(José Comblin: Bruxelas, 22.03.1923 — Simões Filho, 27.03.2011)
*Grifos do
autor do Blog Berakash: “Apesar de não ser uma
análise profunda, imparcial e realista, pois parte de alguém que faz uma reflexão de fora, e não de
dentro, considero um avanço ecumênico interno da Igreja, que já começa a olhar
com outros olhos esta realidade eclesial de alguma forma positiva, que é a
RCC, os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades Pós Vaticano II.”
OS CARISMAS DO ESPÍRITO SANTO E
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA!
Por: Padre José Comblim
Na América Latina os carismas aparecem em quatro contextos
distintos!
1. Na
eclesiologia conciliar; apesar do imobilismo das estruturas tradicionais, os
estudos teológicos não abandonaram as orientações do Vaticano II e procuram
elaborar uma eclesiologia alternativa para o terceiro milênio e, nesta alternativa,
a pneumatologia e os carismas dos leigos ocupam um lugar privilegiado.
2. Na questão
dos ministérios leigos; embora considerada por muitos como suplência,
justificada pela carência de sacerdotes, a estrutura de ministérios leigos isso
mesmo, encontra em alguns setores eclesiásticos uma resistência obstinada,
difícil de ser desarmada.
3. Na busca
das novas formas de vida religiosa sob a Orientação da CLAR e muitas
conferências nacionais de religiosos ou religiosas; os carismas da vida
religiosa vinculam-se com a opção pelos pobres e, por esse lado, referem-se
também a uma nova eclesiologia.
4. Nos
movimentos carismáticos, especialmente na Renovação Carismática Católica, os
carismas recebem um destaque muito especial; sobretudo os dons de profecia,
cura e de línguas recebem um destaque que é realidade totalmente nova na
Igreja.
Os quatro
contextos acima constituem quatro sentidos da palavra carisma, quatro maneiras de
enxergar os carismas. Entre os quatro contextos, há certas interferências, mais
ou menos acentuadas. No entanto,
até agora não se elaborou nenhuma síntese que fornecesse uma visão mais
abrangente dos carismas. Por sinal, os carismas, sendo efeitos do Espírito
Santo, não podem ser definidos a priori a partir de outros dogmas ou
proposições reveladas. Os carismas aparecem na história de modo
imprevisto, constituindo uma das formas de irrupção do Espírito Santo. Por isso, não
vou tentar aqui fazer uma síntese mesmo provisória, mas apenas situar o
"status quaestionis".
1. Os Carismas na Constituição da Igreja
(Tensão entre Carismas e o Poder Hierárquico na Igreja)
Na
eclesiologia ocidental tradicional, os carismas ocupam um lugar muito restrito ou
simplesmente nem sequer aparecem. Pois, na eclesiologia ocidental, chamada
também de "gregoriana" (de Gregório VII), ou "imperial"
(porque inspirada no poder imperial romano) ou "vertical" (porque
tudo vem de cima para baixo, do clero para os leigos),o Espírito Santo conduz a
Igreja por meio dos dois poderes de ordem e de jurisdição. O primeiro
está nas mãos" do episcopado e as nomeações dos bispos correspondem ao
Papa, que se acha, desta maneira, à frente do poder de ordem. O poder de
jurisdição pertence ao Papa que é autor de todas as participações concedidas ao
clero. “Em muitas obras de
teologia o Espírito Santo nem sequer é mencionado. Os dois poderes derivam
diretamente de Cristo, que os conferiu ao Papa e aos bispos. Por isso, freqüentemente
o Espírito Santo nem sequer aparece. Foi o caso nos documentos preparatórios do
sínodo das Américas de 1997 e em todas as discussões sinodais. Os bispos ainda
têm na mente o esquema da eclesiologia gregoriana e, espontaneamente, se
esquecem do Espírito Santo, porque este não desempenha nenhum papel relevante
na sua Igreja.” O Papa ocupa o
lugar do Espírito Santo como fonte de todas as inspirações que precisam ser
levadas em conta. Eventualmente, na eclesiologia gregoriana os carismas do
Espírito ocupariam um terceiro setor de atividade eclesial, setor não coberto
pelos sacramentos nem pela jurisdição do Papa. Ora, os espaços não cobertos nem
pela Ordem, nem pela jurisdição são pouca coisa no esquema gregoriano. Os
teólogos mais abertos ao Espírito Santo mencionam a influência dos "santos"
com a condição que estes tenham sido canonizados pelo Papa. Ou então a
influência de certos místicos, embora os místicos tenham sido muito reprimidos
já desde o século XIII. Inclusive algumas Santas receberam o título de
"Doutora da Igreja", naturalmente muitos anos depois da sua morte,
uma vez que já se tenha formado uma imagem convencional da sua atuação ou da
sua mensagem. Em todo caso, o terceiro setor, aberto aos carismas, permanecia
muito estreito.
Os carismas foram alguns fatos excepcionais!
Invocar
carismas era algo suspeito! Em nome dos carismas o clero desconfiava que se queria
desprestigiar os sacramentos e o poder dos ministros ordenados. Em nome dos carismas
o Papa e os bispos desconfiavam que os leigos queriam emancipar-se do governo da
hierarquia. Aos carismas estavam reservadas certas devoções particulares que não
colocavam em perigo os poderes de ordem e de jurisdição. De todas as
maneiras, todas as devoções tinham que submeter-se à aprovação da hierarquia. O Concilio
Vaticano II rejeitou o esquema que tinha sido preparado sobre a Igreja, exatamente
porque representava uma forma acabada de eclesiologia gregoriana ilustrada pelo
Pe. S. Tromp, que foi o professor de quase a metade do episcopado daquele tempo. Os
alunos rebelaram-se. Com a
Constituição Lumen Gentium, o Concílio quis apresentar uma alternativa, isto é,
uma eclesiologia mais próxima ao Novo Testamento e as teologias do primeiro milênio.
Como disse Mons. E. De Smedt num discurso famoso na primeira sessão, o Concilio
quis rejeitar uma eclesiologia clerical, juridicista e triunfalista. O projeto
era promover os leigos, destacar a participação ativa dos leigos na Igreja e
colocar a hierarquia dentro da Igreja e não acima dela. Para este fim,
o Concílio quis destacar o tema do povo de Deus e colocou em posição mais
discreta o tema do corpo místico como definição da Igreja. Descartou o tema da
'encarnação continuada' e o tema da "única persona mística", todos
temas que serviam para exaltar a hierarquia, conectá-la diretamente com Cristo
e subordinar-lhe os leigos. Os redatores
de Lumen Gentium quiseram destacar o tema do povo de Deus colocando-o em
evidência na frente do capítulo sobre a hierarquia. Desta maneira, queria definir
a Igreja de uma maneira que desse prioridade ao que era comum aos leigos e ao
clero. A Igreja aparecia anterior à hierarquia e já não se podia definir a
partir dela como era de costume na teologia e na catequese depois de Trento. Em segundo
lugar, para destacar o papel dos leigos, os padres conciliares quiseram salientar
o tema dos carismas. Daí o n o 12 de Lumen Gentium no parágrafo 2. “Na realidade, para
oferecer uma verdadeira e consistente alternativa ao esquema gregoriano, era
indispensável o recurso a uma teologia do Espírito Santo, Ora, esta teologia fazia
falta. Nem os bispos nem os teólogos davam o valor nem a importância ao Espírito
Santo que este merecia ter. Estavam acostumados a prescindir dele, tanto na teoria
como na prática. Por isso, afinal, Lumen Gentium não foi o que queria ser e o
que os bispos tinham prometido. Nem sequer hoje em dia, depois de 35 anos,
estamos mais adiantados. Como mostrou o Sínodo da América, a cúria romana e os
bispos têm um certo "pudor" do Espírito Santo.” No entanto,
havia em alguns como no famoso discurso do cardeal Suenens o pressentimento de
que uma pneumatologia seria necessária. Infelizmente essas coisas não se improvisam.
Na incapacidade de apresentar uma visão da Igreja no Espírito Santo, o Concílio
ofereceu meio artigo sobre os carismas. Este texto fica como testemunha do desejo
de buscar uma alternativa à eclesiologia tradicional, mas o que se disse sobre
os carismas não basta e fica bem longe do indispensável.
Apesar disto, a vontade reformadora do Concílio
deu ênfase aos carismas!
Várias vezes,
os temas de LG 12b foram repetidos em outros esquemas e textos adotados pela Assembléia,
por exemplo, em AA 4, PO 9 e GS 38, sem acrescentar idéias novas. A Lumen Gentium insiste
no papel social ou eclesial dos carismas. Outrora, eram antes considerados como
privilégios pessoais destinados à santificação de pessoas privilegiadas. O nº 12 de LG
destaca a relação com as necessidades da Igreja. Com efeito, o que se pretende
salientar é que os carismas pertencem à constituição e ao dinamismo da Igreja e
não são puro acréscimo ou suplemento dispensável. Não pertencem ao supérfluo e,
sim, ao necessário da Igreja. "Não é apenas
através dos sacramentos e dos ministérios que o Espírito Santo santifica e
conduz o Povo de Deus e o orna de virtudes, mas repartindo seus dons "a
cada um como lhe apraz" (1Cor 12, 11), distribui entre os fiéis de
qualquer classe mesmo graças especiais. Por elas os torna aptos e prontos a
tornarem sobre si vários trabalhos e ofícios, que contribuem para a renovação e
maior incremento da Igreja. "Os "mistérios" referem-se aqui à
hierarquia no seu poder de jurisdição.
O texto da LG diz que há três canais de
operação do Espírito Santo:
1)- Os
sacramentos.
2)-O poder de
governo da hierarquia.
3)-E os
carismas.
Vários textos exortam a
hierarquia a valorizar os carismas que podem ser dados mesmo aos leigos.
Insiste-se no poder de discernimento da hierarquia e, por conseguinte, na
subordinação dos carismas à hierarquia. Pode-se achar
que o espaço deixado aos leigos ainda é bem limitado e que o grande peso do Espírito
Santo repousa ainda nos sacramentos e na hierarquia. Os carismas não se referem
propriamente a "mistérios" e sim a trabalhos e oficioso. Estes estão a
serviço do mundo ou da Igreja. Finalmente, o
texto contém uma advertência especial a propósito dos chamados "dons
extraordinários" - segundo H. Küng, que parte dos discursos pronunciados nos
debates sobre o assunto, esses dons extraordinários se referiam aos dons de
curas e milagres, talvez aos dons de línguas, justamente os dons que vão ser
muito exaltados nos movimentos carismáticos uns poucos anos depois de publicada
a constituição "Lumen Gentium".
Nenhum bispo tinha previsto a explosão pentecostal
dentro da Igreja católica! Poucos sabiam do pentecostalismo protestante!
Depois do
capitulo sobre o povo de Deus, a "Lumen Gentium" expõe dois capítulos
sobre a hierarquia e os leigos que se inspiram ainda no esquema gregoriano
tradicional. Afinal, não se conseguiu a alternativa que se queria. Claro que
faltou uma perspectiva histórica da Igreja. A tradição foi muito influenciada pela
escolástica e buscou a "essência" da Igreja. Ora, a Igreja sendo
povo, é antes de tudo uma história. A história da Igreja não é simplesmente o
funcionamento de uma estrutura. A história é feita de imprevistos, de
movimentos parciais, respostas a desafios nascidos de carismas de
personalidades fortes.
O Espírito Santo conduz a Igreja por uma história,
usando os dons e as qualidades dos instrumentos de que dispõe!
Por falta de
visão histórica, o Concílio não podia dar o seu valor aos carismas, nem elaborar
uma tentativa de integrar os poderes dentro de uma Igreja conduzida pelo
Espírito Santo e não por poderes humanos!
Uma vez que se parte de uma visão histórica da
Igreja, o papel dos leigos e dos carismas leigos aparece imediatamente:
Como imaginar
a Igreja do Ocidente sem S. Bento e os monges, sem S. Francisco e os irmãos
menores e sem a família cristã da cristandade à qual se deve tudo? Pois não era
o clero o principal agente evangelizador até o século XVII e sim as famílias,
que foram as que na verdade fizeram a sociedade cristã. Hoje em dia, a
"Lumen Gentium" fica como testemunho da boa vontade do episcopado daquele
tempo, mas também como testemunho de enormes limitações e, de modo particular,
da ausência de fé no Espírito Santo. Afinal tinham mais fé no seu próprio poder
do que na força do Espírito Santo. As
ambigüidades da "Lumen Gentium" não foram levantadas pelo Sínodo
extraordinário de 1985, vinte anos depois, muito pelo contrário. Ao substituir
o tema do povo de Deus pelo tema da comunhão, o Sínodo deu um passo para trás.
Apagou o pouco de perspectiva histórica, eventual ponto de partida de uma
concepção histórica da Igreja, por um tema sumamente ambíguo. Pois, na teologia
gregoriana a comunhão refere-se à dependência do Papa. Está na comunhão quem
obedece ao Papa. Fora desta obediência, não há comunhão nem pertença à Igreja.
O tema do Sínodo exclui toda perspectiva histórica e destrói o fundamento do
ecumenismo ao destruir as possibilidades que as Igrejas separadas tinham de
pertencer, de alguma maneira, à única Igreja de Cristo. Parece que a
mudança era intencional e encobria a vontade de voltar à eclesiologia
gregoriana, fechando o parênteses do Vaticano II. Foi uma maneira elegante de
suprimir o que havia de novidade no Vaticano II.
2)- Os ministérios
leigos
Os carismas
apareceram num contexto mais concreto na América Latina dentro do contexto das
comunidades eclesiais de base na forma de "ministérios leigos" - Desta
vez, os carismas referem-se a serviços permanentes e entram para constituir uma
categoria nova: ao lado dos ordenados, os não-ordenados.
ATENÇÃO! Esta definição de ministérios
leigos foi assumida oficialmente pela Conferência de Puebla!
"Para o cumprimento de sua missão, a Igreja conta com
uma diversidade de ministérios(AA 21). Ao lado dos ministérios hierárquicos, a
Igreja reconhece o lugar dos ministérios sem a sagrada ordem. Portanto, também
os leigos podem sentir-se chamados ou ser chamados a colaborar com seus pastores
no serviço à comunidade eclesial, para seu crescimento e vida, exercendo
ministérios muito diversos, segundo a graça e carismas que o Senhor lhes
conceder " (Puebla 636).
"Os ministérios que se podem conferir aos leigos são
aqueles serviços referentes a aspectos realmente vitais da vida eclesial como,
por exemplo, no plano da Palavra, da Liturgia ou na direção da comunidade -
exercidos por leigos de maneira permanente e não só ocasional, o que têm sido
reconhecidos publicamente por aqueles que são responsáveis pela unidade da
Igreja"(Puebla 637).
O texto acrescenta "recomendações pastorais sobre a prática
dos ministérios leigos" (Puebla 638-655).
A
doutrina de Puebla copiou quase literalmente o n° 73 de Evangelii Nuntiandi
documento que inspirou tantos textos da conferência de Puebla. Entretanto, a
doutrina da EN inspirava-se também, em grande parte, na experiência das Igrejas
latino-americanas. A Exortação apostólica Christifideles Laici (1988) retoma a
doutrina de EN e de Puebla, sublinhando a diferença qualitativa entre os ministérios
leigos e os ministérios ordenados ou hierárquicos (ChL 23). O Papa insiste
em que "o que constitui o ministério não é a tarefa, mas a ordenação sacramental"
(23 c). Afirmação surpreendente! Afirmação que esconde o problema atual dos
ministérios na Igreja. O que importa, não é o que se faz, mas a ordenação. O paradoxo: há duas categorias de ministérios. Os que agem,
mas não são ordenados, não exercem um verdadeiro ministério. Outra pessoa que
eventualmente não faz nada, mas foi ordenada, exerce um ministério. Christifideles
Laici insiste na subordinação radical dos ministérios leigos ao ministério ordenado.
Os ministérios leigos são " suplências" . Claro está que voltamos ao esquema
gregoriano. Supõe-se que a situação ideal seria aquela de Trento, segundo a qual
tudo na Igreja é feito pelos clérigos e os leigos são puros receptores da ação do
clero. Somente se aceita o ministério leigo como suplência e em dependência
imediata do ministro ordenado. De novo, tudo vem do clero como detentor dos
dois poderes. Os ministérios leigos não seriam espaço reservado ao carisma do
Espírito Santo. A Exortação ChL
nem sequer menciona o Espírito Santo nem usa a palavra carisma. Trata-se de voltar
ao esquema gregoriano passando por cima de EN e Puebla. O Documento de
Santo Domingo (no. 101) refere-se a Puebla e a ChL. Usa a palavra carisma, mas
não se refere ao Espírito Santo e, sim, à ordem sacramental. O caráter
carismático dos ministérios fica apagado. Os ministérios leigos nada mudam na estrutura
gregoriana. Suprem a falta de sacerdotes para preencher as vagas dentro do sistema.
Não representam uma condução pelo Espírito Santo, mediante os talentos e capacidades
das pessoas. Os leigos entram na estrutura clerical a título de suplentes.
Não mudam o quadro!
A rigidez da
doutrina romana na sustentação do esquema tradicional e na marginalização dos
ministérios leigos provoca reações em sentido contrario, questionando os fundamentos
dos ministérios Tridentinos.
Uma das manifestações do mal-estar na América
Latina é o livro de Alberto Parra sobre os ministérios!
O livro tem
por base a doutrina paulina dos carismas que é também a sua doutrina dos
ministérios. Aqui, o que faz o ministério também, a sua doutrina dos
ministérios.
O ministério não é
nenhuma ordenação e, sim, o trabalho realizado!
“A pessoa mostra que tem o carisma pelo que faz efetivamente! Tem carisma de apostolo porque efetivamente evangeliza. Tem carisma de profecia
porque efetivamente profetiza.” - Por outro
lado, parte também da experiência das comunidades cristãs populares da
América Latina. Estas comunidades nasceram e se mantêm pelos carismas dos leigos.
São carismas que constroem o povo de Deus (p. 116).Depois disso, Alberto Parra reconstitui a história da sacerdotalização dos ministérios no decorrer da
história. A volta ao Antigo Testamento começou bem cedo apesar de Jesus e da
primeira geração de apóstolos. Desta história
resultaria uma relativização geral dos ministérios ditos ordenados ou
hierárquicos. O autor não estabelece nenhuma comparação entre os ministérios
leigos e ordenados. Não diz se os primeiros excluem os segundos, ao contrário
da tradição ocidental em que os segundos excluem os primeiros. Em todo caso,
há um mal-estar generalizado, porque está claro que a doutrina da ChL que é a
doutrina do Direito canônico, can 230 # 1, vem sendo superada pela prática. A questão dos
ministérios está no centro da questão da estrutura gregoriana e da busca da
alternativa. Os ministérios leigos fornecem a ocasião em que se coloca o
problema eclesiológico. Muito vai depender da liberdade com que atuem os
ministros leigos. Se os ministérios
manifestam a novidade e a criatividade do Espírito Santo, poderão ser a força
que empurrará a Igreja para uma reforma das estruturas. Se se transformarem em
agentes burocráticos, não poderão mudar nada.
3. Os carismas dos religiosos
A CLAR dirigiu
uma longa história de reflexão sobre a vida religiosa no contexto da teologia
da libertação e das comunidades eclesiais de base. A reflexão teve por objeto central
as pequenas comunidades ou comunidades inseridas no mundo popular. Nos primeiros
tempos, até Puebla, a CLAR promoveu estudos e orientações inspiradas no tema
conciliar de carisma do fundador. A vida religiosa seria uma missão especial na
Igreja, uma força de renovação da Igreja e um sinal do reino de Deus para o mundo
de acordo com o carisma próprio dos fundadores. Desta maneira a reflexão
permanece ligada aos Institutos religiosos reconhecidos oficialmente.
Não se concebe vida religiosa fora desses
Institutos!
O carisma do
fundador é visto como determinação particular numa época e num lugar
determinado da vocação geral para a vida religiosa. Predomina a vocação geral. A reflexão vai
descobrir que as circunstâncias mudaram e é preciso distinguir no carisma o
fundador um elemento permanente e os elementos relativos à cultural do seu tempo
e do seu país. Por isso, torna-se necessário reinterpretar o carisma do
fundador no contexto atual na América Latina. Desde Vaticano
II ficava claro que o carisma religioso refere se à Igreja e ao mundo, tem
significado social e eclesial. Não se isola do povo de Deus. Depois de
Puebla, a reflexão orientou a opção pelos pobres. Defende-se a idéia de que
todos e cada vez mais para fundadores de alguma maneira fizeram opção pelos pobres.
Por isso é preciso voltar às origens do Instituto
a partir da visão da opção pelos pobres (preferencial, não exclusiva e nem excludente)
Então, os
religiosos da América Latina precisam determinar de novo a aplicação do carisma
do fundador dentro das necessidades da opção pelos pobres. Devem levar em conta
as deformações produzidas pela institucionalização do carisma. Levar em conta
também que a origem européia marcou de modo específico cada Instituto.
Finalmente é preciso levar em conta as deformações que procederam da influência
das classes dominantes da sociedade latino-americana. Na visão dos religiosos, o
carisma está ligado à vocação e serviço e sempre dentro da opção pelos pobres.
Portanto, existe um carisma próprio dos religiosos.
Os carismas na Renovação Carismática
O movimento
carismático católico teve sua origem na Universidade Duquesne em Pittsburgh no
outono de 1966 e na Universidade Notre-Dame em 1967. Pode-se dizer que tudo já
estava presente desde as primeiras experiências, relatadas nos livros de Edward
O'Connor C.S.C., e Kevin e Dorothy Ranaghan, por exemplo.
A
literatura desde já é imensa! Por isso daremos atenção somente ao que é
essencial - Eis aqui, brevemente, o que parece mais importante nas experiências
carismáticas:
1. O carisma é objeto de experiência, é realidade
sensível e muito sensível:
O carisma
provoca choques que transformam o comportamento das pessoas e, até, o seu
estado de saúde, curando enfermidades graves. Nas concepções anteriores o
carisma é fenômeno que não se impõe a uma experiência direta, mas se conhece por
inferência a partir de outra realidade.
2. Os carismas aparecem no contexto da oração,
especialmente da oração de louvor:
Eles parecem têm
o seu valor em si mesmos, não são meios em virtude de um fim. Os outros
carismas não têm finalidade além da sua presença (???).
3. Os carismas mais destacados são: a profecia, a
cura dos doentes e a *"glossolalia", exatamente aqueles que S. Paulo coloca nos
últimos lugares nas suas listas de carismas de I Corinthians:
*glossolalia - substantivo feminino:1.RELIGIÃO: suposta capacidade de falar línguas desconhecidas quando em transe religioso (como no milagre do dia de Pentecostes).2.PSICOPATOLOGIA: distúrbio de linguagem observado em certos doentes mentais que creem inventar uma linguagem nova.
Tais carismas
tinham praticamente desaparecido desde o segundo século, pelo menos na forma
relatada pelo Novo Testamento. Ninguém jamais tinha previsto um ressurgimento
depois de mais de 19 séculos. No entanto,
algumas aproximações já se tinham manifestado em certos movimentos heterodoxos
no passado, no pietismo alemão do século XVIII, no metodismo de Wesley e nas
Igrejas batistas ou metodistas nos Estados Unidos no século XIX. No entanto,
nada que se pudesse comparar aos fenômenos das Igrejas pentencostais nascidas
nos Estados Unidos a princípios deste século e seguidas pelos fenômenos de
Pittsburgh e Notre-Dame.
4. Os carismas são espetaculares, parecem
inspirados, sobretudo nas narrações de Lucas, muitas vezes citado pelos autores
que falam do assunto:
A própria
narração de Pentecostes é uma referência obrigatória. O mais impressionante é a
expansão fulminante do pentecostalismo no mundo inteiro e dos movimentos
carismáticos na Igreja católica, que os acolheu com bastante frieza,
mas sem lhes limitar a força expansiva. Em poucos anos, centenas de milhões de cristãos
viraram pentecostais e dezenas de milhões de católicos aderem a um movimento
carismático.
5.O centro da experiência carismática é o "batismo
no Espírito Santo" (EFUSÃO):
A expressão
refere-se a At. 8,14-17. O batismo do Espírito Santo não é nenhum sacramento e
não compete com o sacramento de batismo. Está ligado à experiência de conversão
e iluminação. Em determinado momento, de modo muito sensível ou insensível e
manifestado pelos efeitos, a pessoa experimenta uma iluminação da mente e o
advento de uma força desconhecida. “Tem-se a impressão de um
novo nascer para a fé e de se tomar capaz de agir sem cansar. A pessoa que era
medíocre e sem grande atividade, que era uma católica comum, observante sem
entusiasmo, mais por costume do que por convicção, de repente se toma pessoa de
convicção total que empreende um agir que vence todo medo. Vai ao encontro das
pessoas, perde toda timidez e toda preguiça.” Os
carismáticos católicos
passam, no batismo do Espírito, por uma experiência que é análoga à dos
pentecostais que aceitam Jesus. De repente a religião que era fórmula, discurso, toma-se
realidade viva. Esta transformação, os carismáticos interpretam-na como sendo a
presença do Espírito Santo. Não se
trata do conhecimento dos efeitos. A experiência carismática é uma experiência
do eu, uma experiência de si próprio invadido pelo Espírito Santo.
Como interpretar
teologicamente o movimento carismático?
(Heribert Mühlen - Teólogo Alemão e Perito do Concílio Vaticano II)
Heribert
Mühlen,(Teólogo Alemão e Perito do Concílio Vaticano II), que já
era especialista do Espírito Santo, antes dos acontecimentos de Pittsburg e
Notre-Dame, tomou-se o teólogo clássico do movimento carismático. Ele já disse há mais de 25 anos quase todo o essencial que se pode dizer
sobre o assunto. Quero apenas salientar alguns aspectos relativos aos carismas:
1. Uma vez
desaparecida a cristandade que transmitia a fé como cultura pelos canais da
transmissão da cultura, ou a fé desaparece ou ela nasce de novo, como no início
do cristianismo, por um fenômeno de conversão. O batismo do Espírito é a
experiência que funda a fé. Doravante não haverá mais fé a não ser mediante uma
experiência de conversão (?) - Os movimentos carismáticos oferecem um caminho.
2. O movimento
carismático é uma reação contra um cristianismo intelectual, abstrato,
moralizante, legalista, jurídico que não apelava para o corpo humano, a
experiência corporal e sensível, os sentidos do corpo, o ver, o ouvir, o agir,
o gesto, a expressão. É a entrada do ser corporal na religião.
3. Os carismas
ocupam o lugar mais destacado no movimento carismático. Estão no centro da vida
cristã consciente e ativa. Apesar de promover todos os carismas, (de
Santificação e Serviço),o movimento carismático dá especial ênfase aos dons que
o Concílio chama de extraordinários e que, no entanto, são ordinários na vida
dos cristãos primitivos e dos cristãos renovados de hoje. Os dons de profecia,
de cura e de glossolalia voltaram a fazer parte do "ordinário da vida
cristã".
4. Segundo
Mühlen (p.260) os carismas são dons naturais, capacidades naturais liberadas
pelo Espírito Santo e colocadas a serviço do crescimento do corpo de Cristo.
Não são realidades sobrenaturais em si, mas apenas pela orientação que lhes dá
o Espírito Santo. Os dons de profecia, cura, glossolalia são capacidades
naturais, que estão presentes nos seres humanos, mas geralmente inutilizadas. O
Espírito liberta o_que já estava presente e torna-o instrumento do anúncio do
evangelho. Uma certa tradição plurissecular tinha reprimido a experiência religiosa
e as aptidões humanas. Os dons foram
reprimidos pelo clero e, por isso, não se manifestaram a não ser em casos
totalmente excepcionais. O movimento carismático realizaria a libertação de
forças que estão presentes e reprimidas.Como nos
tempos de Jesus, os dons extraordinários, ainda que de origem natural, desempenham
um papel importante no processo de conversão, que nunca ou quase nunca se reduz
a um processo intelectual.Os mesmos dons
podem suceder em outras religiões, já que se trata de capacidades naturais que
foram estimuladas pelo Espírito Santo. Podem ser estimuladas também por forças
religiosas naturais ou também inspiradas pelo Espírito, que pode acontecer em outras
religiões.O caráter
cristão vem da orientação cristã, evangélica das forças naturais assim
despertadas. Pois, estas forças - dom de línguas, curas, profecia – podem ser
orientadas também para o puro proveito pessoal ou para o narcisismo ou outra finalidade
religiosa moral ou até imoral.“Por isso, os dons não
significam, por si mesmos, a presença do Espírito. Precisam ser acompanhados por um dom de discernimento(Hierárquico), pois
os erros podem ser freqüentes. Foram justamente essas possibilidades de engano
ou de auto-engano que levaram a hierarquia cristã a reprimir severamente os
dons chamados extraordinários.”
5.Projeto de
eclesiologia alternativa fundada nos dons do Espírito. Apresento somente uma
tentativa, de Ghislain Lafont OSB, Imaginer I' Eglise,Cerf, Paris, 1995:
Para este
autor o ponto de partida de toda eclesiologia é o Espírito Santo. O Espírito fornece
à Igreja o seu movimento, o seu dinamismo e mantém a unidade, orientando todos
os membros para o mesmo fim num movimento articulado.“A vida da Igreja não procede
de planejamentos humanos e, na medida em que os planejamentos humanos
prevalecem, a vida desaparece.O Espírito conduz a Igreja mediante os carismas.
Por conseguinte, tudo na Igreja é carisma. A própria hierarquia consta de dons
espirituais e deve ser reformada para que se evidencie e se aplique melhor o
seu caráter carismático e não puramente administrativo ou jurídico ou
sacramental no sentido jurídico.”
O autor divide os carismas em duas
categorias:
1)-Os carismas
ligados a um estado de vida.
2)-Os carismas ligados a serviços.
1)-A vida matrimonial.
2)-E a vida religiosa (exclui a nova realidade das Novas
Comunidades, que são os "Leigos Consagrados")
Cada uma
procede de um carisma.
Pois, para os cristãos a vida matrimonial não é simplesmente fato sociológico ou antropológico. É uma vocação
análoga à vocação religiosa e procede da vitalidade
dos
dons do Espírito Santo.
Entre os carismas de serviço há três categorias
que seguem mais ou menos as listas paulinas:
a) Os carismas
de palavra:
apostolado; profecia, ciência. Cada um tem a sua aplicação contemporânea.
b) Os carismas
de compaixão ou de caridade: atendimento aos doentes, por exemplo,assim
como a todas as necessidades humanas;
c) Os carismas
de governo: O
Pe. Lafont coloca entre os carismas de governo as tarefas atualmente assumidas pela
hierarquia. Procura reinterpretar as funções episcopais, presbiterais e
diaconais em função do carisma. Claro está que as condições e os modos de
eleição dos ministros de governo precisam ser mudados radicalmente, assim como
a formação que recebem.
No esquema
gregoriano, os presbíteros assumiam todas as funções eclesiais. Uma vez que se
multiplicam os carismas reconhecidos publicamente, bispos, presbíteros e diáconos
ficam descarregados de muitas funções e podem dedicar-se ao que lhes é
específico. Os presbíteros poderão ser menos numerosos e escolhidos em virtude
das qualidades das quais terão dado provas práticas.Lafont não
alude aos carismas destacados pelo movimento carismático que não contempla. Por
outro lado, pode-se perguntar se o específico da "sucessão apostólica"
é o governo?
O governo "não poderia ser participado amplamente
por conselhos e representantes" de todos os carismas?
O próprio
ministério da sucessão apostólica parece referir-se, antes de mais nada, à
continuidade da tradição. Trata-se de um carisma de discernimento e de
julgamento, mais do que de governo. Os sucessores dos apóstolos garantem a
continuidade. Uma vez que assumem funções de governo, entram em todos os desvios
da história, transformam o seu ministério num papel sociológico. Hoje em dia, é
muito difícil discernir o que é de um ministério petrino e o que é esquema
imperial gregoriano no ministério do Papa. Da mesma maneira, os bispos
representam a sucessão apostólica ou a administração de um sistema histórico
montado no segundo milênio para estender o modelo imperial ao mundo inteiro?
A Igreja é
uma história: a história do povo de Deus, continuação e perfeição do povo de
Israel. Jesus definiu pouquíssimas estruturas justamente para deixar a
liberdade ao Espírito Santo, Jesus conduz a Igreja não por meio de uma
Constituição ou de leis, mas por meio do Espírito Santo. O Espírito é imprevisto,
introduz novidades, mas respeita os ritmos, as estruturas, as inércias da
criação, ou seja, da história. Como na história, as realidades nunca se repetem
exatamente iguais. Tudo muda, às vezes, por mutações instantâneas, às vezes,
por mudanças lentas e quase imperceptíveis.
Há diversas filosofias da história. Todas tiveram influência
na Igreja. Na Igreja tradicional, o fundamento era apocalíptico:
1)-Estava tudo
fundado na ideia de que a cristandade era a penúltima fase da história, que não
haveria mais mudança, que a Igreja era imóvel, nunca mais mudava e que, após a
conversão de Constantino, a Igreja era o reino de Deus na sua forma terrestre.
2)- A
incredulidade moderna era interpretada como anúncio da apostasia final e o
reino do Anticristo.
3)- A
modernidade esteve baseada no esquema do progresso da humanidade pela ciência e
pela técnica, isto é pelo desenvolvimento material da produção. Gaudium et Spes
de alguma maneira, se inspira na modernidade e no progresso quando, no capítulo
sobre a cultura, representa a história como a transformação da cultura pela
evangelização, produzindo assim uma cultura cristianizada. Deste modo, a
hist6ria do cristianismo seria a história do progresso. Haveria um progresso
constante na evangelização das culturas.
A teologia da libertação adotou, em
grande parte, a visão dialética da história, que era também a do marxismo:
1)- A história
progride por revoluções, mudanças radicais que passam de um polo ao polo
contrário.
2)- Os
cristãos deviam participar do advento da revolução inevitável para, assim,
participarem do advento de uma sociedade nova, mais justa e fraterna: pois, a
história progride, ainda que por momentos dialéticos, por destruições seguidas
pela reconstrução de algo melhor.
3)- Todas
estas filosofias da história não foram confirmadas pela história do século XX;
por isso, a filosofia busca outros esquemas.Partimos de uma visão inspirada na
evolução biológica e na história das civilizações.
Há, nas sociedades humanas, duas forças
antagônicas:
1)-Uma força
de novidade que propõe novos modos de atuar.
2)- Forças de
inércia que tendem a reintroduzir a novidade dentro da estrutura estabelecida.
As sociedades
mudam a partir de algumas minorias e, muitas vezes, uma só pessoa faz uma
descoberta importante que consegue fazer discípulos. No entanto, as vanguardas
são reabsorvidas pouco a pouco, é difícil manter a inspiração primitiva. No entanto,
algo entra no tecido da sociedade, embora de uma maneira que transforma
fundamentalmente a inspiração original. Este esquema: novidade – retorno ao
antigo, com mudanças fracas, aplica-se em primeiro lugar, à história de Israel:
luta constante entre Reis, profetas e a maioria do povo. Aplica-se a história da Igreja.
Há, na história da Igreja, uma sucessão sem ordem
aparente de intuições, novidades, inspirações novas totalmente imprevistas:
1)-O
monarquismo foi totalmente imprevisto.
2)- Os
mendicantes do século XII também.
3)- Os grandes
fundadores foram imprevistos.Nunca foram o produto puro e simples da cultura do
seu tempo. Iam alem da cultura. Mudaram a cultura ainda que não de maneira
desejada por eles. - Com a penetração na
sociedade, o carisma incultura-se, adapta-se, amolda-se às estruturas
estabelecidas e, finalmente, torna-se uma nova estrutura caracterizada pela inércia:
jurídica, legalista, formalista, repetitiva, em que a forma acaba encobrindo a finalidade
- uma estrutura que funciona por funcionar, sem saber por que nem para que.
Todos os carismas tiveram seu tempo!
1)-A figura episcopal
de Nicéia, a monarquia papal de Gregório VII, o modelo sacerdotal sacral, o modelo
monástico dos sucessivos fundadores e assim por diante. Depois de séculos, tudo
isso fica mais esmaecido, repetitivo, e obscurece o dinamismo do Espírito em
lugar de abrir lhe os caminhos.O Espírito cria novidade, a cultura absorve e
diluir as novidades, assimilando-as à herança do passado. Desta maneira, a
evolução das estruturas é muito lenta. Mais ainda se o sistema tende a
fechar-se em si mesmo pela sua natureza, o que aconteceu com a Igreja
pós-tridentina, feita (Pelas circunstâncias Contextuais) para tornar impossível
qualquer mudança.
2. A novidade
do Espírito manifestar-se em pessoas não estruturadas, leigos que não ocupam
nenhuma função oficial, pessoas totalmente livres e disponíveis. Difícil é que
o Espírito se manifeste por pessoas implicadas numa hierarquia, porque estas se
reprimem constantemente e se ajustam às normas estabelecidas. Podem tender que
são sugestões do Espírito Santo.A história mostra que as inspirações e as
novidades vieram de pessoas sem importância na Igreja, sem compromisso com
estruturas estabelecidas.O exemplo mais
famoso foi_S. Francisco de Assis, que se negou a aceitar alguma das famílias
religiosas que existiam no seu tempo: Teria sido uma prisão do Carisma
Franciscano.A razão é que quem está nas estruturas age por meio de leis e
regras. Ora, a vida da Igreja procede de ações nas pessoas. Durante séculos, a evangelização
foi, feita dentro da família, anteriormente a toda ação do clero. O clero portanto
vem recolher ( Coordenar, e governar)o que foi plantado por tantos pais e mães
de família.
3. Com o
tempo, os carismas podem apagar-se. Institutos religiosos entram em decadência,obras
caem no formalismo e já não fazem mais nada, paróquias transformam-se em
service-station de distribuição de sacramentos. As estruturas tornam-se fixas,
inertes e somente produzem ações repetitivas sem sentido. Perderam o seu sabor.
Esperam-se novos carismas.Vem o momento em que a estrutura se torna mais
importante do que Deus e ocupa o lugar da realidade sagrada. Foi a luta dos
profetas contra o povo escravizado pelas hierarquias, a luta de Jesus contra as
autoridades de Israel.A história é
uma sucessão de decadências e de reviravoltas, de queda na inércia e de retomo
da vida. O Espírito manda novos carismas que suscitam uma nova vida. As estruturas
por si mesmas não têm condições para infundirem vida de novo. A vida pertence ao
Espírito e não pertence a categorias humanas mesmo revestidas de seu caráter sagrado.No entanto, haverá progresso ou retrocesso?Somente Deus
pode julgar. Não temos documentação (Nem o amplo olhar de Deus) suficiente para
saber se o século XX foi melhor do que os anteriores ou o inverso.
4. Estamos
numa época muito especial na Igreja católica, na qual é difícil, senão impossível,
uma mudança séria, que dê liberdade aos carismas. O sinal foi a detenção de posta
em prática do Vaticano II com uma prática oposta, que foi quase apagando os
últimos traços do Concílio. Subsistem palavras, mas quase nada de realidade de
tantos esforços para adaptar a Igreja ao século XX.Não há nenhum mecanismo
previsto nas estruturas para iniciar uma mudança. Ao invés, tudo está previsto
para impedir que pessoas muito carismáticas possam desequilibrar a situação
estabelecida.A situação é
tal que só um Papa pode abrir portas e janelas.Um bilhão de católicos não podem
absolutamente nada. Tudo_depende de uma pessoa só. Assim foi também no partido
comunista. E por isso, tanto depende da escolha do sucessor do Papa atual. Ele
poderá bloquear tudo ou dar espaço a uma nova história. O Papa por si só pode(aparentemente)
paralisar milhões de católicos. Tal foi o resultado da montagem do esquema
gregoriano durante 1000 anos. Neste pontificado, o sistema alcançou o seu estado
culminante. Cada sínodo revela uma situação constrangedora: episcopados que não
sabem dizer nada. Os bispos são tão reprimidos que até perderam a consciência disso
acham que têm toda liberdade de falar. Acontece que são tão reprimidos que já não
sabem falar mais nada a não ser futilidades. Lembremo-nos:
quando Lenine tomava o poder em São Petersburgo, o Santo Sínodo da Igreja russa
estava reunido. De que tratavam? De problemas de rubricas litúrgicas. Hoje em
dia, um clamor se levanta desde milhões H_milhões de católicos. É assim como às
vésperas da Reforma de Lutero. E de que maneira respondeu a Igreja? Pelo 5° Concílio
de Latrão, que não disse mais do que repetir as coisas de sempre. Hoje, o que foi
dito no Sínodo da América? Nada de novo, a não ser repetir as coisas de sempre,cem
vezes repetidas.A hierarquia
não tem mais consciência de seus carismas. Os carismas estarão no meio dos
leigos, em jovens ainda desconhecidos que lançarão as novidades do século XXI.
É bom que tantas assembleias episcopais tenham dado tantas provas da sua
inocuidade. Isto nos mostra que devemos buscar os carismas por outros lados.
5. Qual é a novidade e o elemento
construtivo dos movimentos carismáticos? Trata-se aqui
essencialmente dos carismas sensíveis e do batismo do Espírito. Há algo que é
definitivo e constitui a abertura de um período novo na história da Igreja. A
cristandade está se dissolvendo apesar de tantos esforços para mantê-la
sobretudo na América Latina: os pais não conseguem transmitir sua fé aos
filhos.
Por conseguinte, uma conversão pessoal
é necessária. Tal conversão não se realiza só por meios intelectuais!
São
experiências totais, que envolvem a personalidade concreta. Contêm elementos sensíveis
e emocionais, assim como sucede no batismo do espírito.“O que cultivam os
movimentos carismáticos deverá tornar-se comum na Igreja.”(pois a RCC é
Movimento da Igreja Universal, e não um mero Movimento isolado de Igreja).Os grupos, movimentos,
paróquias que não procedem assim, não têm conversões, não se multiplicam, não
conseguem atingir a nova geração. As próprias comunidades de base terão de
entrar na mesma metodologia ou perceberão por envelhecimento.“Isto não quer dizer que
se possam copiar simplesmente as práticas de tal ou qual movimento de
conversão.”O pior seria
continuar o passado, porque a cristandade está agonizando, apesar do autoengano
praticado em tantas paróquias e tantas dioceses da atualidade.Neste final de
pontificado, todos colaboram para esconder a crise da Igreja Católica.Todos
esperam o novo Papa, porem a crise episcopal é profunda: muitos bispos não sabem
o que fazer ou se aferram ao passado, porque não querem reconhecer que não sabem
o que fazer. Precisamos elaborar fórmulas alternativas (submetidas a
Confirmação do Espírito, e ao Caráter comum do Sensum Fedelius),para que
estejam prontas desde o inicio do novo pontificado.
Pe. José
Comblin
BIBLIOGRAFIA:
-KUNG, Hans. "Estrutura carismática da
Igreja", em Concilium, tomo1, n4, abril de 1965, p. 31-45
-KISTER, John, Signs and instruments of liberation,
Kok, Kampen (Holanda), 1996.
-PARRA,Alberto,
Os ministérios na Igreja dos pobres,
vozes, São Paulo, 1991.
-LAFONT, Ghislain, Imaginer
l'Eglise catholique, Cerf, Paris, 1995.
-O'CONNOR, Edward D., The Pentecostal Movement in Catholic Church, Notre Dame.
-RANAGHAN, Kevin et Dorothy. Le retour de l'Espirit, Cerf, Paris, 1973.
-MUHLEN, Heribert, Die
Erneuerung des christlichen glaubens, Charisma,Geost. Befreiung,
-Munique, 1974
( trad. Esp. Espiritu, Carisma,
Liberacion, Salamanca, 1975).
FONTE: REVISTA MAGIS CADERNOS
DE FÉ E CULTURA - Número 37 – ano 2000 - "CARISMAS: EXPERIÊNCIAS E REFLEXÕES"
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