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EXISTEM RAZÕES PARA APOIAR, OU NÃO, A RCC? PE. JOÃOSINHO (SCJ) RESPONDE!

Written By Beraká - o blog da família on domingo, 7 de novembro de 2010 | 13:10

 









*Francisco Catão[1]



*Pe. João Carlos Almeida[2]




Pediram-nos que elaborássemos uma apreciação teológica do artigo: Existem razões para não apoiar a RCC? escrito por José Luiz Gonzaga do Prado e publicado pela Revista Vida Pastoral[3].
O autor é sacerdote, monsenhor da diocese de Guaxupé, em Minas Gerais e além de lecionar teologia bíblica em Ribeirão Preto-SP, acompanha pastoralmente a Paróquia Santa Rita de Cássia em Nova Resende, MG. Publicou pela Editora Paulus o livro: A Bíblia e suas Contradições como resolvê-las?.É um homem com o carisma de questionar e apaixonado pelas CEB's como um novo modo de ser Igreja.O bispo de Guaxupé, Dom José Geraldo Oliveira do Valle, nos informou que o artigo escrito pelo Monsenhor José Luiz não expressa o pensamento da Igreja Local, que tem normas diocesanas aprovadas para a RCC.Disse ainda que as lideranças da RCC na Diocese de Guaxupé estão em perfeita comunhão pastoral por meio da participação nos Conselhos Paroquiais de Pastoral. Além disso o coordenador diocesano da RCC participa ativamente do Conselho Diocesano de Pastoral.O bispo esclareceu que eventuais desvios de um ou outro membro do movimento são resolvidos pontualmente no diálogo e na comunhão.Porém, enquanto bispo, Dom José Geraldo confia nos seus vigários que são responsáveis por parcelas do povo de Deus nas paróquias.Prefere não interferir se um sacerdote resolve tomar uma atitude extrema como o Monsenhor José Luiz de simplesmente não autorizar qualquer atividade da RCC em sua paróquia.Porém em seu artigo, o Mons. José Luiz não se refere pontualmente à realidade da RCC em sua paróquia ou diocese. O tom do texto é generalizante. Trata-se a RCC como se fosse uma realidade simples e monolítica. Esta parece ser uma primeira imprecisão. O autor não situa suas graves suspeitas no tempo e no espaço. Não relata casos concretos. Apenas enuncia suspeitas genéricas. A falta deste marco referencial sócio-analítico documentado não permite reconhecer o artigo em questão como um texto científico. Serve mais como um desabafo sincero. Neste sentido o texto tem um grande valor para a própria RCC que pode aproveitar a oportunidade para fazer um sério exame de consciência e avançar “para águas mais profundas”.As observações do Monsenhor José Luiz certamente estão de acordo com o que muitos sacerdotes pensam ou suspeitam mas não tiveram o trabalho de registrar em texto. O esforço do autor em escrever e publicar suas impressões com sinceridade, podem servir para um início de diálogo, mesmo que tenso e num certo clima de animosidade.




1. Esclarecimento inicial





É preciso esclarecer inicialmente que a pentecostalidade católica é hoje um fenômeno complexo e polissêmico. Façamos algumas distinções importantes. Inicialmente a RCC era entendida lato sensu como uma espiritualidade. O próprio Cardeal Suenens, já nos primórdios do movimento carismático, promoveu um encontro de teólogos em Malines (Bélgica - 1974) onde a RCC foi definida em termos de espiritualidade não institucionalizada[4]. Porém, ao longo destes últimos trinta anos, o crescimento dos grupos de oração, comunidades carismáticas e meios de comunicação carismáticos, levou ao surgimento de uma estrutura mínima para garantir a comunhão interna desta espiritualidade e a comunhão e diálogo com as diversas Igrejas Locais.
A isto podemos chamar de Movimento da RCC, que conta com história, bibliografia, lideranças, cronograma, estatuto, sede, plano de ação, etc[5]. Tem visibilidade e responsabilidade. É com as lideranças deste movimento que a CNBB tem dialogado. O problema é que a espiritualidade carismática não está totalmente condicionada aos limites do movimento carismático. Além disso, existem outras expressões que não estão totalmente subordinadas ao movimento.É o caso das emissoras de TV de linha carismática que têm suas lideranças e sua estrutura própria. É o caso também das fraternidades que vão surgindo como Novas Comunidades e que estão em processo de discernimento pela Igreja. Elas têm carisma, estrutura e vida própria.Mas estão inseridas na espiritualidade carismática. Mantém uma certa relação com o Movimento RCC. Existe também uma cultura carismática que emerge da religiosidade popular. Esta é mais ampla e antiga que a própria espiritualidade carismática[6]. 
Sob as cinzas do catolicismo popular ainda estão as brasas de figuras carismáticas como Antônio Conselheiro, Pe. Cícero Romão Batista, Frei Damião, ou aquela simpática benzedeira do bairro, que também fazia os partos e enterrava os mortos, ainda que misturando à sua fé alguns elementos de superstição.Há toda uma cultura carismático-popular que se confunde com as romarias e procissões, com a devoção aos santos ou com a Festa do Divino. Algumas igrejas eletrônicas evangélicas de franquia estão instrumentalizando com competência administrativa e técnicas modernas de marketing estes valores do catolicismo popular em favor dos seus cofres. Em sua grande maioria são estes os fiéis que a Igreja Católica está aparentemente “perdendo”.É esta imensa massa de católicos ditos “não-praticantes” que são atingidos pelo discurso carismático, principalmente por meio da TV, que não pede autorização nem sequer para entrar na paróquia do Monsenhor José Luiz. Este fiel “reconvertido” pela TV vai à missa em sua comunidade local e espera que o pároco reze “como aquele padre da TV” . Mas muitas vezes encontra um discurso racionalista e frio e uma liturgia sem o mínimo de ritmo ou beleza. Esta é uma boa razão para que se apóie um grupo local, visível, do Movimento da RCC, com o qual se possa ter um diálogo franco e aberto a fim de pastorear estas ovelhas que voltam para o redil e que precisam reconhecer a voz do seu pastor, promovendo o permanente e sadio discernimento. Certamente esta voz pastoral deverá estar em sintonia com a voz do Bom Pastor, que se expressa sempre na comunhão da Igreja Local e não simplesmente nos escrúpulos da consciência individual.




2. As razões do autor:





O título do artigo é instigante: “Existem razões para não apoiar a RCC?” A publicação em uma revista de circulação nacional tem dado grande notoriedade e repercussão para o texto que é lido por alguns padres em seus sermões e copiado em informativos paroquiais de modo simplesmente acrítico.
O autor procura, “mesmo que nunca tenha sido questionado”, expor as razões que o levam a desautorizar todas as atividades da Renovação Carismática Católica, embora confesse que “gostaria de que alguém o convencesse do contrário, com razões sérias e objetivas, não de mera conveniência ou oportunismo”. Acrescenta ainda: “Terei o maior prazer em ver minha posição corrigida, especialmente se isso for feito por pessoas competentes nas áreas de psicologia e ou parapsicologia”. Sua posição se apóia na alegação de que as atividades promovidas pela RCC assemelham-se a desequilíbrios psíquicos observados em diversas manifestações religiosas, inclusive na comunidade cristã através dos séculos, desde a primeira antiguidade. No candomblé e na RCC, observa, verificam-se fenômenos do tipo do “transe hipnótico coletivo, provocados pelo clima emocional, pela música, pela dança e, especialmente, pelo ritmo”. Mesmo que não se chegue a tanto, acrescenta: “não podemos negar que [o que se passa na RCC] é uma explosão do emocional a impedir qualquer raciocínio razoável, racional e lógico. Não me sinto capaz de ver nisso, conclui, uma manifestação de Deus”[7].Colocado o princípio, o autor passa a catalogar como expressões desse comportamento, diversas práticas admitidas ou até estimuladas oficialmente pela RCC: curas e conversões várias incoerências no que respeita as oposições Espírito – moralismo farisaico, Deus carrasco – demônio, espírito – fundamentalismo bíblico, curandeirismo cristão – curandeirismo popular, concepção dinâmica de cristandade – cristandade sem projeto pastoral e, por último, o contraste, em Lucas, da oposição entre a insistência na oração e a presença do Espírito em toda a vida. Finalmente o autor denuncia a alienação, que leva a RCC a priorizar o maravilhoso que distrai do corriqueiro, esvazia a prática cristã do dia a dia, desvia o pensamento do mundo e de seus contrastes e insiste no extramundano, alimentando uma visão mágica de todo o cristianismo.Procuramos profissionais competentes na área de psicologia que pudessem nos ajudar a avaliar a suspeita de que a dinâmica carismática na verdade é uma espécie de transe coletivo. Encontramos uma tese de doutorado na área de Ciências da Religião, elaborada pela psicóloga Rosileny Alves dos Santos e defendida recentemente na Universidade Metodista de São Paulo: “Entre a razão e o êxtase Experiência religiosa e estados alterados de consciência”[8] Segundo esta pesquisadora interdisciplinar, o êxtase não é transe: “Qual é a diferença entre transe e êxtase? Essa diferença dá-se no nível da consciência. No êxtase, as pessoas não perdem o contato com a realidade. Não perdem a vigilância. Mas durante o transe não há registro consciente. Não há memória. Transe em sentido médico geral quer dizer ‘estado de dissociação, caracterizado pela falta de movimento voluntário e, freqüentemente, por automatismo de ato e pensamento, representado pelos estados hipnóticos e mediúnicos. Transe pode compreender dissociação mental ou apenas parcial e é, freqüentemente, acompanhado de visões excitantes ou ‘alucinações’, cujo conteúdo nem sempre é lembrado subseqüentemente de maneira tão clara’”[9]. A leitura da pesquisa ampla e profunda desta autora nos permite perceber que o que ocorre na RCC é êxtase religioso e está bastante distante do transe ou da hipnose coletiva.





3. Contraste com a posição oficial da CNBB:






A enorme repercussão do artigo faz com que ele pareça uma palavra inédita e definitiva. Porém, é preciso lembrar que a própria CNBB já se manifestou a este respeito em 1994 com a publicação do Documento 53: “Orientações Pastorais para a RCC”[10]. O texto lembra o direito à liberdade associativa dos fiéis reconhecida e garantida pelo Direito Canônico[11]. Diz ainda: “Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e corrigindo o que for necessário. Nenhum grupo na Igreja deve subestimar outros grupos diferentes, julgando-se ser o único autenticamente cristão.”[12] Portanto a RCC tem legitimidade em nosso cenário pastoral. O mesmo documento chega a afirmar: 
“Os Bispos e os párocos procurem dar acompanhamento à RCC diretamente ou através de pessoas capacitadas para isso. Por sua vez, a RCC aceite as orientações e colabore com as pessoas encarregadas desse acompanhamento. Deve-se também reconhecer a legitimidade de encontros e reuniões específicos da RCC, nos quais seus membros buscam aprofundar sua espiritualidade e métodos próprios, dentro da doutrina da fé e da grande comunhão da Igreja Católica.”[13] Estas e outras diretrizes emanadas do episcopado brasileiro têm sido utilizadas pelas RCC e pelos bispos nas diversas Igrejas Locais como instrumento de diálogo e comunhão. Isto acontece também na Diocese de Guaxupé onde existem normas diocesanas para a RCC. Mas parece que o Monsenhor José Luiz não está em comunhão com as normas de sua própria diocese. Coloca a consciência individual acima da comunhão eclesial. Isto merece uma séria reflexão.






4. O argumento de consciência:





Logo no início de seu artigo o autor afirma que “em consciência” não pode permitir nenhuma atividade característica da RCC em sua paróquia. Afirma que estaria até mesmo pecando se permitisse. É estranho que um sacerdote das CEB’s, tão sensíveis à eclesiologia de comunhão, utilize um argumento tão individualista e conservador, que serviu tantas vezes de fundamento para toda forma de totalitarismo e absolutismo. Diante deste argumento fecha-se qualquer possibilidade de colegialidade. Não há mais possibilidade de diálogo. O que pensar, por exemplo, da consciência dos paroquianos que se sentem chamados a viver a espiritualidade carismática? O respeito à consciência do pároco poderia levar ao desrespeito da consciência nos paroquianos? E se estes disserem que se não promoverem um grupo de oração carismático estarão pecando contra o chamado que Deus lhes fez e que foi ouvido em sua consciência? Estaria criado o impasse e eliminado o conceito de consciência recíproca que torna possíveis os laços de comunhão. Sabemos, porém que a consciência individual não pode ser a última instância da verdade. Seria o reinado do individualismo mais crasso. Certamente que a consciência é um sacrário onde habita Deus[14], porém existem realidades objetivas e externas que ajudam a formar a reta consciência. Conforme explicita a Encíclica Veritatis Splendor: “O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, do qual a pessoa humana se sente atraída e acolhe os mandamentos: A consciência não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e as proibições que estão na base do comportamento humano.”[15] Deste princípio podemos concluir que “no juízo prático da consciência, que impõe à pessoa a obrigação de cumprir um determinado ato, revela-se o vínculo da liberdade com a verdade. Precisamente por isso a consciência se exprime com atos de ‘juízo’ que refletem a verdade do bem, e não com ‘decisões’ arbitrárias. E a maturidade e responsabilidade daqueles juízos — e, em definitivo, do homem que é o seu sujeito — medem-se, não pela libertação da consciência da verdade objetiva em favor de uma suposta autonomia das próprias decisões, mas, ao contrário, por uma procura insistente da verdade deixando-se guiar por ela no agir.”[16]
O cristianismo é essencialmente comunitário. Neste sentido é interessante que o Monsenhor José Luiz deixe uma porta aberta ao diálogo quando afirma que gostaria que alguém o convencesse do contrário. Além disso, enumera uma série de razões que fundamentam sua objeção à RCC. Pede o parecer de psicólogos e parapsicólogos. Esperamos que o parecer de teólogos também possa ajudar a ver a verdade de outros pontos de vista pois, afinal, a verdade nos libertará e educará nossa reta consciência para a elaboração do juízo correto[17].




5. Vícios de pensamento






Vejamos as razões pelas quais o biblista Pe. José Luiz Gonzaga do Prado, pretende desautorizar qualquer atividade da RCC, por não serem senão, segundo sua opinião, do ponto de vista psicológico e parapsicológico, explosões do emocional, destituídas de qualquer racionalidade. Estamos aqui diante de dois vícios graves do pensamento.






5.1. Rejeição do emocional





Primeiro, do ponto de vista antropológico. O autor demonstra uma inaceitável rejeição do emocional em toda experiência humana, fruto, a nosso ver, do racionalismo característico das ciências na modernidade e que é hoje cada vez mais reconhecido como incapaz de dar conta de toda a riqueza do ser humano, da sociedade e do universo. Não se pode fugir ao grave problema trazido para o cristianismo pelo advento da modernidade, que é, no fundo, a questão de Deus, como muito bem o viu o Vaticano II na Gaudium et spes e que está longe de ser resolvido na prática pastoral, em que se constata uma oposição latente entre o encontro pessoal com Cristo, vivido na intimidade da ação imanente, da oração, e o encontro com Cristo no pobre, vivido no compromisso e na ação transitiva. O dualismo entre razão e emoção aqui manifestado é um sintoma antropológico característico do racionalismo da modernidade que não sabe como unir emoção e razão, amor de Deus e amor ao próximo, por ter perdido o contato radical com a raiz da totalidade do ser, a que denominamos Deus.






5.2. Desconhecimento da ação de Deus na história





Em segundo lugar, e diretamente vinculado à perspectiva pastoral, o vício do aparente desconhecimento, da ação de Deus no mundo e na vida dos humanos, através de sua Palavra e de seu Espírito. Assim como a Palavra se encarnou e pessoalmente viveu a mais significativa experiência humana, com uma sensibilidade superior a tudo que podemos imaginar, também o Espírito está presente no íntimo de cada um de nós e na comunidade humana que diz sim a Deus, envolvendo toda a nossa sensibilidade e nos fazendo, pessoal e comunitariamente, viver como seres humanos, cheios de emoção, a experiência de Deus, no encontro pessoal com Jesus, na comunidade, no Espírito. O reconhecimento do papel primordial da experiência humana, vivida com toda a emoção, na raiz do conhecimento de Deus é dado fundamental do Vaticano II, que está na base da renovação pastoral da evangelização e da catequese na Igreja. Este dado foi relembrado pela Dei Verbum e o Catecismo da Igreja Católica (nº 150) o soube resgatar, ao dizer que a fé é, antes de tudo, adesão pessoal a Deus e em segundo lugar, inseparavelmente, do ponto de vista antropológico, é claro, acolhimento da verdade revelada.






5.3. Reducionismo psicológico






No nosso entender, não podemos deixar de denunciar, na base desses dois vícios metodológicos, riscos ainda mais graves, que ferem a própria fé, de emitir juízos de avaliação pastoral, com base, unicamente, na maneira, geralmente limitada e defeituosa de entender os comportamentos humanos, psicológicos e sociais. O que é certo é que a ação da Palavra e do Espírito nos prepara progressivamente para viver em comunidade na luz e no amor de Deus, mas que, como o ensina a história, aqui na terra, em que somos peregrinos, as riquezas ainda que desequilibradas da nossa psicologia e os conflitos da vida em sociedade, longe de serem contrariados, precisam ser assumidos com realismo e humildade, pois desempenham um papel purificador e redentor insubstituível, como se pode ver pelo exemplo de Jesus que foi plenamente humano e viveu de maneira encarnada e real, todos os limites do ser humano, inclusive quando rejeitado pelos mestres em Israel, tendo fracassado em sua pregação social e, finalmente, abandonado pelo Pai na agonia e na cruz.Não é verdade que o emocional tolda completamente a razão nem, muito menos, que suprime a liberdade. A precariedade da condição existencial do ser humano na terra, como pessoas e como comunidades não justifica a orgulhosa pretensão racionalista de que, aos olhos de Deus só tenha valor o que é racional e lógico. Até pelo contrário, não são os sábios desse mundo que têm acesso à sabedoria de Deus, como bem o percebera o apóstolo Paulo, nem os sadios que são visitados pelo médico celestial, mas as Madalenas, os Zaqueus, os Cornélios e as humildes viúvas do Evangelho, aqueles cujo coração arde no encontro com Jesus, os que se deixam emocionar até as lágrimas como o próprio Jesus no túmulo de seu amigo Lázaro, estes são os que vivem na intimidade do Pai e são testemunhas do seu Espírito.






6. Auto-crítica da RCC




Há um grande caminho de discernimento a ser percorrido pela RCC, para cumprir sua vocação renovadora. Na medida em que se constituir como um movimento centrado nos carismas, terá sempre o risco de se envolver com o secundário e com o periférico, em lugar de dar absoluta prioridade ao Espírito que santifica. O serviço que como teólogos somos chamados a prestar à RCC, é levá-la a compreender que é chamada a ser, desde suas origens, há quase quarenta anos, um instrumento de renovação no Espírito, no amor e na santidade, da comunidade cristã trazendo permanentemente a memória viva de Pentecostes[18]. Sua grande tentação é de sobrepor os carismas ao amor, em clara oposição à doutrina da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. A RCC, assim como qualquer modo de ser Igreja, deve evitar toda forma de presunção carismática, conforme a advertência do próprio Concílio Vaticano II[19]. É preciso ainda exercitar permanentemente o dom do discernimento unido à virtude cardeal da prudência, no sentido clássico de recta ratio agibilium[20], sem que isso signifique qualquer forma de amortecimento do fogo do Espírito ou de perda da espontaneidade própria do estilo carismático. Com este exercício permanente se evitará que a oração de cura se transforme em prática de curandeirismo[21] o fanatismo e o fundamentalismo bíblico serão evitados[22] o eventual moralismo farisaico e a visão distorcida de Deus pelo exagero do poder do mal serão inteligentemente superados[23] será superada também uma possível auto-centração no movimento em busca da comunhão com a comunidade local por meio dos diversos organismos de participação e de organização pastoral, sem com isso perder sua identidade, o que empobreceria a Igreja-comunhão serão fortalecidas as iniciativas de promoção humana e solidariedade com os pobres, segundo as orientações da Doutrina Social da Igreja e de acordo com as propostas do episcopado latino-americano e das “Diretrizes gerais da ação evangelizadora na Igreja no Brasil”[24]. Sobre esta última questão é preciso desfazer o mito de que os carismáticos não têm sensibilidade social. É notório em todo o Brasil que se multiplicam dia após dia as iniciativas carismáticas de solidariedade. É certo que este não é um esforço retórico, mas prático. A RCC poderia desenvolver mais uma linguagem neste sentido, por exemplo, nas letras de suas canções, sem que com isso precisasse copiar o sotaque de outros movimentos sociais e de Igreja que já possuem uma retórica da libertação. Mas convenhamos, principalmente neste campo os frutos falam mais alto do que as palavras. O mesmo se diga do envolvimento dos carismáticos na política. Não se iluda quem ainda imagina que seja um envolvimento corporativista, fisiológico ou ingênuo. A qualidade política e social da RCC avança a olhos vistos. O mesmo se diga em relação aos ministérios leigos e ordenados. Por que será que as vocações aumentam nos meios carismáticos e diminuem em outras expressões de Igreja? Não podemos utilizar novamente o refrão viciado da hipnose coletiva, ou da alienação.







7. O sonho da Unidade






A RCC certamente não é uma sociedade perfeita e deve ser submetida a críticas e suspeitas que promovam a necessária e salutar correção fraterna, todavia, excluí-la pastoralmente da Igreja institucional é uma atitude no mínimo ímpia, senão contrária à unidade da Igreja e, além disso, pouco inteligente. Faz pensar naqueles letrados que acusavam Jesus de expulsar demônios em nome de Belzebu, acusação que deu a Jesus a oportunidade de mostrar sua ignorância, pois não é concebível que satanás combata a si mesmo. Precisamos tomar cuidado para não pecar pastoralmente contra o Espírito Santo, como lembra o evangelista nesse contexto, pois é um pecado que não tem perdão… (cf. Mc 3, 22-29).Sobre a autenticidade do estilo carismático de ser cristão não é preciso dizer muito mais do que aquilo que Paulo diz em suas cartas especialmente à comunidade carismática de Corinto. Parece que existiam mesmo nas comunidades pagãs, pré-paulinas, alguns fenômenos em que se misturava a glossolalia com o transe coletivo. Isto foi duramente criticado pelo apóstolo. É preciso rezar também com a inteligência (1Cor 14,15.39). O Espírito não demite nossa consciência nem ignora a liberdade humana. Deus nos fez livres e não podemos ser santos senão no exercício desta liberdade. O transe e a hipnose, portanto, negam a ação do Espírito. Desde os seus primórdios no Brasil a RCC foi escrupulosa em relação a isso. Nunca foi admitida nenhuma dinâmica nos grupos de oração que pudesse se aproximar de uma espécie de “estado alterado de consciência”. A este respeito há muito que pesquisar em relação ao controvertido fenômeno do “Repouso no Espírito”. Pode existir, como testemunham os grandes santos, uma espécie de êxtase, sem que isso signifique transe. Se a dinâmica de oração carismática em algum lugar ultrapassar o êxtase e chegar ao transe, este grupo deverá ser seriamente advertido pelos responsáveis na Igreja Local. Mas não nos parece que esta crítica seja verdadeira na RCC como um todo. Os erros que existem são pontuais e têm recebido correção fraterna dos próprios líderes da RCC.
Finalmente, sobre a comparação das celebrações carismáticas com as práticas do candomblé, deveríamos ter um pouco mais de cuidado e respeito. Deveríamos conhecer melhor as bases do candomblé antes de fazer uma crítica simplista aos seus ritos.  É uma religião de origem animista, pré-cristã, em fase de encontro e diálogo com a fé cristã. Isto merece respeito e acolhida em clima de diálogo inter-religioso. Aliás, seria ótimo se tivéssemos sempre uma atitude mais ecumênica não só entre cristãos, mas entre os diversos modos de ser católico. Talvez RCC e CEB’s descobrissem com isso maiores laços de fraternidade e de comunhão. Esta seria uma ótima forma de celebrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos e colocar em prática o sonho de Jesus: Que sejam um, para que o mundo creia! (cf. Jo 17, 21-23)




NOTAS DE REFERÊNCIA







*[1] FRANCISCO AUGUSTO CARMIL CATÃO, 76, é doutor em Teologia pela Universidade de Strasbourg, atualmente professor de Teologia Sistemática e Espiritual no Instituto Pio XI, dos padres salesianos em São Paulo, e membro do Conselho Editorial de Paulinas. Endereço: cataof@ig.com.br

*[2] JOÃO CARLOS ALMEIDA, 40, é sacerdote da Congregação dos padres do Sagrado Coração de Jesus, mestre em Teologia sistemática pelo ISI-BH, diretor geral e professor Liturgia e Teologia Sistemática da Faculdade Dehoniana, em Taubaté-SP, e doutorando em teologia pela UniFAI-SP e em Educação, pela USP. É o assessor teológico da RCC-BRASIL. Endereço: dir.geral.dh@uol.com.br

*[3] Gonzaga do Prado, José Luiz. Há razões para não apoiar a RCC? em Vida Pastoral 45 (jan/fev 2004), nº 234, pp.20-26.

[4] Cf. VVAA, Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica. Loyola: São Paulo, 1979, 3ª edição. O texto final tem a colaboração de teólogos de peso como Heribert Mühlen, Yves Congar, René Laurentin e Joseph Ratzinger.

[5] Para um conhecimento mais próximo da estrutura da RCC no Brasil e no mundo será útil fazer uma visita ao site www.rccbrasil.org.br e para conhecer a estrutura internacional do movimento e www.iccrs.org

[6] Para entender melhor o fenômeno carismático seria necessário retormar os estudos históricos a respeito do catolicismo popular. Um início de pesquisa pode ser encontrado em REB volume 36, Fascículo 141 (março/1976), com artigos interessantes de J. B. Libanio, R. Azzi, A. Antoniazzi e P. de Oliveira.

[7] A RCC se preocupou com a questão da diferença entre êxtase religioso e transe coletivo desde os seus primórdios. Já na década de setenta era traduzido no Brasil o opúsculo: C. ALDUNATE, Carisma, Ciência e espíritos, Loyola: São Paulo, 1977. Este livro procura a contribuição da psicologia e da parapsicologia para discernir o êxtase religioso que ocorre nos encontros carismáticos. Mais tarde um grupo de profissionais católicos reuniu-se para debater a mesma questão. Suas conclusões estão publicadas em A. L. VELLOSO, Técnicas do poder da mente e a salvação solução ou desafio para a fé? Loyola: São Paulo, 1991, 3ª ed.

[8] A autora defendeu a tese no dia 18 de abril de 2004 e está encaminhando a publicação do texto.

[9] Ioan M. Lewis, Êxtase religioso – Um estudo antropológico da possessão por espírito e do xamanismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 19777, pág. 41. No mesmo contexto a autora cita o interessante estudo: Mircea Eliade, O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase, Mantins Fontes: São Paulo, 1998. In: Rosileny Alves dos Santos, Entre a razão e o êxtase experiência religiosa e estados alterados de consciência, São Bernardo do Campo, fevereiro de 2004. Tese apresentada em cumprimento às exigências do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de doutor na Universidade Metodista de São Paulo. Pág. 37.

[10] Este documento foi o resultado de um amplo trabalho de consulta às bases que resultou em um texto apreciado pelo episcopado brasileiro na 32ª Assembléia Geral da CNBB, em abril de 1994. Após a assembléia o texto foi ainda mais estudado e aprovado pela 34ª Reunião Ordinária do Conselho Permanente, em novembro de 1994. Sobre o conteúdo teológico do documento cf. F.Catão, Carismáticos, um sopro de renovação. São Paulo: Ed. Salesiana, 1995.

[11] Documento 53 da CNBB, nº 18. Na seqüência o texto refere-se ao Papa João Paulo II que, na sua Exortação Apostólica Christifideles Laici (n. 30), aponta critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer associação dos fiéis leigos na Igreja, que podem ser aplicados a todos os grupos eclesiais.

[12] Ibidem, nº 19-20.

[13] Ibidem, nº 23.25

[14] Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes nº 16: “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe soa nos ouvidos do coração: faze isto, evita aquilo. De fato o homem tem uma lei escrita por Deus no seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será julgado de acordo com esta lei”.

[15] JOÃO PAULO II, Encíclica Veritatis splendor, 1993, nº 60.

[16] Ibidem nº 61.

[17] Sobre este clássico texto do Evangelho de João (8,32) é muito interessante o comentário teológico de G. GUTIÉRREZ, A verdade vos libertará confrontos, Loyola: São Paulo, 2000. Tradução do original publicado em Lima, Peru, em 1990. Aprofundamos alguns aspectos soteriológicos desta questão em J. C. ALMEIDA, Livres para amar o conceito de salvação em Gustavo Gutiérrez, São Paulo: Loyola, 1999.

[18] Isto tem sido feito sistematicamente desde a década de setenta. Um livro marcante e bem documentado neste sentido é: OLIVEIRA, Pedro A BOFF, Leonardo LIBANIO, J. B. BETTENCOURT, Estevão. Renovação Carismática Católica. Uma análise sociológica. Interpretações teológicas. Vozes/INP/CERIS: Petrópolis, 1978. Há também a tentativa de sistematização teológica da espiritualidade carismática feita por H. MÜHLEN, Fé cristã renovada: carisma, Espírito, libertação. São Paulo: Loyola, 1980. Mais recente é o ótimo artigo de Clodovis BOFF, Carismáticos e libertadores na Igreja. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, v. 54. nº 237 (março/2000). É preciso indicar o esforço acadêmico de compreensão sociológica do fenômeno carismático feito por: Ricardo MARIANO, Neopentecostais. Petrópolis: Vozes, 1999. Reginaldo PRANDI, Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: EDUSP & FAPESP, 1998. 2ª EDIÇÃO. Brenda CARRANZA, Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Editora Santuário: Aparecida, 2000. Do seio da própria RCC poderíamos indicar alguma bibliografia que já faz esta auto-crítica: B. JUANES, O que é renovação carismática? Loyola: São Paulo, 1994. RCC, A identidade da renovação carismática católica, FUNDEC: São José dos Campos: s/d. RCC, Movimentos Eclesiais. Dom do Espírito, esperança para a humanidade. Santuário: Aparecida, 1999. A. PEDRINI, Carismas para o nosso tempo. Reflexão teológico-pastoral. São Paulo: Loyola, 1994.

[19] Os carismas devem ser recebidos com gratidão e consolação. E não devem ser temerariamente pedidos nem se ter a presunção de possuí-los (cf. LG, 12). Citado no Documento 53 da CNBB, nº 56.

[20] Cf. Santo Tomás de AQUINO, Summa Theologica I-II, q. 57 a. 4,3.

[21] Sobre esta questão cf.: CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre orações para alcançar de Deus a cura. São Paulo: Paulinas, 2000. É fundamental também seguir as orientações oficiais da CNBB que estão no Documento 53, nº 58-61.

[22] Sobre isso já falava o Cardeal Suenens no início dos anos setenta: op.cit., pág. 49-50.

[23] Cf. as orientações a este respeito no Doc. 53 da CNBB, nº 66-68.

[24] Cf. Documento 71 da CNBB.




Fonte: blog.cancaonova.com/padrejoaozinho/



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CIDADÃO DO MUNDO, NORDESTINO COM ORGULHO, Brazil
Neste Apostolado APOLOGÉTICO (de defesa da fé, conforme 1 Ped.3,15) promovemos a “EVANGELIZAÇÃO ANÔNIMA", pois neste serviço somos apenas o Jumentinho que leva Jesus e sua verdade aos Povos. Portanto toda honra e Glória é para Ele.Cristo disse-nos:Eu sou o caminho, a verdade e a vida e “ NINGUEM” vem ao Pai senão por mim" (João14, 6).Defendemos as verdade da fé contra os erros que, de fato, são sempre contra Deus.Cristo não tinha opiniões, tinha a verdade, a qual confiou a sua Igreja, ( Coluna e sustentáculo da verdade – Conf. I Tim 3,15) que deve zelar por ela até que Ele volte(1Tim 6,14).Deus é amor, e quem ama corrige, e a verdade é um exercício da caridade. Este Deus adocicado, meloso, ingênuo, e sentimentalóide, é invenção dos homens tementes da verdade, não é o Deus revelado por seu filho: Jesus Cristo.Por fim: “Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é nega-la” - ( Sto. Tomás de Aquino).Este apostolado tem interesse especial em Teologia, Política e Economia. A Economia e a Política são filhas da Filosofia que por sua vez é filha da Teologia que é a mãe de todas as ciências. “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória...” (Salmo 115,1)

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