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Afinal Rachadinha é Crime ou Não?

Written By Beraká - o blog da família on domingo, 12 de setembro de 2021 | 17:12

 



 

Não há consenso se repasse de salário a deputado é crime, improbidade ou nada

 

 

 

O Ministério Público do Rio de Janeiro suspeita que os funcionários dos gabinetes de 27 deputados estaduais, devolviam parte dos salários aos parlamentares, numa operação conhecida como “rachadinha”. Mas não há consenso sobre o enquadramento da conduta desses deputados. Alguns especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a apropriação dos salários dos assessores configura o delito de peculato-desvio. Outros dizem que o ato se enquadra em corrupção passiva ou concussão. Porém, há quem avalie que o repasse dos vencimentos não é crime, mas ato de improbidade administrativa. E ainda existem profissionais do Direito que creem que a medida é imoral, mas não passível de punições, uma vez que se trata de negociação entre particulares.

 

 

(Informação do Politize)

 


Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), reclama de um procedimento de investigação criminal (PIC) aberto pelo MP do Rio contra um de seus ex-assessores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Fabrício Queiroz. Os promotores consideram suspeitas movimentações financeiras de R$ 7 milhões de Queiroz em três anos. Ele acumulava salários da Alerj e da Polícia Militar, e recebia cerca de R$ 23 mil por mês. Os dados foram enviados ao MP pelo Coaf.O MP-RJ acredita que os funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro – e de outros 26 deputados estaduais – podem ter devolvido seus salários aos parlamentares. O procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, afirmou que, no caso do filho do presidente, os fatos dos quais é acusado podem configurar os delitos de peculato e lavagem de dinheiro. Além disso, Gussem apontou que ele e os demais parlamentares são investigados por atos de improbidade administrativa.

 

 

 

A ConJur perguntou a alguns profissionais do Direito – entre magistrados, advogados criminalistas, delegados e professores – se o repasse de salários de assessores para deputados configuraria crime, ato de improbidade administrativa ou conduta atípica.

 

 

 

-Cinco deles opinaram que o ato configuraria o crime de peculato-desvio. De acordo com o artigo 312 do Código Penal, pratica este delito, sujeito à pena de 2 a 12 anos de reclusão, o funcionário público que desvia, em proveito próprio ou alheio, dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo.

 

 

 

-Um criminalista e professor de Direito Processual Penal destaca que o Ministério Público costuma considerar que há peculato-desvio quando o deputado fica com os vencimentos de seus funcionários.

 

 

 

-Já o advogado Fernando Augusto Fernandes ressalta que, em tese, a conduta pode configurar o crime do artigo 312 do Código Penal. Contudo, ele critica a divulgação precipitada de informações no caso de Flávio Bolsonaro:

 

 

 

“É preciso separar os casos. O clássico caso de deputado, ou chefe de gabinete que nomeia servidor para receber parte do salário é peculato. No entanto a vulgarização de informações sem critério causa danos a servidores que tiveram relações pessoais, assim como confundem negócios de contas conjuntas de servidores com seus cônjuges que são sócios de empresas privadas sem relação com poder público. Em especial esses casos de deputados que nada receberam em suas contas. A divulgação sem critério mistura situações jurídicas distintas”.

 

 

 

Corrupção ou concussão

 

 

O patrimônio é um bem jurídico disponível. Em tese, isso significa que os ganhos de alguém poderiam ser doados como ele quisesse, sem que isso constituísse um ilícito criminal. Porém, o repasse de salários a deputados não é espontâneo, declara o professor de Direito Penal da PUC-RS Fabio Roberto D'Avila.

 

 

O delegado Lucas Magalhães também analisa que, dependendo do caso, é possível acusar os parlamentares de corrupção passiva e concussão. No caso deste último delito, isso ocorreria quando o deputado fizesse uma exigência para seu funcionário do tipo “se você não rachar comigo, não trabalha aqui”.

 

 

 

Improbidade administrativa

 

 

Um ministro do Supremo Tribunal Federal opina que o suposto repasse de salários dos funcionários a Flávio Bolsonaro é ato de improbidade administrativa, mas não delito penal, como peculato.

 

 

 

Os atos de improbidade que gerem enriquecimento ilícito são punidos com a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos; pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos. Já os atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário têm as penas de ressarcimento integral do dano; perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.

 

 

 

Negociação entre particulares

 

 

 

Dois especialistas consultados pela ConJur pensam que a doação de salários a parlamentares não é nem crime nem ato de improbidade administrativa. Um deles afirma que:

 

 

Se trata de uma mera negociação entre particulares. A seu ver, um servidor doar seus vencimentos a alguém “pode ser a coisa mais imoral do mundo, mas crime não é”.

 

 

Outro criminalista e professor de Direito Processual Penal entende ser possível usar a tese de que o salário pertence ao funcionário. Portanto, é privado, e não público, e ele pode fazer o que quiser com a verba. Assim, não haveria crime.Contudo, esse advogado ressalta que, se o servidor for obrigado a repassar os valores, estará configurado o peculato.

 

 

Fonte:https://www.conjur.com.br/2019-jan-23/nao-consenso-enquadramento-repasse-salario-deputado

 

(Informação do Politize)

 

Peculato e 'rachadinha': dificuldade de adequação típica

 

 

Por: *André Callegari

 

 

Apesar das polêmicas que envolvem funcionários públicos que de alguma forma recebem parte do salário de seus funcionários ainda não estarem bem delimitadas nas cortes superiores, porque ora se fala em crime de peculato, ora se menciona que as condutas seriam de improbidade administrativa, buscaremos, de forma breve, verificar a adequação típica ao delito de peculato.

 

 

É certo que no caso da "rachadinha", no primeiro verbo nuclear do tipo penal no artigo 312 do CP, o funcionário público não se amolda, ou seja, não há uma adequação típica a essa conduta sem que se fira o princípio da taxatividade penal. A razão é simples aqui. Para que houvesse esse tipo de conduta, o funcionário teria de praticar uma espécie de apropriação indébita, ou seja, ele mesmo ficar com o dinheiro público diretamente.

 

 

 

Quanto à segunda hipótese do tipo penal, o peculato desvio, que exige para a sua configuração que o funcionário desvie o dinheiro público em seu proveito ou de terceiro, penso que a conduta tampouco se amolda ao tipo penal nos casos de "rachadinha".A razão dessa leitura preliminar se dá em relação às garantias que emergem da tipicidade penal, ou seja, dentro da funções da tipicidade [1] está a de garantir que as condutas tenham uma descrição precisa (taxatividade), não permitindo ao intérprete uma elasticidade maior do que aquilo que está descrito na norma penal incriminadora.

 

 

Nos casos que estão sendo intitulados como "rachadinha", não há propriamente a modalidade desvio em proveito próprio, conduta exigida pelo tipo penal que configuraria a atividade delitiva.

 

 

Ainda que o funcionário, por ocasião da contratação de seus subordinados, diga que uma parte dever retornar para ele, não há propriamente um desvio do dinheiro público. O dinheiro público, nesse caso, chega ao seu destinatário final, que é o subordinado, portanto, não foi desviado. Se o funcionário concorda em devolver parte dos valores recebidos, não há de se falar em peculato desvio. Diferente seria se houvesse uma exigência por parte do funcionário, o que poderia, em tese, tipificar o crime de concussão.

 

 

 

Porém, dito tudo isso, parece-me que o fundamental ainda não foi explorado na questão da tipicidade penal, porque de fato o tipo em comento (artigo 312, CP) menciona que o funcionário deve ter a posse do valor em razão do cargo. Assim, ainda que o funcionário peça de volta parte do salário percebido pelo seu subordinado, a posse efetiva dos valores nunca esteve ao seu alcance. A posse esteve sempre nas mãos da Administração Pública, que faz efetivamente o pagamento direto ao subordinado. Efetivamente se ele posteriormente devolve os valores recebidos, ou parte dele, impede que se afigure a figura típica inserta no tipo penal de peculato.

 

 

 

Tal como a apropriação indébita, o peculato pressupõe no agente a preexistência da legítima posse precária, ou em confiança, da res mobilis de que se apropria, ou desvia do fim a que era destinada" [2].Não me parece que o funcionário público tenha a posse dos valores desviados que lhe são restituídos, ainda que se possa argumentar que as verbas de gabinete, por exemplo, são por ele administradas e destinadas aos servidores contratados. De fato isso pode acontecer, mas ainda assim não configuraria a modalidade de ter a posse propriamente dita. Nesse sentido, Hungria segue ao afirmar que "é o fato do funcionário público, que, tendo em razão do cargo, a posse de coisa móvel pertencente a administração pública ou sob a guarda desta (a qualquer título), dela se apropria, ou a distrai do seu destino, em proveito próprio ou de outrem" [3].

 

 

Como disse linhas acima, o funcionário não tem a posse de coisa móvel pertencente a Administração Pública, fato este que o impede de posteriormente dela se apropriar ou desviar. O fato de haver um acordo entre os subordinados de devolução dos valores escapa dessa modalidade penal.

 

 

 

Feitas essas considerações, ainda que preliminares, porque a questão deverá ser enfrentada pelo STF, sigo com dúvidas em relação ao juízo de adequação típica das condutas de recebimento de parte dos valores pagos aos subordinados e restituídos ao funcionário público. Diferentemente ocorre quando não há funcionário qualquer (caso dos funcionários fantasmas), ou seja, a contratação é fictícia e não há contraprestação de trabalho. Nesse caso, sim, haveria uma apropriação dos valores pelo funcionário público, que não contrata ninguém e recebe os valores de volta.

 

 

 

CONCLUSÃO:

 

 

 

Há opiniões diversas sobre esse tipo de conduta, inclusive com autores que se inclinam pela improbidade administrativa do funcionário ou pela simples imoralidade do ato praticado. Como a ideia era explorar tão somente a tipicidade penal, não adentramos nessas outras hipóteses mencionadas. Aguardemos os pronunciamentos das cortes para saber se o fato descrito justifica a adequação típica do delito de peculato.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

 

 

 [1] CALLEGARI, André Luís. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Atlas, 2014, p. 91.

 

[2] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. V. IX, Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 332.

 

 

[3] Idem, p. 332.

 

 

*André Callegari é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor titular de Direito Penal no IDP/Brasília e sócio do escritório Callegari Advocacia Criminal.

 

 

Fonte:https://www.conjur.com.br/2021-jul-05/callegari-peculato-rachadinha-dificuldade-adequacao-tipica

 

 

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