Não há consenso se
repasse de salário a deputado é crime, improbidade ou nada
O Ministério Público do Rio de Janeiro suspeita que os funcionários dos
gabinetes de 27 deputados estaduais, devolviam parte dos salários aos
parlamentares, numa operação conhecida como “rachadinha”. Mas não há consenso
sobre o enquadramento da conduta desses deputados. Alguns especialistas ouvidos
pela ConJur afirmam que a apropriação dos salários dos assessores configura o
delito de peculato-desvio. Outros dizem que o ato se enquadra em corrupção passiva
ou concussão. Porém, há quem avalie que o repasse dos
vencimentos não é crime, mas ato de improbidade administrativa. E ainda existem
profissionais do Direito que creem que a medida é imoral, mas não passível de
punições, uma vez que se trata de negociação entre particulares.
Flávio Bolsonaro,
filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), reclama de um procedimento
de investigação criminal (PIC) aberto pelo MP do Rio contra um de seus
ex-assessores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Fabrício Queiroz. Os
promotores consideram suspeitas movimentações financeiras de R$ 7 milhões de
Queiroz em três anos. Ele acumulava
salários da Alerj e da Polícia Militar, e recebia cerca de R$ 23 mil por mês.
Os dados foram enviados ao MP pelo Coaf.O MP-RJ acredita que os funcionários do
gabinete de Flávio Bolsonaro – e de outros 26 deputados estaduais – podem ter
devolvido seus salários aos parlamentares. O procurador-geral de Justiça do
Rio, Eduardo Gussem, afirmou que, no caso do filho do presidente, os fatos dos
quais é acusado podem configurar os delitos de peculato e lavagem de dinheiro.
Além disso, Gussem apontou que ele e os demais parlamentares são investigados
por atos de improbidade administrativa.
A ConJur perguntou a
alguns profissionais do Direito – entre magistrados, advogados criminalistas,
delegados e professores – se o repasse de salários de
assessores para deputados configuraria crime, ato de improbidade
administrativa ou conduta atípica.
-Cinco deles opinaram
que o ato configuraria o crime de peculato-desvio. De acordo com o
artigo 312 do Código Penal, pratica este delito, sujeito à pena de 2 a 12 anos
de reclusão, o funcionário público que desvia, em proveito próprio ou alheio,
dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem
a posse em razão do cargo.
-Um criminalista e
professor de Direito Processual Penal destaca que o Ministério Público costuma
considerar que há peculato-desvio quando o deputado fica com os vencimentos de seus
funcionários.
-Já o advogado
Fernando Augusto Fernandes ressalta que, em tese, a conduta pode configurar o
crime do artigo 312 do Código Penal. Contudo, ele critica a divulgação precipitada de
informações no caso de Flávio Bolsonaro:
“É preciso separar os casos. O clássico caso de
deputado, ou chefe de gabinete que nomeia servidor para receber parte do
salário é peculato. No entanto a vulgarização de informações sem
critério causa danos a servidores que tiveram relações pessoais, assim como confundem negócios de contas conjuntas de servidores com seus
cônjuges que são sócios de empresas privadas sem relação com poder público.
Em especial esses casos de deputados que nada receberam em suas contas. A
divulgação sem critério mistura situações jurídicas distintas”.
Corrupção ou concussão
O patrimônio é um bem
jurídico disponível. Em tese, isso
significa que os ganhos de alguém poderiam ser doados como ele quisesse, sem
que isso constituísse um ilícito criminal. Porém, o repasse de salários a deputados não é
espontâneo, declara o professor de Direito Penal da PUC-RS Fabio Roberto
D'Avila.
O delegado Lucas Magalhães também analisa que, dependendo do caso, é
possível acusar os parlamentares de corrupção passiva e concussão. No caso
deste último delito, isso ocorreria quando o deputado
fizesse uma exigência para seu funcionário do tipo “se você não rachar comigo,
não trabalha aqui”.
Improbidade
administrativa
Um ministro do Supremo Tribunal Federal opina que o suposto repasse de
salários dos funcionários a Flávio Bolsonaro é ato de
improbidade administrativa, mas não delito penal, como peculato.
Os atos de improbidade que gerem enriquecimento ilícito são punidos com a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos; pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos. Já os atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário têm as penas de ressarcimento integral do dano; perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.
Negociação entre
particulares
Dois especialistas
consultados pela ConJur pensam que a doação de salários a parlamentares não é
nem crime nem ato de improbidade administrativa. Um deles afirma que:
Se trata de uma mera negociação entre particulares. A seu ver, um
servidor doar seus vencimentos a alguém “pode ser a
coisa mais imoral do mundo, mas crime não é”.
Outro criminalista e
professor de Direito Processual Penal entende ser possível usar a tese de que o
salário pertence ao funcionário. Portanto, é privado, e não público, e ele pode
fazer o que quiser com a verba. Assim, não haveria crime.Contudo, esse advogado
ressalta que, se o servidor for obrigado a repassar os valores, estará
configurado o peculato.
Fonte:https://www.conjur.com.br/2019-jan-23/nao-consenso-enquadramento-repasse-salario-deputado
Peculato e
'rachadinha': dificuldade de adequação típica
Por: *André Callegari
Apesar das polêmicas
que envolvem funcionários públicos que de alguma forma
recebem parte do salário de seus funcionários ainda não estarem bem delimitadas
nas cortes superiores, porque ora se fala em crime de peculato,
ora se menciona que as condutas seriam de improbidade administrativa,
buscaremos, de forma breve, verificar a adequação típica ao delito de peculato.
É certo que no caso da "rachadinha", no primeiro verbo nuclear
do tipo penal no artigo 312 do CP, o funcionário
público não se amolda, ou seja, não há uma adequação típica a essa conduta sem
que se fira o princípio da taxatividade penal. A razão é simples aqui.
Para que houvesse esse tipo de conduta, o funcionário teria de praticar uma
espécie de apropriação indébita, ou seja, ele mesmo ficar com o dinheiro
público diretamente.
Quanto à segunda
hipótese do tipo penal, o peculato desvio, que exige para a sua configuração
que o funcionário desvie o dinheiro público em seu proveito ou de terceiro,
penso que a conduta tampouco se amolda ao tipo penal nos casos de
"rachadinha".A razão dessa leitura preliminar se dá em relação às
garantias que emergem da tipicidade penal, ou seja, dentro da funções da
tipicidade [1] está a de garantir que as condutas tenham uma descrição precisa
(taxatividade), não permitindo ao intérprete uma elasticidade maior do que
aquilo que está descrito na norma penal incriminadora.
Nos casos que estão sendo intitulados como "rachadinha", não há propriamente a modalidade desvio em proveito próprio,
conduta exigida pelo tipo penal que configuraria a atividade delitiva.
Ainda que o
funcionário, por ocasião da contratação de seus subordinados, diga que uma
parte dever retornar para ele, não há propriamente
um desvio do dinheiro público. O
dinheiro público, nesse caso, chega ao seu destinatário final, que é o
subordinado, portanto, não foi desviado.
Se o funcionário concorda em devolver parte dos valores recebidos, não
há de se falar em peculato desvio. Diferente seria se houvesse uma exigência
por parte do funcionário, o que poderia, em tese, tipificar o crime de
concussão.
Porém, dito tudo
isso, parece-me que o fundamental ainda não foi explorado na questão da
tipicidade penal, porque de fato o tipo em comento (artigo 312, CP) menciona
que o funcionário deve ter a posse do valor em razão do cargo. Assim, ainda que
o funcionário peça de volta parte do salário percebido pelo seu subordinado, a
posse efetiva dos valores nunca esteve ao seu alcance. A posse
esteve sempre nas mãos da Administração Pública, que faz efetivamente o
pagamento direto ao subordinado. Efetivamente se ele
posteriormente devolve os valores recebidos, ou parte dele, impede que se
afigure a figura típica inserta no tipo penal de peculato.
Tal como a
apropriação indébita, o peculato pressupõe no agente a preexistência da
legítima posse precária, ou em confiança, da res mobilis de que se apropria, ou
desvia do fim a que era destinada" [2].Não me
parece que o funcionário público tenha a posse dos valores desviados que lhe
são restituídos, ainda que se possa argumentar que as verbas de gabinete, por
exemplo, são por ele administradas e destinadas aos servidores contratados. De
fato isso pode acontecer, mas ainda assim não configuraria a modalidade de ter
a posse propriamente dita. Nesse
sentido, Hungria segue ao afirmar que "é o fato do funcionário público,
que, tendo em razão do cargo, a posse de coisa móvel pertencente a
administração pública ou sob a guarda desta (a qualquer título), dela se
apropria, ou a distrai do seu destino, em proveito próprio ou de outrem"
[3].
Como disse linhas acima, o funcionário não tem a posse de coisa móvel
pertencente a Administração Pública, fato este que o impede de posteriormente
dela se apropriar ou desviar. O fato de haver um acordo
entre os subordinados de devolução dos valores escapa dessa modalidade penal.
Feitas essas
considerações, ainda que preliminares, porque a questão deverá ser enfrentada
pelo STF, sigo com dúvidas em relação ao juízo de adequação típica das condutas
de recebimento de parte dos valores pagos aos subordinados e restituídos ao
funcionário público. Diferentemente
ocorre quando não há funcionário qualquer (caso dos funcionários fantasmas), ou
seja, a contratação é fictícia e não há contraprestação de trabalho. Nesse caso, sim, haveria uma apropriação dos valores
pelo funcionário público, que não contrata ninguém e recebe os valores de
volta.
CONCLUSÃO:
Há opiniões diversas
sobre esse tipo de conduta, inclusive com autores que se inclinam pela
improbidade administrativa do funcionário ou pela simples imoralidade do ato
praticado. Como a ideia era explorar tão somente a tipicidade penal, não
adentramos nessas outras hipóteses mencionadas. Aguardemos os pronunciamentos
das cortes para saber se o fato descrito justifica a adequação típica do delito
de peculato.
REFERÊNCIAS:
[1] CALLEGARI, André Luís. Teoria Geral do
Delito. São Paulo: Atlas, 2014, p. 91.
[2] HUNGRIA, Nélson.
Comentários ao Código Penal. V. IX, Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 332.
[3] Idem, p. 332.
*André Callegari é advogado
criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid,
professor titular de Direito Penal no IDP/Brasília e sócio do escritório
Callegari Advocacia Criminal.
Fonte:https://www.conjur.com.br/2021-jul-05/callegari-peculato-rachadinha-dificuldade-adequacao-tipica
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