquanto pessoas
reconhecidamente ligadas à esquerda são sempre tratadas apenas por suas
qualificações profissionais. Omitido o rótulo ideológico,
transmite-se a ideia de que ser de esquerda é, simplesmente, a normalidade
humana e, por isso, o marcador é desnecessário.
Outra prática maciçamente empregada pelo "jornalismo mainstream" é nivelar, por hipérboles ou eufemismos, agentes ou objetos gritantemente desproporcionais. Atentados terroristas brutais são comumente noticiados como “incidentes”, e o terrorista que explode pessoas inocentes vira “agressor” ou “atacante” – neste caso, convém perguntar se quem confecciona a bomba é o “meio-campista” e se o policial é o “zagueiro do time adversário”. Humanizar objetos inanimados também é moda nas redações. Armas e caminhões, por si só, agora matam, e resta saber se, após desarmar toda a população de bem – sonho dourado dos desarmamentistas que só andam cercados de seguranças armados até os dentes – será necessário também “descaminhonizar” a sociedade. Não resta dúvidas, portanto, que os órgãos de mídia têm sido os mais vis propagadores de notícias falsas, e da espécie mais perigosa – aquela que se disfarça de isenta, aproveitando-se da credulidade geral na idoneidade jornalística.
A internet, desde que ganhou força e
desbaratou o monopólio midiático, tornou-se o principal alvo da indústria da
notícia, e a ameaça postiça das fake
news, a arma planejada contra a concorrência virtual, após nascer,
voltou-se contra seu próprio criador. No entanto, agora que está mais forte e
mais conhecida, ela será repatriada, e o embate será travado no próprio terreno
do inimigo: as redes sociais, especialmente o Facebook. O dono da empresa, Mark
Zuckerberg, que é reconhecidamente progressista – assim como outros barões do
Vale do Silício –, incomodado pelo avanço das ideias liberais e conservadoras
em sua plataforma e mancomunado com as grandes agências
de mídia, anunciou que a rede social perseguirá as supostas fake news com a ajuda de
entidades terceirizadas que se encarregarão da checagem dos fatos – as chamadas
agências de fact-checking. As principais contratadas são a
Agência Lupa, ligada ao Grupo Folha, e a Agência Aos Fatos, ambas integrantes
da IFCN (International Fact-Checking Network, ou Rede Internacional de
Checadores).
Todas essas nobres e comoventes iniciativas ocorrem justamente no auge da derrocada política da esquerda brasileira e da ascensão de Jair Bolsonaro. É o establishment midiático e político se realinhando contra a “ascensão” conservadora – que, num país onde quase noventa por cento da população professa a fé cristã, só pode ser chamada corretamente (por redundância) de reação conservadora. É evidente que as notícias falsas são perigosas e indesejáveis, e não resta dúvidas que a internet é terreno fértil à sua disseminação. No entanto, o campo virtual é tanto mais propício à invenção de notícias quanto à refutação delas. A falsidade é vício insolúvel do ser humano, e qualquer empreendimento que, a pretexto de combatê-la, concentre o poder capaz de realizá-lo, não diz respeito à liberdade, mas ao controle e à censura. Juvenal, poeta romano, escreveu em bom latim: “Quis custodiet ipsos Custodes?”- Parafraseando-o, dois milênios depois, devemos perguntar:
“Quem checa os checadores?”
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Parabéns ao autor do texto o notável colega de profissão o engenheiro Pedro Carlos!
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