Talvez nem façamos ideia, mas a Bíblia é o livro mais vendido, distribuído e impresso em toda a
História da humanidade! Só no século XX foram impressos mais de um bilhão e
meio de exemplares, em mais de mil e seiscentos idiomas diferentes, tornando-se
o maior “best-seller” de todos os tempos! Nunca a palavra de Deus foi tão
meditada, lida e comentada como em nossos dias! Mas qual é a origem
da Bíblia? Para que serve? Como deve ser lida? Como rezar com a Bíblia? São
perguntas que tentaremos responder aqui, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas
com a esperança de leva-los a amá-la como fonte de vida plena e eterna!
Não caiu do céu, prontinha com capa, zíper, dividida em capítulos, versículos e já traduzida em nossa língua, ou seja, vários anos se passaram para que ela chegasse até este atual estado que a temos. Ela é a história de
um povo com o seu Deus; não de qualquer povo, mas do povo de Deus, escolhido e
consagrado por Ele, para ser exemplo para todos os povos. Ela nasceu no meio do
povo hebreu, no tempo de Abraão, na terra de Canaã, que em seguida chamou-se
terra de Israel e bem mais tarde Palestina.A palavra Bíblia
provém do grego biblos e significa livros, o que bem demonstra não ser a Bíblia
um único livro. Assim, quando usamos hoje a palavra “Bíblia” nos referimos a um
conjunto de livros. Nela estão agrupados 73 livros, é uma verdadeira
mini-biblioteca que destaca o a aliança e plano de salvação de Deus para com a
humanidade.
E justamente por não ser um livro, mas um conjunto
de livros, a bíblia levou bem mais de mil anos para ser escrita e tomar a forma
de hoje, podemos identificar em sua gestação, que ela passou por 3 fases:
1)– Os acontecimentos:
antes de se tornar um livro, a Bíblia foi uma realidade vivida e experimentada
pelo homem. A essência da Sagrada Escritura não está nas palavras, ou
especulações filosóficas de Deus, mas nos acontecimentos, na experiência, nos
fatos concretos e acontecimentos salvíficos das intervenções divinas.
2)– Tradição Oral:
logo depois dos Acontecimentos, entra em cena a Tradição Oral. Eles eram
contados pelos pais e mães aos filhos, de geração em geração. Esse período
durou cerca de 900 anos. Desta forma, o povo mantinha forte em sua lembrança as
fortes experiências vividas com Deus. “Lembra-te dos dias antigos, considera os
anos das gerações passadas. Interroga teu pai e ele te contará; teus anciãos e
eles te dirão” (Deuteronômio 32, 7). “Assim, pois, irmãos, ficai firmes e
conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por
carta nossa” (2Tessalonicensess 2, 15).
3)– Tradição Escrita:
quando possível, devido às condições políticas, sociais e culturais da época,
algumas pessoas começaram a colocar por escrito as ricas e vastas experiências
do povo eleito de Deus, evitando a deturpação dos fatos. Graças a homens
inspirados pelo Espírito de Santo, também chamados de hagiógrafos, a Bíblia
começou a ser escrita.
Vemos, assim, que a
Bíblia, ou melhor, os livros que a compõem foram escritos por homens, mas
inspirados por Deus, de forma a prevenir erros. O homem foi o instrumento de
Deus e foi movido e dirigido por Ele. No entanto, cabe aqui uma importante observação:
o fato de Deus ter inspirado homens a escreverem os livros que compõem a
bíblia, não significa que tenha anulado a inteligência e a liberdade deles,
veja o que nos diz o Magistério da Igreja a respeito disso:“Na redação dos livros
sagrados, Deus escolheu homens,dos quais se serviu fazendo-os usar suas próprias faculdades e
capacidades a fim de que, agindo Ele próprio neles e por eles,escrevessem, como
verdadeiros autores,tudo e só aquilo que Ele próprio quisesse” (Dei Verbum Nº 11).
Todo
homem busca a felicidade plena, firme e imperecível!
CIC 27: O desejo de Deus é um sentimento inscrito no
coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus
não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a
verdade e a felicidade que procura sem descanso: «A razão mais sublime
da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo
da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é
só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado:
nem
pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente
esse amor e não se entregar ao seu Criador».
CIC 1718: As bem-aventuranças respondem ao desejo
natural de felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo no coração do
homem para o atrair a Si, o único que o pode satisfazer: Todos nós, sem dúvida,
queremos viver felizes, e não há entre os homens quem não dê o seu assentimento
a esta afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada. Como é
então, Senhor, que eu Te procuro? De facto, quando Te procuro, ó meu Deus, é a
vida feliz que eu procuro. Faz com que Te procure, para que a minha alma viva!
Porque tal como o meu corpo vive da minha alma, assim a minha alma vive de Ti.«Só
Deus sacia».
Mas
o que será "ser feliz?"
Ser feliz é possuir tudo o que se deseja, é infeliz,
quem não possui. E pode ser feliz de modo absoluto alguém sujeito a receios? É
claro que não. E pode estar sem receios aqueles que podem perder o que amam, o
que possuem? Tudo o que possuímos está sujeito a mundanças, isto é, podem ser
roubados ou deteriorados. Isto quer dizer que o homem que anseia por algum bem,
não é feliz por não possuí-lo e se ainda sim o possui, não ficará feliz por
anseiar perdê-lo.A verdadeira felicidade possui plenitude e segurança,
satisfazendo o apetite humano. Nada do que é material satisfaz o homem. E qual
é o bem pleno, eterno, imutável e absoluto? Este bem é Deus. Somente Deus é
pleno, eterno, imultável e absoluto. Então quem possui a Deus é plenamente feliz! A posse
de Deus traz a plenitude que é o anseio da alma humana.Em todos os tempos e em
todas as nações da terra, existem sistemas religiosos, comprovando o desejo do
homem pela posse de Deus.Por sua natureza um inseto não pode desejar
conhecer o universo, nem um peixe desejar beber toda a água do oceano. O homem
finito, desejar o infinito é como um peixe desejar beber todo o oceano.
Portanto, Deus criou o homem com o desejo de conhecê-lo. Criou o homem para um
fim sobrenatural, única dimensão que sacia nossa sede de infinito.Mas, assim
como existe o alimento para o corpo, também a alma possui o seu próprio
alimento, que é o conhecimento. Por este motivo, é que Deus deu ao homem a
inteligência que tem sede de conhecimento.Assim como o corpo pode receber
alimentos bons e saudáveis ou ruins e prejudiciais à saúde, assim também a alma.O bom alimento é o
verdadeiro conhecimento, a verdade; o mau alimento é o erro, a mentira.O
adversário oferece ao homem um falso conhecimento de Deus, sempre negando a
onipotência, a onisciência e a onipresença do Criador.A maioria as religiões possuem coisas construtivas
e sementes da verdade, mas a Verdade é única, pois “várias verdades” até mesmo
contraditórias não podem ser reflexo da Verdade única que é Deus. E esta
Verdade se manifesta em sua criação, através da Ciência e da História, assim como
São Paulo nos ensinou: “Porque as suas coisas
invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua
divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas,
para que eles fiquem inescusáveis”(Rm 1,20).
Mas o que é e onde está a verdade?
“Disse-lhe Tomé: Senhor,
nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Disse-lhe
Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim...” (João 14,5-6)
Também
São Paulo nos dá uma pista:
“A Igreja é a Coluna, e
o Fundamento da Verdade” (1Tm 3,15).
Portanto, a Verdade só poder ser encontrada em
Cristo e na sua Igreja. E isto é muito propício, pois se Deus é o bem eterno
que precisamos, e a Verdade é bom alimento para a alma, a Verdade tem que estar
realmente nele na Igreja a qual Ele mesmo edificou (Mateus 16,18).Portanto, o
bom conhecimento é o ensino da Igreja, a sua doutrina. Alguém poderia
perguntar: “Em qual igreja podemos encontrar a verdade, já que vivemos e um
mundo em que várias instituições religiosas se intitulam “Igrejas de Cristo”?
O nosso Deus Uno e Trino nos revelou:
“Eu sou Deus e não mudo”
(Mal 3,6). Nosso Senhor Jesus Cristo também afirmou: “Passarão os céus e a
terra, mas minhas palavras não passarão.” (Lc 21,33).
Cristo fundou uma só Igreja, Uma, Santa, Católica e
Apostólica. Colocou seu fundamento sobre Pedro (Mt 16,18), garantiu esta Igreja
(Mt 16,19), e confiou a ela a sua Doutrina e prometeu a Sua assistência Divina
(Mt 28,20).Na Bíblia é o próprio
Deus que se revela a nós através de sua Palavra. Por isso devemos “acolher a
palavra de Deus, não como palavra humana, mas como mensagem de Deus, o que ela
é em verdade” . Ela é “viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois
gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e
discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4, 12). Além
disso “toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para
repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se
torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (2Timóteo 3, 16).
Recapitulando - A
bíblia serve para:
1)-Que as pessoas
creiam em Jesus Cristo: João 20, 30 – 31
2)-Ajudar os cristãos
a caminharem: Salmo 118(119); 105
3)-Para nossa instrução:1Coríntios
10, 11
4)-Para ajudar-nos a
instruir, refutar, corrigir e educar na justiça:2Timóteo 3, 16
São Jerônimo (+ 420)
dizia: “Desconhecer as Sagradas Escrituras é ignorar o próprio Jesus Cristo”.
Santa Teresinha do Menino Jesus, falando do Evangelho, escreveu: “Acima de tudo, o que
me sustenta durante a oração é o evangelho. Nele encontro tudo o que necessita
minha pobre alma. Nele continuamente descubro novas luzes e sentidos ocultos e
misteriosos...” (Ms A 83v). No entanto, não basta
conhecer a Bíblia, é preciso coloca-la em prática de maneira fiel e criativa
(Tiago 1, 22). A Bíblia precisa tornar-se fonte da nossa força, luz de nossa
caminhada e objetivo de todo nossos trabalhos.
QUAIS OS “SENTIDOS INTERPRETATIVOS” DA BÍBLIA CONFORME O MAGISTÉRIO
DA IGREJA?
CIC §115: Segundo uma antiga tradição, podemos
distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido
espiritual, sendo este último subdividido em sentido alegórico, moral e
analógico.
A concordância profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza à
leitura viva da Escritura na Igreja.
CIC §116: O sentido literal. É o sentido
significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese que segue as
regras da correta interpretação. "Omnes sensus fundantur super litteralem
- Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) devem estar fundados no
literal".
CIC §117 O sentido espiritual. Graças à unidade do
projeto de Deus, não somente o texto da Escritura, mas também as realidades e
os acontecimentos de que ele fala, podem ser sinais.O sentido alegórico. Podemos adquirir uma
compreensão mais profunda dos acontecimentos reconhecendo a significação deles
em Cristo; assim, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo,
e também do Batismo.O sentido moral. Os acontecimentos
relatados na Escritura devem conduzir-nos a um justo agir. Eles foram escritos
"para nossa instrução" (1Cor 10,11). O sentido anagógico. Podemos ver
realidades e acontecimentos em sua significação eterna, conduzindo-nos (em
grego: "anagogé"; pronuncie "anagogué") à nossa Pátria.
Assim, a Igreja na terra é sinal da Jerusalém celeste.
CIC §118: Um
dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos: “Littera gesta docei,
quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia.” (A letra ensina o que
aconteceu; a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a
anagogia, para onde deves caminhar).
CIC §119: "É dever
dos exegetas esforçar-se, dentro dessas diretrizes, por entender e expor com
maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de que, por seu
trabalho como que preparatório, amadureça o julgamento da Igreja. Pois todas
estas coisas que concernem à maneira de interpretar a Escritura estão sujeitas,
em última instância, ao juízo da Igreja, que exerce o divino ministério e
mandato do guardar e interpretar a Palavra de Deus" - “Ego vero Evangelio non crederem, nisi me
catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas.” (Eu não creria no
Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja católica" –Sto.
Agostinho).
COMO A BÍBLIA DEVE SER LIDA?
A Bíblia é a Palavra
Viva de Deus. Precisamos ter a consciência de que:
a)-“Toda Escritura é inspirada
por Deus” (2Timoteo 3, 16).
b)-“Nenhuma profecia
da Escritura é de interpretação pessoal” (2Pedro 1, 20).
c)-Que “nelas há
algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou
pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com
as demais Escrituras” (2Pedro 3, 16b).
No
Concílio Ecumênico Vaticano II lemos que:
“…para bem captar o
sentido dos textos sagrados, deve-se atender com não menor diligência ao
conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levada em conta a Tradição viva da
Igreja toda, e a analogia da fé” (Dei Verbum 12).
ATENÇÃO! As escrituras prefiguram no
A.T. aquilo que se cumpre no N.T
1)-A messianidade de
Jesus (seu plano integral de salvação e os valores do seu reino).
2)-Prenúncio e o
advento do Espírito Santo. (o grande mistério da Santíssima Trindade).
3)-A maternidade e
missão intercessora e corredentora de Maria a mãe do Nosso Senhor!
4)-A Igreja Samaritana e Coluna e Sustentáculo da Verdade!
Por tudo isso, se conclui que
não devemos ler a bíblia como se estivéssemos lendo um livro qualquer, mas sua
leitura exige respeito, humildade e prudência. Por isso é muito importante
buscarmos participar de Círculos bíblicos Católicos, Cursos de bíblia, etc, que facilmente
podemos encontrar em nossas comunidades, paróquias e dioceses, e se não houve supliquemos aos nossos padres de bispos!
COMO REZAR COM A
BÍBLIA? (A LEITURA ORANTE)
A lectio divina é mais que uma simples leitura
espiritual, ou oração com a Palavra de Deus, ela é itinerário espiritual no
qual o fiel atento ao ensinamento procura aplicá-lo em sua vida por uma
constante busca de conversão de seus costumes. Alguém perguntou a abba do deserto Santo Antão:
“que devo fazer para agradar a Deus?” Respondeu o ancião: “Observa o que te ordeno: onde
quer que vás, tem sempre a Deus diante dos olhos; o que quer que faças, tem o
testemunho das Sagradas Escrituras, de qualquer lugar onde estiveres não te afastes
facilmente”. Observa estas três coisas e serás salvo (Abba. 34. in: REGNAULT.
2000.42-43).Contudo aqui surge outro problema: para se ter
acesso às estas lições é necessário proceder-se uma leitura do texto, então
como se deve entender leitura em toda a dimensão da lectio divina? Efetivamente a leitura é um instrumento, mas ela não se
constitui a finalidade, ela é um primeiro passo que leva a atitude primordial
uma meditatio, uma ruminatio, uma meditação e ruminação do texto sagrado, da
lectio divina, da lição divina.Nos primeiros séculos da fé cristã a visão de mundo
se pautava, efetivamente, em uma compreensão de que Deus estava presente e
permeava todos os espaços. Ele era um Deus conosco, próximo, existencial. Não
havia a possibilidade de conhecê-lo, mas tinha-se a convicção de que Ele era o
promotor de todos os eventos, Ele movia toda a criação, Dele descendiam todas
as coisas. Sendo assim, a vida era um eterno celebrar a Deus e uma eterna
criação, na qual Deus, a cada dia, refaz sua obra afim de que ela chegue à
plenitude do ser. Por este motivo o homem procurava viver de forma tal que sua
conduta agradava a Deus. Nos antigos fragmentos dos Padres do Deserto, que se
chamam: apoftegmas, das perguntas que os discípulos faziam aos mestres a mais
comum era: “O que devo fazer
para agradar a Deus?”. A vida do cristão, nos primeiros séculos da era cristã,
se resumia a isto: "buscar, com sua vida agradar a Deus"!
No que a lectio
contribuiria para tal?
A lectio é a lição doada por Deus para ser
constantemente vivenciada, ruminada, transformada em vida. Por isso ela se
constituía a prática primeira que proporcionava ao homem esta busca constante
de conversão de vida, que paulatinamente vai proporcionando o resgate de sua
semelhança com Deus. Contudo, esta forma de visão acabou sofrendo modificações
essenciais ao longo dos séculos e aproximadamente no século XI e XII ganhou uma
nova interpretação.Aqui se deve ter em mente que as mudanças sociais,a
saída do campo (feudo) para as cidades, a Igreja já estabelecida como
instituição com poder espiritual e temporal (político),influenciaram muito na
formação de uma nova visão de mundo. “Com a crescente prosperidade da Europa, o
clero da Igreja encontrava mais tempo para investigar os interesses
intelectuais. Sob essas novas circunstâncias, a Igreja começou a patrocinar uma
tradição de erudição e educação de extraordinário fôlego, rigor e profundidade”
(TARNAS. 2000. 197).Percebe-se que o interesse desta época está no aprofundamento
do conhecimento, a parte espiritual
não é descartada de forma alguma, mas já não é a principal preocupação. As obras piedosas não estavam mais tão ligadas a
uma vivencia profunda, mas a “assistência a alguns ofícios religiosos, a certas
procissões, a prática de certas devoções”. Cabe aqui ressaltar que esta é a
perspectiva predominante do que foi vivido pela Igreja, deve-se lembrar que em
reação a esta circunstância ocorreram algumas reformas das ordens religiosas, e
o nascimento de outras que buscavam viver de forma radical o Evangelho e a
Regra. Cabe citar, a título de exemplo; a Ordem dos Cartuxos fundada em 1084; a
Ordem Cisterciense, fundada em 1098; a Ordem dos Frades Menores, instituída por
volta do ano de 1205; entre outras. Nesta época, devido as grandes especulações intelectuais,
a Sagrada Escritura era tomada, muitas vezes, como um livro de simples estudo,
a revelação da lição aplicável à vida, já não era o centro. Ela era mais um
livro do qual se retiravam questões para uma posterior discussão
intelectualizada, do que um livro que trazia lições a serem meditadas, rezadas
e vivenciadas. Nos mosteiros houve uma defesa contra tal prática, os monges
buscaram demonstrar que a lectio era, e é, o centro da vida cristã. Em especial
um abade cartuxo, Guigo II, em uma carta sobre a vida contemplativa, demonstra
esta centralidade. Contudo cada vez mais a lectio divina ia perdendo campo, até
que no século XVI ela cairá em desuso, e descamba para a necessidade de se especular
sobre as coisas concretas e materiais da vida. É aqui que novas formas e
métodos de mediação surgem todos procurando uma introspecção uma análise
existencial pautada na psicologia, em métodos racionais, de descoberta de si,
mas que não possuíam alguma relação com a Sagrada Escritura. Assim, no que diz
respeito à lectio divina, pode-se afirmar, que foi esquecida por muitos anos na
prática da Igreja. É certo que nos mosteiros ela continuava, mas isso era uma
exceção. Somente no Concílio Vaticano II é que a Palavra de Deus volta do seu
exílio, quando é retomada a proposta de uma “genuína doutrina sobre a Revelação
divina e sua transmissão”.(DV 1).Um subir da alma até Deus e um descer de Deus a te a
alma. É nesse contexto que o escrito de Guigo deve ser inserido: os degraus das
etapas da Lection, são meios de se chegar a Deus, mas não se constituem um
caminho a ser seguido necessariamente e em ordem, não é método, mas direção
espiritual, onde Deus e não o homem, é o artífice.Os quatro degraus, ou as quatro
diretrizes são: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação.
Cabe ressaltar que elas não se constituem diretrizes para
um momento de oração, mas são etapas vivenciadas ao longo do crescimento
espiritual da pessoa:
1)- A leitura e a meditação são as duas realidades
primeiras para a lectio, pois é por meio da leitura, do contato com a
Escritura, que uma pequena análise existencial começa a ser realizada, o
impacto das Verdades divinas com a vida pessoal, gera um momento de questionamento, de perguntas que
surgem sobre a vida.
2)- A partir disso pode ser que, dependendo da Vontade da
pessoa, um momento de meditação, de ruminação, de perceber no que aquela
Palavra nos incita a reconhecer e a mudar em nossas vidas. Essa realidade não é simplesmente teórica, mas leva
e impulsiona a prática, uma meditação que permaneça em si mesma, em uma análise
daquilo que Deus quer das pessoas, que não é aplicada à vida cotidiana, como
busca de conversão, não se constitui enquanto tal. A meditação cristã sempre
leva a uma mudança a uma ação, pois como diz São Paulo: “Cristo nos impulsiona”
(2 Cor 5,14).
3)- Mas ainda não acaba toda a dimensão da lectio, o
meu impulso de mudança, de busca de conversão não pode ser uma atitude
meramente humana, o ser humano por si só não pode realizar isso, é necessário
ter consciência da necessidade de Deus, como o salmista diz: “Ó meu Deus, criai
em mim um coração puro, e renovai-me o espírito de firmeza (...), Senhor abri
meus lábios, a fim de que minha boca anuncie vossos louvores” (Sl 50,12), pois
se ele não criar, não renovar e não abrir; nada se pode fazer. Sendo essa a dimensão da oração, na qual vamos ao
encontro de Deus e perto dele queremos estar.
4)- Nesta dimensão de vida: de um Deus,
efetivamente, próximo, é que a contemplação é possível. Poder-se-ia perguntar:
no que consiste a contemplação? A
palavra vem do latim: contemplare, e significa estar sob o templo, sob a
presença de Deus. É mais que um simples ver, é estar, permanecer com e em Deus. Sendo essa a beleza da lectio, ela é encarnada na
vida, não é um momento, mas um contínuo ler, meditar, orar e contemplar.
Tudo o que foi visto, não é somente uma necessidade
pessoal, mas comunitária da Igreja, que necessita constantemente de conversão. Portanto, enquanto filhos de Deus e
enquanto Igreja, precisamos de “um novo impulso de vida espiritual, [por meio
da] (...) veneração da Palavra de Deus, que permanece para sempre”(DV 26).
APLICAÇÃO PRÁTICA DO MÉTODO OFICIAL DA
IGREJA NA LEITURA ORANTE DAS ESCRITURAS
Quatro passos simples
para ler e meditar um texto bíblico atráves da Lectio Divina. Busque um lugar
tranqüilo, onde você possa criar um ambiente calmo e recolhido, com silêncio ou
música de fundo, como for melhor, assim feito siga:
1. Leitura: Nesse passo você
deve ler, reler, confrontar passagens paralelas; interpretar símbolos, ver
personagens; quem fala, como fala, a quem fala, quando fala, onde fala, como
agem e reagem as personagens. Nesse passo você deve procurar perguntar e
responder: O que diz o texto? (Vale as
notas introdutórias e as de rodapé das bíblias).
2.
Meditação:
Que valores profundos me evoca o texto? Que sinto ou experimento, como reajo ao
ler este texto? Com que relaciono o texto? Existem duas fases, na meditação, a
primeira de recolher, juntar, reservar sem preguiça; a segunda de ruminar,
digerir tudo o que se recolhe; deixar que as palavras se liguem entre si; criar
clima, atenção, aquecimento interior; preocupar-se para que nada te roube a
Palavra.Discernir, confrontar e deixar que as palavras que recolheste,
guardaste e observaste, se clarifiquem umas às outras. Feito isto, a Palavra
faz o resto. Nesse passo você deve procurar perguntar e responder: Que me diz o
Senhor neste texto?
3. Oração: Em silêncio, pela
palavra, pelo canto, pelo gesto, que digo ao Senhor? Que palavras, canto,
silêncio ou gesto me provoca a Palavra que acabei de ler e meditar? Para
esse passo busco perguntar e responder: Que resposta dou ao meu Senhor que me
fala neste texto?
4.
Contemplação:
Agora é o momento de observar os efeitos dessa palavra sobre você, sobre a sua
vida. Responda aqui: Que sinto em mim? Que experiência me é dada viver agora?
CONCLUSÃO:
Você pode estar se
perguntando: "mas por onde devo começar a leitura? Que livro ler primeiro? Devo
ler o Antigo ou o Novo Testamento?..." Bem, há muitos livros católicos com
sugestões de leituras e estudos bíblicos ordenados e frutuosos, mas uma opção
bem eficaz e tradicional é a Liturgia Diária, ela traz as leituras que em cada
dia a Igreja medita na Liturgia Eucarística. Eis uma regra de ouro que aprendi:
Ler a Bíblia todos os dias. “Feliz aquele que se compraz no serviço do
Senhor e medita sua lei dia e noite” (Salmo 1, 2). Ler todos os dias
sem exceção. Ler quando estiver com vontade, quando sentir falta, mas
também principalmente, quando não estiver com vontade nenhuma. Assim
como você alimenta o corpo todos os dias, deve também alimentar diariamente o
seu espírito com a Palavra de Deus. Então, o que é que você está esperando?
Inclua a leitura da Bíblia no seu dia-a-dia, reze com ela e descubra as
maravilhas que Deus deseja lhe contar!
BIBLIOGRAFIA:
-BÍBLIA DO PEREGRINO.
Trad. Ivo Storniolo et al. São Paulo: Paulus, 2002.
-CATECISMO DA IGREJA
CATÓLICA. Petrópolis: Vozes, 1993.
-CHITTISTER, Joan.
Sabedoria que brota do cotidiano: viver a regra de São Bento Hoje. Trad. I. F
de A. Camargo. Juiz de Fora: Subiaco, 2004.
-CLÉMENT, Olivier.
Fontes: os místicos cristãos dos primeiros séculos, textos e comentários. Trad.
Monjas beneditinas no Mosteiro de Nossa Senhora das Graças. Juiz de Fora:
Mosteiro da Santa Cruz, 2003.
-CONSTITUIÇÃO
DOGMÁTICA: DEI VERBUM. Disponível em: http://www.vatican.va. Acesso em: 12 jan.
2006.
-FIORES, Stefano;
GOFFI, Tullo. Dicionário de espiritualidade. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2005.
-LE GOFF, Jacques. Os
intelectuais na Idade Média. Trad: Maria Julia Goldwasser. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
-REGNAULT, Lucien. À
escuta dos pais do deserto hoje. Trad. Monjas beneditinas do Mosteiro de nossa
senhora das graças. Juiz de Fora: Mosteiro da Santa Cruz. 2000.
-TARNAS, Richard.
Epopéia do pensamento ocidental: para compreender as idéias que moldaram nossa
visão de mundo. Trad. Beatriz Sidou. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
-VEILLEUX, Armand.
Lectio Divina como escola de oração entre os Padres do Deserto. Rio Negro,
[s.n.], 1995.
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APOSTOLADO BERAKASH: Como você pode ver, ao contrário de outros meios midiáticos, decidimos por manter a nossa página livre de anúncios, porque geralmente, estes querem determinar os conteúdos a serem publicados. Infelizmente, os algoritmos definem quem vai ler o quê. Não buscamos aplausos, queremos é que nossos leitores estejam bem informados, vendo sempre os TRÊS LADOS da moeda para emitir seu juízo. Acreditamos que cada um de nós no Brasil, e nos demais países que nos leem, merece o acesso a conteúdo verdadeiro e com profundidade. É o que praticamos desde o início deste blog a mais de 20 anos atrás. Isso nos dá essa credibilidade que orgulhosamente a preservamos, inclusive nestes tempos tumultuados, de narrativas polarizadas e de muita Fake News. O apoio e a propaganda de vocês nossos leitores é o que garante nossa linha de conduta. A mera veiculação, ou reprodução de matérias e entrevistas deste blog não significa, necessariamente, adesão às ideias neles contidas. Tal material deve ser considerado à luz do objetivo informativo deste blog. Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica desnecessária será prontamente banida. Todos as postagens e comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente, a posição do blog. A edição deste blog se reserva o direito de excluir qualquer artigo ou comentário que julgar oportuno, sem demais explicações. Todo material produzido por este blog é de livre difusão, contanto que se remeta nossa fonte. Não somos bancados por nenhum tipo de recurso ou patrocinadores internos, ou externo ao Brasil. Este blog é independente e representamos uma alternativa concreta de comunicação. Se você gosta de nossas publicações, junte-se a nós com sua propaganda, ou doação, para que possamos crescer e fazer a comunicação dos fatos, doa a quem doer. Entre em contato conosco pelo nosso e-mail abaixo, caso queira colaborar:
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